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Planos privados de assistência à saúde: cobertura populacional no Brasil

Private health plans: populational coverage in Brazil

Resumos

Foram utilizados o Cadastro de Beneficiários da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) para descrever o perfil da cobertura dos serviços por planos privados de saúde. Apesar da regulação pela ANS, não se deve perder de vista que o acesso, a utilização e a cobertura populacional em planos de saúde precisam ser periodicamente monitorados, principalmente na região Sudeste, que concentra 70% da população coberta por planos de saúde. Também são necessários estudos mais detalhados sobre as capitais brasileiras, que constituem grandes centros de concentração de clientela; e investigações para os subgrupos etários que mais utilizam os serviços de saúde: crianças menores de 5 anos, mulheres em idade fértil e idosos. Os resultados do estudo indicam que, no Sistema de Saúde Brasileiro, os planos privados de assistência à saúde se configuram como mais um fator de geração de desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde, pois cobrem apenas uma parcela específica da população brasileira: pessoas de maior renda familiar, de cor branca, com maior nível de escolaridade, inseridas em determinados ramos de atividade do mercado de trabalho, moradores das capitais/regiões metropolitanas.

Planos privados de saúde; PNAD/ 1998; Cobertura de serviços de saúde; Fatores demográficos


The Beneficiaries' Frame from ANS and the data of the PNAD/IBGE have been used to describe the profile of the private health plans' coverage. Although the regulation functions of ANS, one should not forget that private health insurance access, use and coverage should be monitored continuously, specially the private market of Southeast Region, which concentrate 70% of coverage people in Brazil. Others studies are also necessary for Brazilian capitals, which constitute great urban cities of insurance people. Besides this, more detailed investigation must be developed for age groups with higher utilization of health services: children up to 5 years, women between 15-49 years, and elderly people. The results of this study indicate that private health plans on Brazilian Health System constitute another factor of social inequalities on access and utilization of health services, because they cover only a specific slice of Brazilian population: the ones with higher family income, white people, people with higher education level, workers in some labor market activities, people who live in capital or urban areas.

Private health plans; PNAD/1998; Health services coverage; Demographic conditions


ARTIGO ARTICLE

Planos privados de assistência à saúde: cobertura populacional no Brasil

Private health plans: populational coverage in Brazil

Luiz Felipe PintoI, II; Daniel Ricardo SoranzII

IDepartamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz. Rua Leopoldo Bulhões, 1480 sala 908, Manguinhos, 21041-210, Rio de Janeiro RJ. felipe@ensp.fiocruz.br

IIFundação Educacional Serra dos Órgãos. Faculdade de Medicina. Teresópolis RJ

RESUMO

Foram utilizados o Cadastro de Beneficiários da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) para descrever o perfil da cobertura dos serviços por planos privados de saúde. Apesar da regulação pela ANS, não se deve perder de vista que o acesso, a utilização e a cobertura populacional em planos de saúde precisam ser periodicamente monitorados, principalmente na região Sudeste, que concentra 70% da população coberta por planos de saúde. Também são necessários estudos mais detalhados sobre as capitais brasileiras, que constituem grandes centros de concentração de clientela; e investigações para os subgrupos etários que mais utilizam os serviços de saúde: crianças menores de 5 anos, mulheres em idade fértil e idosos. Os resultados do estudo indicam que, no Sistema de Saúde Brasileiro, os planos privados de assistência à saúde se configuram como mais um fator de geração de desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde, pois cobrem apenas uma parcela específica da população brasileira: pessoas de maior renda familiar, de cor branca, com maior nível de escolaridade, inseridas em determinados ramos de atividade do mercado de trabalho, moradores das capitais/regiões metropolitanas.

Palavras-chave: Planos privados de saúde, PNAD/ 1998, Cobertura de serviços de saúde, Fatores demográficos

ABSTRACT

The Beneficiaries' Frame from ANS and the data of the PNAD/IBGE have been used to describe the profile of the private health plans' coverage. Although the regulation functions of ANS, one should not forget that private health insurance access, use and coverage should be monitored continuously, specially the private market of Southeast Region, which concentrate 70% of coverage people in Brazil. Others studies are also necessary for Brazilian capitals, which constitute great urban cities of insurance people. Besides this, more detailed investigation must be developed for age groups with higher utilization of health services: children up to 5 years, women between 15-49 years, and elderly people. The results of this study indicate that private health plans on Brazilian Health System constitute another factor of social inequalities on access and utilization of health services, because they cover only a specific slice of Brazilian population: the ones with higher family income, white people, people with higher education level, workers in some labor market activities, people who live in capital or urban areas.

Key words: Private health plans, PNAD/1998, Health services coverage, Demographic conditions

Introdução

Desde a década de 1980, a maioria dos países da América Latina vem experimentando mudanças políticas, sociais e econômicas, que favoreceram transformações no campo de serviços de saúde, em particular o aumento da participação do setor privado (Tamez et al., 1995). O papel desse setor no financiamento das ações de saúde, bem como sua articulação com o setor público é um tema central no debate em saúde no mundo. No Brasil, os primeiros estudos desenvolvidos por Médici (1991) e também por Cordeiro (1984) tiveram como foco central as empresas que administram/comercializam a modalidade de prestação de serviços de saúde suplementar.

