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Vínculos iniciais e desenvolvimento infantil: abordagem teórica em situação de nascimento de risco

Early relations and infant development: theoretical approach in risk birth situation

Resumos

O presente artigo traz considerações sobre o desenvolvimento nos primeiros anos de vida da criança, contrapondo pontos importantes na teoria psicanalítica e na teoria das relações objetais, bem como enfocando autores da contemporaneidade. São abordados aspectos como a importância das primeiras relações, um breve histórico das práticas de cuidados neonatais e a interação mãe-bebê em situações de nascimento de risco, especialmente em casos de nascimento pré-termo. Nestas situações, os processos de formação dos vínculos iniciais e do apego podem apresentar dificuldades. Assim, faz-se uma reflexão sobre possíveis intervenções de promoção e prevenção em saúde coletiva dirigida às famílias que estão com seus filhos internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, buscando uma melhor qualidade de vida para os envolvidos neste processo. Formulações que possam vir a prevenir o surgimento de transtornos gerais do desenvolvimento são mencionadas, sugerindo-se que derivem em questões a serem discutidas no âmbito da Saúde Coletiva.

Saúde coletiva; Promoção e prevenção em saúde; Nascimento pré-termo; Apego


The present paper brings considerations on the development in the infant's early years, counterposing important points within the psychoanalytic theory and objectal relations theory, as well as focusing contemporary authors. Aspects such as the importance of early relations, a brief history of neonatal care procedures and the mother-infant interaction in risk birth situations, especially in cases of premature birth, are approached. In these situations, the processes of formation of initial links and affection can pose difficulties. We mused about the potential interventions for promotion and prevention in collective health, directed at families that have their infants hospitalized at the neonatal intensive care unit, seeking a better life quality for those involved in this process. Formulations that may come to prevent the emergence of general developmental disorders are mentioned, suggesting that they give rise to questions to be discussed in the field of collective health care.

Collective health; Promotion and prevention in health care; Premature birth; Affection


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Vínculos iniciais e desenvolvimento infantil: abordagem teórica em situação de nascimento de risco

Early relations and infant development: theoretical approach in risk birth situation

Evanisa Helena Maio de Brum; Lígia Schermann

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Luterana do Brasil. Rua Miguel Tostes, 101 ­ Prédio 14, sala 227 Bairro São Luís. 92420-280 Canoas RS. evanisa@portoweb.com.br

RESUMO

O presente artigo traz considerações sobre o desenvolvimento nos primeiros anos de vida da criança, contrapondo pontos importantes na teoria psicanalítica e na teoria das relações objetais, bem como enfocando autores da contemporaneidade. São abordados aspectos como a importância das primeiras relações, um breve histórico das práticas de cuidados neonatais e a interação mãe-bebê em situações de nascimento de risco, especialmente em casos de nascimento pré-termo. Nestas situações, os processos de formação dos vínculos iniciais e do apego podem apresentar dificuldades. Assim, faz-se uma reflexão sobre possíveis intervenções de promoção e prevenção em saúde coletiva dirigida às famílias que estão com seus filhos internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, buscando uma melhor qualidade de vida para os envolvidos neste processo. Formulações que possam vir a prevenir o surgimento de transtornos gerais do desenvolvimento são mencionadas, sugerindo-se que derivem em questões a serem discutidas no âmbito da Saúde Coletiva.

Palavras-chave: Saúde coletiva, Promoção e prevenção em saúde, Nascimento pré-termo, Apego

ABSTRACT

The present paper brings considerations on the development in the infant's early years, counterposing important points within the psychoanalytic theory and objectal relations theory, as well as focusing contemporary authors. Aspects such as the importance of early relations, a brief history of neonatal care procedures and the mother-infant interaction in risk birth situations, especially in cases of premature birth, are approached. In these situations, the processes of formation of initial links and affection can pose difficulties. We mused about the potential interventions for promotion and prevention in collective health, directed at families that have their infants hospitalized at the neonatal intensive care unit, seeking a better life quality for those involved in this process. Formulations that may come to prevent the emergence of general developmental disorders are mentioned, suggesting that they give rise to questions to be discussed in the field of collective health care.

Key words: Collective health, Promotion and prevention in health care, Premature birth, Affection

Introdução

A psicanálise sempre foi unânime em reconhecer a importância das primeiras relações na vida de um bebê como a base para o desenvolvimento. As primeiras relações estão vinculadas à formulação de que todos os bebês desenvolvem um forte vínculo com a mãe ou mãe substituta (cuidador primário). Apesar deste ponto ser pacífico, existem divergências acerca de como o desenvolvimento destas relações e suas vicissitudes se processam. Desde os primeiros trabalhos escritos por Freud, muitos psicanalistas e pesquisadores ampliaram a teoria psicanalítica, concordando ou divergindo de alguns de seus pontos. Estas divergências tornaram-se campo fértil para o surgimento de novas teorias, entre elas, as advindas dos teóricos das relações objetais. Além disso, o avanço científico e tecnológico contribuiu para que se possa hoje ter uma visão mais ampla sobre o desenvolvimento infantil.

