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DEBATEDORES DISCUSSANTS

Democracia e cidadania: notas para um debate sobre direito à saúde

Democracy and citizenship: notes for a debate on right to the health

Regina Bodstein

Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Regina Bodstein E-mail: bodstein@ensp.fiocruz.br

A luta distributiva moderna tem início com uma guerra contra o domínio da aristocracia sobre o principal bem, a terra e em cadeia todos os demais. Era um monopólio pernicioso porque baseado no sangue e no nascimento, com o qual os indivíduos não podiam fazer nada, ao contrário da riqueza, do poder, da educação, que pelo menos, em princípio, podem ser adquiridos (Walzer, 1997).

O objetivo aqui, além de uma contribuição ao debate, é – seguindo as questões cruciais desenvolvidas no artigo de Amélia Cohn sobre o tema da cidadania e dos direitos sociais – pensar aspectos da sociedade contemporânea globalizada, reafirmando a importância da democracia e da cidadania como conquistas da modernidade e como estratégias de aperfeiçoamento das políticas públicas e de diminuição das desigualdades sociais.

A dinâmica de transformação da sociedade, sob efeito da globalização e da chamada "modernidade tardia" (Giddens, 2002) neste novo milênio, revoluciona quase que inteiramente a estrutura social, a agenda governamental e o caráter e conteúdo do conflito social. Se, por um lado, o papel do Estado nesse novo cenário vem sendo questionado é necessário, por outro lado, reafirmar sua importância e acima de tudo a centralidade do espaço público como conquista da democracia e do exercício da cidadania.

Assim, a sociedade moderna (Giddens, 2002) deve ser entendida politicamente pelo viés da invenção democrática e do processo contínuo de invenção de direitos. A democracia, como nos aponta Walzer, quebra o mais insidioso monopólio que é sobre o poder público (Walzer, 1997). Juridicamente é pautada pela afirmação da igualdade de direitos, marcando a distância entre os fundamentos da nova ordem social e aqueles que sustentaram as sociedades pré-modernas que, ancoradas em uma ordem hierárquica rígida, estabelecida quase que exclusivamente pela condição de nascimento, consagravam a desigualdade em lei.

Importa, nessa perspectiva histórica, perceber que é através da dissolução dos vínculos e princípios da antiga ordem social que o chamado processo de diferenciação social e de individualização – exaustivamente conceituado pelos clássicos da sociologia – é institucionalizado. A transformação das hierarquias e as posições sociais preestabelecidas deixam entrever a característica básica da nova ordem liberal e democrática: a igualdade de direitos, base da cidadania e da reivindicação contínua de novos direitos.

A construção de uma utopia social baseada nos direitos humanos e no indivíduo como princípio moral constitui um dos principais aspectos da transformação política da sociedade contemporânea e fundamento dos movimentos emancipatórios. Um aspecto crucial em todo esse processo vem da possibilidade de que a distância entre norma e fato social e, portanto, que a igualdade assumida em lei e as condições reais de desigualdade e injustiça social sejam denunciadas e os direitos reivindicados. Democracia e direitos são assim irmãs siamesas. Direito a ter direitos e a reivindicação de inclusão igualitária no espaço da cidadania são os grandes fundamentos e elementos constitutivos da modernidade, como nos ensinou Hannah Arendt (1971; 1972).

Observa-se, por outro lado, que a luta e o conflito por igualdade e justiça social são tão inerentes a essa nova ordem social como, paradoxalmente, a aspiração contínua pela diferenciação/individualização. Analisando a individualização como um aspecto fundamental do longo processo civilizador, Noberto Elias nos lembra que, a partir da crescente diferenciação da sociedade e com a conseqüente individualização dos indivíduos, esse caráter diferenciado de uma pessoa em relação a todas as demais torna-se algo que ocupa um lugar particularmente elevado na escala social de valores. Nessa sociedade, torna-se um ideal pessoal de jovens e adultos diferir dos semelhantes de um modo ou de outro, distinguir-se, em suma, ser diferente (Elias, 1994).

A igualdade que a cidadania incentiva e protege diz respeito à garantia de que toda e qualquer desigualdade social não seja enraizada, na sua essência, na hierarquia preexistente e na transmissão familiar. Dessa forma, a igualdade que a sociedade liberal democrática apregoa pressupõe um patamar mínimo de direitos, permitindo o acesso e o usufruto de bens que em dado contexto aparecem como imprescindíveis à vida em sociedade e ao processo de individualização. Dahrendorf (1997) sintetiza bem a questão quando mostra que a cidadania é o espaço jurídico da igualdade e dos direitos humanos, terreno compartilhado, de modo a permitir que todos os indivíduos tenham liberdade de serem diferentes.

A democracia é assim inseparável da crença da liberdade, da igualdade e dos direitos, permitindo que a desigualdade, a pobreza e a miséria sejam legitimamente denunciadas e introduzidas na agenda pública. É o caráter inovador da democracia que abre espaço para a renovação de atores e temáticas que compõem a arena política, desencadeando um processo permanente de reivindicação do direito em relação à educação, à saúde, ao trabalho e à segurança entre outros, confrontando e exigindo resposta do poder público. O exercício democrático e a defesa da cidadania têm como pressuposto sujeitos sociais que se organizam para reivindicar direitos. Adquirem, no processo, capacidade crescente de vocalização. Isto é, de se fazerem ouvir e de se representarem no espaço público, ampliando e aprofundando o debate político. A afirmação de direitos implica o fortalecimento de organizações sociais, respondendo pelo processo contínuo de renovação de interesses, identidades e atores. A ampliação e a multiplicação de sujeitos, identidades e interesses modifica constantemente o conteúdo dos conflitos e movimentos sociais. Assim, os conflitos sociais hoje em dia trazem a marca da fluidez e da fragmentação de acordo com os diversos interesses, concepções e organizações da sociedade civil.

O artigo de Amélia Cohn, ao trazer uma reflexão extremamente oportuna sobre o debate político atual e o "contexto de destituição de direitos", lembra, entre outras coisas, que a promessa republicana e liberal de inclusão igualitária de todos os cidadãos não se efetivou, sendo, portanto, um projeto inacabado. É necessário reconhecer que a lógica do desenvolvimento pós-industrial, globalizado e altamente competitivo – desencadeando um conjunto de transformações, cujo impacto tem sido a redução dos postos de trabalho, exigência contínua de qualificação dos trabalhadores, de tal forma que o emprego não oferece mais proteção contra a doença, desemprego e aposentadoria – parece adiar ou até mesmo anular o projeto de inclusão igualitária e de justiça social.

Em um contexto como o nosso de pesada herança de exclusão e pobreza, as conseqüências da globalização adquirem uma perversidade ainda maior. Considerando que a utopia liberal e republicana teve alcance restrito no país, o fundamentalismo de mercado, tão em moda nos últimos tempos, ameaça aprofundar a condição de exclusão e de miséria. O conflito pode ser traduzido entre a capacidade de organização e resistência da sociedade civil e dos movimentos sociais diante da lógica estreita do mercado. De qualquer forma, a novidade é dada, por um lado, pela destituição de direitos relacionados ao trabalho, mas por outro, por um considerável fortalecimento do papel do poder público na oferta de bens e serviços básicos, como no caso da educação e da saúde.

