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Qualidade de vida no trabalho: um estudo de caso das enfermeiras do Hospital Heliópolis

Life quality at work: a study of case of the nurses of Heliópolis Hospital

Resumos

O artigo apresenta um estudo de caso referente à Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) da população de enfermeiras do Hospital Heliópolis, mediante indicadores baseados nas dimensões do modelo de Richard Walton. Suas dimensões apresentam indicadores amplos que melhor se adaptam à cultura socioeconômica brasileira, adequando-se à condição organizacional da comunidade onde se situa a população-alvo. A instituição é pública, caracterizada por especialidades de alta complexidade, predominância cirúrgica, hospital de referência, em São Paulo. A pesquisa fez parte da dissertação aprovada para mestrado em Ciências da Administração e Valores Humanos no Centro Universitário Capital, em 2002. Pesquisa exploratória, de campo, qualitativa na elaboração fundamental de conceitos para confecção do questionário, e quantitativa nos procedimentos de mensuração das respostas fechadas, com tratamento estatístico por meio de análise descritiva e distribuição das freqüências das variáveis abordadas. Os resultados apresentaram-se positivos quanto à integração, relevância social, oportunidade de uso e ao desenvolvimento das capacidades; e negativos quanto à ausência de reconhecimento pelo trabalho, ausência de plano de carreira, comunicação deficiente e remuneração incompatível com a função.

Qualidade de Vida no Trabalho (QVT); Modelo de Walton; Enfermeiras; Hospital Heliópolis


The article presents a study of case referring the verification of Life Quality at Work (LQW) of the nurses’ population of Heliópolis Hospital, by means of indicators based on dimensions of the Richard Walton’ model. These dimensions propound wide indicators which better adapt to the Brazilian socioeconomic culture, adapting to the community’s organization structure where situates the target population. The institution is public, characterized by high complexity specialties, with predominance in surgical activity, considered reference hospital, located in São Paulo State, Brazil. The research made part of the dissertation approved for obtainment of the Master title in Sciences of the Administration and Human Values at the Capital Academic Center, in November 2002. Exploratory research, of field, qualitative in the fundamental elaboration of concepts for confection of the questionnaire, and quantitative regarding mensuration procedures of the closed answers, with statistical treatment through descriptive analysis and distribution of the frequencies of the variables. The results were positive regarding integration, social relevance, use opportunity and to the development of the capacities and negative regarding the absence recognition by work, absence project career, deficient communication and incompatible remuneration with the function.

Life Quality at Work (LQW); Walton’s Model; Nurses; Heliópolis Hospital


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Qualidade de vida no trabalho: um estudo de caso das enfermeiras do Hospital Heliópolis

Life quality at work: a study of case of the nurses of Heliópolis Hospital

Lourdes Margareth Leite Pizzoli

Hospital Heliópolis, Divisão de Enfermagem. Rua Cônego Xavier, 276, sala 8, térreo, 01231-030, São Paulo SP. megpizzoli@webcable.com.br

RESUMO

O artigo apresenta um estudo de caso referente à Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) da população de enfermeiras do Hospital Heliópolis, mediante indicadores baseados nas dimensões do modelo de Richard Walton. Suas dimensões apresentam indicadores amplos que melhor se adaptam à cultura socioeconômica brasileira, adequando-se à condição organizacional da comunidade onde se situa a população-alvo. A instituição é pública, caracterizada por especialidades de alta complexidade, predominância cirúrgica, hospital de referência, em São Paulo. A pesquisa fez parte da dissertação aprovada para mestrado em Ciências da Administração e Valores Humanos no Centro Universitário Capital, em 2002. Pesquisa exploratória, de campo, qualitativa na elaboração fundamental de conceitos para confecção do questionário, e quantitativa nos procedimentos de mensuração das respostas fechadas, com tratamento estatístico por meio de análise descritiva e distribuição das freqüências das variáveis abordadas. Os resultados apresentaram-se positivos quanto à integração, relevância social, oportunidade de uso e ao desenvolvimento das capacidades; e negativos quanto à ausência de reconhecimento pelo trabalho, ausência de plano de carreira, comunicação deficiente e remuneração incompatível com a função.