A importância das primeiras relações

Numa perspectiva histórica, encontramos o início do estudo das primeiras relações no trabalho de Freud. Em seu artigo "Instintos e suas vicissitudes", escrito em 1915, argumenta que a criança possui necessidades fisiológicas que devem ser satisfeitas, sobretudo de alimento e conforto, e que o bebê se torna interessado em uma figura humana, especificamente a mãe, por ela ser a fonte de sua satisfação. Na teoria dos instintos, a vinculação com a figura materna é vista como impulso secundário, ou seja, que o bebê se liga à mãe afetivamente como conseqüência de esta ser o agente de suas satisfações fisiológicas básicas.

Outro estudioso das relações vinculares e da formação do apego é o psicanalista René Spitz. Trabalhando em um orfanato, Spitz (1945) observou que os bebês que eram alimentados e vestidos, mas não recebiam afeto, nem eram segurados no colo ou embalados, apresentavam a síndrome por ele denominada hospitalismo. Esses bebês tinham dificuldades no seu desenvolvimento físico, faltava-lhes apetite, não ganhavam peso e, com o tempo, perdiam o interesse por se relacionar, o que levava a maioria dos bebês ao óbito. René Spitz descreveu, portanto, o resultado da ausência dos pais e do afeto como fator determinante no desenvolvimento com prognóstico reservado.

Erik Erikson, psicanalista e teórico de grande influência sobre o estudo do desenvolvimento, em seus trabalhos desde 1950 até 1985, partilha de alguns aspectos da teoria de Freud, embora existam diferenças fundamentais entre suas teorias. Erikson (1980) aborda a grande importância dos anos iniciais para o desenvolvimento, porém, não deu ênfase à centralização dos instintos e impulsos, focalizando, em seu lugar, o surgimento gradativo de um senso de identidade que ocorre pela interação do sujeito com seu meio ambiente. O primeiro dos oito estágios apresenta a crise de confiança básica versus desconfiança. Expõe que nele o comportamento do principal provedor de cuidados (comumente, a mãe) é fundamental ao estabelecimento, pela criança, de um senso de confiança básica. Para que ocorra uma finalização bem-sucedida dessa tarefa o genitor precisa amar com consistência e reagir de maneira previsível e confiante para com a criança. Aqueles bebês cujos cuidados iniciais foram erráticos ou severos podem desenvolver desconfiança. Seja qual for o caso, a criança carrega esse aspecto de identidade básica ao longo de seu desenvolvimento, influenciando a solução das tarefas contidas nos estágios posteriores.

Winnicott, psicanalista inglês e teórico das relações objetais, em 1963, descreveu o desenvolvimento emocional primitivo em termos da jornada da dependência à independência, propondo três categorias: dependência absoluta, dependência relativa e autonomia relativa. Para ele, é na fase de dependência absoluta que a mãe desenvolve o que chamou de preocupação materna primária (Winnicott, 1956). Este estado especial da mãe faz com que ela seja capaz de compreender o bebê por meio de uma surpreendente capacidade de identificação, constituindo-se com ele em uma unidade. A mãe, então, auxilia-o a se integrar. Diz o autor que, se na fase de dependência absoluta, não há uma mãe capaz de se conectar com seu bebê, este fica num estado de não-integração, tornando-se apenas um corpo com partes soltas. De acordo com as idéias acerca do desenvolvimento propostas por Winnicott, é aqui que ocorrem as falhas primitivas no desenvolvimento, acarretando o surgimento de patologias mentais.

Bowlby (1969), psicanalista inglês e teórico das relações objetais, descreveu a importância das primeiras relações para o desenvolvimento, formulando, desse modo, a teoria do apego, quando descreve as relações do bebê com sua mãe ou cuidador desde o nascimento até os seis anos de idade. Alude que o ser humano herda um potencial para desenvolver determinados tipos de sistemas comportamentais, como sugar, sorrir, chorar, seguir com os olhos. A conduta instintiva é o resultado do controle desses sistemas comportamentais integrados, que funcionam num determinado ambiente de adaptabilidade evolutiva, em especial, de sua interação com a principal figura deste ambiente, a mãe. Nesta perspectiva, o vínculo da criança com a mãe, chamado por ele de apego, tem uma função biológica que lhe é específica e é o produto da atividade destes sistemas comportamentais que têm a proximidade com a mãe como resultado previsível. Portanto, ao longo do desenvolvimento, a criança passa a revelar um comportamento de apego que é facilmente observado e que evidencia a formação de uma relação afetiva com as principais figuras deste ambiente.

Nessa formulação, não há referência a necessidades fisiológicas e impulsos, sustenta-se ainda que o ato de nutrir desempenha um papel apenas secundário no desenvolvimento desses sistemas comportamentais. Desta forma, torna-se claro que, para Bowlby, a formação do apego não é uma conseqüência da satisfação das necessidades fisiológicas básicas como postula Freud.

Esta descrição de Bowlby coincide com as formulações de Spitz acerca da síndrome de hospitalismo, ou seja, é necessária a existência de uma relação de afeto e de apego como fator primário para um adequado desenvolvimento. Também encontramos respaldo sobre esta questão na teoria psicossocial do desenvolvimento de Erikson, por este autor não se centrar na teoria instintiva freudiana.