Sem poder me alongar na argumentação que não cabe neste breve comentário, é necessário chamar a atenção para um ponto crucial. A existência no país de um enorme contingente de população historicamente sem acesso aos bens, serviços e direitos básicos da cidadania moderna representa, hoje em dia, em tempos de globalização inevitável, um desafio hercúleo. Em áreas tão cruciais das políticas públicas voltadas para a promoção da saúde, como nutrição, educação, saúde e saneamento básico, cuja oferta insuficiente, implica a contínua ampliação da rede de bens e serviços, os investimentos, ainda que significativos, parecem sempre insuficientes. Esse é o caso do Sistema Único de Saúde entre nós, cujos avanços e conquistas importantes, principalmente se compreendidos na perspectiva da atenção básica (Bodstein, 2002), implicam e exigem novas demanda e investimentos.

No caso recente da descentralização da política de saúde no país – como as pesquisas avaliativas vêm demonstrando –, houve um reconhecível e enorme esforço de estados e, em particular, de municípios na ampliação do acesso e melhoria dos serviços oferecidos. Mais do que isso, esse esforço é ainda mais notável no caso dos municípios pequenos situados nas regiões pobres do Norte e Nordeste do país, situação essa refletida nos dados do último Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil PNUD/IBGE.

Essas questões são crucias para os novos tempos em que vivemos e devem continuar orientando os investimentos sociais, inspirando a sociedade e os movimentos de defesa da saúde pública entre nós. O artigo de Amélia Cohn tem o mérito indiscutível de enfatizar e chamar a atenção para essas questões que pautam o debate político no campo da saúde coletiva entre nós.

Referências bibliográficas

Arendt H 1971. Sobre a revolução. Moraes Editores, Lisboa.

Arendt H 1972. Entre o passado e o futuro.(2ª ed.). Perspectiva, São Paulo.

Bodstein R 2002. Atenção básica na agenda da saúde. Ciência & Saúde Coletiva 7(3):401-412.

Dahrendorf R 1992. O conflito social moderno. Zahar-Edusp, São Paulo.

Elias N 1994. A sociedade dos indivíduos. Jorge Zahar, Rio de Janeiro.

Giddens A 2002. Modernidade e identidade. Jorge Zahar, Rio de Janeiro.

Walzer M 1997. Las esferas de la justicia: una defensa del pluralismo y la igualdad. Fondo de Cultura Económica, México.

Una mirada andina a la mirada de Amélia Cohn

An Andean view of Amélia Cohn's view

Juan Arroyo

Universidad Peruana Cayetano Heredia.

Dirección para correspondencia Dirección para correspondence Juan Arroyo E-mail: juanarroyo@terra.com.pe

Amélia Cohn, reconocida investigadora en el campo de las ciencias sociales en salud, nos entrega ahora esta reflexión profunda sobre los cambios en los patrones clásicos de relación entre Estado y sociedad y en las condiciones para que los sujetos se definan y actúen como ciudadanos. La autora reseña cuatro temas de la agenda que propone a los científicos sociales: el reconocimiento de los nuevos patrones de integración social ante el agotamiento de los patrones de integración social vía el trabajo y vía el mercado; la identificación de los nuevos actores y sujetos sociales; el reconocimiento de los nuevos espacios de construcción de identidades sociales y de derechos y de destrucción de identidades y desregulación de derechos; y el desarrollo de un instrumental analítico adecuado para la formulación e implementación de políticas públicas en las nuevas condiciones. El cuerpo central del artículo está dedicado a dichos temas, que son el marco para arribar al final a una nueva lectura, crítica, de lo que estaría sucediendo con los consejos de salud en Brasil, en que habría un creciente distanciamiento entre representantes y representados y un refuerzo de los particularismos. La autora se pregunta si estas dificultades podrán deberse a la modalidad de participación en los consejos como segmentos organizados de la sociedad, la no diferencia entre interés común y bien común y la primacía de una agenda operativa sobre una agenda política, en un contexto de fragmentación social, retroceso de los derechos sociales y tecnificación de la agenda sanitaria.

Nuestro comentario va a ir al revés del artículo, del tema final al del inicio, para buscar dejar más en claro desde un terreno concreto – la problemática de los consejos de salud – las implicancias de una u otra opción teórica. Lo primero que es preciso anotar entonces es que Cohn se interroga sobre las dificultades de los consejos de salud no desde quienes desearían que no existan sino desde quienes plantean que debe seguir el proceso de "democratización de la democracia" instaurado por la reforma brasileña. Este posicionamiento se desprende del marco conceptual del que parte la autora, esto es, la preocupación por analizar si los mecanismos para la participación de la sociedad en la toma de decisiones en salud, que se instituyó con la reforma, todavía recogen el pulso de los nuevos actores y sujetos sociales surgidos con el tipo de sociedad que ya no se cohesiona a través del trabajo ni del mercado.

Este posicionamiento es conveniente relievarlo porque Brasil representa, en el continente, el esfuerzo más serio de construcción de una institucionalidad participativa en salud. Los demás países latinoamericanos estamos dando apenas los primeros pasos en la democratización de la gestión pública en salud, mientras Brasil enfrenta los nuevos problemas de una democracia participativa en salud. La reforma en Brasil no fué sólo una reforma de la oferta, siempre necesaria, que instituyó el SUS en 1990, sino una reforma sanitaria comprehensiva, que instituyó una democracia sanitaria.

Por eso, en muchos países de América Latina existen Consejos Nacionales de Salud pero sus atribuciones y composición son muy diferentes de los consejos brasileños. La mayoría de estos consejos nacionales tienen como función central la coordinación entre prestadores, siendo muy secundaria la función de concertación entre sociedad y Estado, la formulación abierta de políticas de estado en salud o el control social. No es casual que este tipo de consejos surja en los países que tienen sistemas de salud segmentados, pues su objetivo principal es intentar paliar la fragmentación propia de estos sistemas. Por eso mismo su composición es enteramente distinta a la de los consejos brasileños. El Consejo Nacional de Salud de Brasil tiene 32 miembros, la mitad de ellos de la sociedad civil y sólo seis representantes del Estado. Iguales proporciones en su composición tienen los consejos estaduales y los consejos municipales. En Brasil la función de coordinación del sistema prestacional está ubicada en los niveles que le corresponde, las instancias entre el Ministerio de Salud y las secretarías de Salud estaduales y municipales. Por el contrario en los consejos nacionales de Salud de los países andinos (y centroamericanos) priman de lejos las instituciones prestadoras sobre las organizaciones de la sociedad civil.

Estos consejos de representantes de los prestadores son en realidad un producto inercial de la segunda ola de reformas en salud en el continente, que en la mayoría de los países andinos quedaron inconclusas y no pudieron constituir sistemas nacionales de salud. En consecuencia, estos consejos surgieron para contrarrestar las duplicidades e incoherencias de los sistemas segmentados. De ahí que se entienda la construcción de consensos en salud centralmente entre ofertantes. Por medio de los consejos los ministerios de Salud sientan en la mesa a los representantes de instituciones sobre los cuales en la práctica no tienen rectoría. En Venezuela la Ley Orgánica de Salud de 1998 instituyó el Consejo Nacional de Salud para actuar como órgano de coordinación entre los diversos despachos ministeriales que deban desarrollar acciones en relación con la salud y como órgano de carácter asesor y consultivo del Ministerio de la Salud, con 11 integrantes, todos ellos representantes gubernamentales. Actualmente está en debate recién en el congreso venezolano una nueva Ley Orgánica de Salud que plantea la creación de asambleas de Salud a nivel nacional, estadual, municipal y local con amplia representación de la sociedad. En República Dominicana la Ley del Sistema Nacional de Salud de febrero del 2001 estableció el Consejo Nacional de Salud como "un espacio de concertación para la asesoría en la formulación de la política de salud", con 14 integrantes, siete de ellos representantes de ministerios, tres de prestadores, uno por la corporación médica, uno por la universidad, uno por los municipios y uno para las ONGs. En Perú se acaba de instalar en setiembre del 2002 el Consejo Nacional de Salud como órgano consultivo, de concertación y coordinación, con 12 integrantes, con un esquema similar: tres representantes de ministerios, cuatro de prestadores, uno de municipios, uno de universidades, uno de la corporación médica y uno de las "organizaciones sociales de la comunidad".