A partir do final da década de 1980 e início dos anos 90, a dificuldade de acesso e a baixa qualidade atribuída ao sistema público de saúde vêm sendo consideradas fatores importantes na determinação do crescimento dessa modalidade (Médici, 1991). Nessa mesma época, Favaret e Oliveira (1990) apresentaram a tese da universalização excludente como um possível efeito colateral da ampliação do acesso aos serviços públicos de saúde a partir da formação do Sistema Único de Saúde (SUS), que passou a excluir progressivamente a classe média brasileira, tendo esta buscado nos planos privados de assistência à saúde a solução para seus problemas de saúde. Esse fato foi potencializado pela oferta cada vez maior de planos de saúde para funcionários de instituições públicas e privadas.

O crescimento do segmento de saúde suplementar observado ao longo das últimas décadas vem trazendo alguns desafios para sua integração no sistema de saúde brasileiro. Os primeiros pontos de contato, que futuramente poderão gerar uma massa crítica de dados para análise conjunta com o Sistema Único de Saúde, se referem ao banco de dados que começa a ser gerado a partir das informações de ressarcimento que as operadoras devem fazer ao SUS segundo a lei no 9.656/98, de 3 de junho de 1998 (art. 32) e as informações do Inquérito de Assistência Médico-Sanitária do IBGE (IBGE, 2002) que, a partir de 2002, incluiu em seu questionário o item "número de operadoras" atendidas pelo estabelecimento de saúde que prestam serviços a clientes de planos privados de saúde, administrados por terceiros, e também a variável "número de consultas realizadas por convênios de saúde suplementar".

A regulamentação desse setor possui como marcos legais a lei 9.656/98, a MP 1.661/98 (hoje MP 2.092) e a lei 9.961/00, que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como órgão do Ministério da Saúde responsável pela sua regulação. Uma análise minuciosa das principais inovações trazidas pela lei 9.656/98 foi desenvolvida por Mesquita (2002). Para Montone (2001), os objetivos da regulação do mercado de saúde suplementar podem ser resumidos em: a) garantia de cobertura assistencial integral da população coberta por planos privados de assistência à saúde (chamados "beneficiários") e regulação das condições de acesso; b) definição e controle das condições de ingresso, operação e saída das operadoras e entidades que atuam no setor; c) definição e implantação de mecanismos de garantias assistenciais e financeiras para a continuidade da prestação de serviços contratados pelos consumidores; d) estabelecimento de mecanismos de controle de preços abusivos das mensalidades; e) definição de um sistema de regulamentação, normatização e fiscalização do setor de saúde suplementar; f) garantia de integração do setor de saúde suplementar ao SUS e o ressarcimento dos gastos de usuários de planos privados de assistência à saúde no sistema público, em particular dos gastos em internação.

A criação da ANS representou o início do estabelecimento de uma jurisprudência reguladora das operadoras de planos privados de assistência médica (Costa et al., 2002) que, no caso específico das seguradoras eram anteriormente reguladas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). A nova legislação federal para o mercado de planos privados de saúde buscou, portanto, a padronização dos serviços ofertados, a elaboração de um sistema regulatório eficiente, a fiscalização da seleção de risco praticada por diversas operadoras, a manutenção da estabilidade do mercado e o controle da assimetria de informação, seguindo a tendência reformadora de formação de agências regulatórias em curso no Brasil (Ribeiro, 2001). Esse aspecto, como assinala Almeida (1998), se refere às assimetrias de informação específica desse mercado (entre as seguradoras e os segurados e entre os profissionais e o paciente) e deve cobrir tipicamente duas áreas: a regulação das cláusulas contratuais e do marketing dos planos de seguro; e a regulação das relações entre os planos de saúde e os prestadores de serviço. Antes da lei 9.656/98 não havia cobertura mínima definida para os planos de saúde, sendo esta estipulada unicamente entre os contratos firmados entre as operadoras e as pessoas que desejassem adquirir um plano. Como conseqüência, as operadoras excluíam de seus contratos as doenças crônico-degenerativas, doenças infecciosas, tratamentos de alto custo, além de impor limitações para a utilização de procedimentos, tempo de permanência para internações, e de idade para acesso e continuidade no plano (Gama et al., 2002)