Bowlby e Winnicott deixam clara a importância das primeiras relações de um bebê com sua mãe para o desenvolvimento, apesar de haver divergência em pontos importantes na teoria de cada um deles. Estar apegado a uma figura materna (conceito de Bowlby) e ser dependente de uma figura materna (conceito de Winnicott) são coisas muito diferentes, apesar de terem como base a relação vincular mãe-bebê. Nas primeiras semanas, não há dúvida de que um bebê é dependente de sua mãe para que possa sobreviver, mas não está ainda apegado a ela. De acordo com as idéias de Winnicott, a dependência é máxima no nascimento e tende a diminuir ao longo da vida, apesar de seguir sempre de alguma forma presente. Na teoria de Bowlby, o apego está ausente no nascimento e começa, com os meses, a adquirir força. Bowlby (1969) infere que é improvável que qualquer fase sensível de apego comece antes das seis semanas. Acrescenta que o apego torna-se evidente depois que a criança completa seis meses, ficando mais clara sua existência por volta dos 18-24 meses. Portanto, os dois conceitos estão distantes de serem sinônimos.

Bowlby (1969) afirma que existem boas provas de que, num contexto familiar, a maioria dos bebês de cerca de três meses de idade já responde à mãe de um modo diferente em comparação com outras pessoas. Quando vê sua mãe, um bebê desta idade sorrirá e vocalizará mais prontamente e a seguirá com os olhos por mais tempo do que quando vê qualquer outra pessoa. Portanto, a discriminação perceptual está presente. Entretanto, será difícil afirmar que existe comportamento de apego enquanto não houver provas evidentes de que o bebê não só reconhece a mãe, mas também tende a se comportar de modo a manter a proximidade com ela.

O comportamento de apego manifesta-se pelos três meses, tornando-se nitidamente presente por volta dos seis meses de idade da criança e, em regra, prossegue até a puberdade.

Até recentemente, a maioria dos teóricos das relações objetais, em seus estudos sobre interação mãe-bebê, examinou fatores referentes ao papel da mãe neste processo, enquanto menos atenção foi dada às contribuições da criança. Não há dúvida de que a mãe possui, sim, a tarefa de se ligar ao bebê e auxiliá-lo em seu desenvolvimento. Porém, sabemos, hoje, com o respaldo de pesquisadores contemporâneos, que ao bebê também cabe esta tarefa e que este possui recursos para enfrentar tal empreitada. Esta interação, portanto, segue um modelo bidirecional (Schermann, 2001b), em que não apenas o comportamento do bebê é moldado pelo comportamento da mãe, mas também o da mãe o é pelo comportamento do bebê.

Autores e pesquisadores contemporâneos, como Brazelton (1988), Schermann et al. (1994), Schaffer (1996), Wendland-Carro et al. (1999), Klaus & Kennell (2000), Claussen & Crittenden (2000) e Schermann (2001b), abordam o quanto os bebês recém-nascidos apresentam uma impressionante capacidade de responder às interações já nos primeiros minutos. Iniciam a vida capazes de fazer discriminações importantes e de localizar objetos por meio de várias indicações perceptivas. São capazes de realizá-las pelo olhar, de identificar a voz do pai e da mãe. Pelo sexto dia de vida, um bebê já é capaz de identificar o cheiro da mãe. O paladar também é altamente desenvolvido em bebês após o nascimento. Eles gostam do conforto, da proximidade, e irão com freqüência moldar-se ao corpo de seus pais. Portanto, estes pesquisadores corroboram ao que postulam Bowlby e Ainsworth sobre a existência de uma relação vincular estreita entre o bebê e sua mãe já nas primeiras horas de vida, enfatizando as capacidades do recém-nascido para a interação.

Schaffer (1996) diz que a criança com quatro semanas já se comporta diferentemente com sua mãe, seu pai e com estranhos. Expressões emocionais, rapidez de movimentos, responsividade, tensões e brincadeiras são estes e muitos outros atributos que diferenciam as pessoas e ajudam a produzir estilos distintos de interações. Complementa que as características temperamentais da criança, que são inatas, até mesmo em crianças muito novas, ajudarão a determinar o curso da interação e influenciarão o comportamento da outra pessoa.

Nesse sentido, Bee (1997) cita que, mesmo sendo tão importante, esse programa inato das capacidades da criança depende da presença de um ambiente mínimo esperado, sendo essencial a formação do elo afetivo e da oportunidade de pais e bebês desenvolverem um padrão mútuo de entrosamento de comportamento de apego.

O trabalho de Ainsworth et al. (1978) foi fundamental na identificação dos diferentes padrões de apego, classificação que foi possível ser formulada através da "situação estranha", um procedimento que foi elaborado especialmente para este fim. Consiste, resumidamente, em uma série de sete episódios em laboratório: a criança, inicialmente, está com a mãe, depois, com a mãe e um estranho, sozinha com o estranho, reunida à mãe; sozinha; e, depois, de novo, reunida com o estranho; e, então, com a mãe. Ainsworth sugeriu que as reações das crianças a essa situação poderiam ser classificadas em três tipos: seguramente apegados à mãe (70% da amostra); ansiosamente apegados à mãe e esquivos (20% da amostra); e ansiosamente apegados à mãe e ambivalentes (10% da amostra). O estabelecimento dos distintos padrões de apego vai depender, em grande parte, da sensitividade materna às necessidades infantis, assim como, a capacidade da criança de usar a mãe como base segura, a partir da qual explora o mundo e para onde retorna em situação de perigo ou angústia.

Sensitividade materna, de acordo com Ainsworth et al. (1978), é a habilidade da mãe em perceber, interpretar e responder de forma adequada e contingente aos sinais da criança. A mãe muito sensitiva é bastante atenta aos sinais da criança e responde a eles pronta e apropriadamente. No outro extremo, está a mãe muito insensitiva, que parece agir quase que exclusivamente de acordo com seus desejos, humores e atividades, podendo responder aos sinais do bebê, mas fazendo-o com atraso.