Esto quiere decir que los interrogantes de Amélia Cohn sobre la posibilidad de un desfase de la institucionalidad sanitaria brasileña respecto a las nuevas formas sociales fruto del fin de la "sociedad del trabajo" son aún más pertinentes para el resto de América Latina, en que los sistemas de salud funcionan en buena medida endogámicamente sin preguntarse si deben hacer arreglos institucionales que armonicen con la evolución de sus sociedades, pese a que en dichos países los procesos de "deconstrucción" de las sociedades del trabajo han sido anteriores y mucho más destructivos aún que en Brasil. Los consejos de salud andinos están integrados casi siempre por instituciones jurídicas con varias décadas de existencia, pese a que en las sociedades andinas los actores sociales clásicos han perdido mucho peso y su perfil social se ha hecho muy heterogéneo. Estos cambios ameritan otro esquema de concertación, representación y control social. Las probables limitaciones de los consejos brasileños hay que apreciarlas sin embargo en este contexto regional.

La reflexión de Cohn es así sumamente valiosa fuera de Brasil y resulta doblemente meritorio que este examen de las nuevas configuraciones de la exclusión social, este señalamiento de la pérdida de eficacia relativa del concepto de clase social y el análisis de las implicancias del retroceso del homus faber, haya sido hecho desde el centro industrial de Brasil, São Paulo.

En el área andina (y centroamericana, a excepción de México) el proceso de industrialización fué mucho menor que en Brasil y el posterior proceso de desindustrialización/informalización fué mucho mayor. Por tanto se puede decir que los países del área andina representamos más fidedignamente el modelo de sociedades post-industriales subdesarrolladas, cuya dinámica social e identitaria busca Amélia Cohn captar. Vale aclarar que Brasil tiene grandes regiones a su interior muy similares. Lo que cuenta para nuestros propósitos sin embargo es el señalamiento de que la mayoría de países andinos arribamos ahora a la condición de post-industriales sin haber sido antes propiamente industriales. Pasamos de la sociedad de clases a la sociedad de masas, esto es, a la sociedad más o menos informal, desproletarizada, autoempleada, desruralizada, incluso antes de la globalización. El denominado "fin del trabajo" fue anticipado. De esta forma la mayor parte de los científicos sociales de este lado del continente, hacia el Pacífico, dejaron hace tiempo la matriz de clases sociales e integraron a su arsenal las metodologías de análisis sobre la pobreza y la desigualdad, sin que ello implicase necesariamente un recorte de las perspectivas, como advierte la autora. De ahí también que el segundo tema sobre la emergencia de "nuevos movimientos sociales" haya sido sucesivamente anunciado por nuestras ciencias sociales desde los 70's y 80's. Somos sociedades "abigarradas" socialmente, en que se superponen todas las gradaciones de lo viejo y lo nuevo, a lo que se agregan los fenómenos identitarios generados por la globalización.

Lo curioso es que esta "deconstrucción" de proporciones no haya originado cambios igual de profundos en nuestros sistemas de salud, que siguieron siendo segmentados, desintegrados y clientelares pese a que estaba – y está – puesta en evidencia la ineficacia del modelo bismarckiano en las sociedades de alto auto-empleo y los límites del "modelo de asistencia pública" para marchar a la universalización del derecho a la salud.

Sin embargo el desfase no es sólo de los sistemas de salud segmentados sino de la institucionalidad política tradicional en salud, el tema central de Cohn. Los ministerios de Salud andinos suelen admitir la participación – casi siempre de tipo "colaborativa" – en la base pero no en el vértice, en la concepción de que como órganos de los ejecutivos no les corresponde organizar los consensos, tarea de los parlamentos. Por ello apuestan todo o casi todo al mejoramiento de la gobernancia de sus aparatos prestadores y soslayan la dimensión de la gobernabilidad democrática en salud. Incluso a veces se inclinan por un modelo de atención preventivo-promocional pero no coligen que, en consecuencia, se requiere para ello una marcha concertada sociedad-Estado en todos los niveles.

Es aquí donde nos topamos con la advertencia de Cohn sobre los problemas de una democracia participativa en salud. La autora en este terreno – apoyándose en Costa – señala que en la actual situación hay una "creciente diferenciación y pluralidad de sujetos y actores sociales con distintos grados de identidad social" y una "tensión entre las esferas pública y privada" por la tendencia a que el mercado imponga su lógica, emergiendo múltiples sujetos sociales como grupos de interés organizados que ocupan y "feudalizan" los espacios públicos. En otras palabras, los espacios de representación, negociación e interlocución no necesariamente son "arenas públicas" sino instancias en que incluso llegando a ponerse de acuerdo los "intereses particulares" en un "interés general", éste no siempre es equivalente del "bien común" porque se da el caso de que sólo representan "particularismos generalizados".

Si esto es verdad en un país con alguna tradición de participación social en la toma de decisiones en salud, lo es con mayor razón en los países en los cuales la anterior reforma burocrática no pudo doblegar completamente al patrimonialismo y en los cuales el desmantelamiento del Estado propiciado en la década pasada afectó la escasa racionalidad estatal existente y amplió los márgenes de maniobra del clientelismo. Si a ello se añaden los nuevos niveles de exclusión fruto de la economía global, podemos entender el resquebrajamiento de los mínimos morales compartidos, el poco sentido de pertenencia y debilitamiento de la cohesión social. A nadie debe extrañar entonces que se hayan acrecentado lo que el public choice denomina "problemas para la acción colectiva".

El artículo de Amélia Cohn es una invitación por tanto a repensar la construcción de ciudadanía y democracia en estas nuevas condiciones sociales, comunes al continente. Habría que añadir que los particularismos no se dan sólo en la sociedad sino en el Estado y que en los países de escasa institucionalidad los gobiernos cerrados son especialmente aptos para la apropiación privada de lo público, siendo necesaria la democracia ya no sólo por tratarse de un fin sino como un medio para transparentar el manejo de lo público y contrarrestar las ineficiencias, las inequidades y la corrupción. Las limitaciones para una actuación ciudadana atraviesan por igual a los que están en el llano, a los que participan en los mecanismos de concertación sociedad-Estado y a los que tienen en sus manos la gestión pública. Lo que hay quizás que asimilar ante el nuevo cuadro social es que ya nunca más veremos la ciudadanía arquetípica del imaginario social anterior. La ciudadanía de nuestros tiempos se muestra esquiva, polimorfa, siempre cruzando intereses y valores, en contínua deconstrucción y recomposición, con faz de apatía pero capaz de incursiones democratizadoras sorprendentes, a la búsqueda incesante de sentidos e identidades, continuamente metabolizando y mutando a nuevos derroteros. Esta es la "sociedad civil" que llega a la arena de la democracia participativa donde ésta ya existe y la que pugna por abrirla en nuestros países andinos. Este último es el caso del Perú, que realizó su I Conferencia Nacional de Salud y constituyó el Foro de la Sociedad Civil en Salud (ForoSalud) en agosto del 2002. Desde aquí no nos es posible siquiera aventurar alguna hipótesis sobre el momento específico que viven los consejos de salud brasileños. Suponemos por diversas experiencias de la sociedad civil que los movimientos-fermento están siempre expuestos a la rutinización del carisma. Y aprendimos también – de la experiencia y con Hirschman – que no existe la posibilidad de un desarrollo de la democracia y de la ciudadanía sin altibajos, rupturas, transiciones y contra-transiciones, y que no hay nada mejor que las miradas vigilantes, autónomas, como la de Cohn, para saber que los retrocesos no serán fáciles.

