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Abortamento na adolescência: um estudo epidemiológico

Abortion and miscarriage in adolescence: an epidemiological study

Resumos

O presente trabalho foi desenvolvido no Hospital Maternidade Santa Izabel da cidade de Bauru, São Paulo, Brasil, e teve como objetivo investigar o abortamento na adolescência e compará-lo com o das mulheres adultas. Os indicadores buscaram traçar o perfil epidemiológico das mulheres internadas, por meio de dados coletados em prontuários, entre aquelas com diagnóstico de aborto, independente da forma clínica, entre os anos de 2000 a 2003. O total de abortamentos registrados foi de 2.286, sendo 459 (20,08%) na faixa etária da adolescência e a forma completa foi significativamente maior nas adolescentes quando comparada às das mulheres adultas; segundo o ano de análise, constatou-se decréscimo de ocorrência entre as adolescentes, com maior incidência em 2000 (30,50%), seguida dos anos de 2001 (25,05%), 2002 (23,53%) e 2003 (20,92%), sendo que as adolescentes apresentaram tendência a permanecer dois ou mais dias hospitalizadas. Enfatiza-se a implementação de políticas e programas direcionados à saúde sexual e reprodutiva e suas co-morbidades.

Abortamento; Adolescência; Mulheres


This study was conducted at the Santa Izabel Maternity Hospital in the town of Bauru, São Paulo State, Brazil, in order to investigate abortions and miscarriages in adolescence, comparing them to terminations among adult women. The indicators are used to draw up an epidemiological profile of hospitalized women through data collected from documents on women with diagnoses of abortion or miscarriage from 2000 to 2003, regardless of their clinical form. The total number of registered early terminations of pregnancy reached 2,286, with 459 (20.08%) during adolescence, with the complete form being significantly higher among teenagers than adults; a decrease in the occurrence among adolescents was noted, dropping from 30.5% in 2000 to 25.05% in 2001, 23.53% in 2002 and 20.92% in 2003; with adolescents tending to remain in hospital for two or more days. The implementation is stressed of policies and programs addressing sexual and reproductive health and its co-morbidities.

Abortion; Adolescence; Women


ARTIGO ARTICLE

Abortamento na adolescência: um estudo epidemiológico

Abortion and miscarriage in adolescence: an epidemiological study

Leila Maria VieiraI; Tamara Beres Lederer GoldbergII; Sandra de Oliveira Saes III; Adriana Aparecida Bini DóriaIV

IDepartamento de Pediatria, Universidade do Sagrado Coração. Rua Irmã Arminda 10-50, Jardim Brasil. 17011-160 Bauru SP. lmoreira@usc.br IIFaculdade de Medicina de Botucatu, UNESP

IIIDepartamento de Fonoaudiologia, Universidade do Sagrado Coração

IVClínica de Educação para a Saúde, Universidade do Sagrado Coração

RESUMO

O presente trabalho foi desenvolvido no Hospital Maternidade Santa Izabel da cidade de Bauru, São Paulo, Brasil, e teve como objetivo investigar o abortamento na adolescência e compará-lo com o das mulheres adultas. Os indicadores buscaram traçar o perfil epidemiológico das mulheres internadas, por meio de dados coletados em prontuários, entre aquelas com diagnóstico de aborto, independente da forma clínica, entre os anos de 2000 a 2003. O total de abortamentos registrados foi de 2.286, sendo 459 (20,08%) na faixa etária da adolescência e a forma completa foi significativamente maior nas adolescentes quando comparada às das mulheres adultas; segundo o ano de análise, constatou-se decréscimo de ocorrência entre as adolescentes, com maior incidência em 2000 (30,50%), seguida dos anos de 2001 (25,05%), 2002 (23,53%) e 2003 (20,92%), sendo que as adolescentes apresentaram tendência a permanecer dois ou mais dias hospitalizadas. Enfatiza-se a implementação de políticas e programas direcionados à saúde sexual e reprodutiva e suas co-morbidades.