Schaffer (1996) e Claussen & Crittenden (2000), partindo das definições de Ainsworth e Bowlby, dizem que, embora o conceito de sensitividade materna tenha suporte em pesquisa, sua definição não é clara. Segundo Claussen e Crittenden, isso ocorre devido ao fato de este conceito abarcar duas questões distintas: primeiramente, a interpretação dos sinais da criança (sensitividade) e, depois, a adequada execução de respostas (responsividade). Dizem que, na escala original de Ainsworth, sensitividade incorpora ambas habilidades, tanto para perceber e interpretar acuradamente os sinais da criança quanto para responder apropriadamente e prontamente a esses sinais. Destacam que, conceitualmente, isso é problemático, pois esses são passos diferentes no processo de informação e formação de vínculos afetivos, não estando necessariamente vinculados.

As autoras acima referidas conceituam sensitividade como uma construção diádica, focalizando o temperamento e as características únicas tanto da criança quanto do cuidador, e não somente como uma característica dos pais. Portanto, alguns pesquisadores têm se concentrado mais no conceito de sincronia da díade, em vez de apenas dos pais, capturando assim a contribuição de ambos, pais e crianças, para a interação.

Desde a década de 1960 esses aspectos vêm sendo estudados; a pesquisa de Schaffer e Emerson, realizada em 1964, com 60 crianças escocesas, tinha o objetivo de identificar as condições associadas ao fato de o bebê apegar-se à mãe num alto ou baixo grau de intensidade, medida pelos seus protestos quando a mãe se afastava. Os pesquisadores concluíram que nas crianças com alta intensidade de apego às mães não havia associação significativa com as variáveis alimentação, desmame, treinamento dos hábitos de higiene, sexo da criança, ordem de nascimento e quociente de desenvolvimento. Em contrapartida, duas variáveis, relacionadas ao apego e que envolvem o conceito de sensitividade materna, destacaram-se como claramente significativas: a presteza com que a mãe respondia ao choro do bebê e o grau com que ela própria iniciava a interação social com ele.

Mais recentemente, Wendland-Carro et al. (1999) estudaram 36 mães parturientes e seus recém-nascidos, examinando uma intervenção que analisa a influência da resposta sensível da mãe para o seu bebê. Um grupo experimental recebeu um programa de intervenção desenvolvido para incrementar a interação entre mãe-filho. Foi apresentado um vídeo com informações acerca das competências dos recém-nascidos para interação, motivando as mães a se envolverem e interagirem mais intensamente com seus filhos. Os pesquisadores procuraram direcionar a atenção da mãe para a importância da descoberta da individualidade da criança no tocante ao temperamento, à preferência para o contato físico e à reação à situação de pressão. Um segundo grupo recebeu uma intervenção, também em forma de vídeo, com informações que davam ênfase à habilidade de cuidados básicos. Um mês após, foi feita uma observação na casa dos bebês para avaliar a sincronia e a assincronia entre mãe e filho. O primeiro grupo mostrou uma grande freqüência no tocante às ocorrências sincrônicas que envolviam as trocas vocais, observação dos parceiros e contato físico. Havia, também, nesse grupo, diferenças positivas na responsividade das mães para com o choro e a resposta involuntária da criança.

Acredita-se, portanto, que a qualidade da interação inicial mãe-bebê é um importante fator mediador entre os eventos perinatais e o desenvolvimento sociocognitivo da criança (Schermann, 2001a). Outros pesquisadores, também, argumentam que os primeiros meses de vida da criança são primordiais para o desenvolvimento da conduta de apego entre o bebê e sua mãe (Bowlby, 1969; Ainsworth et al., 1978; Schaffer & Emerson, 1964; Brazelton, 1988; Bee, 1997; Wendland-Carro et al., 1999; Klaus & Kennell, 2000 e Claussen & Crittenden, 2000). Sendo que quando há o desenvolvimento de apego seguro, como postula Ainsworth et al. (1978), tem-se a idéia de um importante fator no bom prognóstico do desenvolvimento afetivo, social e cognitivo de crianças.

De acordo com o que foi até aqui descrito, as crianças com apego seguro, ou que rumam à independência, têm confiança no amor de seus pais, sabem que podem confiar neles para compreender e satisfazer suas necessidades e vêem o mundo como um local seguro. A partir da dependência nos primeiros meses e a formação de um apego seguro, ocorre a independência posterior. Os esforços de pais para levarem seus filhos à independência precoce resulta num processo inverso, ou seja, provocam dependência e medos que podem durar a vida toda.

Quando os pais são coerentes em seus padrões de cuidados e prestam atenção aos sinais de seu bebê, oferecem um ambiente altamente favorável para a criança senti-los e ao mundo como confiáveis e responsivos às suas necessidades individuais. Pelo asseguramento repetido de que suas necessidades físicas e emocionais serão satisfeitas, o bebê começa a desenvolver um sentimento de confiança básica e apego que o conduz à construção da independência. Assim, a criança pode usar sua curiosidade, pela base segura formada com seu cuidador, para desbravar e experimentar o mundo.