Sobre as relações entre Estado e sociedade civil: transformações no campo da saúde a partir do referencial das ciências sociais

On relations between State and civil society: transformations in the field of health from the social sciences perspective

Madel T. Luz

Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – IMS/Uerj.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Madel T. Luz E-mail: madelluz@uol.com.br

Pontuando o texto de Cohn, ainda que tangencialmente, proponho-me a discutir brevemente as transformações recentes nas relações tradicionais entre estado e sociedade civil na sociedade brasileira a partir das políticas e instituições de saúde da última década.

A autora do artigo em debate se propõe, por sua vez, a levantar questões sobre quatro pontos principais que deveriam, a seu ver, "constituir a agenda dos cientistas sociais", focalizando as relações entre Estado e sociedade de um ponto de vista macroanalítico, no contexto das grandes mudanças econômico-sociais em curso no capitalismo globalizado. Interroga-se, nesse sentido, sobre a capacidade interpretativa de categorias "clássicas" do referencial teórico das ciências sociais, tais como classe social, movimentos sociais, e a própria noção de Estado e sociedade civil (e suas relações), todas referenciadas ao mundo do trabalho, ou tendo o trabalho como seu núcleo de racionalidade conceitual básico, num mundo em que o mercado (e a inclusão ou exclusão dele), visto agora sob a ótica do consumo (determinante na hierarquia dos "grupos de renda") e não mais da produção, é o marco básico do dinamismo (ou da estagnação) da vida social, construindo (ou desconstruindo) identidades e sujeitos sociais, trazendo para a cena política novos atores e sujeitos que originam direta ou indiretamente políticas sociais específicas (ou "focais").

O primeiro dos pontos de "agenda" propostos por Cohn se refere às novas configurações da exclusão social; o segundo consiste em identificar os novos atores e sujeitos sociais presentes na conjuntura contemporânea; o terceiro se refere à compreensão de novos espaços de construção/desconstrução de identidades e direitos sociais (o que implica uma dinâmica de "novos espaços em política") e o quarto, finalmente, reflete sobre formas de desenvolvimento de instrumental analítico suficiente para compreender e interpretar a formulação e implementação de políticas públicas, considerando-se esta mesma conjuntura.

A questão das políticas públicas sociais, inclusive as de saúde, não constituíram declaradamente tema prioritário nas notas da autora, merecendo "apontamentos" nas últimas páginas do artigo. Mas é justamente esse item que me interesse desenvolver um pouco mais neste breve texto.

É meu interesse, portanto, traçar algumas ligações entre esse tema e os "movimentos sociais", o surgimento de novos atores e sujeitos em política, e a construção ou desconstrução de identidades sociais no novo contexto capitalista, itens apontados com propriedade por Cohn como estratégicos para a compreensão de políticas públicas atuais, e indiretamente para a compreensão das relações Estado/sociedade.

Considero importante fazer este "movimento reflexivo inverso", isto é, pensar o macro nível político social a partir da visão da especificidade de uma política pública, no caso a de saúde, e de suas instituições, para melhor apreender grandes transformações que se dão, muitas vezes, na capilaridade do nível das relações cotidianas institucionais, e que podem passar longo tempo desapercebidas aos olhos dos analistas sociais. Essa dimensão específica da organização do poder social, base estratégica de concretização do poder do Estado e ao mesmo tempo de participação (ou exclusão) da sociedade da ordem política das nações modernas, não mereceu atenção suficiente dos cientistas sociais nem no momento do predomínio das categorias "clássicas" para a análise da relação Estado/sociedade, nem no momento atual, de fragmentarismo das forças sociais e de encolhimento do poder estatal face à realidade econômica e à ideologia neoliberal que a acompanha. Somente Gramsci (e seus seguidores), com sua noção de estado ampliado, na relação com a cultura e a sociedade civil, tratou da questão das relações entre as instituições e os movimentos sociais como estratégicos para transformar o conteúdo do Estado e suas políticas, levando à construção de uma nova hegemonia, numa dinâmica que é ao mesmo tempo política e cultural, pois transforma valores além de criar estratégias e formas inovadoras de ação.

Creio que as políticas de saúde no Brasil das duas últimas décadas, sobretudo, podem ser um exemplo dessas relações e possibilidades, evidenciando novas formas de aglutinação e de combate social ainda não suficientemente explorados nas análises dos cientistas sociais.

Penso também que as instituições (e conseqüentemente as relações institucionais que produzem) traduzem ou expressam geralmente as macropolíticas, principalmente as agendas do Estado em relação à sociedade. Mas em função de sua complexidade dão origem, a partir de seu interior, a um conjunto de reações variáveis de movimentos de resistência, caracterizando-se do bloqueio, sabotagem ou conflito, ao acatamento ou submissão, ou ainda favorecendo a organização (associativa ou combativa) de novos atores "de fora" das instituições (sujeitos da sociedade civil), no sentido de "responder" a tais políticas. Essa é uma forma analítica de considerar de um lado a composição complexa do Estado e, do outro, a diversidade da sociedade civil, que não apenas pode estar "nos dois espaços" ao mesmo tempo, como pode ser os dois ao mesmo tempo.

Esta tem sido uma preocupação constante em meus trabalhos relativos às políticas e instituições de saúde, desde o seu início (Luz, 1979). Em meu último texto (Luz, 2000) referente à questão da centralização X descentralização, ou concentração X concentração do poder institucional, a área da saúde foi o "mote" para que fossem pensados os grandes nós da ordem política e social brasileira, em seu macro nível, bem como para a reflexão sobre os recentes avanços das lutas da sociedade civil, no sentido de garantir maior participação no controle e na gestão das políticas públicas relativas à saúde. Foi também a ocasião para se analisar o avanço de "movimentos sociais" (que prefiro designar de movimentos "civis") e sua nova face de cidadania, em relação à ordem social a partir da saúde, em contraste com a face tradicional dos movimentos sociais da sociedade brasileira.