A busca de cuidados médicos não é função apenas da necessidade. Conforme destacam Pinheiro e Escosteguy (2002), a utilização dos serviços de saúde é conseqüência de diversas determinações que explicam as variações entre grupos sociais ou entre áreas. Uma população de uma localidade específica pode demandar serviços de forma diferenciada, dependendo de fatores relacionados à demanda ou à própria oferta de serviços. Perguntavam Hulka e Wheat (1985) quais os fatores que influenciariam as pessoas a utilizar os serviços de saúde. Para responder ao questionamento, propõem a análise de cinco categorias: condição e necessidade de saúde (morbidade), disponibilidade de médicos, características demográficas, características organizacionais dos serviços de saúde e o modelo de financiamento. As duas primeiras categorias podem ser objeto de estudo em um contexto epidemiológico e do perfil dos médicos, respectivamente. No contexto do setor de saúde suplementar, Bahia et al. (2002b) ao analisarem as informações consolidadas a partir dos motivos de atendimento aos clientes de planos e seguros de saúde nos hospitais universitários brasileiros apontam a precariedade das mesmas. A preocupação principal dos responsáveis pelos registros específicos aos convênios é a valorização financeira dos procedimentos realizados a ser incluídos na fatura apresentada à operadora ou ao paciente particular. Na perspectiva da análise da disponibilidade de médicos, o primeiro inquérito realizado no Brasil, com representatividade nacional, regional, estadual e para capital X interior de cada unidade da federação foi realizado pela Fiocruz em parceria com o Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira e Federação Nacional dos Médicos no ano de 1995. Embora esteja um pouco desatualizado, o Perfil dos Médicos no Brasil (Machado et al., 1996) e as demais pesquisas que o sucederam, traçando perfis profissionais de diversas especialidades médicas (pediatria, urologia, ortopedia, nefrologia, gineco-obstetrícia), trouxeram à luz um mapeamento da distribuição geográfica dos profissionais por especialidade segundo aspectos sociodemográficos, econômicos, político-ideológicos, de formação profissional e mercado de trabalho, dentre outros.

Os demais fatores podem ser estudados à luz da oferta de serviços, da composição do sistema de saúde de um país e do perfil sociodemográfico de seu povo, ou seja, mediante o delineamento do acesso e da cobertura populacional dos serviços de saúde. Não apenas a oferta de recursos garante o acesso aos serviços de saúde. Há ainda fatores facilitadores desse acesso como a distância, barreiras geográficas, o tempo de transporte e o tempo de espera, a disponibilidade de horários. A literatura tem caracterizado esses fatores dentro do conceito de "acessibilidade", agrupando-o em quatro grupos distintos: acessibilidade geográfica, econômica, cultural e funcional (Donabedian, 2003; Pinheiro e Escosteguy, 2002; Frenk, 1985).

No caso particular do setor de saúde suplementar, a análise do acesso e cobertura populacional deve levar em consideração três componentes que, juntos, compõem seu perfil: as operadoras, os prestadores de serviço (unidades de saúde) e os beneficiários.

A comparação desses componentes com o Sistema Único de Saúde pode auxiliar na explicação dos motivos que teriam levado à instalação das operadoras, ao atendimento de seguros e planos privados nos estabelecimentos de saúde, e mesmo a uma aproximação da conformação do número de beneficiários em determinadas localidades. Teriam os municípios de pequeno porte uma cobertura menor que os municípios de médio e grande portes, com maior poder econômico e renda de seus habitantes? Qual a participação relativa dos beneficiários no total de hoje, com contratos antes da lei no 9.656/98 (planos antigos) X após a lei (planos novos)?

Estudos anteriores (Costa e Pinto, 2002; Siqueira et al., 2002) demonstram que, nas cidades de pequeno e médio portes (menos de 80.000 habitantes), a participação das modalidades de saúde suplementar é menor que a prestação de serviços mediante o SUS, enquanto que nas cidades de mais de 80.000 habitantes, a hegemonia dos planos de saúde já ocorria em 1992 e expandiu-se ainda mais em 1999. Além disso, outro fator importante a ser considerado na relação entre beneficiário e operadora X prestador se refere à questão da avaliação do gasto, receita e poupança das famílias, estudado para os anos de 1987 e 1996 a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/ IBGE) por Reis (2001).

O terceiro componente diz respeito à própria abrangência populacional dos seguros e planos de saúde. Na virada deste século, qual seria o perfil da população brasileira coberta por planos de saúde? Qual a participação de pessoas titulares e dependentes? Qual a participação de homens e mulheres? Em quais faixas etárias? A renda familiar influencia o valor da mensalidade de um plano de saúde? E o nível de escolaridade? Qual a modalidade de operadora (seguradora especializada em saúde, medicina de grupo, cooperativa etc.) predomina? Existem desigualdades de acesso e cobertura segundo as unidades da federação do Brasil?

Nessa mesma perspectiva de caracterização da cobertura segundo aspectos sociodemográficos e econômico, qual o perfil da população que acessou nos últimos 12 meses o serviço de saúde mais simples – a consulta médica?

Para responder a esses questionamentos faz-se necessária a combinação de alguns bancos de dados, oriundos de inquéritos realizados em anos recentes, bem como sua adaptação aos bancos de dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, em particular do Cadastro de Beneficiários.

Dentre as investigações com base populacional, os inquéritos domiciliares vêm sendo utilizados em países industrializados, como importante fonte de informação para conhecimento do perfil de saúde de uma determinada população, do acesso aos serviços e de sua cobertura, fornecendo subsídios ao planejamento e à avaliação destas dimensões (César e Tanaka, 1996), e sendo úteis para aprimorar a avaliação de resultado, ao permitir a construção de "linhas de base" (Campos, 1993).

