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Inquérito Nacional de Saúde: uma necessidade?

Health National Survey: is it necessary?

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Inquérito Nacional de Saúde: uma necessidade?

Health National Survey: is it necessary?

Rita Barradas Barata

Departamento de Medicina Social, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. rita.barata@fcmscsp.edu.br

O artigo aborda duas questões extremamente relevantes: o papel dos inquéritos nacionais de saúde e a importância da organização de um sistema nacional de informações em saúde capaz de articular as numerosas fontes de dados existentes no setor.

Há hoje no País uma quantidade grande de sistemas de informação de âmbito nacional sem falar nos sistemas estaduais e municipais. Os profissionais dos serviços de saúde encarregados de alimentar todos esses sistemas acabam por ter enorme sobrecarga operacional sem que o esforço resulte, na maioria das vezes, em produção de informações relevantes para a gestão no nível local.

Como bem assinalado pelo autor, mesmo no nível nacional, a ausência de interfaces que permitam a compatibilização dos respectivos bancos torna a utilização da totalidade de dados um desafio muitas vezes insuperável no cotidiano da administração. O resultado acaba sendo a pequena utilização de informações para o processo de tomada de decisão.

A iniciativa visando à organização dos sistemas de modo a compatibilizá-los e a maximizar a utilização dos dados é necessária e provavelmente teria alto impacto na incorporação de informações aos processos de gestão. Certamente qualquer tentativa nessa direção passará pela definição e adoção de um número único de identificação dos indivíduos bem como do desenho de sistemas modulares capazes de atender às necessidades de informações em distintos âmbitos de atuação.

Uma conseqüência indesejada dos sistemas informatizados que vem sendo observada no Sistema Único de Saúde é o atrelamento das ações aos componentes do sistema de informação. A existência de um sistema informatizado acaba por balizar as ações, muitas vezes de modo bastante deletério. Apenas a título de exemplo, é notória a dificuldade de incorporar ações de controle da malária na região amazônica ao trabalho das equipes de saúde da família e dos agentes comunitários de saúde. Em parte tal dificuldade decorre da inexistência dessas ações e, portanto, da possibilidade de registrá-las, no sistema de informações da atenção básica.

Em situações como a descrita acima o sistema de informações deixa de ser uma ferramenta útil para a gestão de saúde em nível local e passa a funcionar como um obstáculo para a adequação das ações aos problemas de saúde locais.

Evidentemente, esses problemas não são inerentes aos sistemas informatizados em si, mas à conseqüência do pequeno grau de competência gerencial e também de autonomia real de gestão existentes no SUS.

Enfim, ao lado dos muitos benefícios que a disposição de dados representa para o planejamento racional, a implementação e o acompanhamento das ações, é necessário ter presente o caráter centralizador que os sistemas de informação podem desempenhar, ainda que involuntariamente.

O segundo ponto abordado no artigo é a importância dos inquéritos domiciliares como fonte de dados complementares aos existentes nos sistemas nacionais de coleta regular.

A prática dos inquéritos domiciliares é bastante antiga e foi largamente utilizada tanto pela sociologia 0quanto pela epidemiologia desde o século 19. No Brasil, pelo menos desde as primeiras décadas do século 20, há registros de inquéritos domiciliares como fonte de informações sociodemográficas e epidemiológicas.

Durante a década de 1970, Carvalheiro introduziu em Ribeirão Preto, os inquéritos de saúde, nos moldes daquele conduzido pelos National Health Institutes nos Estados Unidos.

O Departamento Nacional de Endemias Rurais também foi responsável pela realização de vários inquéritos nacionais para as endemias com maior relevância sanitária.

Com o passar do tempo, os métodos de realização e principalmente de análise de dados provenientes dos inquéritos foram se aperfeiçoando, possibilitando maior precisão e exatidão nas informações obtidas e, principalmente, garantindo a validade externa dos achados, isto é, possibilitando a generalização mais segura dos dados amostrais para a população.

É desta última fase, observada nos últimos 25 anos de que trata o artigo, dando ênfase a várias iniciativas nacionais com escopo mais amplo e não apenas destinadas ao levantamento epidemiológico de determinada doença como era mais comum anteriormente, com a devida ressalva já apresentada, para os inquéritos de saúde em Ribeirão Preto.

