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Evolução das desigualdades sociais em saúde entre idosos e adultos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 1998, 2003)

Health inequality trends among Brazilian adults and old-aged: a study based on the National Household Sample Survey (PNAD 1998, 2003)

Resumos

O objetivo deste trabalho foi verificar se as desigualdades sociais em saúde de adultos (20-64 anos) e idosos (> 65 anos) brasileiros se alteraram entre 1998 e 2003. O estudo foi realizado em uma amostra de 203.455 e 239.700 participantes da PNAD 1998 e 2003, respectivamente. As condições de saúde e função física, uso de serviços de saúde e filiação a plano de saúde daqueles pertencentes ao quintil inferior da distribuição da renda domiciliar per capita foram comparadas às daqueles com renda mais alta, utilizando-se métodos multivariados de análise. Os resultados mostraram que nos dois anos considerados, os indivíduos no estrato mais baixo de renda apresentavam piores condições de saúde, pior função física e menor uso de serviços de saúde, tanto na faixa etária de 20-64 quanto na de > 65 anos de idade. As forças das associações entre renda domiciliar per capita, condições de saúde e uso de serviços de saúde não se modificaram entre 1998 e 2003, indicando que não houve alterações nas desigualdades sociais em saúde no período estudado. A persistência dessas desigualdades aponta para a ineficiência de políticas, nos últimos cinco anos, que as reduzissem.

Desigualdades sociais; Saúde dos idosos; Saúde dos adultos; PNAD


The aim of this study was to verify whether health inequalities among Brazilian adults (20-64 years) and old-aged (> 65 years) have changed from 1998 to 2003. The study was conducted in samples of 203.455 and 239.700 participants of the National Household Sample Survey in 1998 and 2003 respectively. The health characteristics of those in the lower quintile of the per capita family income were compared to those with higher income by means of multivariate analysis methods. The characteristics considered in this study were health conditions and physical functioning, use of medical and dental services and health plan affiliation. The results from both years showed poorer health conditions, poorer physical functioning and less use of medical and dental services among those with lower per capita family income in both age groups, 20-64 and > 65 years. The associations between per capita family income, health status and use of health services were similar in 1998 and 2003, indicating that health inequalities have not changed in the period under study. The persistence of these inequalities shows the inefficiency of public policies in the last five years to reduce such inequalities.

Heath inequalities; Health of the old-aged; Health of adults; PNAD


ARTIGO ARTICLE

Evolução das desigualdades sociais em saúde entre idosos e adultos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 1998, 2003)

Health inequality trends among Brazilian adults and old-aged: a study based on the National Household Sample Survey (PNAD 1998, 2003)

Maria Fernanda Lima-CostaI; Divane Leite MatosII; Ana Amélia CamaranoII

INúcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento da Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Augusto de Lima 1715, 30190-002, Belo Horizonte MG. lima-costa@cpqrr.fiocruz.br

IICoordenação de População e Cidadania, Ipea

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar se as desigualdades sociais em saúde de adultos (20-64 anos) e idosos (> 65 anos) brasileiros se alteraram entre 1998 e 2003. O estudo foi realizado em uma amostra de 203.455 e 239.700 participantes da PNAD 1998 e 2003, respectivamente. As condições de saúde e função física, uso de serviços de saúde e filiação a plano de saúde daqueles pertencentes ao quintil inferior da distribuição da renda domiciliar per capita foram comparadas às daqueles com renda mais alta, utilizando-se métodos multivariados de análise. Os resultados mostraram que nos dois anos considerados, os indivíduos no estrato mais baixo de renda apresentavam piores condições de saúde, pior função física e menor uso de serviços de saúde, tanto na faixa etária de 20-64 quanto na de > 65 anos de idade. As forças das associações entre renda domiciliar per capita, condições de saúde e uso de serviços de saúde não se modificaram entre 1998 e 2003, indicando que não houve alterações nas desigualdades sociais em saúde no período estudado. A persistência dessas desigualdades aponta para a ineficiência de políticas, nos últimos cinco anos, que as reduzissem.