Breve histórico das práticas de cuidados neonatais

Nas maternidades e nos berçários, nas décadas de 1950 e 1960, havia a preocupação com a proteção de pacientes contra os perigos reais de doenças contagiosas, o que levou a políticas extremas de isolamento e separação. O medo da disseminação de infecções foi responsável pela separação física entre as áreas obstétricas e pediátricas nos hospitais. Não só a diarréia era epidêmica, como a infecção respiratória era presente nas maternidades e nas unidades infantis hospitalares. Como resultado, as maternidades hospitalares reuniam os bebês a termo em grandes enfermarias a portas fechadas, e os pais e familiares eram excluídos. As regras rígidas da enfermaria de recém-nascidos foram mantidas até o começo da década de 1970, quando tiveram início os cuidados centrados na família, no que diz respeito ao parto. Foram, então, abertos os portões das unidades obstétricas, e os pais e outros membros próximos à família receberam a permissão para visitar o recém-nascido no quarto da mãe. Gradualmente, na década de 1980, as mães foram estimuladas a ficar com seus filhos por períodos prolongados. Nos anos 90, novas unidades obstétricas foram construídas e a mãe e o bebê passaram a dividir o mesmo quarto (Klaus & Kennell, 2000).

Dois estudos foram fundamentais para que as portas das Unidades de Terapias Intensivas Neonatais (UTIN) se abrissem para a entrada dos pais e familiares. O primeiro foi realizado na Universidade de Stanford na Califórnia (Klaus et al., 1970): os pesquisadores estudaram, por dois anos, 44 mães, permitindo que entrassem na enfermaria logo após o nascimento do seus filhos para que pudessem pegá-los e alimentá-los enquanto ainda se encontravam em incubadoras. Para avaliar a ameaça de infecções, foram feitas culturas semanais nos bebês. Os resultados não mostraram aumento em bactérias perigosas, mesmo com as visitas das mães.

O outro estudo foi realizado em 1982, também por Klaus e Kennell, no Hospital da Universidade de Cleveland. Permitiu-se a um grupo de mães que entrasse nas UTIs para pegar e cuidar seus bebês. As crianças desse grupo tiveram um escore mais alto no teste de Stanford-Binet (que avalia o QI dos bebês), quando comparadas com as crianças do grupo controle, no qual as mães não tiveram contato precoce com seus filhos.

Kleinman (1992), em seu trabalho "The epidemiology of low birthweight", refere sobre as medidas precisas que são feitas rotineiramente por ocasião do nascimento. Uma das formas de classificação é feita com os dados sobre peso ao nascer. A medida é composta por um acordo entre idade gestacional e crescimento intra-uterino. A classificação usada sobre peso divide-se em: baixo peso ao nascer (abaixo de 2.500 gramas), esta categoria é por sua vez dividida em: muito baixo peso ao nascer (menos de 1.500 gramas) e moderado baixo peso ao nascer (de 1.500 a 2.499 gramas). No outro extremo da escala, estão os bebês com alto peso ao nascer (4.500 gramas ou mais). Esta subdivisão tem sido usada para identificar de forma mais precisa os bebês com riscos mais sérios. Em relação à idade gestacional, distingue-se pré-termo (gestação com menos de 37 semanas), a termo (gestação de 38 semanas a 42 semanas) e pós-termo (gestação com mais de 42 semanas).

De acordo com o Sinasc (1999), nos últimos 20 anos, o Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) tem mostrado mudanças significativas do perfil epidemiológico da mortalidade de crianças no primeiro ano de vida em Porto Alegre. Ao se compararem os dados da mortalidade infantil no município referentes a 1980 e 1999, observa-se uma queda no CMI de 37,24 para 12,19 óbitos para cada 1.000 nascidos vivos. Isso representa um decréscimo de, aproximadamente, 67%. Em relação aos óbitos neonatais (de 0 a 27 dias de vida) de 1980 para 1999, houve uma queda de 20,00 para 7,12 óbitos para cada 1.000 nascidos vivos. Quanto ao coeficiente de mortalidade pós-natal (de 28 a 364 dias de vida), observa-se um declínio no mesmo período de 16,46 para 5,07 óbitos para cada 1.000 nascidos vivos, destes óbitos 61,2% foram entre o primeiro e o terceiro mês de vida.

Entre as afecções do período perinatal, os transtornos relacionados à prematuridade, ao baixo peso ao nascer e à síndrome da angústia respiratória do recém-nascido foram os principais responsáveis pelos óbitos ocorridos no primeiro ano de vida (quase 70% dos óbitos ocorreram nos primeiros seis dias de vida). Dos 23.854 nascidos vivos, em Porto Alegre, no ano de 1999, 8,1% eram prematuros e 9,5% com baixo peso ao nascer (Sinasc, 1999).

McCormick (1992) e Bee (1997) expõem sobre a queda da mortalidade infantil como um todo nos Estados Unidos. De 1950 a 1980, houve um decréscimo de 29,2 por 1.000 nascidos vivos, complementando que muito destas mudanças tem ocorrido entre mortes no período neonatal.

Kleinman (1992) diz que crianças de baixo peso ao nascer são aproximadamente 50% mais propensas a terem sérios problemas de desenvolvimento do que outras doenças. Crianças de muito baixo peso ao nascer (quase todas pré-termo) são de grande risco para mortalidade e morbidade. De 1960 a 1987, baixo peso ao nascer baixou em média para 0,8% ao ano entre brancos e 0,3% ao ano entre negros, nos Estados Unidos. O declínio também tem sido grande em relação à mortalidade das crianças nascidas com baixo peso. A sobrevivência de crianças nascidas abaixo de 1.500 gramas mais que dobrou, tanto para negros quanto para brancos.

