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A prevalência de incapacidade funcional em idosos no Brasil

Disability prevalence among the elderly in Brazil

Resumos

O processo de envelhecimento brasileiro tende a se intensificar nas próximas décadas, de tal forma que, em 2050, projeta-se um número absoluto de idosos em torno de 64 milhões. Considerando que os estudos internacionais vêm apontando redução do declínio funcional entre os idosos nos países desenvolvidos, este estudo tem por finalidade analisar como vêm ocorrendo as mudanças na incapacidade funcional dos idosos, no Brasil, segundo alguns indicadores sociodemográficos selecionados. Foram utilizadas as informações dos Suplementos de Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 1998 e 2003, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os microdados, para o cálculo das taxas de prevalência de incapacidade funcional, foram processados usando o Banco Multidimensional Estatístico (BME/IBGE). Os resultados apontam que houve redução nas taxas de prevalência de incapacidade funcional dos idosos, embora diferenciada entre os grupos sociodemográficos.

Envelhecimento; Idoso; Incapacidade funcional; Desigualdades sociais e demográficas


International studies point to a decrease in the prevalence rate of disability in the elderly in developed countries. Brazil is undergoing an accelerated aging process likely to intensify in the course of the next decades. Thus, this study aims to analyze the changes occurring in the Brazilian disability profile for the population aged 60 years or more on national and regional level using the data of the 1998 and 2003 National Household Sample Survey (PNAD). The results show a general but socio-demographically differentiated reduction in the prevalence of disability during the period under study.

Aging; Elderly; Disability; Social and demographic inequalities


ARTIGO ARTICLE

A prevalência de incapacidade funcional em idosos no Brasil

Disability prevalence among the elderly in Brazil

Maria Isabel Parahyba; Celso Cardoso da Silva Simões

Coordenação de População e Indicadores Sociais. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Av. República do Chile 500, 8º andar, 20031-170, Rio de Janeiro RJ. misabel@ibge.gov.br

RESUMO

O processo de envelhecimento brasileiro tende a se intensificar nas próximas décadas, de tal forma que, em 2050, projeta-se um número absoluto de idosos em torno de 64 milhões. Considerando que os estudos internacionais vêm apontando redução do declínio funcional entre os idosos nos países desenvolvidos, este estudo tem por finalidade analisar como vêm ocorrendo as mudanças na incapacidade funcional dos idosos, no Brasil, segundo alguns indicadores sociodemográficos selecionados. Foram utilizadas as informações dos Suplementos de Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 1998 e 2003, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os microdados, para o cálculo das taxas de prevalência de incapacidade funcional, foram processados usando o Banco Multidimensional Estatístico (BME/IBGE). Os resultados apontam que houve redução nas taxas de prevalência de incapacidade funcional dos idosos, embora diferenciada entre os grupos sociodemográficos.

Palavras-chave: Envelhecimento, Idoso, Incapacidade funcional, Desigualdades sociais e demográficas

ABSTRACT

International studies point to a decrease in the prevalence rate of disability in the elderly in developed countries. Brazil is undergoing an accelerated aging process likely to intensify in the course of the next decades. Thus, this study aims to analyze the changes occurring in the Brazilian disability profile for the population aged 60 years or more on national and regional level using the data of the 1998 and 2003 National Household Sample Survey (PNAD). The results show a general but socio-demographically differentiated reduction in the prevalence of disability during the period under study.

Key words: Aging, Elderly, Disability, Social and demographic inequalities

Introdução

O Brasil vem passando por profundas mudanças na sua dinâmica demográfica, com quedas drásticas nos níveis de fecundidade das mulheres. Tendo como base as últimas informações das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs), realizadas no início do presente século, pode-se afirmar que a taxa de fecundidade total das mulheres brasileiras já se encontra em patamares próximos aos níveis de reposição, ou seja, valores em torno de 2,1 filhos por mulher, em média1.