Palavras-chave: Desigualdades sociais, Saúde dos idosos, Saúde dos adultos, PNAD

ABSTRACT

The aim of this study was to verify whether health inequalities among Brazilian adults (20-64 years) and old-aged (> 65 years) have changed from 1998 to 2003. The study was conducted in samples of 203.455 and 239.700 participants of the National Household Sample Survey in 1998 and 2003 respectively. The health characteristics of those in the lower quintile of the per capita family income were compared to those with higher income by means of multivariate analysis methods. The characteristics considered in this study were health conditions and physical functioning, use of medical and dental services and health plan affiliation. The results from both years showed poorer health conditions, poorer physical functioning and less use of medical and dental services among those with lower per capita family income in both age groups, 20-64 and > 65 years. The associations between per capita family income, health status and use of health services were similar in 1998 and 2003, indicating that health inequalities have not changed in the period under study. The persistence of these inequalities shows the inefficiency of public policies in the last five years to reduce such inequalities.

Key words: Heath inequalities, Health of the old-aged, Health of adults, PNAD

Introdução

As desigualdades sociais vêm aumentando em todo o mundo, particularmente nos países em desenvolvimento. Estudo recente do Banco Mundial aponta para o aumento das desigualdades entre países, assim como dentro dos mesmos1. O Brasil se coloca entre aqueles com um dos mais elevados graus de desigualdade social no mundo. Em paralelo, a população idosa experimenta um crescimento sem precedentes na história2, 3. Atualmente, encontram-se ao redor do mundo 476 milhões de pessoas com 65 anos ou mais de idade (idosos), 61% das quais vivendo em regiões em desenvolvimento e 3,6 bilhões com idades compreendidas entre 20 a 65 anos4. A simultaneidade do envelhecimento populacional com o aumento das desigualdades sociais é um tema importante na agenda das políticas públicas nacionais e internacionais.

Entretanto, existem algumas controvérsias com relação à associação entre desigualdade social ou pobreza e saúde da população idosa5. Diversos estudos de base populacional, conduzidos em países desenvolvidos, mostraram que idosos com melhor situação socioeconômica apresentavam melhores condições de saúde6-13. Outros trabalhos, por outro lado, concluíram que a força dessa associação diminui ou mesmo desaparece nas idades mais velhas14-21. A redução ou desaparecimento dessa associação poderia ser explicada por: 1) viés de sobrevivência (indivíduos mais pobres tendem a morrer mais cedo); 2) exclusão de idosos institucionalizados (de uma maneira geral, estudos de base populacional não incluem idosos institucionalizados); 3) redução das diferenças de renda após a aposentadoria, com reflexos nas condições de saúde; 4) redução nas diferenças de acesso a serviços médicos de qualidade, devido a políticas para reduzir desigualdades sociais entre idosos, como o Medicare nos Estados Unidos11.

No Brasil, existem fortes evidências de que as condições de saúde da população idosa são influenciadas pela sua situação socioeconômica22, 23. Existem, também, evidências de que a situação econômica afeta igualmente a saúde dos idosos e adultos brasileiros. Em um estudo, utilizando a base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) conduzida em 1998, observou-se que indivíduos situados no estrato mais baixo de renda domiciliar per capita (< 67% do valor do salário mínimo), independentemente da idade (20-64 ou maior ou igual a 65 anos), apresentavam piores condições de saúde, pior função física e uso menos freqüente de serviços de saúde. Os autores desse trabalho levantaram a hipótese de que o uso menos freqüente de serviços de saúde, tanto por idosos quanto por adultos mais pobres, poderia estar contribuindo para a sua pior condição de saúde e chamaram a atenção para a gravidade desse achado, considerando-se que o acesso aos serviços médicos no Brasil é um direito constitucional24.

O presente trabalho tem por objetivo verificar se as associações entre desigualdades sociais e saúde de adultos e idosos brasileiros foram alteradas entre 1998 e 2003. Para isso, foram utilizadas as bases de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, conduzidas nos anos correspondentes.

Metodologia

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

As PNADs são realizadas anualmente, com exceção dos anos censitários, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o objetivo de obter informações sobre características demográficas, habitação, educação, trabalho e rendimentos da população brasileira. A pesquisa tem abrangência nacional, tendo incluído em 1998 e 2003 um suplemento com informações relativas a condições de saúde auto-referidas, uso de serviços de saúde e aspectos relacionados. Em 1998, a pesquisa foi realizada entre os dias 20 e 26 de setembro, e em 2003, entre 21 e 27 do mesmo mês25, 26.