Este declínio da mortalidade infantil e neonatal torna claro o aumento da sobrevivência de crianças de alto risco, que são aquelas com baixo peso ou com muito baixo peso ao nascer, o que é amplamente atribuído aos avanços da tecnologia e à maior capacidade que temos acerca de informações científicas sobre os cuidados necessários para os bebês que necessitam de internação em UTIN. O cuidado intensivo neonatal continua a ser efetivo no aumento da sobrevivência de crianças de alto risco (Brazelton, 1988; McCormick, 1992; Kleinman, 1992; Sinasc, 1999).

Desta forma, os autores predizem que este aumento de sobrevivência, especificamente em relação aos bebês com muito baixo peso ao nascer, poderia ter um pequeno, mas perceptível impacto na prevalência de deficiências no desenvolvimento neurológico e mental de crianças (McCormick, 1992 e Kleinman, 1992).

McCormick (1992) coloca em pauta os limites dos efeitos da tecnologia neonatal, alertando que os resultados de vários estudos começam a sugerir que a sobrevivência abaixo de 500 gramas e 23 semanas de gestação é extremamente rara, em parte porque podemos estar nos aproximando de limites biológicos.

Portanto, passos consideráveis têm sido dados no sentido da melhora tanto da média de sobrevivência quanto da qualidade de vida de bebês prematuros muito pequenos, quando todas as técnicas modernas são empregadas. Os avanços nos cuidados obstétricos e neonatais e na tecnologia levaram, gradualmente, a uma melhora considerável na qualidade de sobrevivência para até mesmo os bebês de muito baixo peso.

A interação mãe-bebê em situações de nascimento de risco

Os dados históricos e epidemiológicos referidos demonstram as grandes evoluções que ocorreram no atendimento e cuidados às mães e seus bebês em relação a avanços tecnológicos, biológicos e psicológicos. As pesquisas e descobertas a respeito dos cuidados perinatais e neonatais, acrescidas aos esforços para amenizar o trauma do bebê e de sua família, tiveram um efeito direto na transformação de UTIs neonatais em ambientes mais humanos.

Além disso, de acordo com o até aqui exposto sobre a importância das primeiras relações para o desenvolvimento e da existência das capacidades dos recém-nascidos para a interação já nos primeiros minutos de vida, o que podemos pensar quando este vínculo entre a mãe e o bebê é de alguma forma dificultado pela internação do bebê em UTIN? Em que ponto a teoria do desenvolvimento nos instrumentaliza para que possamos lidar e dirimir as conseqüências deste trauma? Como podemos ajudar o bebê e sua mãe para que encontrem a melhor forma de passar e viver este momento de risco e conseguirem formar um apego seguro?

Quanto aos aspectos psicológicos, várias pesquisas têm sido realizadas no sentido de compreender os processos que envolvem o bebê e sua família numa situação de nascimento de risco. Portanto, neste contexto de internação de um bebê em UTIN, cheia de estímulos, muitas vezes hiperestimulantes e agressivos para o bebê, apesar de indispensáveis para sua sobrevivência, encontramos pais assustados e inseguros acerca da sobrevivência de seus filhos e em relação a que tipo de ajuda podem oferecer a estas pequenas crianças.

Estes bebês, apesar de enfermos e com risco, possuem capacidades para se recuperarem se as interações sociais e tecnológicas apropriadamente incentivadoras forem iniciadas quando ele é pequeno (Brazelton, 1988; Rauh & Brennan, 1992; Gross et al., 1992; Beckwith & Rodning, 1992; Klaus & Kennell, 2000; Schermann, 2001b). Os bebês prematuros, mesmo nas primeiras semanas, já são responsivos a algumas formas de estímulos sociais (Schaffer, 1996; Schermann, 1994). Um fator de previsão positiva é a capacidade dos pais de se relacionarem com o bebê e trabalharem em sua recuperação (Brazelton, 1988; Rauh & Brennan, 1992; e Klaus & Kennell, 2000).

A necessidade de os pais se envolverem com seus bebês, auxiliando-os no processo de recuperação, torna-se, muitas vezes, um fator complicador, pois os pais, diante do nascimento prematuro de seus filhos, vêem-se roubados da euforia em que se encontravam e mergulham em um ambiente de preocupação e agitação. Diante desta situação, sentem-se desorganizados, desnorteados, ansiosos e terrivelmente cansados, sendo incapazes de compreender o que está acontecendo e de responder adequadamente. A este respeito, Brazelton (1988) alude que o luto dos pais, depois do nascimento prematuro, é inevitável. Os pais não somente demonstram esta reação pela perda do bebê perfeito que esperavam, mas também lamentam o bebê que produziram, culpando-se consciente ou inconscientemente. Complementa dizendo que nessa situação de risco é muito difícil para os pais manterem seu vínculo com o bebê, o que numa situação como essa podemos considerar normal.

A este respeito, Alfaya & Schermann (2001) estudaram a depressão materna em três grupos: 20 mães de bebês prematuros e 14 mães de bebês a termo que necessitaram de cuidados intensivos neonatais, bem como 24 mães de bebês a termo sadios. Utilizaram o Inventário de Depressão de Beck para verificar a depressão materna e encontraram que as mães dos bebês prematuros apresentaram uma incidência maior entre os níveis moderado e grave para a depressão. Este resultado indica, portanto, relação entre o evento do nascimento prematuro com indicadores de depressão materna.