Palavras-chave: Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), Modelo de Walton, Enfermeiras; Hospital Heliópolis

ABSTRACT

The article presents a study of case referring the verification of Life Quality at Work (LQW) of the nurses’ population of Heliópolis Hospital, by means of indicators based on dimensions of the Richard Walton’ model. These dimensions propound wide indicators which better adapt to the Brazilian socioeconomic culture, adapting to the community’s organization structure where situates the target population. The institution is public, characterized by high complexity specialties, with predominance in surgical activity, considered reference hospital, located in São Paulo State, Brazil. The research made part of the dissertation approved for obtainment of the Master title in Sciences of the Administration and Human Values at the Capital Academic Center, in November 2002. Exploratory research, of field, qualitative in the fundamental elaboration of concepts for confection of the questionnaire, and quantitative regarding mensuration procedures of the closed answers, with statistical treatment through descriptive analysis and distribution of the frequencies of the variables. The results were positive regarding integration, social relevance, use opportunity and to the development of the capacities and negative regarding the absence recognition by work, absence project career, deficient communication and incompatible remuneration with the function.

Key words: Life Quality at Work (LQW), Walton’s Model, Nurses, Heliópolis Hospital

Introdução

Esperava-se que o Terceiro Milênio chegasse marcado por um domínio sereno das ciências, com precisão e controle natural. O que se observou foi a chegada de um século 21 caracterizado por eventos político-religiosos desafiadores, destrutivos, revelando que a humanidade ainda ignora os processos sociais, emocionais e o intenso poder da força ideológica.

Numa era tecnológica que previa probabilidades, mediante planejamentos, controles, índices e visualização do futuro, refletiu a imprevisibilidade da glorificação da máquina. Acreditando no poder da racionalidade e do intelecto, a evolução mostrou que esses eventos, mesmo associados a um progresso financeiro e educativo, não traduziram uma melhora da consciência social.

Sabemos mais das máquinas e dos mercados do que das motivações que nos fizeram inventar e institucionalizar essas coisas. Somos também ignorantes das emoções que nos levam a ter respostas exclusivas para todos os problemas sociais, que garante que esses males têm causas únicas. E que, conseqüentemente, quem sabe disso tem o dever e, mais que isso, o direito de tomar o poder a qualquer preço para implementar uma nova e inusitada era de felicidade. Hitler, Stalin e Bin Laden são desse time. Bem como os velhos deterministas que lhes deram (e têm dado) farta munição ideológica (Damatta, 2002).

Explorando e desenvolvendo mais o concreto externo, observamos que o interno humano se expressou sobremaneira na véspera do século 21, num mundo que se deparou com uma busca incessante por novos modelos tecnológicos e administrativos, no intuito de permitir a gestão de melhores serviços, mediante o estudo para aprimoramento e compreensão das relações humanas.

Na edificação social e no intercâmbio cultural, veiculados cada vez mais intensamente nos meios de comunicação, verificam-se extremos de situações, do fanatismo religioso à desmedida ambição, com eventuais choques de crenças e valores, representando o quanto desconhecemos do comportamento humano na construção de ambientes e relações harmônicas e respeitosas, mediante as diferenças naturais.

Essas circunstâncias se refletem de forma intensa nos ambientes sociais, com destaque nas relações de trabalho. Para atualizar os últimos conceitos de tecnologia e qualidade, consideramos imprescindível associar o comprometimento dos funcionários dos mais variados níveis hierárquicos de uma empresa. Isso implica verificar o grau de satisfação e de participação e os impactos daí decorrentes e sua repercussão na eficácia organizacional.

Esses aspectos podem ser compreendidos como uma forma de rever o posicionamento das pessoas em relação ao trabalho e à comunidade. O estudo de indicadores para mensurar esses elementos surgiu com o desenvolvimento do tema denominado Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), na busca de novas formas de gerenciar o trabalho e investir no potencial humano.

A verificação de índices de QVT pode trazer informações de fatores que interferem diretamente na satisfação e motivação pessoal e coletiva, com reflexos na excelência da estrutura e do serviço. Um estudo sobre esses elementos permite conhecer como as pessoas se sentem em relação a vários aspectos (tanto internos como externos) da empresa e, a partir daí, gerenciar esses dados, transformando essas informações em bases para a construção de estratégias que promovam o aumento do envolvimento.

As empresas necessitam de pessoas motivadas e comprometidas com seus objetivos e sua filosofia. Desse modo, o levantamento das percepções dos funcionários em relação aos fatores intervenientes da qualidade de vida no trabalho torna-se fundamental.