Uma conseqüência fundamental da mudança nos padrões demográficos, sobretudo nos níveis de fecundidade, e sua implicação na redução do número de nascimentos, diz respeito a seus intensos efeitos sobre a estrutura de distribuição etária da população1. Este processo se inicia a partir do final dos anos 70, quando a estrutura etária da população brasileira, que era predominantemente jovem, associada aos então elevados níveis de fecundidade, começa a sofrer alterações, fato observado, principalmente, a partir do censo de 1980. Nas décadas seguintes, intensifica-se o declínio da fecundidade, refletido no estreitamento da base da pirâmide, com reduções significativas do número de crianças e adolescentes no total da população.

Assim, para o ano de 2050, segundo projeções realizadas pelo IBGE2, o grupo etário de 0 a 14 anos teria uma redução absoluta, quando comparada a 2000, algo em torno de 4,7 milhões de crianças e adolescentes. Por outro lado, mantidas as atuais tendências, espera-se, para o ano de 2050, um aumento de aproximadamente 44 milhões de pessoas com idades ente 15 e 60 anos.

O grupo de mais de 60 anos, que quase duplica, em termos absolutos, entre 2000 e 2020, passando de 14,5 para 26,3 milhões, em 2050 atingirá a cifra de 64 milhões, valor esse superior ao do grupo etário constituído de crianças e adolescentes com até 14 anos, estimado em 46,3 milhões. Em termos de sua participação no total da população, nesse ano os idosos representarão 24,7% contra 17,8% de crianças e adolescentes.

Esse acelerado processo de envelhecimento populacional, e os recentes aumentos na expectativa de vida, inclusive entre as pessoas de 60 anos ou mais, têm chamado atenção sobre as condições de saúde durante esses anos adicionais de vida e sobre a incidência futura de morbidade, morbidade múltipla, disfuncionalidade e mortalidade entre os idosos3.

A avaliação da capacidade funcional vem se tornando um instrumento particularmente útil para avaliar o estado de saúde dos idosos, porque muitos têm várias doenças simultaneamente, que variam em severidade e provocam diferentes impactos na vida cotidiana. A Organização Mundial da Saúde definiu incapacidade funcional como a dificuldade, devido a uma deficiência, para realizar atividades típicas e pessoalmente desejadas na sociedade4. Freqüentemente, é avaliada através de declaração indicativa de dificuldade, ou de necessidade de ajuda, em tarefas básicas de cuidados pessoais e em tarefas mais complexas, necessárias para viver independente na comunidade. As medidas de mobilidade fazem parte, também, da avaliação do declínio funcional, e têm provado serem valiosas no estudo da relação do status funcional com características demográficas, condições crônicas e comportamentos relacionados à saúde5.

Este estudo tem como objetivo comparar taxas de prevalência de incapacidade funcional dos idosos, que compõem o grupo etário de 60 anos ou mais, principalmente, em sua dimensão regional. Como fontes de informações, foram utilizados os Suplementos sobre Saúde das PNADs, de 1998 e 2003, de responsabilidade do IBGE6, 7. Este tema tem sido foco de análise em países mais desenvolvidos que, pelo fato de já terem completado a sua transição demográfica, apresentam proporções altamente significativas de idosos na sua estrutura populacional. Esses estudos vêm apontando uma redução no declínio funcional, entre os idosos, nesses países8-11.

As causas apontadas para este declínio são multifatoriais: 1) melhoria da tecnologia médica; 2) mudanças comportamentais; 3) desenvolvimento de aparelhagem específica para pessoas com problemas de saúde; 4) melhoria do status socioeconômico, principalmente em relação ao aumento do nível educacional dos idosos e da mudança na composição ocupacional; e 5) mudanças no padrão epidemiológico da população, com diminuição substantiva das doenças infecciosas, que muitas vezes ocorriam na infância e determinavam limitações e dificuldades funcionais na fase adulta da vida do indivíduo12.

No Brasil, essas condições não atingem igualmente a população, ocorrendo o desenvolvimento da funcionalidade, para muitos idosos, dentro de um contexto de instituições frágeis, pobreza, desigualdade social e processo de envelhecimento acelerado. Tendo em vista estas condições de desigualdade existentes no País, é importante verificar como esta redução vem ocorrendo, considerando os diversos grupos sociais.