Este artigo tem como objetivo central traçar o perfil da cobertura dos serviços de saúde suplementar. Para isso, incorpora tabulações especiais do Cadastro de Beneficiários da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS, 2003), da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2000), e projeções populacionais do IBGE para o ano de 2002 (IBGE, 2003).

Material e métodos

Foram analisados dois inquéritos nacionais, envolvendo a população-residente no Brasil. Uma análise exploratória de dados e, em particular, uma análise espacial (Cliff e Ord, 1981) possibilitaram traçar mapas temáticos por segmento populacional, e elaborar pirâmides etárias comparativas. Para o mapeamento da cobertura populacional de planos privados de assistência à saúde foi utilizado o programa Arc View. A unidade de análise foi o município, entendido aqui como o local de moradia, registrado a partir da informação no Cadastro Nacional de Beneficiários.

O Cadastro Nacional de Beneficiários

O Cadastro de Beneficiários, disponibilizado pela ANS para o ano de 2000, pela Rede Interagencial de Saúde (RIPSA, 2002) e cujas tabulações especiais foram aqui consideradas (ANS, 2003), constitui-se um banco de dados importante para análise do perfil da cobertura da saúde suplementar, em particular, pela possibilidade de compatibilização com os demais bancos de dados pela variável "município" ou mesmo pelo prestador de serviços. Esse fator potencializa a utilização desse banco de dados, ao permitir a análise sob o recorte SUS X saúde suplementar. Entretanto, o Cadastro considera o número de planos de saúde e não o número de pessoas, sendo necessário a utilização de um fator de correção para ajustar o número de beneficiários segundo a quantidade de planos de saúde por pessoa. Esse dado foi levantado pela PNAD/IBGE em 1998 e corresponde, em nível nacional, a cerca de 10% do total de pessoas que possuem planos de saúde, com oscilações entre as unidades da federação, regiões metropolitanas e não-metropolitanas.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

O segundo banco de dados considerado abordou a questão da morbidade, acesso, utilização dos serviços de saúde, internação, gastos com serviços e bens de saúde e cobertura de planos de saúde; foi realizado em 1998 por meio de um suplemento especial da tradicional Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (IBGE, 2000), representando cerca de 110 mil domicílios e 344.975 pessoas. Por ser uma pesquisa de natureza amostral, cuidados especiais devem ser levados em consideração antes de qualquer análise exploratória de dados ou mesmo inferência estatística, especialmente para estimativas de pequena grandeza, isto é, há que se considerar que as amostras independentes realizadas por esse inquérito possuem sua representatividade limitada ao plano de amostragem traçado. Segundo a metodologia da PNAD definida pelo IBGE, a expansão da amostra considerou estimadores de razão cuja variável independente foi a projeção da população residente, segundo o tipo de área (região metropolitana e não-metropolitana). Essas projeções consideram a evolução populacional ocorrida entre os Censos Demográficos de 1980 e 1991 sob hipóteses de crescimento associadas a taxas de fecundidade, mortalidade e migração. Sendo assim, estaremos aqui considerando que o comportamento da capital é semelhante àquele observado pela região metropolitana da qual ela faz parte, no caso em que esta microrregião existir, e semelhante àquele observado no Estado, quando não houver região metropolitana. Este pressuposto foi útil para o cálculo do fator de correção entre o número de pessoas com planos de saúde, estimado pela PNAD por unidade da federação, e o número de vínculos ("beneficiários"), apresentado pelo Cadastro Nacional de Beneficiários da ANS.

Os microdados da PNAD do ano de 1998 (IBGE, 2000) foram disponibilizados pelo IBGE a partir de agosto de 2000, e podem ser desagregados por região, unidade da federação e região metropolitana. O universo da pesquisa exclui as áreas rurais dos estados do Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima.

As categorias de análise

Para traçar o perfil da cobertura dos serviços de saúde suplementar, este artigo percorre um caminho não convencional. Diversos estudos (Dachs, 2002; Bahia et al., 2002a) seguiram a trilha da análise dessa temática apenas para o Brasil. Nossa proposta é incorporar como categorias de análise, as unidades da federação , desagregando-se: capitais, regiões metropolitanas exceto capitais e demais municípios ("municípios do interior"). Esta opção de análise dos dados é importante, principalmente para os inquéritos desenvolvidos pelo IBGE, em que nem sempre são coletados dados no nível de agregação municipal. A separação da capital como um único município para análise é fundamental para evitar o efeito comum de distorção das estatísticas a ela associadas, quando a mesma aparece agregada à região metropolitana ou à própria unidade da federação. Por outro lado, a exclusão das capitais do subgrupo formado pelas regiões metropolitanas facilita também a compreensão da participação absoluta e relativa dos demais municípios da região metropolitana na composição do perfil de cada unidade da federação em que esta existe. As variáveis complementares consideradas incluem: sexo, faixa etária e número de habitantes (porte populacional).