O trabalho pode ser visto como ação humana desenvolvida num contexto social, que recebe influências de várias fontes, resultando numa ação recíproca entre o trabalhador e os meios de produção, que foi gradativamente limitado por condições socialmente estabelecidas, tendo o ser humano como produto e produtor da sociedade na qual se insere. No percurso evolutivo das Ciências da Administração observa-se acentuação do enfoque nas relações humanas como base para a motivação no trabalho.

Considerando a motivação referência a um estado interno resultante de uma necessidade, aborda-se sua inferência na expressão do comportamento. A identificação do motivo pode auxiliar na compreensão do comportamento humano, mediante interpretações quanto às diferenças pessoais nas tendências motivacionais básicas, com reflexos na vida pessoal e, conseqüentemente, na vida de relação do trabalho. Mediante a cultura, a experiência familiar e individual, cada pessoa desenvolve forças de motivação que influenciam no seu trabalho, conforme seus valores.

As instituições hospitalares, com vistas à melhoria da própria qualidade de vida da população, também se encontram nessa busca de modelos que favoreçam a qualidade na prestação de assistência.

Uma comunidade hospitalar, de modo geral, pode ser descrita como qualquer outra organização empresarial, em termos de gestão administrativa, com resultados que podem sofrer influência tanto de fatores internos quanto externos à organização (Marquis & Huston, 1999). Porém, possui características bastante peculiares, que envolvem atuações profissionais diretamente ligadas aos princípios de manutenção e recuperação da saúde, e, por conseguinte, dos mananciais que sustentam a própria existência.

Desse modo, a equipe operacional de saúde, mais precisamente a profissional enfermeira, geralmente é submetida às situações geradas pelas atividades inerentes à função, envolvendo inúmeros elementos negativos proporcionados pelo ambiente caracterizado pela enfermidade.

Pela ampla representividade do gênero feminino no exercício da profissão, preferimos o termo enfermeira para referência no decorrer do estudo, não somente pelo quantitativo (94,78% no Estado de São Paulo, segundo o Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo – Coren/SP – em fevereiro de 2002 e 96,88% no Hospital Heliópolis em julho de 2002), mas principalmente pela característica profissional, cujos aspectos voltados ao cuidar muito se relacionam ao perfil atribuído ao feminino, associado com princípios da maternidade, da amamentação e outras peculiaridades do gerar, cuidar e prover.

Levando-se em conta que os profissionais passam muitas horas dentro do ambiente de trabalho, se estas puderem ser agradáveis, as pessoas vão se sentir mais motivadas e, conseqüentemente, mais envolvidas com os objetivos da empresa (Gil, 2000). Consideramos que esse envolvimento é fundamental, para o aumento não só da produção, mas, principalmente, da qualidade do trabalho e do aprimoramento profissional.

O presente estudo se justifica por suas contribuições para a discussão teórico-empírica da noção de Qualidade de Vida no Trabalho, fornecendo subsídios para o crescimento na administração quanto ao Serviço de Enfermagem. Stacciarini (2000) observa que poucas foram as investigações sobre estresse ocupacional e qualidade de vida do enfermeiro na literatura nacional, que apenas sugerem que o trabalho da enfermagem é estressante, sem maior aprofundamento nos aspectos que o caracterizam.

Os estudos sobre QVT ainda são relativamente escassos no Brasil, principalmente na área de enfermagem. Caracterizada em restabelecer o bem-estar alheio, a profissão de enfermagem comumente é submetida a diversos fatores que afetam a sua qualidade de vida. Tal influência pode ter origem em fatores intrínsecos à natureza de sua atividade laborial, mas também nas condições de trabalho geradas pela organização, o que pode influenciar outros aspectos individuais da vida pessoal do profissional, podendo, portanto, comprometer a motivação.

Gilberto Linhares (2002), presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), comenta que essa realidade é ainda mais chocante nos hospitais, onde profissionais que procuram auxiliar na cura "vivem o paradoxo de estar tão ou mais sujeitos às enfermidades do que o paciente entregue aos seus cuidados". Riscos laboriais como acidentes biológicos (radiações, inadequações de equipamentos e instrumentais) e deficiências de infra-estrutura como causa freqüente de lesões por esforço repetitivo (LER) e necessidade de duplo emprego para subsistência mais digna, são complicadores dos impactos desses profissionais que acompanham o paciente e suas famílias durante as 24 horas do dia, mesmo quando estão enfrentando algum problema pessoal ou familiar. Não é por acaso que esse conjunto de fatores produz nesse meio, em grande escala, problemas psicológicos e – já se comprovou – envelhecimento precoce.