Rauh & Brennan (1992), Schaffer (1996) e Pickle (2000) também pontuam que o luto e a depressão materna nessa situação têm um papel significativo na saúde emocional e no bem-estar da criança. Desta forma, as necessidades psicológicas da criança, a conexão emocional entre a díade e o comportamento de apego podem ficar comprometidos e, muitas vezes, os cuidados que a mãe pode oferecer acabam não sendo suficientes para o estabelecimento de uma adequada comunicação entre ambos. A não responsividade da mãe, então, pode ser esperada como tendo enormes conseqüências para a criança. Estas crianças podem acabar tendo muito mais riscos de apresentarem resultados adversos no estabelecimento do apego precoce e no desenvolvimento emocional se uma ação de intervenção não for tomada.

Schaffer (1996) expõe que, com cerca de dois meses de idade, há um aumento significativo na acuidade visual do bebê. Como resultado, as crianças tornam-se mais atentas ao meio ambiente externo, em particular, para com outras pessoas. Ressalta que um bebê, diante da face inexpressiva da mãe, apresenta-se perturbado e aborrecido, refletindo o estado depressivo da mãe.

Encontramos respaldo, também, para esta questão na teoria de Winnicott (1971). O autor refere que, nas primeiras fases do desenvolvimento emocional do bebê, um papel vital é desempenhado pelo meio ambiente. Ao olhar para a mãe, o bebê se vê refletido no rosto dela, como se fosse um espelho e que diante de sua imagem refletida o bebê sentiria algo como o descrito: Quando olho, sou visto; logo, existo. Posso agora me permitir olhar e ver (Winnicott, 1971).

Se o rosto da mãe não reage, o bebê tem a experiência de não receber de volta o que está dando. Olha e não se vê. Este é um fato que ocorre quando as mães se encontram em depressão pós-parto, ou em luto por estarem temporariamente impossibilitadas de se conectarem com o mundo. Diante das adversidades da vida, esses bebês encontram outras vias para realizarem o processo de desenvolvimento, a partir do ambiente. Neste sentido Winnicott (1971) sugeriu, por exemplo, que na ausência da reação materna o bebê aprende ao longo dos meses a decifrar as várias feições da mãe numa tentativa de predizer seu humor, buscando assim comportar-se de acordo com o que decifra e afastando suas necessidades pessoais temporariamente, o que, de acordo com o autor, pode levar a um desenvolvimento com dificuldades. Winnicott (1971) diz que, passando pela fase de se ver refletido no rosto da mãe, o bebê conseguirá chegar à individualização de uma forma mais facilitada.

É claro, pela literatura observada, que o luto e a depressão materna têm um impacto na direção da prática de cuidados para com a criança e no relacionamento mãe-criança. Portanto, nessas situações, pode haver enorme estresse por parte dos pais para acompanharem o nascimento de um bebê com baixo peso ao nascer (Field, 1997). Intervenções podem ser designadas para monitorar e tratar tal situação especial. Portanto, nessa situação, os pais necessitam de apoio. Uma primeira questão a ser trabalhada é permitir que os pais expressem abertamente sua tristeza; desta forma surge uma possibilidade maior de se adaptarem melhor a situação. Brazelton (1988) e Klaus & Kennell (2000) citam que a mãe que tem condições de enfrentar junto com seu bebê as dificuldades e de colocá-la em palavras, trabalhando seus sentimentos de culpa, tende a lidar de forma mais rápida e fácil com a situação. A expressão dos sentimentos conduz à ligação com o recém-nascido.

Rauh & Brennan (1992) dizem que intervenções com crianças nascidas pré-termo, mais especificamente crianças de muito baixo peso, apresentam maior sucesso quando as mães expressam maior necessidade de suporte. Estas mães mostraram-se mais aptas em seu processo de adaptação maternal aos seis meses de vida do bebê. Portanto, para as mães que expressaram uma baixa necessidade de suporte, as intervenções tiveram um efeito negativo. Os autores encontraram em uma amostra de crianças de alto risco, que mães com baixo suporte social eram mais resistentes à intervenção que aquelas com altos níveis de suporte.

Programas de intervenção precoce são fundamentais neste período, minimizando o sofrimento psíquico materno causado pelo conflito em gerar um filho, muitas vezes, percebido como incompleto, auxiliando os pais no manejo destas situações e oferecendo apoio psicológico (Schermann & Alfaya, 2000).

Outro fator importante para o estabelecimento da interação é que os pais sejam capazes de entender o bebê e as capacidades que traz consigo ao nascer para a interação e conseqüentemente para recuperar-se. Nesse sentido, a pesquisa de Wendland-Carro et al. (1999), já citada, demonstra que fornecer informações às mães sobre as capacidades dos recém-nascidos para a interação é uma ação capaz de fomentar a sensitividade e responsividade materna, podendo auxiliar na sincronia da díade e conseqüentemente na formação de um apego seguro. Estes dados comprovam que se pode conseguir uma maior qualidade de vida tanto para o bebê quanto para sua família com ações simples em saúde.