O artigo destaca alguns aspectos importantes na condução desses inquéritos nacionais. Sem dúvida alguma, as informações obtidas por meio de inquéritos domiciliares são importantes para permitir o conhecimento de aspectos não contidos nos sistemas de registro contínuo. Neste sentido, o artigo aponta para a utilidade dos inquéritos no estudo das desigualdades sociais em saúde. Esta temática, extremamente relevante, especialmente na situação brasileira, é ainda pouco valorizada na formulação das políticas públicas em geral, e raramente seu enfrentamento é formulado com um objetivo explícito.

A criação da Comissão Nacional de Determinantes Sociais em Saúde é uma das iniciativas que pretendem introduzir esta preocupação com a redução das desigualdades em saúde na formulação das políticas públicas. A disponibilidade de informações sobre as desigualdades terá importância crescente à medida que se concretize este objetivo, sendo útil, tanto na fase de formulação quanto na avaliação do impacto dessas políticas.

Há uma série de questões metodológicas relacionadas com a realização de inquéritos domiciliares de abrangência nacional. A primeira delas diz respeito aos planos amostrais que são necessariamente complexos para dar conta da representatividade da amostra e do tamanho suficiente para conferir poder estatístico e precisão às estimativas. Neste aspecto há muitos avanços tanto na teoria da amostragem quanto nas técnicas de análise dos dados, incorporando o efeito do desenho e os pesos das diferentes frações amostrais, possibilitando que amostras relativamente menores forneçam estimativas válidas.

Outro ponto importante com implicações sobre os resultados se refere aos vieses introduzidos pela utilização de informantes indiretos para responder sobre aspectos de saúde. O recurso ao informante indireto é uma exigência operacional, em boa parte dos casos, mas pode ser totalmente incontornável nos casos de indivíduos com limitações cognitivas impossibilitados de compreender e de responder corretamente ao questionário proposto. Uma solução possível é resolver o problema na análise estratificando os resultados segundo informante direto e indireto e verificando os efeitos sobre os resultados. A informação final tanto pode ser uma média ponderada dos resultados por estrato, quando houver diferenças significativas entre eles quanto pode ser a totalidade das respostas quando houver independência do resultado em relação ao estrato. Outra alternativa, seria considerar, para alguns dos aspectos, apenas as informações obtidas diretamente.

A questão da morbidade referida também mencionada no artigo sob análise é peculiar aos inquéritos domiciliares que inevitavelmente se baseiam na percepção dos indivíduos inquiridos. Obviamente, para determinadas finalidades, podem ser realizados procedimentos instrumentais, tais como, exames sorológicos, exames antropométricos, exames clínicos e outros, na totalidade dos indivíduos amostrados ou em subamostras. Entretanto, para a maioria dos propósitos dos inquéritos de saúde, a informação dos indivíduos é suficiente e já existem muitos estudos demonstrando que esta percepção é relativamente acurada ainda que sofra influências de idade, gênero, nível de instrução e de aspectos culturais.

Finalmente, há dois aspectos que não foram abordados, mas que necessitam de consideração na decisão de estabelecer ou não, com periodicidade, inquéritos nacionais de saúde no País. Um aspecto a ser considerado é a possibilidade de substituir a visita domiciliar por uma entrevista telefônica a partir dos bons resultados obtidos com esta abordagem pelo grupo de Carlos Monteiro. O segundo aspecto tem a ver com o caráter descentralizado do Sistema Único de Saúde e a responsabilidade de execução das ações no âmbito local. Embora os inquéritos nacionais sejam capazes de produzir informações úteis para a formulação das diretrizes políticas nacionais, raramente serão capazes de produzir informações desagregáveis para uso no nível local. Tal restrição não retira validade à realização dos inquéritos, mas é preciso ter claros os potenciais de uso das informações geradas.

O desenho de uma amostra que permitisse representatividade no nível municipal certamente é possível, porém o custo financeiro e o tempo necessário para operacionalizar o inquérito o tornariam proibitivo.

A leitura dos artigos que compõem este volume da revista Ciência & Saúde Coletiva certamente será a melhor forma de se convencer da importância dos inquéritos nacionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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