Por afetar a sociedade inteira, a grave realidade vivida pelos profissionais de saúde está a reclamar um clamor de toda a nação pela melhoria das condições de trabalho e dos salários da operosa e sacrificada categoria da saúde, em especial a enfermagem.

De forma geral, observa-se na estrutura organizacional da comunidade hospitalar a implantação do poderio médico com a apropriação do crescimento de saúde e o gerenciamento do processo de trabalho em saúde. Essa circunstância é decorrente da identificação dos médicos com as classes dominantes nos diversos momentos históricos, produzindo discurso, saber e tecnologia necessários à manutenção do status quo e a ordem social estabelecida, diferentemente do senso comum, que entende que a supremacia médica no setor se deve à superioridade do saber médico (Pires, 1989).

Essa supremacia do conhecimento começou a se fragmentar, acentuando-se com o surgimento e crescimento vertiginoso das especialidades médicas, gerando uma perda da visão total do humano, não somente do enfermo, mas até nas relações da comunidade hospitalar (Weil, 2000).

Minayo (1999) considera que a relação positivista na prática médica se manifesta em três expressões básicas:

• Na concepção do binômio saúde-doença apenas como fenômeno biológico individual, em que o aspecto social entra, porém, compreendido como modo de vida e apenas como variável, ou é desconhecido e omitido;

• Na valorização tecnológica excessiva e na capacidade absoluta da Medicina de erradicar as doenças;

• Na dominação corporativa dos médicos em relação aos outros campos do conhecimento, adotando-os de forma pragmática (a sociologia e a antropologia consideradas importantes apenas para fazer questionários, produzir informes culturais, ensinar alguns conceitos básicos); no tratamento subalterno dado aos outros profissionais da área (enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, atendentes); em relação ao senso comum da população, numa tentativa nunca totalmente vitoriosa, de desqualificá-la e absorvê-lo.

Observando como base hierárquica a autoridade médica, principalmente dentro da comunidade hospitalar, para os indivíduos que atuam indiretamente na assistência ou com funções de menor evidência nas condutas terapêuticas ou diagnósticas, pode-se ter a ilusão de menor grau de importância. Além de elevado índice de estímulos estressores, natural num ambiente onde predomina a enfermidade, é freqüentemente comentada a insatisfação pela ausência de reconhecimento das atividades profissionais.

Considerando a importância desses elementos na área de saúde, principalmente numa profissão de atuação essencial, desenvolveu-se este trabalho com a finalidade de estudo do tema Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), baseado no Modelo de Richard E. Walton, na comunidade hospitalar de órgão público, através de um estudo de caso das enfermeiras do Hospital Heliópolis.

Objetivos

Tal pesquisa intentou obter subsídios que elucidassem a situação profissional e fornecer dados para contribuir na reestruturação organizacional para melhoria da qualidade de vida no trabalho. Limitou-se aos profissionais de nível superior, pois desenvolvem atividades de assistência concomitantes ao gerenciamento operacional da equipe de enfermagem sob seus cuidados que, particularmente na Instituição objeto do estudo, necessitam gerenciar amplas equipes de trabalho, além das atividades administrativas e de intercâmbio multiprofissional e de mediações com familiares e órgãos institucionais.

Considerando as situações inerentes à função da enfermeira no âmbito hospitalar, envolvendo os elementos que rodeiam os procedimentos mediante as enfermidades e a própria estrutura organizacional, buscou-se identificar os fatores que pudessem comprometer a motivação, o desenvolvimento e a atuação profissional.

Metodologia

Esta pesquisa pretendeu identificar os fatores que possam estimular a desmotivação, atuantes nas enfermeiras do Hospital Heliópolis, verificando as percepções das mesmas diante dos fatores de QVT. Essa relação entre QVT e produtividade é adaptada do modelo de Richard E. Walton. Desenvolveu-se como instrumento de coleta de dados um questionário para possibilitar a avaliação do nível de satisfação das enfermeiras, verificando os vários fatores que interferem no cotidiano e, a partir da percepção manifestada, mostrar a importância da avaliação da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT).

Estabelecemos alguns conceitos sobre motivação para operacionalizar a mensuração, através de aspectos de satisfação e insatisfação, na busca de envolvimento e sentido para o executor. Abordamos também fatores de comunicação que possam interferir nas relações e estimular ou prejudicar as forças produtivas e elementos que podem interferir na qualidade e motivação dentro da área da saúde no serviço público.