Palavras chave: Abortamento, Adolescência, Mulheres

ABSTRACT

This study was conducted at the Santa Izabel Maternity Hospital in the town of Bauru, São Paulo State, Brazil, in order to investigate abortions and miscarriages in adolescence, comparing them to terminations among adult women. The indicators are used to draw up an epidemiological profile of hospitalized women through data collected from documents on women with diagnoses of abortion or miscarriage from 2000 to 2003, regardless of their clinical form. The total number of registered early terminations of pregnancy reached 2,286, with 459 (20.08%) during adolescence, with the complete form being significantly higher among teenagers than adults; a decrease in the occurrence among adolescents was noted, dropping from 30.5% in 2000 to 25.05% in 2001, 23.53% in 2002 and 20.92% in 2003; with adolescents tending to remain in hospital for two or more days. The implementation is stressed of policies and programs addressing sexual and reproductive health and its co-morbidities.

Key words: Abortion, Adolescence, Women

Introdução

Etimologicamente, adolescência vem de adolescere, palavra latina que expressa crescer, desenvolver-se, tornar-se maior, atingir a maioridade. Viver este período significa estar em desenvolvimento para atingir a maturidade1, 2, 3, 4. Os limites da adolescência, segundo a Organização Mundial da Saúde, estendem-se dos 10 aos 19 anos5,6, abrangendo a pré-adolescência, o período etário entre 10 a 14 anos e a adolescência propriamente dita, dos 15 aos 19 anos7 .

Os adolescentes, na busca de independência, reproduzem comportamentos próprios da idade adulta e dentre eles os sexuais e a genitalidade se destacam, evidenciando-se cada vez mais precocemente nas experiências dos mesmos. Várias pesquisas referem que a primeira experiência sexual tem sido vivenciada mais cedo, ocorrendo entre 15 e 16 anos8,9,10,11,12. Dados similares enfatizam que a precocidade é maior entre os homens, indicando uma média de 14,5 anos para homens e de 15,2 anos para mulheres, numa população com faixa etária de 16 a 19 anos. Para a mesma variável, numa população acima de 40 anos, a autora encontrou a média de idade para homens de 18,4 anos e, para mulheres, 20,6 anos13.

Conseqüente a tais mudanças, porém sem estarem preparadas para assumir os eventos decorrentes, as adolescentes se expõem aos mesmos riscos de reprodutividade de uma mulher adulta. De acordo com a literatura, 80% das adolescentes não fazem uso de qualquer método anticoncepcional na primeira experiência sexual; estudos apontam que, de 1.437 adolescentes, 35% vivenciavam a prática sexual e que apenas 10,7% faziam uso de contraceptivos14,15.

Em virtude das experiências sexuais e da falta de uso de métodos anticoncepcionais por esse grupo etário, o índice de gravidez na adolescência registrado no Brasil no ano de 1998 foi de 23,6% e, por região, verificou-se um percentual de 31,2% para a região Norte; 26,0% para o Nordeste; 20,7% para região Sudeste; 21,5% para região Sul e 27,1% para a região Centro-Oeste16.

Especificamente, no município de Bauru, estudos constataram que as adolescentes foram responsáveis pelo nascimento de 23,44% do total de recém-nascidos vivos, no ano de 1998 17. Embora os estudos apresentem resultados controversos, a maternidade precoce freqüentemente não é planejada, podendo interferir de forma negativa no cotidiano da jovem adolescente, trazendo problemas que nem sempre são mensuráveis nas esferas biopsicossociais.

Entre as complicações da gestação na adoles-cência, citadas por vários autores encontram o abortamento, anemia, distócias de parto e hipertensão arterial específica da gravidez18,19,20. Dentre estas, o abortamento se destaca como uma complicação que pode resultar não apenas em conseqüências físicas como também psicológicas21, 22, 23.

O abortamento é uma intercorrência obstétrica, definida como a expulsão do concepto antes de sua viabilidade, com menos de 22 semanas de gestação, podendo ocorrer espontaneamente ou de forma induzida24. Quando se desconhece a idade gestacional, o produto da concepção deve apresentar peso inferior a 500 gramas, ou medir menos de 16 centímetros25.