Desse ponto de vista, a diversidade política que caracteriza a conjuntura atual no Brasil, com traços da ordem patrimonialista e clientelística que marcaram durante séculos a ordem sociopolítica brasileira convivendo com as formas mais avançadas de participação cidadã do mundo atual (servindo inclusive de exemplo para o mundo), nos impede de generalizar efeitos ou características deste ou daquele traço institucional do sistema que encarna, em princípio, a política de saúde em nosso país. Se é possível afirmar, como o faz Cohn, que conselhos de Saúde podem se tornar um instrumento burocrático e superado de "participação" na política de saúde, restringindo-se ao aspecto "controle social", tendendo este a se tornar mera forma de reprodução da concentração do poder institucional (inclusive com dominação simbólica de técnicos, ou econômica, de lobbies ou grupos corporativos privados), é também possível afirmar que os conselhos podem ser uma forma de inclusão política e cultural de setores da sociedade civil até então afastados da vida pública, no sentido de efetiva participação no Estado e afirmação de cidadania. Tudo depende de onde e sob que governo (entendendo-se aqui que partido, com que cultura e ética política) se dá o exercício dessa participação institucional, uma vez que o sistema (SUS) é descentralizado e o poder municipal (ou mesmo local) pode desempenhar um papel forte nas decisões políticas e nas formas de gestão da saúde pelo poder público. Por outro lado, os movimentos civis que reúnem grupos sociais ou coletividades atingidos por situações semelhantes em relação à saúde (seja concernindo questões de vulnerabilidade, seja por doenças propriamente ditas) tendem a "forçar as portas do Estado" com suas reivindicações ou movimentos associativos (ONGs, ORGs) através de mecanismos institucionais existentes no sistema, como os conselhos gestores em diversos níveis (local, estadual, regional), mudando conteúdos, ou mesmo regras do jogo institucional.

É inegável que uma nova cultura política foi sendo lentamente gestada na última década no seio da sociedade civil, e que o diálogo com o Estado, visto como poder público, começa a ser feito de perspectivas mais ativas da parte da sociedade que, pelos seus movimentos associativos, já passa a se ver como "parte interessada" nas políticas institucionais, diminuindo o tradicional fosso entre ordem política e ordem social na sociedade brasileira (Luz, 2000). O projeto da Reforma Sanitária, encabeçado nos anos 80 por políticos e técnicos "iluminados" já não é mais um projeto; é uma realidade política em movimento cuja dinâmica foge ao seu controle.

Finalmente, para terminar esses breves comentários, gostaria de dizer algumas palavras sobre os "novos sujeitos" ou novos "atores", afirmando que atualmente não se pode caracterizá-los apenas pela carência ou mesmo pelo fragmentarismo. Esses múltiplos sujeitos, com características de grupos ou quase grupos (para empregar os termos sociológicos clássicos), e não mais de classes ou frações de classe, repõem, de modo pontual (ou "focal"), a questão da solidariedade social, embora em patamar menos totalizante (ou totalitário) que o das associações tradicionais, centradas na inserção comum na produção. Esses sujeitos têm trazido novos valores éticos e políticos para a sociedade, carente de um novo projeto de coesão, uma vez que os tradicionais valores de consenso político e social vêm sendo crescentemente solapados pelo capitalismo mundializado. Por isso acredito que, a partir desses lugares mais específicos, das políticas e instituições sociais, pode-se ter uma medida razoável do quanto a sociedade tem avançado ultimamente em relação ao Estado.

Referências bibliográficas

Luz MT 1979. As instituições médicas no Brasil. (1ª ed.). Graal, Rio de Janeiro.

Luz MT 2000. Duas questões permanentes nas políticas de saúde no Brasil: centralização X descentralização. Ciência e Saúde Coletiva 5(1):293-312.

Os excluídos: procurando o Estado, buscando a sociedade e descobrindo caminhos

The excluded: searching for the State, in the quest for society, and discovering paths

Eduardo Freese de Carvalho

NESC/CPqAM/Fiocruz e Departamento de Medicina Social/UFPE.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Eduardo Freese de Carvalho E-mail: freese@cpqam.fiocruz.br

Com particular satisfação recebo este convite da professora Cecília Minayo, editora científica da revista Ciência & Saúde Coletiva da Abrasco, para participar deste debate, tendo como referência um ensaio crítico e provocativo que nos é proposto pela companheira e cientista social Amélia Cohn.

Bem posicionada, a autora faz nova abordagem, a princípio, de Florestan Fernandes nos propondo, "com os olhos voltados para o futuro", o desafio de mergulharmos sobre a complexa realidade brasileira e talvez dos "países emergentes", em defesa dos valores democráticos e igualitários, num debate contemporâneo sobre Estado e sociedade. Considera ainda, na realidade brasileira, as novas configurações de exclusão social e denuncia e reafirma a tentativa de desacreditar o Estado, atribuindo-o uma ineficiência intrínseca frente à mística da eficiência do mercado. Por fim discute a emergência, nas últimas décadas, dos movimentos sociais no Brasil, como novos caminhos de enfrentamento dos excluídos em relação à histórica apropriação da riqueza produzida no país pelas elites econômicas e políticas e pelos direitos de sobrevivência e de cidadania.

Dessa perspectiva, e com o sentido de contextualizar, não podemos deixar de considerar determinadas situações estruturais e outras, talvez mais conjunturais, mas certamente de grave crise, na medida em que escrevemos no abrir de olhos de 2003.

A primeira diz respeito à atual situação de crise, quase permanente, da América Latina, tensionando as relações entre o Estado e a sociedade. Em alguns países ocorre uma grave crise de natureza político-institucional, comprometendo a governabilidade e deteriorando ainda mais a situação econômica e social. Para citar apenas alguns exemplos temos a Venezuela com uma greve geral, que já dura mais de mês, e cujo desfecho dessa gravíssima crise político-institucional é ainda desconhecido. Muito embora, já se possa observar uma certa interferência política dos Estados Unidos e da indústria do petróleo, desestabilizando um governo democraticamente eleito e impedindo sua governabilidade. Impensável, era, meses atrás, o envio de um navio brasileiro com combustível para abastecer o quinto produtor de petróleo mundial. Esse fato tem um significado político e simbólico, indicando possivelmente novas relações entre países da América Latina.

A Argentina é outro exemplo de país latino-americano mergulhado numa grave crise, particularmente nos últimos dois anos, de caráter institucional, político, econômico e social, talvez a maior de sua história. Apresenta uma elevadíssima taxa de desemprego, gerando exclusão social de uma grande fração de sua classe média e, dessa forma, condenando-a à miséria e à fome. Do ponto de vista econômico, nenhum acordo foi, até o momento, apoiado e concluído formalmente pelos mecanismos financeiros internacionais e com as agências multilaterais. Vale ressaltar, que na América Latina, a Argentina foi um dos primeiros países a ter forte ajuste econômico "preconizado" pelos organismos internacionais, multilaterais tais como: Banco Mundial, FMI, BIRD, etc. Nesse sentido, o chamado consenso de Washington já preconizava: desregulação do Estado, abertura econômica, privatização e descentralização.

Outros países na história recente da América Latina como Peru, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Brasil também submetidos à mesma lógica da chamada globalização, de privatização do Estado, modernização e submissão econômica aos organismos capitalistas internacionais, se viram impossibilitados de investimentos sociais nos setores de educação, segurança, saúde, previdência e infra-estrutura.

A Colômbia vive há décadas mergulhada numa violenta "guerra civil", envolvendo o narcotráfico, o exército, as milícias paramilitares armadas, partidos políticos e guerrilheiros da FARC que impedem a governabilidade, a redução da pobreza e a superação das desigualdades sociais, historicamente configuradas. O desfecho dessa crise também estrutural nos parece longe de um desfecho razoável.