A PNAD baseia-se em uma amostra probabilística de domicílios, obtida em três estágios de seleção. No primeiro estágio, é feita a seleção dos municípios, que são classificados como auto-representativos, com probabilidade 1 de pertencer à amostra; e como não auto-representativos, com probabilidade de pertencer à amostra proporcional à população residente. No segundo estágio, são selecionados os setores censitários, cuja probabilidade de inclusão é proporcional ao número de domicílios existentes no setor. No terceiro estágio, os domicílios são amostrados em cada setor censitário, sendo investigadas as informações relativas a todos os residentes no domicílio25, 26.

População estudada

Todos os participantes da amostra da PNAD com idade igual ou superior a 20 anos foram selecionados para o presente trabalho, correspondendo a 203.455 indivíduos em 1998 e 239.700 em 2003. Neste trabalho, foram considerados idosos os participantes com 65 ou mais anos de idade. Como já mencionado anteriormente24, este ponto de corte foi adotado porque a literatura tem mostrado que a redução da força da associação (ou o seu desaparecimento) entre nível socioeconômico e saúde é observada a partir dessa idade.

Variáveis

Variável dependente

A variável dependente deste trabalho é a renda domiciliar per capita, obtida a partir da renda total do domicílio dividida pelo número de moradores do mesmo. A renda dos idosos foi a referência para o cálculo da renda domiciliar per capita24. Este procedimento foi adotado porque o foco do trabalho é a população idosa, e os domicílios com idosos residindo apresentam renda domiciliar per capita mais elevada do que os que não contam com idosos residindo27.

Os níveis de renda domiciliar per capita dos idosos foram agrupados em quintis e transformados em salários mínimos da época, como descrito em trabalho anterior24. Em 1998, o quintil inferior da distribuição da renda domiciliar per capita da população idosa foi de R$ 86,67, correspondendo a 66,7% do salário-mínimo (R$130,00 no mês de setembro)24. Em 2003, os valores correspondentes foram R$160,00 e 66,7%, respectivamente, considerando-se o valor do salário mínimo do mês de setembro de 2003 (R$240,00).

Variáveis independentes

Como variáveis independentes neste trabalho, foram consideradas: 1) condições de saúde e função física – interrupção das atividades rotineiras devido a problemas de saúde nas duas últimas semanas, ter estado acamado nas duas últimas semanas, presença e número de doenças crônicas auto-referidas, percepção da saúde e grau de dificuldade para realizar pelo menos uma entre três atividades da vida diária: alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro; 2) uso de serviços de saúde – número de consultas médicas nos últimos 12 meses, tempo decorrido após a última visita ao dentista, número de internações hospitalares nos últimos 12 meses; e 3) filiação a plano de saúde.

Com referência às doenças crônicas auto-referidas, a pergunta adotada pela PNAD em 1998 foi "Tem a doença". Em 2003, a pergunta adotada foi Algum médico ou profissional de saúde disse que você tem a doença25, 26. O número de doenças crônicas foi obtido somando-se as respostas afirmativas às perguntas acima mencionadas. Com relação à percepção da saúde, em trabalho anterior, a informação foi desconsiderada quando outra pessoa respondeu à entrevista24. No presente trabalho, entretanto, levou-se em conta a informação para todos os participantes porque, recentemente, verificou-se que a inclusão das respostas dadas por outro respondente não alterava a distribuição da auto-avaliação da saúde, nem os fatores associados à mesma entre participantes da amostra da PNAD28.

Análise dos dados

A análise dos dados foi baseada em odds ratios e respectivos intervalos de confiança (método de Woolf), estimados por meio de regressão logística29. Sexo, idade (variável contínua), respondente e macrorregião de residência foram consideradas a priori variáveis de confusão e foram incluídas em todos os modelos logísticos multivariados. A análise foi realizada, utilizando procedimentos para inquéritos populacionais do programa Stata30. Foram incorporados os pesos individuais (inverso da fração amostral) e correção para efeito do delineamento do estudo.

Resultados

Entre os 183.728 participantes da PNAD 1998 e os 215.639 da PNAD 2003 com 20-64 anos de idade, 97,0% e 97,7%, respectivamente, foram incluídos no presente trabalho. As proporções correspondentes para a faixa etária de 65 anos ou mais foram 96,7% entre os 19.727 participantes da PNAD 1998, e 97,1% entre os 24.061 participantes da de 2003. A idade média das pessoas que tinham de 20 a 64 anos (adultos) em 1998 foi igual a 37,6 anos e 37,5 anos em 2003. Já a idade média dos idosos foi de 73,0 e 73,3 anos em 1998 e 2003, respectivamente.