Perfil da população coberta por planos privados de assistência à saúde

Um ano após a vigência da lei 9.656/98, ou seja, a partir de dezembro de 1999, a adaptação de todos os contratos de planos privados de assistência à saúde passou a ser obrigatória por parte das operadoras, que deveriam, então, oferecer esta opção aos clientes. Desde então, foi proibida a comercialização de planos com cobertura inferior à do Plano de Referência, seguindo-se a segmentação proposta pela própria lei, estipulada em plano ambulatorial, hospitalar com e sem obstetrícia e odontológico. Conforme destaca Montone (2002), os contratos firmados antes da promulgação da lei, e não convertidos, não possuem as garantias contempladas por ela. Um quadro-resumo comparativo da regulamentação dos planos privados de assistência à saúde permite avaliar o panorama geral das funções das operadoras atuantes no mercado brasileiro (Quadro 1).


O período de vigência dos contratos apontava, ainda em 2002, para uma situação de predomínio de contratos antigos na maior parte das unidades da federação onde estão localizadas as sedes das operadoras. Se calcularmos a participação dos contratos antigos, a partir dos dados fornecidos pela ANS (2003), encontraremos cerca de 65% para total do país e de 89,1% em Roraima, 81,0% no Pará, 70,7% em Alagoas, 70,6% na Paraíba, 62,5% em Pernambuco e no Piauí, 61,1% no Ceará, 60,8% no Rio Grande do Norte, 59,0% no Maranhão, 68,4% em São Paulo, 65,5% em Minas Gerais, 63,3% no Rio de Janeiro, 67,3% no Rio Grande do Sul, 66,4% em Santa Catarina, 84,9% em Mato Grosso, 69,2% no Distrito Federal, e 61,2% em Goiás. Há indicativos de que a taxa de migração de planos antigos para planos novos, que mede o impacto das normas de regulação no estímulo à adaptações dos contratos, aumentou de 2001 para 2002.

O cálculo da evolução da cobertura populacional de planos privados de assistência à saúde, tal como definido pela RIPSA (2002), revela um dado que à primeira vista nos parece estranho, apontando que, no período de 2000 a 2001, haveria uma expansão dessa cobertura de 13% para cerca de 17%. Um primeiro problema que surge em relação a essa estimativa se refere à baixa cobertura registrada nesse período, que está associada ao fato de um maior contingente de operadoras que passaram a fornecer seus dados a ANS.

O sub-registro observado na cobertura populacional, faz com que tenhamos uma estimativa muito diferente daquela mencionada na literatura para um período semelhante. Acredita-se que o problema no Cadastro de Beneficiários deva ser progressivamente minimizado, na medida em que a ANS avance em seu papel de regulação e que o número de operadoras inativas e aquelas que ainda não fornecem seus dados de beneficiários diminuam. Uma segunda questão a ser considerada é a própria natureza da informação obtida pelos bancos de dados nacionais que tratam dessa temática. O Cadastro de Beneficiários informa o número de benefícios sem excluir a possibilidade de dupla contagem, ou seja, pessoas que possuam mais de um plano de saúde. Em nível nacional, esses dados foram coletados pela primeira vez pela PNAD/1998. O ajuste do número de planos de saúde para o número de pessoas com planos de saúde foi aqui realizado antes da utilização dos dados da ANS para o ano de 2002, analisados mais adiante. Para isso, foi calculado um fator de correção, resultado da divisão entre o número de planos de saúde e o número de pessoas com planos de saúde, variáveis que constavam no plano tabular da PNAD-1998 (IBGE, 2000). A própria OPAS, ao descrever o sistema de saúde brasileiro reconhecia, em 1998, a possibilidade de dupla contagem ao assinalar que: se estima que 25% de la población está cubierta por lo menos con un seguro de salud (...) (OPAS, 2002, grifo nosso). Ao corrigirmos o Cadastro de Beneficiários com a aplicação do fator de correção descrito anteriormente por unidade da federação e região metropolitana/não-metropolitana, observa-se, por exemplo, que, após esse ajuste, no final de 2002, a proporção da população coberta seria de 17,4% para o total do país (30,4 milhões de pessoas), oscilando entre as regiões: Norte (5,8%), Nordeste (7,2%), Sudeste (28,6%), Sul (13,1%) e Centro-Oeste (11,6%). As capitais do país apresentam um comportamento diferenciado, ou seja, nesses locais 36,6% da população possuem planos de saúde, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. A diferença observada em relação ao total ajustado para a PNAD-98 (36,1 milhões de pessoas com planos de saúde) é de cerca de 19%. Acreditamos que estimativas semelhantes sejam alcançadas pelo Cadastro de Beneficiários ainda em 2003, a partir dos dados das operadoras que até então não informavam a ANS. O número de pessoas com planos de saúde deverá aumentar caso essas operadoras passem a informar seu contingente de beneficiários, o que levará à diminuição da diferença observada.

A distribuição espacial exibida mediante a elaboração de mapas temáticos, tendo como unidade de análise os municípios brasileiros, reforça, por um lado, esse aspecto de concentração da população coberta por planos de saúde nas áreas urbanas, que possuem as maiores coberturas (em particular, os municípios do centro-sul do Brasil) e, por outro, a ausência e/ou baixa cobertura nos municípios do interior das regiões Norte e Nordeste. Nas duas últimas décadas, um processo de consolidação dos conglomerados urbanos metropolitanos e não-metropolitanos emergiu a partir da reestruturação econômica do país (IPEA, 2001). Esse processo pode explicar o porquê não apenas as capitais, mas também, os municípios de médio e grande portes (entre 50.001 e 200.000 habitantes), apresentarem taxas de cobertura de planos de saúde superiores aos demais municípios do interior, de menor porte populacional (Tabela 1).