Por outro lado, uma situação muito relevante, é a esperança da sociedade brasileira, neste início de 2003, com a posse de um governo democraticamente eleito, com o comprometimento de mudança social e de política econômica, hegemonizado pelo Partido dos Trabalhadores. Num primeiro olhar, podemos observar um ministério composto por dirigentes comprometidos e com potencial de mudanças nas áreas sociais e de perfil neoconservador nas áreas relativas à política econômica e financeira e "muito atentos" ao mercado.

Portanto, nesse contexto de crise estrutural das relações entre Estado e sociedade, conformados historicamente, ainda estão colocados como questões centrais na América Latina: Como assegurar e consolidar o processo democrático, obtido após anos de luta contra regimes ditatoriais, em diversos países, nas últimas décadas? Como reduzir, em "tempos de paz", as desigualdades e superar a pobreza nos "países emergentes", com os ainda em curso processos de privatizações e de redução do Estado "estratégico", provedor do desenvolvimento social, com poucos recursos para o financiamento de políticas públicas e com gigantescas mazelas, que acometem historicamente grandes parcelas das populações urbanas e rurais dos vários países?

Após esta breve contextualização, passamos a destacar com um caráter também tipicamente exploratório algumas outras questões apresentadas contemporaneamente nas relações Estado e sociedade referente às reformas.

1.A primeira se refere à reforma do aparelho de Estado brasileiro que ganha nítidos contornos com a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) criado (e já extinto) no governo Fernando Henrique Cardoso, que propôs o plano diretor da reforma do Estado. Este divide o aparelho de estado em quatro setores, sendo que, saúde, educação em que se incluem as universidades, centros de pesquisa e hospitais são considerados "serviços não exclusivos do Estado", podendo ser realizados pelas chamadas organizações sociais, pelo setor privado, como política de redução dos investimentos estatais. Já neste início de ano, o governo recém-empossado de Pernambuco enviou à Assembléia Legislativa do Estado projeto de lei, sem qualquer negociação com a sociedade civil, extinguindo instituições e serviços e propondo: "sempre que possível e conveniente o Estado repassará as atividades públicas não exclusivas que desempenha às entidades privadas que prestam serviços similares" (art. 42). Não custa relembrar que saúde e educação, em países como o Brasil, são problemas que envolvem os direitos humanos fundamentais. Portanto, com estas e outras características trata-se de uma reforma política da gestão do Estado brasileiro, proposta pelo próprio Estado, sem redesenhar com o conjunto da sociedade um "Estado estratégico", num contexto internacional que o fragiliza e que permita o desenvolvimento econômico e social.

2.O ideário de reformas que sempre teve nas diferentes sociedades a lógica da racionalização de gastos, mais recentemente, na última década, assumiu também um caráter de restrição a direitos de cidadania, já conquistados pelos trabalhadores. O grande exemplo é a proposta do governo FHC de reforma previdenciária, que se não foi totalmente realizada, é porque o projeto de reformas não foi aprovado em sucessivas votações no Congresso Nacional (Câmara e Senado). Estava previsto, por exemplo, desvinculação salarial entre cidadãos aposentados e cidadãos da ativa, que puniria ainda mais os aposentados. A perda de outras conquistas, como por exemplo, em relação à aposentadoria dos servidores públicos, que já haviam perdido o FGTS, também estavam previstas. Corporativismo à parte e reconhecendo algumas distorções do sistema previdenciário, que podem e devem ser corrigidas, é a grande massa de assalariados que parece irá "pagar a conta" do déficit da previdência. Vale ressaltar, que este déficit não foi promovido pelos assalariados, que descontam compulsória e previamente ao recebimento dos salários. O déficit foi construído ao longo de décadas, por descumprimento das leis, pelo Estado, sendo este um grande devedor da previdência, pela sonegação de muitas empresas privadas e pelas fraudes incluindo a má gestão dos recursos previdenciários pelo Estado. A esses fatos associam-se políticas de arrocho salarial na instância executiva do Estado no nível federal, estadual e municipal e desemprego no setor privado. Portanto, as reformas em curso estão condicionadas a um estado "neoliberal" que busca garantir o superávit primário, exportando anualmente cerca de 35 bilhões de dólares e com proposições de aumentos progressivos, para pagar juros da dívida, em função de acordos realizados com organismos multilaterais, principalmente com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Dessa forma, o país, praticamente, abre mão do desenvolvimento social e do resgate da dívida com os excluídos da riqueza produzida no país.

3.De certa maneira na contramão do processo de reformas e privatizações a Reforma Sanitária Brasileira visa a princípios de universalização e eqüidade e entende constitucionalmente a saúde como dever do Estado. Nesse sentido, embora tenha sido criada para ampliar recursos para o setor saúde, a CPMF foi desvirtuada em suas finalidades e o aumento de recursos para o setor não foi significativo. O SUS avança timidamente, e a classe média brasileira "optou" pelos planos de saúde privados, sufocando ainda mais os seus gastos mensais com um direito garantido constitucionalmente. Entretanto, temos de ter sempre presente que para 150 milhões de brasileiros, o SUS é a única alternativa. Vale ainda lembrar que o SUS também atende a população por meio de uma grande rede de serviços privados – a chamada rede conveniada contratada nos anos 70 e mantida mesmo após a criação do SUS. Para os próximos anos esperamos que a reforma sanitária seja retomada em seus princípios, melhorando a qualidade da assistência, cumprindo com os princípios de eqüidade e da integralidade das ações e da descentralização: política, financeira e administrativa para os municípios.

4.Por último, concordando com alguns autores, parece-nos que o que está em questão não são as macrofunções do Estado, mas seus novos objetivos e instrumentos. São as suas estratégias para o cumprimento das velhas funções nas novas condições econômicas e políticas internacionais. Em um sentido estrito não há uma mudança nas funções fundamentais do Estado Nacional que segue responsável pela moeda, pelos contratos e pela ordem, tanto quanto pela proteção social e pelo crescimento do investimento e do emprego. Portanto, trata-se de um Estado que deve ser: formulador de políticas, planejador, provedor, regulador e fiscalizador, cumprindo suas funções essenciais. Espera-se que, por meio de políticas públicas conseqüentes, o desenvolvimento social seja garantido.

Na busca de retomar algumas das outras importantes questões/situações ponteadas no texto em debate, faremos a seguir uns poucos breves comentários a respeito.

1.A questão da velha polêmica entre "quantitativistas" e "qualitativistas", como nos coloca A. Cohn, nos parece superada na medida que a atual complexidade no campo político e as desigualdades sociais nas sociedades capitalistas periféricas são certamente muito maiores que em sociedades capitalistas centrais que obtiveram o chamado "estado de bem-estar social" na metade do século passado. Dessa forma, por serem processos históricos e sociais absolutamente distintos, a investigação para melhor compreender e superar essa realidade dos dias atuais, nos países "emergentes", exige um grande esforço teórico/conceitual e metodológico, buscando o sentido de complementaridade entre as várias ciências: sociais (sociologia, antropologia e política), da saúde, biológica e econômicas e incluindo as características culturais e a visão das artes em geral. Portanto, novas abordagens e a triangulação entre as ciências e a metodologia são muito desejáveis e devem contribuir para o processo de mudança e superação.