Objetivo

Estimar as taxas de prevalência de incapacidade em mobilidade física, entre os idosos, no Brasil, nacional e regionalmente, segundo o sexo, os grupos de idade e a renda familiar per capita, nos anos de 1998 e 2003.

Metodologia

Os dados utilizados neste estudo foram os resultantes dos Suplementos de Saúde, levados a campo durante os anos de 1998 e 2003, pela PNAD, realizada pelo IBGE. Em cada um dos Suplementos, foram investigadas cerca de 30 mil pessoas de 60 anos ou mais. Além das questões específicas relacionadas à saúde e à mobilidade física, investigadas nos Suplementos, o questionário básico da PNAD aborda, ainda, anualmente, aspectos relativos às condições do domicílio, à composição da família, às informações demográficas (fecundidade, mortalidade e migrações), à educação e ao rendimento, entre outros.

O questionário do Suplemento Saúde da PNAD inclui as seguintes questões sobre incapacidade funcional:

Normalmente, por problema de saúde, você tem dificuldade para:

1. alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro?

2. correr, levantar peso, fazer esportes ou realizar trabalhos pesados?

3. empurrar uma mesa ou fazer trabalho doméstico?

4. subir escada?

5. abaixar-se ou ajoelhar-se?

6. caminhar mais de 1 km?

7. caminhar cerca de 100m?

As respostas incluíram as categorias "não consegue", "tem grande dificuldade", "tem pequena dificuldade" ou "não tem dificuldade".

Neste estudo, a escolha do indicador de incapacidade funcional recaiu sobre a variável "dificuldade para caminhar cerca de 100m", tendo em vista que os estudos internacionais vêm apontando as medidas de mobilidade física, principalmente aquelas relacionadas a médias distâncias, como uma boa marca prognóstica do processo de falência em pessoas idosas13,14. Além disso, optamos por não utilizar uma escala de incapacidade funcional, elaborada com as medidas levantadas no questionário da PNAD, por considerar que, embora muito freqüentes nos estudos sobre avaliação funcional, as escalas nem sempre são eficientes indicadores do declínio funcional.

Não se discute que este é um processo progressivo, mas é difícil ordenar funcionalidade por quantidade de dificuldade, a menos que as medidas tenham sido utilizadas em estudos anteriores como marcadores provadamente úteis de declínio funcional. Não nos parece ser este o caso de algumas das variáveis levantadas no questionário da PNAD. Por outro lado, a medida de atividade básica da vida diária, a "dificuldade para alimentar-se/tomar banho/ir ao banheiro", que poderia ser utilizada como um indicador de incapacidade funcional grave, mensura um estágio muito avançado do processo de declínio funcional, pouco útil quando se pensa em prevenção e intervenção. Já a medida de "dificuldade para caminhar 1 km", nós a consideramos menos um indicador de incapacidade em mobilidade física e mais uma medida de envelhecimento ativo, como apontado nos estudos sobre o tema15.

A análise foi realizada utilizando as variáveis demográficas (sexo, grupos de idade e região de residência); e, como indicativo do posicionamento social, a variável renda familiar per capita. Para tornar compatíveis as informações desta variável, em dois momentos do tempo, os valores da distribuição de renda, relativos ao ano de 1998, foram inflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, com base nos valores de setembro de 2003.

A escolha da variável renda familiar per capita, como indicador de status socioeconômico, justifica-se pela importância da renda para a reprodução social no Brasil. Razões para isso estão relacionadas à extrema desigualdade socioeconômica e à ausência, ou à insuficiência, de suporte institucional, situações presentes na sociedade brasileira. Na ausência desse suporte para a população, tais como educação de boa qualidade, oferta adequada de atendimento de saúde, de moradia e de transporte, a renda assume um papel primordial na aquisição de bens e serviços necessários para a reprodução social, mesmo entre aqueles que ultrapassaram os limites necessários para satisfação das necessidades básicas. Confirmando esta hipótese, os dados da PNAD mostram que a renda é um fator muito importante para redução do risco de incapacidade funcional, mesmo entre os grupos de renda mais alta. À medida que a renda cresce, diminui a taxa de prevalência de incapacidade funcional, mesmo quando as variáveis idade e sexo estão controladas16.