A análise segundo o porte populacional reforça essa tendência de concentração de cobertura nas áreas urbanas ao sugerir, em todas as regiões geográficas, uma associação positiva entre o tamanho do município e a proporção da população coberta (Figura 1).


O gênero, a idade e a origem racial são as três principais variáveis demográficas que caracterizam a distribuição de saúde e doença numa determinada população. A raça ou cor da pele estão fortemente associadas aos níveis de renda e educação (Dachs, 2002). Estudos desenvolvidos sobre diferenças de gênero na saúde relatam que, embora vivam mais do que os homens, as mulheres apresentam mais morbidade e utilizam com maior freqüência os serviços de saúde. Essa aparente contradição reduz quando são ajustados os indicadores por faixa etária segundo o padrão de doenças (Pinheiro et al., 2002; Macintyre et al., 1999; Bird e Rieker, 1999). No Brasil, esta diferença é marcada também pela variável "local de moradia". Com exceção das cidades de Belém, Teresina, Porto Alegre e Brasília, todas as demais capitais brasileiras apresentam maior cobertura populacional de planos de saúde entre as mulheres. Os municípios do interior e as regiões metropolitanas exceto capitais apresentam um comportamento semelhante, com predominância do sexo feminino. Se então considerarmos o indicador de razão de sexos, definido como o número de homens para cada grupo de 100 mulheres, na população em determinado espaço geográfico e ano específico, as desigualdades de cobertura também podem ser evidenciadas. Nesse caso, a região Norte, que apresenta razão de sexos acima de 100 para a população-residente de quase todas as suas unidades da federação, quando analisada sob a perspectiva da população com planos de saúde, inverte essa tendência pelo predomínio de mulheres na maior parte dos estados. A hegemonia da população de mulheres com planos de saúde é quase absoluta no país, sendo mais significativa do que o mesmo indicador calculado para a população-residente como um todo.

A idade é a característica pessoal mais associada à ocorrência da doença, sendo quase sempre necessário controlar o efeito das diferenças na distribuição etária, quando são comparadas as ocorrências de doenças em duas populações ou em dois períodos distintos, através da padronização dos coeficientes de idade.

O processo de transição demográfica se relaciona aos efeitos que as mudanças nos níveis de fecundidade, natalidade e mortalidade provocam sobre o ritmo de crescimento populacional e sobre a estrutura por idade e sexo. Um método bastante utilizado pelos demógrafos para examinar a distribuição etária de forma combinada à questão do gênero é a construção de pirâmides etárias, usualmente elaboradas para faixas etárias qüinqüenais. Aqui, pela não-disponibilidade de dados para períodos qüinqüenais em todas as faixas etárias para a população com planos de saúde, optamos pela construção das pirâmides etárias, com agrupamento decenal das idades. Outro método alternativo para análise das doenças por idade, sexo e raça, é a chamada "pirâmide de doenças", construída da mesma forma que a pirâmide populacional, que exibe quais faixas etárias são mais afetadas pelas doenças (Dever, 1988). Uma mudança percebida em conseqüência da transição demográfica é o processo de envelhecimento populacional, que, no Brasil, pode ser observado ao serem comparadas as pirâmides etárias entre as décadas de 1970 e 2000. Em 1970, a forma da pirâmide ainda apresentava uma base larga e o ápice estreito. Progressivamente essa configuração se alterou até atingir, no ano de 2000, um grande estreitamento da base e um alargamento do ápice, como reflexo da redução relativa da população jovem e do crescimento da população de idosos, esta última principalmente do sexo feminino, como reflexo de sua maior sobrevida (Figura 2).


Já em relação às pessoas que possuem planos de saúde , a pirâmide apresenta um comportamento curioso, com predominância de mulheres em idade fértil (15 a 49 anos); idosos (com 60 anos ou mais) e semelhança de homens e mulheres entre a população de menores de 10 anos e de 10 a 19 anos (Figura 3).


A proporção de crianças menores de cinco anos de idade vem sendo utilizada como um indicador que contribui para o planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas relacionadas à saúde, educação e assistência social de crianças em idade pré-escolar (RIPSA, 2002). O indicador está relacionado aos níveis de fecundidade e natalidade, que repercutem na estrutura etária da população; regiões com reduzidas taxas de fecundidade apresentam menor proporção de crianças abaixo de cinco anos de idade.

A distribuição da cobertura por planos de saúde de crianças nessa faixa etária revela grandes áreas com ausência e/ou baixa assistência nas regiões Norte, Nordeste, Sul, Centro-Oeste e, também o norte de Minas Gerais. Contudo, em 2002, as capitais da região Sudeste possuíam cobertura entre 30% e 50%; e da região Sul, entre 17% e 36%. A média nacional observada de cobertura nesse caso encontra-se em torno de 12% (Tabela 2).