A pesquisa se constituiu em estudo exploratório e de campo, de caráter qualitativo na elaboração fundamental de conceitos para confecção do questionário, e quantitativo quanto aos procedimentos de mensuração das respostas fechadas. As perguntas abertas intentaram obter manifestações espontâneas, suscitadas pelo próprio questionário, para verificação de surgimento de outros fatores não incluídos.

O tratamento final constituiu-se na construção de tabelas de freqüência e percentuais quanto aos fatores pertinentes a cada dimensão considerada, dentro do modelo de Walton.

A partir dos dados levantados, procedeu-se ao tratamento estatístico por meio de análise descritiva e distribuição das freqüências das variáveis abordadas. Com esse tratamento, verificaram-se as diferenças significativas de comportamento pela estatística de freqüências cruzadas, chegando-se aos resultados finais.

Dentre os 58 profissionais ativos, obtivemos 54 devoluções de questionários, correspondendo a 93,10% respondentes.

O levantamento de dados para a presente pesquisa foi efetuado por questionário como instrumento de investigação, aplicado durante o período de julho e agosto de 2002, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Heliópolis e posterior concordância de participação pelas pessoas, mediante o preenchimento do termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Na hipótese inicial, considerou-se que o nível de satisfação das enfermeiras do Hospital Heliópolis poderia ser verificado em questionário baseado no modelo de QVT de Walton. Tal hipótese foi proposta baseada na abordagem dos aspectos elementares à realização e situação no ambiente de trabalho, enfocando simultaneamente fatores higiênicos e motivacionais, os quais constituem os 21 fatores pertinentes às oito dimensões consideradas no Modelo de Walton, facilitando a verificação de deficiências percebidas que possam afetar diretamente a QVT.

A pesquisa qualitativa não possui como pressuposto uma generalização de seus resultados e, portanto, estes são válidos somente para o hospital em estudo, dentro do contexto espaço-temporal e limites de qualquer outra natureza em que o trabalho foi desenvolvido e os dados coletados. Esses limites são determinados pela dinâmica que caracteriza a organização como fenômeno social que representa.

Apresentação dos resultados

O levantamento das variáveis demográficas demonstrou uma população basicamente constituída pelo gênero feminino, apresentando um acúmulo de atividades assistenciais e gerenciais, caracterizado por acentuado deficit no quantitativo de profissionais, com repercussão em praticamente todos os aspectos avaliados. Verificou-se que cerca de 72% das respondentes referiram que a escolha da profissão foi vinculada à viabilidade de auxilio ao próximo necessitado, carente ou enfermo, e expressões de realização e espírito humanitário.

Síntese dos resultados obtidos em todas as dimensões e seus respectivos fatores

1 – Compensação justa e adequada (-): Predominância maciça de insatisfação.

a – Renda adequada (-): Apresentou-se como um fator negativo, não sendo compatível com a responsabilidade e a importância da atividade.

b – Eqüidade interna (-): Não há muita diferença entre tempo de trabalho e experiência, com resultado negativo.

c – Eqüidade externa (-): Apresentou-se como um fator negativo, em que o salário pago não é o praticado no mercado.

2 – Condição de trabalho (-): Predominância maciça de insatisfação.

a – Jornada de trabalho (-): Insatisfação quanto ao estresse pela carga mental e desgaste não somente relacionado à própria característica da profissão, mas, principalmente, pelo número de enfermeiras muito aquém do necessário, bem como quantitativo geral de profissionais de enfermagem reduzido.

b – Ambiente físico seguro e saudável (-): Condições físico-ambientais prejudiciais à saúde, reforçadas com sobrecarga na distribuição de tarefas. Também negativo quanto a materiais e equipamentos, inovações tecnológicas e Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

3 – Oportunidade de uso e desenvolvimento de capacidades (+): Aspectos equilibrados, com concentração em satisfação.

a – Autonomia (+): Possuem autonomia para decisão e conhecimento suficiente para desenvolver suas tarefas.

b – Significado da tarefa (+): Percebem como de sua responsabilidade o resultado alcançado.

c – Identidade da tarefa (+): Consideram importantes as atividades desenvolvidas, bem como reconhecem a importância para que o hospital desenvolva seus objetivos.

d – Variedade da habilidade (+/-): Utilizam plenamente seus conhecimentos, porém a Instituição pouco investe em capacitações.

e – Retroinformação (+): Avaliam em parte os resultados finais de suas atividades, conhecendo parcialmente a estrutura completa de funcionamento do hospital, e consideram positivo o apoio de seus superiores imediatos.