A assistência ao adolescente na área da saúde sexual e reprodutiva foi qualificada como inadequada, por não existir ações voltadas a essa população em processo de abortamento, enfatizando também que as jovens não são acolhidas devidamente e com freqüência engravidam novamente25. Entre as dificuldades que se constataram como barreira à promoção da saúde do adolescente, está indicada a inexistência de políticas e programas eficientes, que atendam essa faixa etária19.

O desafio é propiciar ao adolescente acesso a serviços de saúde que ofereçam um atendimento integral, antes mesmo do início de seu primeiro intercurso, garantindo-lhes privacidade, confiabilidade e atendimento que dê apoio, sem emitir juízo de valor6.

Baseando-se nesse contexto, motivou-se investigar o abortamento provocado ou espontâneo ocorrido em adolescentes e compará-lo aos das mulheres adultas, buscando verificar as características epidemiológicas da população que sofreu tal intercorrência. Esse estudo poderá contribuir para a caracterização da população em questão, oferecendo subsídios aos profissionais e gestores comprometidos nesta área de atuação, possibilitando a implantação de estratégias e programas de intervenções.

Casuística e metodologia

O campo de investigação da pesquisa foi o Hospital-Maternidade Santa Izabel, vinculado à Associação Hospitalar de Bauru, referência para vários municípios da região. A escolha desse hospital para desenvolver o estudo se deu por tratar-se de um centro direcionado ao atendimento da mulher e ser conveniado SUS. É importante ressaltar que 80% da rede de atenção primária e secundária de saúde do nosso país estão sob responsabilidade do SUS, além de praticamente toda rede de alta complexidade dos atendimentos26. Especificamente neste hospital, o maior número de pacientes atendidas são usuárias do SUS, totalizando aproximadamente 95% dos atendimentos e os demais correspondem a outros convênios e particulares. Outro aspecto que influenciou na escolha do cenário da pesquisa foram os pressupostos das diretrizes curriculares para o ensino de graduação na área da saúde, as quais apontam o SUS como referencial para o processo de aprendizagem. Assim optou-se por estudar uma casuística compreendida por adolescentes que sofreram abortamento nesta modalidade de atendimento. Ressalta-se que o tipo de abortamento, seja espontâneo ou voluntário, não foi objeto de estudo, mas sim o diagnóstico e sua forma clínica.

Antes que o trabalho tivesse início, o projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sagrado Coração e da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP.

Para realizar o estudo, a casuística foi agrupada em três faixas etárias com idades compreendidas entre 10 e 19, 20 e 34 e maior de 35 anos. Para o grupo das adolescentes, de 10 a 19 anos, estudou-se a variável por idade em anos completos, separadamente. Para o tipo de aborto, foram considerados três grupos classificados de acordo os registros encontrados nos documentos do Hospital Maternidade Santa Izabel, correspondendo a aborto completo, aborto incompleto e aborto retido. Para categoria ano, considerou-se quatro grupos: 2000, 2001, 2002 e 2003, respectivamente. Para tempo de permanência hospitalar, a casuística foi agrupada em três grupos classificados em internações com duração de um dia, dois dias e três dias ou mais.

A coleta de dados foi realizada no ano de 2004, por meio da análise dos livros de registro de internações, na qual se identificou os casos de abortamento e posteriormente realizou-se o estudo de todos os prontuários selecionados.

Foram incluídos os prontuários de mulheres adultas e adolescentes assistidas no período de janeiro de 2000 a dezembro 2003, totalizando uma população de 2.286 pacientes que tiveram diagnóstico clínico de abortamento espontâneo ou voluntário.

O estudo foi submetido à análise estatística descritiva com utilização de freqüência absoluta e relativa. Para verificar a ocorrência de diferenças estatisticamente significantes com relação à associação entre variáveis, utilizou-se o teste QuiQuadrado, e para a comparação de proporções, o teste Z modelo normal.

