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A hora e a vez da articulação dos sistemas de informação em saúde brasileiros?

The hour and turn of Brazilian health information systems articulation?

DEBATEDORES DISCUSSANTS

A hora e a vez da articulação dos sistemas de informação em saúde brasileiros?

The hour and turn of Brazilian health information systems articulation?

Álvaro Escrivão Junior

Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas. aescrivao@fgvsp.br

O artigo "Os inquéritos domiciliares e o Sistema Nacional de Informações em Saúde" é, de fato, um documento extremamente oportuno no momento atual da gestão da informação em saúde no Brasil. Os autores registram os grandes avanços observados nas últimas duas décadas e promovem um debate sobre a disponibilidade de dados e informações em saúde e propõem a criação de um Sistema Nacional de Estatísticas de Saúde que engloba um subsistema nacional de inquéritos de base populacional.

O texto destaca os momentos e ações mais relevantes na história recente das informações em saúde e enfatiza o papel relevante da Rede Interagencial de Informações em Saúde (RIPSA), que se caracteriza por ser um espaço inclusivo e plural de construção de consensos entre as distintas unidades do Ministério da Saúde, habituadas a executar ações desarticuladas e, não raramente, com uma competição negativa entre elas, que prejudica o alcance dos objetivos finais da ação ministerial. A coordenação da RIPSA sob a responsabilidade da Opas e a participação de universidades, centros de pesquisa e de entidades representativas, como a Abrasco, confere estabilidade para as ações da rede, embora não a isente totalmente das turbulências políticas. O sucesso dessa iniciativa, que recentemente comemorou 10 anos, faz dela um modelo replicável nos Estados e nas regiões metropolitanas brasileiras.

Os autores partem de um conceito amplo de informação em saúde, entendendo-se que são de interesse da saúde também as informações sociais, demográficas, econômicas e territoriais, o que implica a articulação das iniciativas de todas as instituições geradoras de dados e informações, com destaque para o IBGE, como órgão responsável pelo Sistema Estatístico Nacional.

Esse conceito de informação em saúde é o mesmo adotado pelo Grupo Técnico de Informação em Saúde e População (GTISP) da Abrasco, que tem igualmente reivindicado a necessidade de ser fomentado um amplo debate nacional em torno da necessidade de uma Política Nacional de Produção e Disseminação de Informações. Essa posição foi levada ao Conselho Nacional de Saúde e debatida no 11º Congresso Mundial de Saúde Pública e no 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em agosto de 2006, onde foram tratados em oficina de trabalho aspectos determinantes como o "Pacto pela democratização e qualidade da informação em saúde" e as informações sociais e de desigualdades.

O relacionamento entre o IBGE e os órgãos nacionais de informação de saúde evoluiu muito no período abarcado por esse artigo, o trabalho de articulação promovido pela RIPSA começa a enfrentar, com sucesso, as antigas e complexas lacunas do Sistema de Informação em Saúde, como, por exemplo, o uso dos dados relativos às doenças profissionais e acidentes do trabalho registrados pela Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT. Essa base de dados, gerida por órgãos vinculados ao Ministério da Previdência Social, refere-se a uma massa segurada de milhões de trabalhadores no País e registra anualmente milhares de acidentes e óbitos.

Apesar dos conhecidos problemas de cobertura e de qualidade dos dados desta fonte, principalmente no que se refere aos acidentes leves, o uso dessas informações pelos gestores de saúde, atualmente pouco significativo, poderia em muito contribuir para seu aprimoramento. Nesse mesmo sentido, a Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador realizada recentemente propôs a compilação nos sistemas de informação em saúde do SUS de todos os dados relacionados aos atendimentos realizados a trabalhadores acidentados e portadores de doenças relacionadas ao trabalho, promovendo a inclusão dos trabalhadores informais nas políticas públicas de saúde e minimizando a subnotificação de ocorrências.

Por outro lado, novos desafios à integração das bases de dados e informações surgem continuamente, como a importante base organizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que recobre mais de 40 milhões de vínculos a planos de saúde, contendo informações sobre beneficiários, operadoras e planos de saúde. A partir de 2005 os dados apresentam consistência suficiente e podem ser utilizados em análises conjuntas com os dados fornecidos pela PNAD e outros inquéritos populacionais.

Constata-se então que as iniciativas voltadas para superar a fragmentação dos sistemas de informações exigem soluções complexas e trabalhosas incluindo o aprimoramento das experiências como o linkage, uso de data warehouse e sistemas de informações geográficas, sendo uma prioridade atual encontrar soluções de interoperabilidade dos sistemas antes da produção dos dados, que seriam então gerados já sob uma lógica integradora.

