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RESENHAS REVIEWS

Lucíola de Castro D. da Silva

Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz

Arantes MAAC & Vieira MJF. Estresse. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo, 2003, 142p.

Esta publicação, compactada em um pequeno volume, possui um conteúdo denso, expressivo, de relevância para a área da Saúde Coletiva, e que inclui a abordagem particular das relações entre trabalho, saúde e estresse, de real interesse para quem lida com o campo: a incidência do estresse é instigante, assim como a possibilidade de que, em algum nível, momentânea ou cronicamente, qualquer pessoa possa experimentá-lo, sofrer seus efeitos.

Este trabalho está dividido em Apresentação, Parte I (com quatro seções) e Parte II (com a quinta e última seção). Na breve Apresentação, Arantes (2003) se refere à abrangência da figura do estresse, com sua "circulação entre os saberes contemporâneos" (p. 13), prosseguindo com breve histórico dos estudos a respeito, idéias e caminhos percorridos por Selye – considerado "o pai do estresse" – desde 1936; até adotar, de vez, o conceito, em 1952, como ficou estabelecido e cunhado, então, em termos de: uma resposta inespecífica ou não específica do organismo aos agentes estressores (p. 14)

A seção 1 (Parte I), Estresse ou Stress, assinala o que Selye chamou de "a síndrome de se sentir doente" como precursora da Síndrome Geral de Adaptação, constituída por três fases: fase (ou reação) de alarme; fase de resistência; fase de exaustão. Por sua vinculação com a psicanálise, Arantes busca encontrar articulações com ela, assinalando que: incluir o estresse em uma coleção de Clínica Psicanalítica é, no mínimo, insólito (p. 14), apontando autores da psicanálise que constituíram referência para ela neste tema, a saber: Stora, Freud, Laplanche, Rocha, Spitz e Dejours, este com importante produção sobre trabalho/estresse, colocando a noção de uma "cilada psíquica", na relação entre quem trabalha e o cliente. Nesta seção, são arroladas contribuições de Stora (1991), a respeito do que caracteriza o estresse, como seja: constituir o resultado da ação (pontual ou não) de um agente físico (barulho, calor, frio), e/ou psicológico (perda, luto) e/ou social; constituir um conceito dinâmico, ao mesmo tempo interno e externo. Como Arantes destaca, os estudos sobre o estresse detêm o valor de ter estabelecido correlações que facilitaram pesquisas em vários campos: da medicina (como estresse-imunidade), do trabalho (com o conceito de estresse profissional, ocupacional), do social/ambiental (catástrofes naturais ou não; protótipo clássico – a guerra), havendo acordo a respeito das fases do quadro: impacto com choque; inibição/negação; ruminações repetitivas; recuperação progressiva; aceitação/começo de integração do acontecimento traumático. Muito material de pesquisa é referido sobre efeitos do estresse: desde os de combatentes americanos (guerra do Vietnã/com depressão, distúrbios somáticos, etc.), até os de doentes graves, acompanhados de estudos de procedimentos psicoterapêuticos.

Observa-se, corroborando a própria autora, que o trabalho tem por proposta: estabelecer uma aproximação entre a fase de resistência do estresse e o conceito de angústia, conforme uma leitura psicanalítica (p. 30), e destacar a relação do estresse com o local do trabalho, indo além, considerando experiências e condições. E constatamos que neste livro a perspectiva da vertente psicanalítica aprofunda o tema, sem confiná-lo.

Na seção 2 (Parte I), Estresse, Desamparo e Angústia, Arantes se remete a investigações de Spitz, pediatra vinculado ao Instituto de Psicanálise em Nova York, como um dos primeiros a reconhecer as contribuições de Selye (1955/56), ao estudo do comportamento de bebês, assinalando o paralelo estabelecido por Spitz entre o modelo de Selye e o modelo de Freud – quanto à "defesa em relação ao perigo" – apontando também que Selye considerou os estressores emocionais, além dos físicos. Estas investigações de Spitz (por dois anos) foram referentes ao estresse emocional na infância (1º ano de vida), com bebês muito pequenos, na Casa da Criança Abandonada, mantida a rotina institucional: seu foco foi a Síndrome de Privação Afetiva, envolvendo: crianças que haviam ficado com as mães até os três meses; um número pequeno de enfermeiras (uma para cada 8-12 crianças); pouco tempo de atenção, sem troca afetiva, resultando em etapas de um quadro clínico de privação nos bebês: 1ª choramingo; 2ª retraimento; 3ª movimentos contraídos, imobilidade, até desinteresse ambiental, insônia, sendo constatado também que até as relações mãe-criança mais desfavoráveis, em seus lares, eram melhores do que nenhuma. Os "suprimentos emocionais" faltavam nesta Casa, constituindo severa privação, e declínio clínico, configurando dois grupos: o da "depressão anaclítica" e o do "hospitalismo"; o primeiro, de rápida recuperação, a partir de mudanças positivas; o segundo com irreversibilidade na recuperação, sendo a privação, a partir de um período de cinco meses, muito mais grave para um bebê. Referindo esta pesquisa, Arantes oferece uma vigorosa ilustração dos graves efeitos do estresse, no caso, sobre bebês muito pequenos.