4 – Oportunidade de crescimento e segurança (+/-): Aspectos distribuídos entre satisfação e insatisfação de forma eqüitativa.

a – Possibilidade de carreira (+/-): Não possuem plano de cargos e carreira definido e percebem que a Instituição não valoriza e reconhece seu trabalho.

b – Crescimento profissional (+/-): A Instituição não possui sistema de incentivo à enfermagem para prosseguir seus estudos formais, porém oferece condições internas de crescimento pela prática.

c – Segurança de emprego (+): Possuem segurança e estabilidade no emprego, por tratar-se de vínculo público, efetuado por concurso.

5 – Integração social no trabalho (+): Aspectos equilibrados, com concentração em satisfação.

a – Igualdade de oportunidade (+/-): A discriminação funcional foi a que revelou índices significativos.

b – Relacionamento (+): Resultado positivo com relacionamentos considerados satisfatórios. Também em relação ao senso comunitário e liderança e participação da gerência, com colaboração um pouco comprometida.

6 – Constitucionalismo (+/-): Aspectos distribuídos entre satisfação e insatisfação de forma eqüitativa.

a – Respeito às leis e direitos trabalhistas (+/-): Não são efetuados exames médicos. As leis trabalhistas são cumpridas satisfatoriamente.

b – Privacidade pessoal (+): Resultado positivo no respeito pessoal.

c – Liberdade de expressão (+): Predominância de satisfação.

d – Normas e rotinas (+/-): Não possuem acesso para debate de normas gerais. As rotinas internas são mais abertas.

7 – Trabalho e espaço total da vida (+/-): Aspectos distribuídos entre satisfação e insatisfação de forma eqüitativa.

a – Papel balanceado do trabalho (+/-): Pouca repercussão das ocorrências no lar, com equilíbrio entre trabalho e lazer. Não desenvolvem atividade física.

8 – Relevância social da vida no trabalho (+): Aspectos equilibrados, com concentração em satisfação.

a – Imagem da empresa (+): Satisfação quanto ao orgulho por trabalhar na Instituição, por seu prestígio, imagem, e pela auto-realização no trabalho.

O modelo analítico adaptou-se adequadamente com êxito na verificação de aspectos elementares à realização e situação no ambiente de trabalho, enfocando simultaneamente fatores higiênicos e motivacionais.

Verificamos que há equilíbrio entre as dimensões, podendo situar-se a Qualidade de Vida Total das enfermeiras do Hospital Heliópolis como razoável em alguns aspectos e bastante comprometida em outros. Elevada concentração em satisfação nas dimensões que abrangem aspectos sociais, de relacionamento e desenvolvimento do potencial. Em contrapartida, há insatisfação resultante nos aspectos que abordam a valorização, compensação, condições de trabalho e investimento na educação formal do profissional.

Considerações finais

Dor, doença e morte fazem parte do cotidiano e somam-se à angústia e à ansiedade do paciente com a integridade física comprometida, com famílias transtornadas, intermediados com a realização de procedimentos assistenciais desconfortáveis, dolorosos, invasivos, num ambiente estranho, desnudando-os em seu desequilíbrio, expondo-os em sua fragilidade.

Além disso, fatores constituintes da própria estrutura organizacional podem comprometer diretamente o desenvolvimento e a atuação, como ausência de reconhecimento pelo trabalho, falta de plano de carreira, comunicação deficiente, falta de planejamento, salário incompatível com a função ou muito abaixo do mercado. Essa associação pode colocar em risco a motivação e a satisfação, vindo a contribuir, conseqüentemente, para uma baixa produtividade e queda na qualidade do serviço prestado.

A abordagem de aspectos que afetam o indivíduo e o grupo, principalmente em uma comunidade de saúde de serviço público, caracteriza a importância dessa pesquisa, podendo propiciar a criação de estratégias para reestruturação que favoreça a melhoria das condições de trabalho, com repercussão no aumento de produtividade e qualidade de assistência. Ainda são caracterizadas as peculiaridades voltadas às diferenças de gênero e suas relações com índices de estresse.