Na tabela 1 estão apresentados os resultados da análise não ajustada da associação entre indicadores da condição de saúde e renda domiciliar per capita na faixa etária de 20-64 anos, segundo o ano. Em ambos os períodos, observaram-se associações significantes entre a renda domiciliar e a interrupção das atividades habituais nas duas últimas semanas por motivos de saúde, ter estado acamado nas duas últimas semanas, diabete auto-referido, percepção da saúde e grau de dificuldade para realizar pelo menos uma atividade da vida diária (exceto incapacidade total). Os demais indicadores apresentaram-se significativamente associados à renda domiciliar em 1998, mas não em 2003.

Com relação à faixa etária de 65 anos ou mais, observaram-se, em ambos períodos, associações significantes entre renda familiar e todos indicadores da condição de saúde investigados, exceto relato de artrite/reumatismo, hipertensão e número de doenças crônicas (Tabela 2).

Os resultados da análise não ajustada da associação entre renda domiciliar per capita e indicadores de uso de serviços de saúde entre adultos e idosos estão apresentados nas tabelas 3 e 4, respectivamente. Em ambos os grupos etários, tanto em 1998 quanto em 2003 foram observadas associações negativas entre renda domiciliar e filiação a plano de saúde, assim como número de consultas médicas nos últimos 12 meses. Associação positiva foi observada com tempo decorrido após a última visita ao dentista. Entre adultos, a renda domiciliar apresentou associação positiva com hospitalizações em 1998 e 2003, mas essa associação não foi observada entre idosos.

Após ajustamentos por variáveis de confusão, todos os indicadores da condição geral de saúde (interrupção das atividades habituais nas 2 últimas semanas por motivos de saúde, ter estado acamado nas 2 últimas semanas e percepção de saúde) e a capacidade funcional (habilidade para realizar atividades da vida diária) permaneceram significativa e positivamente associados à renda domiciliar per capita. Essas associações foram consistentemente observadas em adultos e em idosos, tanto em 1998 quanto em 2003. Com relação à morbidade auto-referida, os resultados diferiram nos dois grupos etários. Entre adultos, nos dois anos estudados, observaram-se associações significantes entre renda familiar e artrite/reumatismo, hipertensão e número de doenças crônicas. Entre idosos, as associações encontradas não foram estatísticamente significantes em 1998 e/ou em 2003 (Tabela 5).

Na tabela 6 estão apresentados os resultados da análise ajustada da associação entre indicadores de uso de serviços de saúde, assim como da filiação a plano de saúde, e renda domiciliar per capita. Associações negativas foram encontradas para filiação a plano de saúde e número de consultas médicas nos últimos 12 meses, e associação positiva foi encontrada para tempo decorrido após a última visita ao dentista. Esse padrão foi observado de forma consistente nos dois anos estudados, tanto em adultos quanto em idosos. Com relação às hospitalizações nos últimos12 meses, observaram-se diferenças entre adultos e idosos. Entre os primeiros, foi observada associação positiva entre hospitalizações e renda familiar. Entre os últimos, as associações observadas não foram estatísticamente significantes, exceto para duas ou mais hospitalizações no ano de 2003.

Discussão

O presente trabalho foi desenvolvido para responder a três perguntas. A primeira foi se as desigualdades sociais em saúde entre adultos e idosos brasileiros, observadas em 1998, persistiram cinco anos depois; a segunda é se a magnitude dessas desigualdades em 2003 foi semelhante nos dois grupos etários; e a terceira, se houve modificações na magnitude dessas desigualdades durante o período estudado. Como medida de desigualdade, optou-se por utilizar a renda domiciliar per capita situada no quintil inferior da distribuição da renda, em comparação aos valores mais altos. Os resultados mostraram que as associações entre menor renda domiciliar per capita e piores condições gerais de saúde, menor capacidade funcional e menor uso de serviços médicos (consultas médicas) e odontológicos, que já haviam sido observadas em 199824, per-sistem em 2003, tanto em adultos quanto em idosos.