Um outro aspecto metodológico considerado no artigo diz respeito ao uso de informações produzidas a partir dos inquéritos de base populacional. Esses são instrumentos indispensáveis para a avaliação da iniqüidade em saúde e para subsidiar as políticas sociais e de saúde. Dessa forma será possível ultrapassar a presença excessiva do olhar orientado pela análise do perfil de mortalidade para o estudo da situação de saúde das populações. Não é a intenção desmerecer essa fonte de dados, mesmo porque ela tem uma cobertura importante em grande parte do território nacional, observando-se melhorias expressivas na qualidade do preenchimento das causas do óbito e na divulgação mais oportuna, decorrentes do desenvolvimento no processamento pelo nível federal e no esforço dos níveis estadual e municipal para aprimorar essa fonte de dados.

São necessários, na verdade, progressos na exploração e utilização de quesitos como: ocupação e escolaridade na declaração de óbito, o que possibilitaria traçar um perfil mais acurado da desigualdade social na mortalidade. Cabe ressaltar que a má qualidade de preenchimento desses quesitos tem dificultado esse tipo de uso, sendo uma prática quase exclusiva fazer a aproximação das desigualdades sociais na mortalidade pela distribuição espacial. É indiscutível o valor desse procedimento para comparações entre países e grandes áreas, sendo que a grande desigualdade social vigente em nossa realidade nacional torna possível encontrar diferenças importantes entre áreas homogêneas de municípios e distritos de saúde, mesmo de pequeno porte. O que se deve enfatizar, no entanto, é a necessidade de aprimoramento – em termos de conteúdo, qualidade e cobertura – das fontes de dados nacionais e estaduais para o estudo da iniqüidade em saúde e do desenvolvimento de alternativas ainda pouco exploradas para este tipo de estudo, principalmente em áreas menores.

O artigo dá destaque a essa questão da desagregação e melhor uso no nível local de dados secundários coletados pelo censo, órgãos do setor saúde e de outros setores, mostrando que os autores estão sintonizados com as necessidades concretas dos gestores estaduais e municipais do SUS. A utilização de métodos e ferramentas que combinem os dados em áreas menores com os dados censitários é um importantíssimo passo para apoiar os estudos de situação de saúde e de utilização de serviços nas regiões metropolitanas e nos municípios brasileiros. A apropriação de técnicas estatísticas utilizadas em outros países e os avanços no manejo dos dados propiciados pelas modernas soluções de tecnologia da informação são, nesse momento, aliados importantes para facilitar o uso das informações produzidas pelos inquéritos populacionais.

Os autores ressaltam que há "pelo menos um quarto de século" o Ministério da Saúde procura dotar o setor "de um conjunto eficiente de informações que subsidiem o processo decisório". Essa nos parece realmente uma questão crucial. No cotidiano de sua atuação profissional, os gestores municipais "enfrentam" a enorme quantidade de dados requeridos pelas esferas superiores e outros que são processados e produzidos rotineiramente na esfera municipal, englobando sistemas de produção de serviços, informações epidemiológicas de base populacional e ambiental. No entanto, habitualmente este processamento apenas incorpora dados nas bases, sem vínculo com a produção de indicadores de acompanhamento, avaliação de tendências, análises de distribuição espacial, análise de perfis, entre outras abordagens necessárias.

As características do processo decisório predominante na administração pública brasileira e a falta de preparo dos gestores para usar de modo eficiente os dados disponíveis fazem com que as informações técnicas sejam preteridas na tomada de decisões e prejudiquem seriamente a avaliação dos serviços e ações de saúde. Experiências brasileiras têm mostrado a utilidade da construção de painéis para avaliar e monitorar a performance das ações desenvolvidas nos diferentes níveis de atenção à saúde, a partir dos sistemas de informações oficiais disponibilizados pelo Ministério da Saúde e da análise dos processos de produção de serviços, como subsídio à gestão da política de saúde. Nessas experiências são selecionados, dentre as centenas de indicadores que são calculados para os diversos fins, os mais adequados para fornecer um quadro simples, porém sensível, para o acompanhamento da gestão do sistema de saúde em suas várias instâncias de organização.

O artigo permitiria uma gama extensa de comentários já que faz tanto a apresentação de uma proposta de organização do Sistema Nacional de Informações em Saúde, quanto uma competente análise das contribuições metodológicas sobre os inquéritos de base populacional. Os comentários que foram feitos focaram os aspectos considerados mais importantes do ponto de vista do uso das informações na gestão do SUS em todas as suas instâncias. Desde essa perspectiva, considera-se fundamental a proposta apresentada pelos autores da constituição de um grupo de trabalho no âmbito da RIPSA para aprofundar o debate aberto nesse espaço.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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