Discussão

Os dados analisados, provenientes dos prontuários do Hospital Maternidade Santa Izabel, apontaram que, entre os anos de 2000 a 2003, ocorreram 31.468 internações incluindo diferentes diagnósticos; destas, 2.286 (7,26%) com diagnóstico de abortamento, sendo 1.518 (4,82%) na faixa etária de 20 a 34 anos; 309 (0,98%) no grupo de mulheres com 35 anos ou mais e 459 (1,45%) na adolescência. Analisando especificamente a ocorrência de abortamento na população de adolescentes (459) e confrontando com o total geral de abortamentos (2.286), o índice encontrado foi de 20,07%, resultados similares aos encontrados na literatura, que constataram taxas de 20,1% e inferiores a outros achados cujos resultados revelaram 29,0% e 25,7% 27, 28,29.

O estudo evidenciou a ocorrência de abortamento desde os 11 anos de idade, sendo que 6,29% do total das ocorrências foram verificadas na faixa etária de 11 a 14 anos e 93,71% na faixa etária de 15 a 19 anos. Do total de eventos ocorridos na adolescência, 50,10% efetivaram-se entre 18 e 19 anos de idade. Os dados sugerem a necessidade de adoção de estratégias educativas, iniciando-se desde o ensino fundamental, objetivando o incentivo da prevenção de uma gravidez não planejada e de suas conseqüências. Resultados similares são descritos em outros estudos enfatizando a maior ocorrência de abortamento na adolescência tardia30,31.

Além do início prematuro da atividade sexual, o uso de métodos contraceptivos ainda tem sido empregado por uma pequena parcela. Estudos realizados na América Latina têm mostrado que menos de 20% dos homens e 15% das mulheres usam algum método anticoncepcional na primeira relação sexual32.

Nesse cenário, os autores compartilham com a pesquisa, divulgada pela ECOS (Comunicação em Sexualidade) que orientações educativas devam começar o mais cedo possível, esclarecendo os jovens sobre os riscos a que se expõe quando da prática de relações desprotegidas, da possibilidade de uma gravidez indesejada ou não planejada e das complicações a que estão sujeitas as mulheres ao vivenciarem um abortamento33. Pesquisa realizada sobre o nível de conhecimento sobre abortamento espontâneo em uma população de 702 mulheres salienta que temas relacionados à sexualidade sejam abordados desde o ensino fundamental34.

Quanto ao tipo de abortamento, houve predomínio do abortamento incompleto na casuística total estudada, sendo sua freqüência superior no grupo das mulheres adultas quando comparado ao das adolescentes, 90,09%; 86,93%, respectivamente, sem evidenciar diferença estatisticamente significante. O abortamento retido foi a forma clínica de menor incidência; no entanto, apresentou maior freqüência no segmento das mulheres adultas quando comparadas às adolescentes, 1,20% e 1,09% respectivamente, também sem diferença significante. Quanto ao abortamento completo, apresentou maior ocorrência no grupo das adolescentes, apontando diferença estatisticamente significante. A literatura descreve que tal forma clínica ocorre com maior freqüência em idade gestacional inferior a oito semanas35. As hipóteses desse estudo, no que se refere à ocorrência do abortamento completo, baseiam-se em duas possibilidades: as adolescentes, ao tomarem conhecimento da gravidez ou perceberem-se grávidas, possam ter procurado algum método abortivo interrompendo o processo22 e ocorre um grande número de abortos no Brasil, sendo que os induzidos representam uma significativa proporção e contribuem para manutenção da mortalidade materna6. Outra hipótese é que a ocorrência de alterações genéticas e malformações contribuíram para expulsão do concepto 36.

O estudo estatístico que analisou a relação entre abortamento completo e incompleto evidenciou associação significativa, constatando maior ocorrência do completo para o recorte etário das adolescentes e do incompleto para as mulheres adultas.

Quanto à incidência da forma clínica de abortamento, os resultados encontrados nesse estudo estão de acordo com os da literatura, que apontam o aborto incompleto como a forma clínica mais freqüente e o aborto retido, o de menor freqüência de ocorrência30,37, 38.