Os resultados apontam aspectos positivos envolvendo principalmente a integração e a relevância social, bem como a oportunidade de uso e desenvolvimento das capacidades; porém apontam aspectos negativos, como a ausência de reconhecimento pelo trabalho, falta de plano de carreira, comunicação deficiente e remuneração incompatível com a função. As respondentes expressaram um índice final discretamente maior na graduação de satisfação.

O papel funcional e social da enfermeira, na cultura organizacional de uma comunidade hospitalar, pode gerar conflitos em maior ou menor grau com suas características individuais, o que explica as variações expressas nas respostas, comprometendo a motivação, e podendo gerar sofrimento físico e psíquico, que, somados a outros fatores, são causadores de estresse.

Observa-se que a profissão ainda carrega muito dessa concepção de sacrifício e auto-abandono, desconsiderando as próprias necessidades básicas, com pouco questionamento dos próprios limites físicos, emocionais, pessoais, em nome da manutenção do papel competente na atividade e função, mesmo que em detrimento pessoal. Permanece como pano de fundo um arquétipo de heroísmo, ressaltando-se um trabalho que não visa à recompensa financeira.

O orgulho do trabalho em si e na Instituição se conflitua com uma remuneração considerada injusta e condições de trabalho insatisfatórias pela sobrecarga de tarefas numa profissão já por si estressante. A enfermagem possui percentual predominante de mulheres, corroborado pela presente pesquisa e pelos dados das entidades oficiais de estatística que, ao longo da história, foram bastante refreadas em suas expressões, e ainda hoje refletem dificuldades no auto-reconhecimento, no auto-respeito e no autocuidado.

Consideramos que a produtividade em enfermagem não possa ser medida por quantidade de procedimentos e economia de materiais, pois os resultados de sua atuação nem sempre serão visíveis, palpáveis ou mensuráveis. O cuidado em enfermagem nos parece diretamente ligado ao envolvimento e ao comprometimento da pessoa com a Instituição e com a profissão.

Para que um trabalho tenha importância, não é necessário envolver assuntos de grande significado histórico; entretanto, o trabalho precisa de um sentido para quem o faz. A pessoa deve sentir que é um trabalho que vale a pena ser feito, que reforça sua auto-imagem e faz com que ela se sinta parte de um processo maior.

Com base nesses dados, observa-se que muitas intervenções podem ser efetuadas, atenuando os índices de insatisfação, favorecendo a motivação e promovendo condições para melhor qualidade na assistência.

Considerando a atuação de enfermagem, no âmbito hospitalar, envolvida em um trabalho de grupo multiprofissional, acredita-se que, para se efetuar uma abordagem de terapia multidimensional, numa concepção holística, é necessário que os membros da equipe de saúde continuem se especializando nos vários campos, porém compartilhando essa concepção e efetuando uma estrutura conceptual comum, para uma comunicação eficiente e uma sistematização dessa integração.

É possível criar estratégias para lidar com algumas incoerências do dia-a-dia: se para com o ser mais próximo de nós, que somos nós mesmos, não conseguimos perceber nossa importância, identificar nossas necessidades, reservar-nos um tratamento carinhoso e paciente, como é que conseguiremos efetuar esses valores com autenticidade para com o outro?

O mesmo se aplica à Instituição. Se para com os que constituem seu próprio "corpo" de trabalho, seja o corpo clínico, o de enfermagem, ou qualquer outro componente da área da equipe de saúde, ou ainda para os que lhe dão suporte, não há investimento, atenção, nem busca na identificação de obstáculos à harmonia e equilíbrio nas relações de trabalho, o que será projetado realmente na assistência? Não atendendo às necessidades de seu próprio corpo funcional, propicia condições para a proliferação de elementos patogênicos, que podem levar a organização a estados enfermos e, até mesmo, à própria morte, pela falência de seus múltiplos "órgãos".

Não pode existir uma plena qualidade organizacional concomitante ao detrimento da qualidade de vida de seus funcionários. Desse modo, consideramos que verificar as insatisfações pode fornecer informações significativas para a construção de estratégias voltadas ao desenvolvimento de reformas organizacionais. Só assim, é possível gerar condições para o crescimento profissional pessoal e da comunidade, que poderá ser expresso numa assistência mais produtiva, segura e de qualidade inquestionável, com garantia na própria saúde da organização.

Artigo apresentado em 4/11/2004

Aprovado em 27/7/2005

Versão final apresentada em 27/7/2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    27 Jul 2005
  • Recebido
    04 Nov 2004
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