Na seção 3 (Parte I), Estresse e Trabalho, Arantes destaca que se estendeu ao estresse no campo do trabalho, por ser "o campo do fazer humano necessário, do qual muito poucos conseguem escapar", campo conquistado, mas que traz, ao mesmo tempo, o germe do seu desgaste, a própria organização do trabalho sendo fonte desse desgaste, envolvendo muitas questões, somando-se às condições de trabalho, estas, mais ainda, fonte de adoecimento. De Christophe Dejours (1987) é citada a obra A loucura do trabalho sobre aspectos cruciais no trabalho e a "anulação muda e invisível" no comportamento do trabalhador, de livre para estereotipado; também citado é o capítulo "Trabalho e medo", no qual ele aponta o medo relativo à realidade, exigente de defesas ainda mal conhecidas: nova problemática para a psicopatologia do trabalho lidar. Ainda referida é sua pesquisa com operários, com identificação que fez da estratégia do "não ter medo", como defesa que permite continuarem eles trabalhando, apesar de presenciarem acidentes graves, até fatais, com colegas, e com aparecimento de numerosas alterações: de sono, humor, manifestações musculares, ansiedades. De Dejours é acrescentada a questão da sublimação que o trabalho acaba não proporcionando, havendo, sim, a alienação do trabalhador, submissão gradativa, modos robóticos de funcionar (de aparência "normal"): desprovidos de afeto, de vínculo exagerado com o trabalho (workaholic), ou normóticos ("de pensamento operatório"). Sob este prisma, O mal-estar no trabalho, de Flávio Carvalho (1998), aborda processos de sofrimento desencadeados, a alienação e a despersonalização que estaria vindo a reboque da massificação, favorecendo a doença normótica. Outros estudos focalizam a carga de trabalho, o desgaste, também sendo apresentada uma listagem feita por Kalimo (1987) – após levantamento bibliográfico – sobre estressores, divididos em categorias.

A seção 4 (Parte I), focaliza a síndrome de burnout, termo importado da física (colapso de motores dos jatos e dos foguetes) para as ciências da saúde; por Freudenberg, psiquiatra (1973), designando a manifestação mais radical do estresse: sua fase mais aguda, de esgotamento; comumente chamado colapso nervoso. Um estudioso da síndrome de burnout foi aqui bastante destacado: Felton (1998), com citação de seu artigo "Burnout as a clinical entity: its importance in healthcare workers" que resultou das decisões finais de uma grande conferência, em 1985 nos EUA, sobre as dez principais doenças e danos relacionados ao trabalho, a qual estabeleceu estratégias a respeito. Arantes assinala as importantes contribuições de Felton, como sua abordagem das ocupações mais vulneráveis ao burnout, entre elas as que trabalham com o público em geral; destes, as que lidam com populações especiais – portadores de doenças graves, comprometimentos sérios; e outras são as ocupações em que há riscos de vida.

A seção 5 (na Parte II), As Funções Orgânicas Diante do Estresse, é trabalhada por Vieira, a qual interroga: "O estresse é uma condição da atualidade?" (p. 113), marcando que o estresse ocorre em qualquer idade, é individual, pois atua na unidade psicossomática, constituindo um conceito abstrato. Sob esta perspectiva ela se refere ao ser vivo ter como condição o estresse, o qual "Se não existisse, talvez nem estivéssemos aqui" (p. 114), acrescentando adiante que as "alterações somáticas cumprem a sua função para manutenção da vida" (p. 120). Mas ressalva que, se as agressões se tornam repetitivas, intensas ou prolongadas, pode haver uma situação de esgotamento de energia. Acompanhando suas observações, que incluem a relação entre insatisfação no trabalho e aparecimento de doenças, Vieira apresenta uma pesquisa que realizou em ambiente de uma empresa, ligada à questão da insatisfação profissional, identificando efeitos de estresse.

Vemos, nesta publicação, alguns pontos principais: oferecer informações gerais a respeito do tema, sobre um fundo panorâmico; situar a compreensão do estresse como resultado de um processo e passível de prevenção; buscar algum nível de articulação entre o campo psicanalítico e o campo mais amplo de outros estudos; discutir, até certo ponto, a temática, inclusive, na extensão ao campo do trabalho: pela dimensão que este tem na vida humana. De uma maneira geral, entendemos que tenha sido alcançada a proposta deste trabalho, que seria ainda mais efetiva com menor compactação (devido à multiplicidade quanto ao tema/estresse), constituindo este livro, a nosso ver, uma leitura oportuna.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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