Os dados da PNAD, de 1998 e 2003, foram processados utilizando o Banco Multidimensional Estatístico (BME/IBGE), e as informações apresentadas estão expandidas e são representativas para o total da população idosa brasileira. Segundo a definição do IBGE, o BME é uma base de dados formada por microdados, originados nas pesquisas estatísticas efetuadas pelo IBGE, e pela metainformação associada à sua produção. Os microdados correspondem aos dados existentes nos questionários das pesquisas. Cada questionário vai constituir um ou mais registros de informações, sendo, portanto, a informação mais desagregada possível para a pesquisa estatística. Para facilitar o manuseio dos microdados, também são acrescentadas algumas outras variáveis derivadas17. É um instrumento particularmente útil para elaboração de análises descritivas de informações estatísticas, como o presente estudo, e está disponível na internet para usuários cadastrados pelo IBGE.

Para medir a precisão das estimativas, avaliando os erros amostrais existentes, introduzimos informações sobre os coeficientes de variação para algumas delas, relacionadas às freqüências absolutas do número de idosos que declararam dificuldade para caminhar 100m, nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste.

Resultados

A comparação das informações das PNADs, de 1998 e 2003, mostrou redução, entre os idosos no Brasil, na prevalência de dificuldade para caminhar cerca de 100m, diminuindo a proporção de idosos que declararam algum grau de dificuldade, de 25,0% para 22,6%, ou seja, uma redução de 9,2% durante o período (Gráfico 1).


Essa redução, entretanto, ocorreu diferenciadamente para os grupos demográficos considerados no estudo. O quadro 1 mostra a prevalência de dificuldade para caminhar cerca de 100m em idosos, segundo o sexo e os grupos de idade, para os anos de 1998 e 2003.


Observa-se, também, no quadro 1, o caráter progressivo da incapacidade funcional entre os idosos em relação ao aumento da idade, mas os dados mostram que a incapacidade funcional, qualquer que seja o tipo, não é um resultado inevitável do envelhecimento per se, pois se verifica a existência de um grupo de idosos, mesmo entre aqueles de idade mais avançada, que não relatam dificuldade em realizar as tarefas.

A comparação temporal, no período de cinco anos, mostra que, apesar de ter ocorrido redução da incapacidade em ambos os sexos, e em todos os grupos de idade, esta foi mais intensa entre os idosos de 80 anos ou mais (Quadro 1).

Considerando as distintas regiões brasileiras, observam-se algumas diferenças (Quadro 2), a depender do nível de desenvolvimento social e econômico de cada região. De um modo geral, nas áreas menos desenvolvidas, principalmente, no Norte e Nordeste, são mais intensas as proporções de idosos que apresentam algum grau de dificuldade para caminhar 100m. Entretanto, há uma tendência de redução em todas as regiões, independentemente do sexo.


Entre os homens, na área urbana da região Norte é onde o declínio da prevalência de incapacidade funcional apresenta quedas mais significativas, em torno de 20% (coeficientes de variação de 6% a 8% para o tamanho das estimativas).

O quadro 3, a seguir, mostra a proporção de idosos com algum grau de dificuldade para caminhar 100m, por renda mensal familiar per capita (em salários mínimos), para o Brasil e as grandes regiões. Os maiores níveis são encontrados entre os idosos pertencentes ao estrato de renda até um salário mínimo per capita, praticamente o dobro do observado entre os inseridos no estrato de maior renda (mais de três salários mínimos per capita). Este é um fenômeno que ocorre no país e em todas as grandes regiões brasileiras, resultado, em grande parte, das maiores dificuldades de acesso a serviços básicos de saúde por parte dessa população, além de uma maior exposição a riscos de incidência de doenças decorrentes de um ciclo de vida em que a precariedade das condições econômicas foi a tônica.


