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Em primeiro lugar gostaria de agradecer aos autores que aceitaram este convite pois estou certo de que a contribuição de todos qualificou as reflexões e proposições trazidas inicialmente e colabora para que o debate permaneça aberto, aguardando novas iniciativas.

Começo esta réplica concordando com o alerta de Eleonor Minho Conill sobre os ainda recentes avanços no processo de descentralização do SUS e, firmando nossa crença de que a gestão federal está em sintonia com as preocupações da autora, quando dá importante passo para o amadurecimento desse processo definindo o Pacto de Gestão (Portaria/GM n. 399 de 22/02/2006), um dos três integrantes do Pacto pela Saúde, iniciando a construção de seu instrumento de monitoramento composto de um número reduzido de indicadores ­ conferindo as avaliações de desempenho de metas pactuadas nos municípios um sentido mais amplo de avaliação da qualidade dos sistemas municipais. No nosso caso, acreditamos também na contribuição que poderá advir do Projeto de Fortalecimento das SES em Monitoramento e Avaliação, iniciativa de descentralização "do fazer" avaliação, favorecendo a oportunidade do desenvolvimento de metodologias apropriadas.

É necessário, ainda, ressaltar e concordar com os princípios de parcimônia, diálogo e de continuidade abordados por Eleonor Conill. Chamamos a atenção, entretanto, para a necessidade de se estabelecer uma interlocução entre esses princípios e aqueles mais afeitos ao exercício da gestão pública, quais sejam os de 1) estar alerta às possibilidades ­ senso de oportunidade; 2) estar atento aos tempos políticos ­ eles são sempre muito curtos e; 3) apostar no conhecimento construído a partir da diversidade do coletivo ­ acreditando na confluência ao objeto desejado.

Luis Augusto Pisco nos traz a experiência de sua lida incansável com a busca da qualidade na Atenção Primária à Saúde em Portugal. Sua ênfase na pós-avaliação, em busca de mecanismos qualificadores, nos faz lembrar que a proposta apresentada, como uma política de avaliação para a atenção básica no Brasil, é por si mesma uma intervenção para mudar e oferecer qualidade à gestão. Além disso, oferece instrumentos e proposições para a mudança, o aprimoramento e a melhoria da qualidade de programas e políticas setoriais.

Uma idéia que é apresentada por Luis Pisco e já testada em seu país, e com a qual concordamos, vem não só da visão da institucionalização da avaliação a partir de um esforço conjugado dos profissionais envolvidos em todos os níveis do sistema, mas como um incentivo à avaliação inter-pares. Este processo avaliativo pode potencializar o efeito qualificador das práticas. Entretanto, ainda temos muito a caminhar no sentido da mudança de cultura no processo de gestão em saúde no Brasil.

Nessa perspectiva fazemos referência às pontuações de Silvia Takeda e Yves Talbot ao evocar os valores e princípios do SUS, orientadores dos "modos de fazer" em contraponto à preocupação com possíveis riscos de institucionalizar a avaliação e chamando a atenção para a avaliação "como responsabilidade" e "como forma de participação". Suas precauções ajudam a clarificar nossas reflexões acerca da convergência dos diversos componentes da proposta em discussão quando destaca os aspectos com vistas à definição dos objetivos da avaliação, às contribuições para a eqüidade em saúde e à inteligência necessária à Atenção Primária em Saúde com vistas ao aprendizado e mudanças desejadas.

A reflexão teórica explicitada por Oswaldo Yoshimi Tanaka, apoiada principalmente na percepção de Heller sobre o "cotidiano", nos obriga, também, a recorrer ao Aurélio1 na busca por firmar nosso entendimento do termo, como: o que se faz ou sucede todos os dias, que se pratica habitualmente, que aparece todos os dias, diário. Não temos aqui a intenção de nos deter no significado dos termos, mas de lembrar que há uma diferença importante entre "institucionalizar" e "instituir".