Diversos estudos vêm demonstrando a maior utilização dos serviços de saúde por parte das mulheres, inclusive os próprios dados levantados pela PNAD-1998. Os dados da ANS corroboram esse fato, ao evidenciar as maiores proporções de cobertura por planos de saúde nesse segmento, notadamente, as mulheres em idade fértil, cujos valores chegam a atingir entre 30% a 62% no Estado de São Paulo e 13 a 48% no Rio de Janeiro, por exemplo. Também nesse caso, a maior cobertura pode ser observada nos municípios de maior porte populacional e em praticamente todas as capitais do Brasil (Tabela 3). Por fim, a análise por idade considera a população de idosos – um consenso no Comitê de Especialistas da RIPSA (2002) e definida pela legislação brasileira (BRASIL, 1994) – a com idade igual ou superior a 60 anos. Aqui, os maiores vazios de cobertura de planos de saúde podem ser constatados nos municípios de menos de 50.000 habitantes (Tabela 4). Apesar das mensalidades mais elevadas, entre esse segmento etário, devido aos custos da assistência e tecnologia médicas, as capitais das regiões Sudeste (46,5%), Sul (26,3%) e Centro-Oeste (46,0%) permanecem com proporções elevadas de cobertura, com exceção de Porto Alegre (14,4%).

A análise dos dados revelou que as principais variáveis consideradas – sexo, idade, porte populacional dos municípios, localização geográfica – possuem uma boa capacidade de discriminação para o setor de saúde suplementar. Assim, o efeito de isolar a capital da região metropolitana e dos demais municípios de cada unidade da federação cumpre um papel importante, pois evidencia a necessidade de aprofundamento de algumas questões como por exemplo, o porte populacional. É provável que o mesmo comportamento observado de uma maneira geral para as capitais do país se repita para as cidades de médio e grande portes, com mais de 80.000 habitantes e para os municípios vizinhos às capitais. Infelizmente o próximo inquérito a ser considerado (IBGE, 2000), que investigou de forma detalhada diversas questões relacionadas ao acesso e utilização dos serviços de saúde, dimensiona apenas as unidades de análise: região metropolitana (aqui de forma agregada à capital) e região não-metropolitana (que aqui chamamos de "demais municípios" ou "municípios do interior"). Também, estimou apenas os valores para as nove regiões metropolitanas existentes até 1998, deixando portanto de computar as estimativas para as novas regiões metropolitanas propostas a partir do Censo Demográfico de 2000.

A opção metodológica de isolar o efeito "capital" dos demais municípios de cada unidade da federação poderia ser testada também pela avaliação da qualidade do ajuste de modelagem estatística, na qual os municípios representariam as unidades de análise, sendo considerados variável dependente dummy a partir da classificação: região metropolitana X não-metropolitana, em modelos de regressão logística, com a combinação de variáveis independentes – sexo, faixa etária, porte populacional, renda média familiar – (Bahia et al., 2002a; Menard, 1995; Hardy, 1993). Também algumas técnicas específicas de análise exploratória de dados são altamente recomendadas para uma primeira aproximação descritiva (Hoaglin et al., 2000)

Os microdados da PNAD/1998 sugerem a existência de associação positiva entre cobertura de plano de saúde e renda familiar: no Brasil a cobertura é de 3,4% na classe de renda familiar inferior a um salário mínimo, cresce para 15,3% entre pessoas cuja renda familiar está entre 1 e 5 salários mínimos, e aumenta com maior intensidade nas demais classes de renda: 43,1% (5 a 10 salários mínimos), 63,6% (10 a 20 salários mínimos) e 80,6% (20 salários mínimos e mais). As pessoas de cor branca possuem quase duas vezes mais cobertura por planos de saúde (32,4% no Brasil e 45,5% nas regiões metropolitanas) do que os negros e pardos, em que a cobertura flutua entre 15% e 25%. O nível de escolaridade também apresenta importantes desigualdades na cobertura por planos de saúde. Entre aqueles com menos de 4 anos de estudo, de 14% a 28% possuem este atributo nas regiões metropolitanas e não-metropolitanas do país; para aqueles de 4 a 7 anos de estudo, entre 19% e 28% e dentre as pessoas com 8 anos ou mais de estudo, as participações relativas encontravam-se entre 44% e 52%.

Algumas considerações sobre os titulares de planos de saúde

Nas regiões metropolitanas, os titulares dos planos de saúde representavam 16,5% do total de pessoas, enquanto que nas demais localidades apenas 7,5%. O valor pago pela mensalidade do plano de saúde representava em 1998, de 7,6% a 10,2% da renda familiar para o total do país, com variações de 6% a 11%, nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste; e de 6% a 17%, nas regiões Norte e Nordeste. Essa relação também foi estudada por Reis (2001) ao analisar a evolução do gasto médio mensal familiar para 1987 e 1996 a partir dos microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, que considera as regiões metropolitanas, Brasília e Goiânia, encontrando uma participação de 6,5%.