No período analisado, ocorreram reduções nas taxas de incapacidade funcional, entre os idosos, em quase a totalidade dos estratos de renda. Entretanto, em algumas regiões houve acréscimo (Sul e Centro Oeste), principalmente, no último estrato de renda. No Sul do país, a taxa de prevalência, que era de 12,4% em 1998, aumenta para 14,7% em 2003 (coeficientes de variação de, aproximadamente, 13%). Além de considerar a variação amostral das estimativas, devido aos erros amostrais, pode-se avaliar, também, como fator explicativo para o aumento da prevalência de incapacidade funcional, a elevação da expectativa de vida dos idosos, mais intensa entre os que fazem parte dos estratos de renda mais elevados, que passam a estar expostos a maiores riscos de locomoção. Na região Centro-Oeste, a taxa de prevalência, que era de 9,7% em 1998, eleva-se para 14,3%, em 2003, com coeficientes de variação dessas estimativas em torno de 20%.

É importante ressaltar, entretanto, que, apesar dessas discrepâncias, a tendência geral é de redução de declínio funcional em todas as grandes regiões do país, entre os idosos, mesmo quando se consideram os diferenciais de sexo, idade e renda.

Discussão e conclusão

O estudo aponta que as mulheres declaram incapacidade funcional em maior proporção que os homens. Observa-se, também, o caráter progressivo da incapacidade funcional entre os idosos em relação ao aumento da idade. As diferenças regionais são importantes, e as menores taxas de prevalência foram encontradas no Sul e no Sudeste, e as maiores no Nordeste e Norte, refletindo, portanto, as desigualdades sociais e econômicas prevalecentes no país. A estratificação da população idosa por grupos de renda familiar per capita indicou que os idosos mais pobres apresentam as maiores taxas de prevalência de incapacidade funcional, sendo praticamente o dobro em relação aos inseridos no estrato de renda mais elevada. Esta situação, válida para o Brasil, também ocorre em todas as grandes regiões.

Considerando a análise temporal, no período de 1998 a 2003, ocorreram reduções na prevalência de incapacidade funcional, independentemente do sexo, e mais intensas na faixa etária acima de 80 anos. Embora a queda nas taxas de prevalência de incapacidade funcional tenha sido mais expressiva no país como um todo, ocorreu, também, entre as grandes regiões. Contudo, observaram-se algumas diferenças regionais quando da análise das alterações entre 1998 e 2003: nas regiões Sul e Centro-Oeste, houve aumento na prevalência de incapacidade funcional entre os idosos, nos estratos de maior renda, exigindo um maior aprofundamento da análise desses dados, particularmente nas questões relacionadas à representatividade estatística das amostras nessas regiões.

Muitos estudos mostraram evidência sugerindo desigualdades de gênero nas condições de saúde entre os idosos, em diversos níveis, tanto na Europa e nos Estados Unidos, quanto no Brasil18,19. De um modo geral, a sobrevivência das mulheres é superior à dos homens, mas isso não significa que essas mulheres desfrutem de melhores condições de saúde. As mulheres tendem a reportar maiores dificuldades funcionais do que os homens, fato que também ocorre em outros países (em 2003, no Brasil, as taxas de prevalência de dificuldade para caminhar 100m foram de 17,6%, para os homens idosos, e de 26,6%, para as mulheres).

Os estudos, contudo, têm mostrado que as mulheres não desenvolvem incapacidade funcional com maior freqüência do que os homens, mas sobrevivem mais tempo do que eles com as suas limitações. Este fato pode ser explicado, segundo Guralnik et al.20, pelo menos em parte, devido à diferença nas doenças associadas aos homens e às mulheres que relatam incapacidade, e por fatores comportamentais, que assinalam uma maior procura das mulheres por serviços de saúde do que dos homens, indicativo de uma provável maior percepção quanto aos problemas de saúde por parte das mulheres.