Fomentar, oferecer condições, recursos de várias ordens para a institucionalização não é o mesmo que determinar a forma, estabelecer, criar, ou seja, instituir na organização/instituição uma prática diária. Enfim, trata-se na nossa perspectiva, de ­ entendendo a complexidade das relações intergovernamentais ­ propor o desenho institucional de uma política capaz de incentivar e/ou induzir sua adoção pelos diversos tomadores de decisão2. Como nos lembra Celina Souza, citando Marta Arretche, a transferência de responsabilidade pela implementação depende de "estratégias indutivas", desenhadas para delegar a implementação de uma dada política a outro nível de governo, de forma a superar os obstáculos à descentralização, que derivam de fatores estruturais e institucionais2.

Essa indução do processo de institucionalização da avaliação, como discutimos anteriormente, vem delineando um programa que compartilha os princípios da descentralização e da autonomia, tendo em vista a diversidade de atores e interesses envolvidos. No entanto, assume a responsabilidade de pautar a discussão, mobilizando recursos e motivando os diversos atores ­ gestores, profissionais, academia e usuários ­, disponibilizando ainda um conjunto de estratégias a serem discutidas e aperfeiçoadas pelos chamados tomadores de decisão nos diversos níveis do sistema, em que freqüentemente estão presentes valores e interesses conflitantes.

Além dessas características do processo de descentralização do SUS, temos clareza que os Termos de Referência ­ os chamados TDRs ­ com os quais trabalhamos e os modelos que desenhamos são e devem ser, de fato, apenas referências a serem utilizadas pelos atores sociais mencionados.

A concepção admitida por Oswaldo Tanaka sobre "decisão" e a identificação de que esta "está sob a governabilidade de outro ator social", sugerindo uma "alternativa" para "dar começo" ao processo de institucionalização, nos remete, a todos, à necessária reflexão sobre "poder", em sua característica de assimetria nas relações que se estabelecem em uma dado espaço social ou em suas muitas e variadas direções como observadas por Foucault3. Além disso, há a necessidade de se considerar as diversas perspectivas possíveis e conseqüentes à escolha e adoção de um ou outro paradigma de Organização4, que apontará a existência de condições que favoreçam ou não a um processo cultural de alteração de valores.

Nessa linha de argumentação, fazemos referência às considerações de Carmen Teixeira quanto à preocupação com o "risco tecnocrático" sublinhado pela autora e, à necessidade identificada do "compromisso ético e político dos sujeitos", [...] de modo que ao lado da incorporação de métodos, técnicas e instrumentos que confiram "cientificidade" às práticas de saúde, se leve em conta a intuição, a criatividade, a invenção do novo, para além das normas e dos modelos. Estas dimensões podem, a nosso ver, ser integradas a partir de uma análise cuidadosa do modo como a proposta que trazemos se apresenta aos gestores e profissionais à luz dos princípios da descentralização do SUS.

Por outro lado, se a "escassez de quadros qualificados para o exercício da gestão" constitui-se um dos problemas-chave, como bem frisa a autora, a qualificação continuada e progressiva não deixa de ser outro aspecto a ser considerado no desenvolvimento das estratégias de institucionalização da avaliação. Mesmo no que diz respeito ao necessário embasamento em pesquisas avaliativas, há sem dúvida, uma necessidade de qualificação com vistas à pertinência e à objetividade das perguntas a serem formuladas.

Outro aspecto importante e desafiador diz respeito à sustentabilidade da proposta. Sem dúvida, os debatedores, assim como os leitores expressarão, de alguma forma, exclamações e interrogações a respeito dos passos seguintes, da incorporação ou padronização de rotinas avaliativas nos diversificados contextos. Nesse sentido, acreditando na força das idéias e na capacidade de construção coletiva dos atores envolvidos, desejamos que o debate permaneça aberto pois, cremos na pluralidade como força motriz de mudanças desejadas e no compromisso social como capital maior dos que se dispõem a perseguir a qualidade desejada para o Sistema de Saúde Brasileiro.

Referências

1. Ferreira ABH. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2000.

2. Souza C. Governos locais e gestão de políticas sociais universais. São Paulo em Perspectiva 2004; 18(2):27-41.

3. Foucault M. Vigiar e punir. 7ª ed. Petrópolis: Vozes; 1987.

4. Cecílio LC. O. A avaliação transdisciplinar e poder: levantando algumas questões. Interface ­ Comunicação, Saúde, Educação 2000; 4(7):122-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2006
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