No grupo das mulheres adultas, a distribuição de abortos, entre os anos de 2000 a 2003, se mostrou uniforme em torno de 25%, mas há de se destacar que entre as adolescentes ocorreu uma importante tendência de diminuição, de 30% para 20%, no decorrer dos anos analisados (Tabela 1). Constata-se ainda que, no ano de 2000, a proporção de abortos ocorridos entre adolescentes foi significativamente superior a dos evidenciados em adultas, ocorrendo o inverso para o ano de 2003, quando a proporção para as adolescentes foi significativamente inferior, quando comparada à das mulheres adultas. Entretanto, observou-se que no grupo das adolescentes de 10 a 14 anos ocorreu um aumento no número de abortamentos (Tabela 2). Analisando os dados, acredita-se que as campanhas que visam a prevenção da gravidez e das DST tenham contribuído para a diminuição da gravidez e, conseqüentemente, à redução do abortamento para o grupo etário de adolescentes. No entanto, necessita-se de ênfase para o grupo de 10 a 14 anos e políticas contínuas para todas.

Corroborando com os achados desse estudo, a ECOS apresentou dados do DATASUS, entre os anos de 1995 a 2000, os quais revelaram que o percentual de abortos admitidos legalmente na rede de saúde, realizados em adolescentes de 10 a 14 anos, têm indicado tendência de crescimento e, para as faixas etárias entre 15 e 19 anos, os percentuais têm permanecido praticamente estáveis, chegando a indicar suave decréscimo. Outro dado relevante aponta que o total de curetagens realizadas pós-aborto em São Paulo, em 2001, foi de 46.081, correspondendo a 10,4% do total de procedimentos obstétricos realizados no SUS, cabendo o maior percentual ao recorte etário compreendido dos 10 aos 14 anos (12%) quando comparado ao de 15 a 19 anos (8,4%) 33.

Os coeficientes de incidência de aborto na faixa etária das adolescentes entre os anos de 1994 a 1997 referiram que as taxas de abortamento têm apresentado um decréscimo ao longo dos anos, contudo menos evidente para a faixa etária de 10 a 14 anos39.

A literatura especializada preconiza a importância de programas com amplo acesso aos métodos contraceptivos, somados à assistência humanizada, ao processo educativo prévio e durante o período de internação6,31. Salienta-se, porém, que as mulheres que são atendidas em decorrência de abortamentos recebem alta hospitalar sem ter oportunidade de receber informações sobre planejamento familiar ou encaminhamentos às unidades especializadas. De acordo com a literatura, as adolescentes que abortam são vítimas da falta de informação, da deficiência no atendimento médico, da solidão e da falta de diálogo na família40.

A escolha do método anticoncepcional deve ser responsabilidade da mulher, devendo os serviços de saúde dispor de uma variedade de opções. A qualidade da atenção implica em um esforço integrado, de tal forma que garanta acolhimento, informação, aconselhamento e tecnologia apropriada disponível, além de um relacionamento pautado no respeito e direitos sexuais reprodutivos35.

Baseando-se ainda nos resultados observados, surgem algumas hipóteses que podem ser aventadas: a atividade sexual se inicia cada vez mais precocemente, porém raramente essa população procura ou recebe orientações e assistência, possivelmente por falta de diálogo com familiares, profissionais da saúde e educação; os programas de orientação sobre sexualidade e assuntos correlatos e as campanhas de prevenção para as adolescentes têm atingido o grupo da adolescência tardia, havendo a necessidade de maior atenção para o recorte etário entre 10 e 14 anos.

Vários trabalhos fortalecem essas hipóteses, pois demonstraram em seus estudos que o relacionamento sexual tem ocorrido cada vez mais cedo, contribuindo para o aumento dos índices de gestação e suas complicações14,41.

Tais dados permitem ressaltar a importância da ampliação ao acesso de informações a esse grupo etário, buscando reduzir a possibilidade da ocorrência de um abortamento, assim como as conseqüências advindas da experiência.

Quanto ao tempo de permanência hospitalar referente à casuística total estudada, os resultados apontam que, para ambos os grupos, a maior ocorrência foi de um dia (Tabela 3). Quando analisado apenas o período de dois ou mais dias, constatou-se diferença significativa entre adultas e adolescentes, com maior proporção para o grupo das adolescentes.

Os resultados sugerem que as adolescentes possam apresentar maiores possibilidades de alterações orgânicas comparadas às mulheres adultas, tendo tempo de permanência superior a elas; porém, destaca-se que esta hipótese merece um aprofundamento em futuras investigações, pois, ao buscar-se informações na literatura científica sobre o tema, não foram encontrados dados que fortaleçam esse pressuposto.