O co-pagamento está presente em 21,4% dos planos e é mais freqüente nos planos de pouca abrangência, ou seja, naqueles que cobrem apenas consultas médicas (38,5%) e consultas/exames complementares (45,6%). Por outro lado, o co-pagamento é praticamente inexistente nos planos de saúde com cobertura que abrange apenas internação hospitalar, sendo responsável por apenas 7,5% dos casos.

Os titulares dos planos de saúde têm em média 1,4 dependentes e entre aqueles com mais de 10 anos de idade, 80,1% exerciam alguma ocupação na semana de referência da pesquisa. Por exemplo, 16,0% dos titulares atuavam no setor da economia que responde pelos serviços comunitários e sociais, serviços médicos, odontológicos e veterinários e serviços de ensino; 15,8% trabalham na indústria de transformação e cerca de 10% trabalham nas áreas de comércio de mercadorias e de administração pública. A freqüência de titulares de plano de saúde que trabalham nos ramos da agricultura e da construção é pequena: 2,1% e 1,8%, respectivamente.

Se levarmos em consideração a abrangência do contrato, 91,7% dos planos de saúde (exceto planos odontológicos) no Brasil ofereciam uma cesta de serviços que inclui consulta médica, exames complementares e internação hospitalar. A distribuição deste tipo de plano é semelhante entre os titulares de ambos os gêneros e nas diferentes faixas etárias.

Discussão

Os planos privados de assistência à saúde atuam no sistema de saúde brasileiro, configurando-se como mais um fator de geração de desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde, na medida em que cobrem apenas uma parcela específica da população brasileira em que predominam: pessoas de maior renda familiar, inseridas em determinados ramos de atividade do mercado de trabalho; pessoas que avaliam seu estado de saúde como "muito bom" ou "bom"; moradores das capitais/regiões metropolitanas, locais em que o acesso à rede credenciada de prestadores de serviços e o número médio de prestadores por operadora é superior àquele observado nos municípios de menos de 80.000 habitantes. Essa situação de desigualdade social é agravada ainda mais pelo fato de a maioria dos planos de saúde ser formada por contratos anteriores a lei 9.656/98.

Em que pesem as funções definidas na agenda da regulação pela ANS, não se deve perder de vista que novos estudos devam ser realizados para aprofundar as questões apontadas anteriormente. Em particular, a análise do mercado privado na região Sudeste, que, como observamos ao longo do artigo, concentra 70% da população coberta por planos de saúde. São necessários também estudos mais detalhados sobre as capitais brasileiras, que constituem grandes centros de concentração de clientela de planos de saúde; e atentas investigações nos subgrupos etários que mais acessam os serviços de saúde: crianças menores de 5 anos, mulheres em idade fértil e idosos.

Na medida em que fosse possível a obtenção de dados epidemiológicos com representatividade nacional e local, pesquisas que abordem aspectos de morbi-mortalidade complementariam o perfil da atenção à saúde. Nesse sentido, o modelo a ser seguido pelo setor de saúde suplementar poderia ser semelhante àquele adotado no SUS, cujos procedimentos ambulatoriais e hospitalares (quantidades e valores) são sistematizados em meios magnéticos com periodicidade mensal, oriundos do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS) e do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS). Seria também fundamental que os dados cadastrais hoje existentes na ANS fossem criticados e disponibilizados na RIPSA, no site do Datasus, com desagregação mensal e municipal, possibilitando, com isso, a realização de novos estudos comparativos entre as modalidades de prestação de serviços: SUS X saúde suplementar. O Cartão Nacional de Saúde, em fase de implantação, se constitui também um instrumento importante para o desenvolvimento de estudos nessa perspectiva. Entretanto, acreditamos que ainda levará alguns anos, até que tenhamos dados confiáveis para o total do país e regiões, uma vez que a implantação vem ocorrendo de forma não-homogênea entre as unidades da federação. Uma iniciativa inédita nesse sentido foi proposta pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (<http://www.saude. rj.gov.br/informacoes/bancodad.shtml>), que apresenta os dados de diversos sistemas nacionais de informação em saúde, não apenas em nível municipal, tal como o Datasus, mas em nível de unidade de saúde, isto é, para cada estabelecimento de saúde, os dados mensais são apresentados com atraso de apenas dois meses, o que possibilita a análise dos dados de unidades SUS X não-SUS, enquanto uma boa aproximação para análise epidemiológica se utiliza, por exemplo, do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).

Por fim, numa perspectiva financeira, a análise dos valores do prêmio/contraprestações pecuniárias, juntamente com o sinistro/eventos indenizáveis auxiliariam no desenvolvimento de estudos sobre gastos privados em saúde, além de viabilizar o cálculo da sinistralidade segundo variáveis sociodemográficas e para unidades geográficas distintas.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer à Coordenação do I Fórum de Saúde Suplementar da ANS, pelo fornecimento das tabulações especiais que permitiram a análise dos dados aqui realizada.

Artigo apresentado em 20/8/2003

Aprovado em 13/10/2003

Versão final apresentada em 17/2/2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    2004

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2003
  • Aceito
    13 Out 2003
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