As condições socioeconômicas desempenharam um papel importante neste processo, e há substancial evidência na literatura confirmando a associação entre renda e saúde21, 22. Diferenças socioeconômicas na prevalência de incapacidade funcional têm sido relatadas nos Estados Unidos e na Europa, tanto em estudos transversais quanto longitudinais23. Mais recentemente, no Brasil, estudos mostraram que as disparidades em renda e educação aparecem como os mais importantes fatores sociodemográficos para explicar diferenças no risco de incapacidade funcional entre os idosos16, 19.

Embora os estudos, nacionais e internacionais, apontem na mesma direção dos achados deste artigo, a compreensão desses resultados precisa ser dimensionada e melhor avaliada. Além da amostra não ser completa, posto que a área rural da região Norte só começa a ser investigada a partir de 2004, é necessário que se realizem estudos mais específicos para analisar a representatividade estatística de algumas freqüências relativas à prevalência de incapacidade funcional, principalmente nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste, áreas de menor volume populacional.

A partir das questões investigadas no questionário da PNAD, consideramos a medida de mobilidade física como uma boa proxy de incapacidade funcional. Entretanto, seria importante poder avaliar, também, dificuldade em atividades instrumentais da vida diária, medidas que não foram ainda levantadas pela PNAD. Como são uma parte importante da avaliação funcional do idoso, não poderão ser deixadas de fora numa próxima pesquisa.

Outro ponto importante, discutido por especialistas da área, diz respeito à separação das atividades básicas que, na forma atual do questionário da PNAD, estão agregadas numa única pergunta (alimentar-se/tomar banho/ir ao banheiro), o que pode dificultar a avaliação dessa limitação. Apesar dessa possível limitação, é importante mencionar que em estudos que vêm sendo realizados nos países mais desenvolvidos, tal separação não seria tão importante, tendo em vista que essa medida vem sendo apontada como um indicador de um estágio muito adiantado do processo, pouco útil quando se pensa em prevenção e intervenção.

Embora ainda preliminares, e requerendo um aprofundamento analítico posterior, os resultados apontados sobre a redução no declínio funcional dos idosos, no Brasil e nas grandes regiões, foram compatíveis com aqueles referidos pelos estudos nos países mais desenvolvidos8, 10, 12. Schoeni et al.9, num estudo com idosos nos EUA, concluíram que a prevalência de incapacidade funcional declinou, de 1982 a 2002, em todos os grupos socioeconômicos considerados. Ao mesmo tempo, a magnitude desses ganhos diferiu bastante entre os grupos, com disparidades mais abrangentes em educação e renda.

Algumas das condições apontadas pelos pesquisadores nesses países, como causa desse declínio, ainda não atingem toda a população brasileira, tendo em vista nossa extrema desigualdade social. Entretanto, há evidência de redução no declínio funcional da população idosa, o que aponta na direção de uma população mais saudável.

Um fator importante para esse declínio pode estar relacionado a uma maior universalização do acesso aos serviços públicos de saúde e à melhoria no tratamento médico, no que diz respeito à tecnologia. Outros fatores, como o aumento dos níveis de escolaridade da população, que vem ocorrendo há algumas décadas, e mudanças comportamentais em relação a hábitos alimentares, também são importantes.

Pesquisas adicionais serão necessárias para: 1) identificar que intervenções poderiam ser mais efetivas na ampliação da redução nas taxas de prevalência de incapacidade funcional entre os idosos; e 2) possibilitar um melhor entendimento de como os diversos fatores explicativos dessa redução estão associados com as alterações no padrão demográfico e epidemiológico da população brasileira, dentro das quais se insere a mudança no declínio funcional dos idosos.

Colaboradores

MI Parahyba e CCs Simões participaram igualmente de todas as etapas da elaboração do artigo.

Artigo apresentado em 23/03/2006

Aprovado em 5/05/06

Versão final apresentada em 19/05/2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Revisado
    05 Maio 2006
  • Recebido
    23 Mar 2006
  • Aceito
    19 Maio 2006
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