Expressar sentimentos, assim como obter informações sobre as capacidades dos recém-nascidos, torna mais fácil a aproximação dos pais com seus bebês. No trabalho de Brazelton (1988) e Klaus & Kennel (2000), encontramos respaldo para a questão. Os autores expõem que se um bebê pequeno e prematuro é tocado, embalado e acariciado diariamente ou se conversamos com ele durante sua permanência na enfermaria, ele poderá apresentar menos falhas na respiração, ganho de peso e um progresso mais rápido em algumas áreas do funcionamento cerebral que pode persistir por meses depois da alta hospitalar. O simples fato de acariciar um bebê prematuro por cinco minutos a cada hora altera a motilidade intestinal, o choro, a atividade e o crescimento. Portanto, é importante que tanto quanto possível, as mães toquem e falem com seus bebês prematuros, pois o grau com que uma mãe pode cuidar de seu bebê, durante o período em que ele estiver na enfermaria de cuidados intensivos, irá, obviamente, influenciar seu relacionamento com ele e facilitar para que seu desenvolvimento se processe de forma satisfatória.

Os pais, neste contexto, necessitam de apoio, sendo necessário, portanto, enfatizar que eles têm um papel fundamental no cuidado com seus bebês prematuros; mesmo que estes estejam sendo cuidados por outros, há algo que só os pais são capazes de fazer de forma única pelo seu bebê. Os pais estarão mais prontos para enfrentarem a situação se tiverem tempo e apoio para realizar o trabalho de luto e se souberem que podem ligar-se totalmente a seus bebês como se tivessem vivido a experiência comum do vínculo, embora o processo possa exigir mais tempo (Brazelton, 1988; Klaus & Kennell, 2000; Pickle, 2000).

Rauh & Brennan (1992) ao escreverem sobre as perspectivas intervencionistas com crianças de baixo peso ao nascer referem estudos em que foi encontrada uma significativa relação entre ambiente e desenvolvimento em crianças nascidas pré-termo, ou seja, nestes estudos as crianças nascidas pré-termo foram altamente responsivas às influências do ambiente. Tal plasticidade por parte da criança, assim como a importância do ambiente embasam uma geração inteira de estudos de intervenção precoce dirigido a sistemas familiares de crianças de baixo peso e pré-termos. Os autores complementam que o suporte adicional às famílias de bebês de alto risco somado ao contexto social destas famílias tem enorme influência no desenvolvimento posterior destas crianças.

Bee (1997) também argumenta que o apoio aos pais é positivo para o desenvolvimento do bebê. Os pais que sentem possuir um apoio adequado apresentam maior probabilidade de terem filhos com apego seguro. São mais capazes de manejar o esforço extra de um bebê de baixo peso ao nascer ou de um bebê com temperamento difícil. Os pesquisadores Jacobson & Frye (1991) designaram, aleatoriamente, 46 mães de classe social mais pobres, a um grupo de controle ou a um grupo de apoio experimental. A intervenção ocorreu no período pré-natal e depois durante o primeiro ano após o parto. Esses bebês aos 14 meses foram avaliados quanto ao apego. Jacobson e Frye descobriram que os bebês cujas mães eram parte do grupo de apoio estavam mais seguramente apegados do que aqueles cujas mães não receberam essa ajuda especial.

Conclusão

A mãe de um bebê de risco necessita de um ambiente onde, primeiramente, ela possa ser acolhida em seu inevitável processo de luto, que este possa ser verbalizado e recebido como adequado e necessário pela equipe que trabalha com os pais e seus bebês. Aos poucos, os pais devem passar a receber informações sobre as capacidades dos recém-nascidos para interação e o importante papel da sensitividade e responsividade materna nesse processo de formação do vínculo afetivo. Desta forma, busca-se amenizar o trauma no qual a díade está inserida, preparando a mãe para que possa encontrar o caminho de uma interação precoce com seu bebê, capacitando-a para a tentativa da construção de um apego seguro no seu filho.

Os pais de um bebê prematuro necessitam, além de um pronto acesso a seus filhos, orientação da equipe e apoio emocional durante o trabalho de parto e no período pós-natal, quando sejam oferecidos cuidados e suporte para que os pais possam sentir-se seguros, cuidados e amparados. Se isto ocorrer, poderão repassar estes cuidados aos seus próprios filhos, oferecendo-lhes, por sua vez, esse ambiente, auxiliando assim no desenvolvimento de um apego seguro. Portanto, trata-se aqui da criação de uma "cadeia", na qual um dispositivo pode tornar-se capaz de desencadear outros e assim sucessivamente. Pais assustados, desamparados e inseguros diante do nascimento prematuro de seus bebês e que não encontrem o apoio e a segurança de que necessitam sentir-se-ão inadequados e não saberão o que fazer com seus bebês em situação de risco.

A partir das idéias expostas sobre a importância das primeiras relações para o desenvolvimento, da necessidade de intervenções de promoção e prevenção em saúde coletiva, em situações nas quais existe maior probabilidade de ocorrer falhas no desenvolvimento, buscou-se realizar reflexões das ações de intervenção possíveis em políticas de saúde mental. Ações que abarcam o trabalho com as interações vinculares mãe-bebê, em situações de nascimento de risco, para que se possa prevenir o surgimento de transtornos gerais do desenvolvimento.

Artigo apresentado em 1o/7/2003

Aprovado em 30/10/2003

Versão final apresentada em 20/12/2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2003
  • Aceito
    20 Dez 2003
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