A relação da casuística total segundo o tempo de permanência hospitalar e formas clínicas de abortamento encontram-se na Tabela 4 e o estudo estatístico revelou associação significativa entre as variáveis; o aborto completo apresentou maior freqüência de internação de um dia e o aborto retido apontou maior freqüência para o período de internação de três dias ou mais.

Acredita-se que o maior tempo de permanência para o abortamento retido tenha ocorrido em função da necessidade de elucidação diagnóstica, estabelecimento da conduta obstétrica e procedimento medicamentoso, anestésico-cirúrgico, além das possíveis complicações decorrentes do processo.

Ressalta-se que o estudo sobre o tempo de permanência hospitalar não analisou o impacto dos recursos financeiros que tal internação representa na dinâmica hospitalar e para o SUS. Verificando na literatura especializada, constata-se que a internação por abortamento revelou um custo elevado, conforme os dados apontados na pesquisa realizada na Argentina, a qual apontou custo médio diário para internação por abortos, sem complicações, de U$ 58,52. Em casos infectados, o montante se elevou para U$ 198,05, excluindo os honorários médicos43.

Considerando que a redução do número de internações ocasionadas por tal diagnóstico possam ser prevenidas por meio de informações a respeito de métodos contraceptivos e do processo de reprodução, e que tal prevenção possa ser viabilizada pelo acesso facilitado aos programas de educação sexual e planejamento familiar, além de uma atuação dos profissionais da saúde, no sentido de buscar estratégias que promovam o desenvolvimento da atitude sexual responsável no adolescente, preconiza-se a disseminação dessas informações para que esse grupo etário tenha oportunidade de usufruir uma vida com qualidade e responsabilidade.

Conclusão

Os achados desse estudo revelaram que, do total das internações do Hospital Maternidade Santa Izabel registrados no período de 2000 a 2003, aproximadamente 7% foram decorrentes de processos de abortamento, com tempo de internação que variou de um a três dias ou mais, dependendo dos procedimentos e complicações advindas de tal processo. O grupo das adolescentes apresentou tendência a permanecer por dois dias ou mais internadas, o que acarreta, além dos prejuízos biopsicossociais, custo elevado para o Sistema de Saúde.

O abortamento atingiu as mulheres nos diferentes grupos etários, com maior ocorrência na idade reprodutiva. Especificamente na adolescência, evidenciou-se a ocorrência a partir dos 11 anos de idade, fato que desperta para a necessidade de medidas de prevenção, as quais devem ser implementadas precocemente, antes mesmo de iniciar o período descrito como adolescência. Tal constatação tornou-se ainda mais evidente ao comparar a ocorrência de abortamentos no período de 2000 a 2003, o que revelou que o grupo de adolescentes de 10 a 14 anos apresentou elevação nos índices, alertando que tal grupo etário não está sendo atingido satisfatoriamente pelos programas e campanhas de educação sexual.

Constatou-se também que o abortamento incompleto foi o de maior ocorrência em todas as faixas etária estudadas; porém, o abortamento completo revelou incidência mais elevada no grupo das adolescentes, sendo essa diferença significante, o que possivelmente esteja relacionado às intervenções voluntárias ou à maior ocorrência de malformações no concepto.

Nesse contexto, ressalta-se a necessidade de maior envolvimento de profissionais das áreas da saúde e educação, a fim de promover a saúde sexual e oferecer assistência imediata às mulheres acometidas pelo abortamento, principalmente no grupo das adolescentes, no qual a prevenção da gravidez poderia evitar a ocorrência do abortamento e conseqüentemente uma melhor qualidade e valorização da vida.

Colaboradores

LM Vieira, TBL Goldberg, SO Saes e APB Dória participaram igualmente de todas as etapas da elaboração do artigo.

Artigo apresentado em 19/05/06

Aprovado em 14/07/2006

Versão final apresentada em 15/12/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Aceito
    15 Dez 2007
  • Recebido
    19 Maio 2006
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