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RESENHAS REVIEWS

Miriam Schenker

Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas/Uerj

Prado MCCA (org.). O mosaico da violência: a perversão na vida cotidiana. Rio de Janeiro: Vetor, 2004, 432p.

O livro, organizado por Maria do Carmo Cintra de Almeida Prado, cumpre uma ousada proposta: dar ouvidos, de acordo com uma abordagem eminentemente psicanalítica, a oito diferentes situações de violência, de lugares que não costumam ser tratados no cotidiano da vida. Os trabalhos apresentados no livro decorrem de experiências desenvolvidas por ela e por sua equipe no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a partir de pesquisas em centros acadêmicos.

O livro se subdivide em oito capítulos sendo que, no primeiro, Maria do Carmo Cintra de Almeida Prado se baseia no conceito de "mosaico" e na "teoria das estranhezas" de Maluf (2002) e em conceitos freudianos para falar sobre a complexidade do fenômeno da violência, ressaltando, nas situações descritas, a conduta equivocada, muitas vezes perversa, de profissionais que atuam em casos de abuso sexual.

No segundo capítulo, Susana Engelhard Nogueira e Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá apresentam alguns impasses e desafios para o atendimento de crianças vítimas de abuso sexual a partir da complexa descrição de dois casos clínicos. As autoras conceituam, contextualizam e estudam as conseqüências psíquicas do "abuso sexual infantil" com o intuito de compreender tanto o que se passa no psiquismo das pessoas envolvidas na situação de abuso quanto como a criança sobrevive a ele. Objetivam, por meio da psicoterapia psicanalítica, conferir importância à palavra da criança vítima do abuso sexual que, dessa forma, se torna legitimada, pelo adulto, como autora de sua história.

"Mães que choram", título do quarto capítulo, é de autoria de Marcia Ferreira Amendola, e nos introduz àquelas mães que, horrorizadas e traumatizadas, tomam consciência da sexualidade perversa de seus filhos, construída na relação com os pais/parceiros. "Despertam", com enorme angústia e sofrimento, através do trabalho terapêutico, e buscam modificar o contexto propiciador do abuso, denunciando as práticas de violência sofridas pelos filhos. Por isso, são chamadas de "mães protetoras". Márcia discute o perfil psicológico dessas mães, apresentando uma hipótese diagnóstica. Alerta, também, para a posição delicada do psicólogo que atua em casos de suspeita de abuso sexual infantil, chamando a atenção para a necessidade de uma tomada de posição ética e justa por parte desse profissional, para esses casos.

Com base em uma releitura da "teoria das estranhezas" de Maluf, e das perversões, de acordo com uma visão psicanalítica, Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá aborda, no quarto capítulo, "O estranho, a perversão e a criança". Ela ressalta, também, a desqualificação e o terrorismo que os adultos perpetradores de abuso sexual infantil fazem contra essas crianças, como uma forma de impedi-las de revelarem o trauma sofrido.

Valéria Castro Chagas de Azevedo nos brinda com o quinto capítulo, intitulado "Gravidez soropositiva". Refere, a partir da descrição do atendimento psicológico a quatro mulheres grávidas e portadoras do HIV, a necessidade de uma equipe interdisciplinar treinada para o amparo a este grupo de risco. Ressalta o estigma social e o temor, ambos existentes entre os profissionais de saúde que lidam com essa questão. E também na maioria das pacientes que participam do grupo de acolhimento terapêutico do ambulatório de um hospital público universitário, onde os atendimentos foram realizados.

No sexto capítulo, Maria de Fátima Leite-Ferreira e Maria do Carmo Cintra de Almeida Prado trazem à luz as "Vítimas do silêncio: violência familiar e homossexualidade". Com base nos relatos de uma pesquisa de Leite-Ferreira (2001) acerca de 30 casais homossexuais em situação estável de coabitação há mais de dois anos, as autoras destacam a influência que a violência intra-familiar, explícita ou velada da família de origem, pode ter para a organização da identidade de gênero. A contextualização da homossexualidade à luz de conceitos da psiquiatria e da psicanálise, ao longo da história, a dinâmica familiar que se contém na formação da identidade dos sujeitos, e a apresentação do relato de quatro casais homossexuais conformam o capítulo.

Juliana Peixoto Pereira discorre sobre "Drogadição, autoquíria e dinâmica borderline" no sétimo capítulo desse "mosaico da violência", violência eminentemente intra-familiar e intra-individual no caso clínico, referente a um psicodiagnóstico diferencial, aqui apresentado e dissecado. Juliana transita conceitualmente pela drogadição, autoquíria e dinâmica borderline com o intuito de encontrar subsídios para o entendimento da complexidade dos sintomas destrutivos apresentados pelo paciente. Ao final, ela se questiona sobre a esperança que poderá haver para pessoas que apresentam tantos agravantes contextuais e psíquicos em sua história de vida pessoal.

Fátima Gonçalves Cavalcante e Maria Cecília de Souza Minayo fecham com chave de ouro o oitavo capítulo do livro, discorrendo sobre "Organizadores psíquicos e suicídio: retratos de uma autópsia psicossocial". Preocupadas em inserir o tema no contexto da Saúde Pública, as autoras descrevem três casos clínicos a partir de dados selecionados de uma ampla pesquisa epidemiológica e psicológica sobre suicídio num município mineiro (Minayo, Cavalcante e Souza, 2003), onde a taxa de suicídio, segundo as pesquisas no Brasil, são consideradas altas. Os casos selecionados se baseiam em três eixos de organização psíquica: a neurose, a psicose e a perversão. As histórias revelam efeitos traumáticos de rompimentos afetivos não elaborados, dificuldades de diferenciação no contexto familiar e seqüelas de violência doméstica e da violência contra a mulher. O contraste entre essas três histórias fornece subsídios, ressaltados pelas autoras, para programas voltados para a prevenção do suicídio na área da Saúde Pública.

Os oito temas contemplados no livro são de fundamental importância para o pensar e o agir na Saúde Pública à medida que são perpassados pela violência intra e interpessoal, familiar e social, em que os sujeitos, vítimas de violência e abusos na infância ou na adolescência, ou ainda mulheres discriminadas, desde cedo, em seu papel social, tornam-se adultos com extrema dificuldade de sobreviver de forma minimamente saudável socialmente. Configura-se, portanto, um desrespeito aliado a uma falta de cuidado e obediência aos princípios éticos do ECA e da tríade liberdade, igualdade e fraternidade contida na Declaração Universal dos Direitos do Homem. O conteúdo dos capítulos desse "mosaico da violência" fornece fartos subsídios para se pensar e implementar programas de Saúde Pública que possam prevenir o surgimento das diversas formas de violência apresentadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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