Com relação à comparação entre adultos e idosos, com base nos dados da PNAD 2003, observou-se que as forças das associações entre renda domiciliar per capita e os indicadores das condições gerais de saúde, a capacidade funcional e os indicadores de uso de serviços de saúde apresentaram uma discreta tendência a serem menores entre os idosos, em relação aos mais jovens. Mas a direção das associações observadas foi a mesma e, na maioria das vezes, os intervalos de confiança dos odds ratios apresentaram-se superpostos, como já havia sido observado em trabalho anterior, baseado nos dados da PNAD de 199824. Por outro lado, com relação às doenças crônicas e à filiação a plano de saúde, as diferenças entre adultos e idosos foram mais expressivas. O relato de artrite/reumatismo e de hipertensão, assim como o número de doenças crônicas, foi mais freqüente entre adultos com pior nível socioeconômico, mas não entre os idosos. A força da associação entre renda familiar e filiação a plano de saúde foi mais forte entre os últimos do que entre os primeiros.

Com relação às tendências das desigualdades sociais em saúde entre 1998 e 2003, verificou-se que os resultados observados em 1998 repetiram-se em 2003, com raríssimas exceções, que são pontuais e circunscritas a algumas doenças crônicas auto-referidas. Essas semelhanças incluem todos os indicadores da condição geral de saúde, capacidade funcional e indicadores de uso de serviços. A semelhança dos resultados obtidos em 1998 e em 2003 é de tal ordem, que a magnitude das associações entre renda domiciliar per capita e as variáveis estudadas não se modificou durante o período em estudo.

O suplemento de saúde da PNAD representa a mais abrangente fonte de dados sobre as condições de saúde – e aspectos relacionados – da população brasileira. A sua periodicidade é importante para que se possam avaliar as tendências dessas condições e alguns dos seus determinantes. O presente trabalho é um dos muitos exemplos do uso de suas informações para estudar essas tendências. Os resultados deste trabalho mostraram uma grande consistência entre os dados obtidos em 1998 e 2003, reforçando a sua utilidade para o estudo dessas tendências. Por outro lado, é importante chamar a atenção para o fato de que a renda domiciliar na PNAD possa estar subestimada, sobretudo nos estratos sociais mais altos, como já foi anteriormente comentado24. Isto pode ter levado a um viés de classificação, reduzindo a força das associações encontradas. O viés de sobrevivência (indivíduos com menor renda apresentam menor sobrevida) também pode ter contribuído para diminuir as forças das associações entre nível socioeconômico e saúde, sobretudo entre os idosos24.

Em resumo, os resultados deste trabalho mostraram que: 1) nos dois anos considerados, os indivíduos no estrato mais baixo de renda apresentavam piores condições de saúde, pior função física e menor uso de serviços de saúde, tanto na faixa etária de 20-64 quanto na de > 65 anos de idade, mostrando que as desigualdades sociais afetam igualmente as condições de saúde de adultos e idosos neste país; 2) em ambos os períodos, essas desigualdades foram mais evidentes em relação ao uso de serviços de saúde, indicadores gerais da condição de saúde e capacidade funcional, que apresentam maior impacto sobre a qualidade de vida relacionada à saúde, do que em relação a doenças crônicas e/ou ao número dessas doenças; 3) as forças das associações entre renda familiar per capita, condições de saúde e uso de serviços de saúde não se modificaram entre 1998 e 2003 em adultos e idosos, indicando que não houve alterações nas desigualdades sociais em saúde no período estudado. A persistência dessas desigualdades aponta para a ineficiência de políticas nos últimos cinco anos que as reduzissem. Os resultados sugerem que medidas para a redução das desigualdades nas condições de saúde da população brasileira devem ir além das medidas de saúde pública, sem esquecer estas. Elas devem passar, também, pela diminuição das desigualdades sociais. O ponto que se coloca não é apenas a preocupação com a redução da mortalidade mas, também, com uma melhor qualidade de vida e saúde para adultos e idosos.

Colaboradores

MF Lima-Costa delineou o estudo, orientou a análise dos dados, participou da discussão dos resultados e da redação do manuscrito. DL Matos realizou a análise dos dados, participou da discussão dos resultados e da redação final do manuscrito. AA Camarano participou da discussão dos resultados e da redação do manuscrito.

Artigo apresentado em 29/03/2006

Aprovado em 24/04/2006

Versão final apresentada em 15/05/2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2006
  • Revisado
    24 Abr 2006
  • Aceito
    15 Maio 2006
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