2.Em relação à conceituação de classe social, tomada no sentido mais estreito de burguesia versus proletariado e, posteriormente, à lógica de se incluir analiticamente o estudo de "frações" dessas classes sociais, cabe ressaltar que indicaram a necessidade de se repensar e de propor novas abordagens e categorias de análise, visando à melhor compreensão da complexidade das sociedades contemporâneas. Portanto, observa-se em vários estudos a necessária avaliação de níveis de renda, indicando patamares de riqueza e pobreza, pela forma de acesso ao consumo, através de gradientes de bens materiais e de sobrevivência (alimentação, moradia, saneamento, lazer, etc.). Nesses estudos indivíduos/famílias podem ser classificados em linhas de pobreza, num sentido descendente, sendo considerados os direitos dos cidadãos pobres integrados socialmente (com emprego e baixos salários, com garantias previdenciárias, etc.) e dos excluídos em categorias como "miseráveis" ou "indigentes". Assim, novas matrizes de dados devem ser construídas e consideradas no processo de deslocamento das "classes" para "grupos de renda". Com isso não se exclui necessariamente a perda das identidades sociais, se buscamos politicamente a superação na perspectiva dialética, com propostas de redução das desigualdades sociais, nas sociedades capitalistas emergentes, na perspectiva da mudança da estrutura social e garantindo o direito de cidadania.

3.Outras questões relevantes são as altas taxas de desemprego da população economicamente ativa, e o crescimento demográfico progressivo no país, gerando novas demandas através de contingentes importantes de população jovem que exigem emprego. Outro fato é a perda de milhares de postos de trabalho determinados pela automação/robotização e informatização do setor industrial e de prestação de serviços, como por exemplo, o setor financeiro/ bancário e o comércio via internet. Nesse processo, os postos de trabalho perdidos nos parecem irrecuperáveis. Por outro lado, no país, o sistema informal representa cerca de 50 milhões de brasileiros, sem direitos básicos de cidadania, como os direitos do sistema de proteção social que compreende: pensão, aposentadoria, proteção contra acidentes de trabalho, formação profissional, etc.

Os baixos salários atuais – cerca de 70 dólares mensais – também determinam nas sociedades capitalistas "emergentes", como no caso brasileiro, grandes dificuldades de acesso à alimentação, educação, moradia, segurança, lazer, etc. Nesse sentido, o emprego para a população economicamente ativa e a remuneração adequada da força de trabalho são fundamentais para garantir a inserção social dos indivíduos e superar as desigualdades sociais e de distribuição de renda. Esses problemas são seculares e ganham contornos ainda mais dramáticos nos dias atuais de economia globalizada, com eliminação de emprego para importantes parcelas da classe média e falta de perspectivas de emprego para cidadãos jovens, com elevado nível de escolaridade. Dessa forma, mantém-se e amplia-se a exclusão de direitos fundamentais e de superação das desigualdades de trabalhadores urbanos e rurais. Nessa lógica, não basta constatarmos e resignarmos a ausência de emprego, nem cairmos na tentação de políticas populistas; temos de buscar novas políticas através de um estado estratégico provedor e regulador de políticas de desenvolvimento social e de garantia de emprego e salários compatíveis. Na atual conjuntura, torna-se necessário repensar novas relações entre capital x trabalho, sem que o ônus recaia exclusivamente sobre os trabalhadores.

4.Por último, a autora nos aponta para "novos atores/sujeitos sociais", considerando a vasta produção acadêmica, a partir dos anos 70/80, e o incremento de ações desses novos atores, nos anos 80 e 90, através dos movimentos sociais, indicando a sua coerência por justiça e as ações de solidariedade e seu impacto sobre o sistema político.

No sentido da justiça social e solidariedade, os movimentos sociais quase sempre estão vinculados à noção de carência e são conformados exatamente pelos "excluídos", pelos "carentes" e pelos "discriminados". Em nosso entendimento, esses movimentos dos "sem-nada" (terra, emprego, moradia, alimentação, etc.) surgem exatamente porque o Estado não cumpriu suas funções essenciais. Por outro lado, os sindicatos sempre mantiveram uma plataforma política quase exclusiva de reivindicação salarial e das relações entre capital x trabalho. Os mais atuantes estavam voltados exclusivamente para os propósitos e reivindicações dos trabalhadores assalariados, e subdivididos por categorias profissionais. As centrais sindicais seguiram por caminhos semelhantes. Observamos também que partidos políticos de centro-esquerda e de esquerda não conseguiram, de certa forma, incorporar, na prática, as reivindicações do conjunto dos excluídos, expressos pelos movimentos sociais; e atuaram a despeito dos excluídos e miseráveis, muito embora, em seu discurso, os incorporassem. O temário da desigualdade, da justiça social, bem como, as proposições por mudanças estruturais da sociedade brasileira sempre estiveram presentes. As ONGs com ações voltadas para questões sociais, de geração de renda, saúde, educação, etc. para determinados grupos sociais específicos e de combate à discriminação de minorias, são também uma nova realidade importante nos países capitalistas "centrais" e "periféricos".

Ao longo de sua história – o Brasil colonial, do coronelismo político, das políticas trabalhistas dos anos 30 e 40; desenvolvimentistas e populistas dos anos 50/60, centralizadoras no bojo do regime militar (70-80) e redemocratizadoras e privatizantes nos anos 90 numa economia globalizada, recessiva, e de restrição e exclusão de direitos de cidadania –, o país tem ampliado sua dívida social. Atualmente cerca de 50 milhões de brasileiros vivem em condições de pobreza absoluta, constituindo um contingente populacional maior que as populações de Portugal, Espanha, Suíça, Dinamarca, Suécia, Leste Europeu, etc.

Em função desse conjunto de fatos relacionados com a ausência do Estado, dos sindicatos e dos partidos políticos, os movimentos sociais foram se tornando uma realidade nos países para reivindicar e exigir políticas comprometidas com a justiça social e direitos de cidadania.

5.Nos aponta ainda a autora para a dimensão do controle da gestão pública do Estado.

Nesse sentido, os movimentos sociais têm fundamental importância na forma de participação e do controle social. No caso específico do setor saúde, os conselhos municipais e estaduais, a despeito do contínuo questionamento sobre sua efetiva representatividade, principalmente do seguimento dos usuários do SUS, são novas perspectivas que se apresentam, podendo abrir novos caminhos.

Nos próximos anos, os movimentos sociais devem ampliar seu papel na cena política e no exercício de um efetivo controle social da gestão do Estado brasileiro.

Por último, consideramos que a busca por novos caminhos exige uma ação permanente, no sentido de superação das desigualdades, com efetiva participação do Estado, da sociedade civil organizada, incluindo os movimentos sociais em curso, nas suas reivindicações por justiça e em busca dos direitos de cidadania.

Referências bibliográficas

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Fiori JL 1993. Ajuste, transição e governabilidade: o enigma brasileiro, pp. 127-193. In MC Tavares & JL Fiori (org.). Desajuste global e modernização conservadora. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro.

Laurell AC 2001. Health reform in Mexico: the promotion of inequality. International Journal of Health Services 31:291-391.

Tavares MC & Fiori JL (org.) 1997. Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Editora Vozes, Petrópolis.

Zaluar A 1997. Exclusão e políticas públicas: dilemas teóricos e alternativas políticas. Revista Brasileira de Ciências Sociais 12.

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Amélia Cohn

Dialogando com os colegas

Dialogue with colleagues

De início cabe registrar que a prática editorial adotada de provocar o diálogo entre autores de artigos e seus comentaristas vai ao encontro do que, a meu ver, é a essência do trabalho intelectual: promover o debate sobre determinados temas tidos como fundamentais para o avanço do entendimento das nossas realidades. No entanto, certamente isso não poderia se concretizar não fossem a generosidade e o espírito aberto dos parceiros no processo. Dessa perspectiva, considero um privilégio ter tido as reações aqui publicadas ao artigo de minha autoria.

Diante da diversidade que apresentam no que diz respeito à eleição das questões e dos ângulos de sua abordagem, tentarei apontar tão somente para algumas delas: democracia e cidadania; Estado, reforma da saúde e democracia sanitária; e transformações recentes na relação entre Estado e sociedade no campo da saúde. Quanto ao conjunto que compõe a primeira daquelas questões – democracia e cidadania –, ele se desdobra em pelo menos duas grandes vertentes, que foram assinaladas nos textos: a reafirmação da cidadania como estratégia de aperfeiçoamento das políticas públicas e da diminuição das desigualdades sociais, e a própria cidadania como espaço jurídico da igualdade e dos direitos humanos, e que como tal garante a liberdade dos cidadãos de serem diferentes. Como conseqüência, ganha destaque a importância do fortalecimento do espaço público para que a própria democracia política e social se aperfeiçoe e, ao fazê-lo, possibilite que valores e práticas efetivamente republicanas se instaurem e sejam implementadas tanto no âmbito da gestão pública quanto no das relações sociais, tecendo-se novos padrões de solidariedade social.

Por outro lado, como bem aponta Regina Bodstein, resgatando H. Arendt, a cidadania não implica só o acesso à satisfação das necessidades dos cidadãos inscritas como direitos, mas, sobretudo, a garantia de que eles sejam efetivamente portadores do direito a ter direitos. Isso significa que a constituição efetiva da conquista da cidadania só estará configurada como tal na exata medida em que ultrapasse o âmbito exclusivo do acesso a determinados serviços e benefícios e tenha como eixo articulador a constituição da autonomia dos sujeitos sociais, portadores do direito de responsavelmente promoverem suas escolhas. Em resumo, a cidadania implica não só a satisfação das distintas necessidades sociais dos distintos sujeitos sociais no que diz respeito à esfera pública da vida social, mas também, ao mesmo tempo que estes sejam capazes de renovar a agenda pública da sociedade (nas diferentes esferas governamentais) o sejam também de ampliar o próprio espaço público através da inclusão de múltiplos sujeitos sociais até então não reconhecidos como tal, bem como dos novos e igualmente múltiplos interesses que trazem consigo.

Em outros termos, diante da configuração atual da "esquiva e polimorfa" cidadania, resta o duplo desafio de ao debruçarmo-nos sobre nossas realidades buscar apreender, nos processos sociais, a complexa dinâmica de superposições de "interesses e valores em contínua desconstrução e recomposição", resultando numa dinâmica que oscila entre a "apatia social e incursões democratizantes surpreendentes", como aponta Arroyo. De qualquer forma, nessa equação entre democracia e cidadania resta como senda a demandar que seja urgentemente explorada a questão da presença de novos processos e espaços sociais de construção de novas identidades sociais, bem como a detecção dos novos espaços de negociação e de representação de interesses que vêm sendo criados em nossas realidades, marcadas pelas inúmeras configurações de convivência e combinação do novo e do velho, característica das sociedades latino-americanas contemporâneas.

A partir de uma outra perspectiva, o texto de Madel Luz enfatiza a dimensão das transformações que o processo promove no âmbito da capilaridade das relações institucionais cotidianas, questão que acompanha toda sua trajetória intelectual. Sua preocupação reside em destacar as iniciativas de mobilização e organização social – sempre tendo como referência o campo da saúde no Brasil –, que prefere denominar de movimentos civis e não de movimentos sociais, como processos de constituição de distintos sujeitos sociais com características de grupos sociais (ou coletividades) cuja identidade é construída a partir da vivência de situações semelhantes em relação à saúde, forçando assim as "portas do Estado". Mas se esses movimentos civis e associativos repõem a questão da solidariedade social num patamar menos totalizante (e que corresponde ao que venho denominando de interesses particulares) do que aquele das "associações tradicionais" pautadas pela inserção dos sujeitos no processo produtivo, resta aqui também o desafio de se buscar detectar processos e dinâmicas que apontem exatamente para o que Madel denomina de "um novo projeto de coesão" diante do solapamento dos tradicionais valores de consenso social e político promovido pelo "capitalismo mundializado".

Então, a questão que permanece como pano de fundo, independentemente das perspectivas de análise adotadas nos textos, é exatamente a do desafio da construção de padrões republicanos de regulação social fundados em padrões de solidariedade social que contemplem a fragmentação, diferenciação e pulverização dos interesses particulares dos distintos sujeitos sociais que vêm se constituindo como tal, e através de diferentes processos e dinâmicas de construção de suas identidades sociais. Articulado a isso, o resgate da autonomia desses sujeitos sociais que se constituem numa dinâmica de constante desconstrução e recomposição de suas próprias identidades. Processo esse que se dá pela interlocução e relações com outros sujeitos sociais igualmente submetidos a essa mesma dinâmica, perdendo assim o Estado o papel de se constituir em seu interlocutor quase que exclusivo.

Madel Luz resgata, por exemplo, o Estado na qualidade de poder público, e que como produto da reforma sanitária brasileira estaria viabilizando uma perspectiva mais ativa para a sociedade, dado o processo de descentralização do nosso sistema de saúde. Já Eduardo Carvalho reafirma a importância do que denomina de um "Estado estratégico provedor" redesenhado pelo conjunto mais amplo da sociedade, e que teria definidas suas macrofuncões; processo esse que teria como um dos seus parâmetros o fato de, tal como interpretado pelo autor, a emergência e constituição dos movimentos sociais serem conseqüência de o Estado não haver cumprido sua função de prover as necessidades sociais que constituem os direitos dos cidadãos. Arroyo, por sua vez, aponta o legado histórico dos sistemas de saúde latino-americanos que no bojo do processo de reforma do Estado passaram por reformas que, na grande maioria dos casos, se traduziram em reformas ao lado da oferta dos serviços de saúde, vale dizer, imprimindo mecanismos de coordenação e negociação entre os prestadores dos serviços de saúde, dirigidas portanto pela primazia da busca da governança em detrimento da governabilidade. Daí identificar o fenômeno da presença do particularismo tanto na sociedade quanto no Estado e distinguir as reformas sanitárias strictu sensu da experiência brasileira, que qualifica como uma "reforma sanitária compreensiva", porque institui o que denominou de "democracia sanitária".

Em suma, ao que tudo indica, continuamos condenados(as) a buscar decifrar as novas formas de construção e mediação entre interesses particulares e universais sem cair nas armadilhas de se retomar a velha antinomia entre Estado e sociedade civil, e tampouco de confundir o público com o estatal. No entanto, talvez o maior desafio atual resida exatamente em não abrir mão dos preceitos e valores éticos comprometidos com a democracia sem perder a perspectiva crítica que tal opção exige. É reconfortante saber que esta empreitada conta com inúmeros parceiros, cúmplices, sobretudo diante da tentação de se adotar uma postura complacente frente à atual conjuntura brasileira, exatamente quando ela mais está a nos demandar a lucidez de uma postura crítica.

  • Endereço para correspondência

    Regina Bodstein
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  • Dirección para correspondence
    Juan Arroyo
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  • Endereço para correspondência
    Madel T. Luz
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  • Endereço para correspondência
    Eduardo Freese de Carvalho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      2003
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