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A contribuição da vulnerabilidade na determinação do índice de desenvolvimento humano: estudando o estado de Santa Catarina

The contribution of vulnerability to determining the human development index: studying Santa Catarina State, Brazil

Resumos

O conceito de Desenvolvimento Humano parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas. O objetivo deste trabalho é avaliar a relação entre a vulnerabilidade e o Desenvolvimento Humano e propor um enfoque para o acompanhamento das metas 4 e 5 do milênio, utilizando como objeto de estudo os municípios do Estado de Santa Catarina. Os dados foram obtidos do Atlas de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, Brasil, do ano de 2000 ¹ e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE 8,9. Optou-se por uma análise superficial do Estado e posterior detalhamento para todos os municípios através do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de seus componentes e indicadores de vulnerabilidade. Foi verificada a determinação do IDH-M através das variáveis de vulnerabilidade, descritas em quartis para cada grupo de IDH-M. O IDH se mostrou útil para a descrição geral das condições do Estado e para a descriminação dos grupos de municípios. Alguns indicadores, quando desmembrados em grupos, apontam desigualdades significativas.

Desenvolvimento humano; Vulnerabilidade; Integração regional


The concept of Human Development is grounded on the assumption that progress should not be measured just in economic terms, but must also encompass other social, cultural and political characteristics. The purpose of this paper is to assess the relationship between vulnerability and human development, proposing an approach for attaining the fourth and fifth Millennium Goals, based on a study of municipalities in Santa Catarina State, Brazil. The data were taken from the Human Development Atlas published in Portuguese by the United Nations Development Programme (UNDP) in Brazil during 2000¹ and Brazilian Institute of Geography and Statistics - IBGE 8, 9. After a superficial analysis of this State, all the municipalities were analyzed in greater detail through the Municipal Human Development Index (HDI-M) ratings for their vulnerability indicators and components. The HDI-M ratings were scored by vulnerability variables, described in quartiles for each HDI-M. The HDI proved useful for the general description of the conditions in this State and distinguishing groups of municipalities. When broken out into groups, some indicators showed significant inequalities.

Human development; Vulnerability; Regional integration


ARTIGO ARTICLE

A contribuição da vulnerabilidade na determinação do índice de desenvolvimento humano: estudando o estado de Santa Catarina

The contribution of vulnerability to determining the human development index: studying Santa Catarina State, Brazil

Olga Maria Panhoca da SilvaI; Luiz PanhocaII

IDepartamento de Enfermagem, Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC. Rua Benjamin Constant 84 E, Bairro Centro. 89.801-070 Chapecó SC. ompanhocas@yahoo.com.br IIUNITAU

RESUMO

O conceito de Desenvolvimento Humano parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas. O objetivo deste trabalho é avaliar a relação entre a vulnerabilidade e o Desenvolvimento Humano e propor um enfoque para o acompanhamento das metas 4 e 5 do milênio, utilizando como objeto de estudo os municípios do Estado de Santa Catarina. Os dados foram obtidos do Atlas de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, Brasil, do ano de 2000 1 e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 8,9. Optou-se por uma análise superficial do Estado e posterior detalhamento para todos os municípios através do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de seus componentes e indicadores de vulnerabilidade. Foi verificada a determinação do IDH-M através das variáveis de vulnerabilidade, descritas em quartis para cada grupo de IDH-M. O IDH se mostrou útil para a descrição geral das condições do Estado e para a descriminação dos grupos de municípios. Alguns indicadores, quando desmembrados em grupos, apontam desigualdades significativas.

Palavras-chave: Desenvolvimento humano, Vulnerabilidade, Integração regional

ABSTRACT

The concept of Human Development is grounded on the assumption that progress should not be measured just in economic terms, but must also encompass other social, cultural and political characteristics. The purpose of this paper is to assess the relationship between vulnerability and human development, proposing an approach for attaining the fourth and fifth Millennium Goals, based on a study of municipalities in Santa Catarina State, Brazil. The data were taken from the Human Development Atlas published in Portuguese by the United Nations Development Programme (UNDP) in Brazil during 20001 and Brazilian Institute of Geography and Statistics – IBGE 8, 9. After a superficial analysis of this State, all the municipalities were analyzed in greater detail through the Municipal Human Development Index (HDI-M) ratings for their vulnerability indicators and components. The HDI-M ratings were scored by vulnerability variables, described in quartiles for each HDI-M. The HDI proved useful for the general description of the conditions in this State and distinguishing groups of municipalities. When broken out into groups, some indicators showed significant inequalities.

Key words: Human development, Vulnerability, Regional integration

Introdução

O conceito de Desenvolvimento Humano parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. A partir desse conceito, foi elaborado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que tem como objetivo "oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento"1.

Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração de Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral e sintética do desenvolvimento humano. Além de computar o PIB, o índice leva em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação.

O IDH é um indicador elaborado pela Organização das Nações Unidas usado para medir a qualidade de vida das pessoas em várias regiões do mundo. Leva em conta o PIB per capita - em dólares ajustados ao poder de compra no país, a saúde e a educação, todos com o mesmo peso de 1/3. A saúde é medida pela esperança de vida ao nascer. Na educação, se mede a taxa de matrícula combinada (peso de 1/3) com a taxa de alfabetização de pessoas com mais de 15 anos (peso de 2/3). O resultado é ordenado segundo valores obtidos no cálculo, assumindo valores relativos que vão de 0 - pior situação de desenvolvimento humano - até 1, melhor situação de desenvolvimento humano1,2,3,4,5. Segundo os padrões da ONU, a região ou país é de alto desenvolvimento quando o IDH é maior ou igual a 0,8; médio, de 0,79 a 0,5, e baixo, de 0,49 ou menos.

Para a epidemiologia, esse índice é de extrema importância, uma vez que possibilita a abordagem das questões de saúde em uma contextualização complexa.

Apesar de ter sido publicado pela primeira vez em 1990, o índice foi recalculado para anos anteriores, a partir de 1975. Aos poucos, o IDH tornou-se referência mundial. É um índice-chave dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas e, no Brasil, tem sido utilizado pelos governos federal e estaduais, sob a denominação de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M).

A análise do IDH permitiu a comprovação de que uma parte substancial da humanidade estava simplesmente esquecida pelos mais desenvolvidos. A partir destas análises, a ONU estabeleceu os oito objetivos do milênio.

Os objetivos do milênio originaram-se das grandes conferências internacionais, tais como a Rio 92 realizada no Brasil, e propõe-se a reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável no período de 25 anos, entre 1990 e 2015. Na reunião de Cúpula do Milênio, realizada na cidade de Nova York no ano de 2000, 191 países, incluindo o Brasil, reafirmaram o compromisso de cumprir as oito metas para o desenvolvimento mundial até 2015.

Explicitamente para a área de saúde, pode-se destacar o objetivo Número 4 (neste trabalho, analisar-se-ão o objetivo número 4 - reduzir a mortalidade infantil e objetivo número 5 -melhorar a saúde materna.. A meta do objetivo 4 é reduzir em dois terços as mortes de crianças de até 5 anos, entre 1990 e 2015. A meta do objetivo 5 é reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna no mesmo período.

A Conferência Internacional sobre a População e para o Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo (Egito) em 1994, constatou, no panorama mundial, que ao se aproximar da data fixada para o atingimento das metas - 2015 - os países registravam apenas alguns progressos e salientou que obstáculos importantes persistem no caminho do sucesso6,7. Essa conferência confirmou o plano de ação que foi adotado por 179 países, em 1994, enfatizando que a qualidade e a cobertura dos programas de planificação familiar, as atividades relativas à maternidade sem riscos são uma ferramenta essencial para a realização dos objetivos de desenvolvimento. Em contrapartida, eles acrescentam que "a insuficiência dos recursos, a persistência do preconceito sexista e as lacunas no atendimento das populações pobres tornam problemática a realização de novos progressos"7,4.

O panorama mundial em 2004 mostrou que o balanço permanece mais do que contrastado. Mais de 350 milhões de casais não têm acesso a um leque completo de serviços de planejamento familiar, enquanto as complicações que ocorrem durante a gravidez e o parto continuam sendo uma das causas principais de mortalidade. Da mesma forma, as principais lacunas em termos de contracepção e de natalidade são responsáveis por um quinto da mortalidade prematura em nível mundial, e por um terço da mortalidade entre as mulheres com idade para procriar.

O documento apresenta uma lista de medidas prioritárias que precisariam ser tomadas. Integrar de maneira mais adequada os problemas de população ao planejamento familiar, satisfazer as necessidades dos grupos de populações mais pobres e melhorar o planejamento urbano de maneira a fornecer serviços nas comunidades marginais são algumas das ações que figuram entre os objetivos propostos como prioridade mundial.

Um dos fatores apontados mundialmente para o desenvolvimento humano é a atenção às mulheres e aos adolescentes. A discussão da associação entre a adolescência e a sexualidade decorrente tanto de fatores de natureza biológica quanto da autonomia relativa e ambígua que os jovens desfrutam na família e na sociedade levando a problemas, perigos e riscos, está presente nas literaturas médica e sociológica, assim como na mídia. Este fenômeno surge em sociedades modernas, acentuando-se em sociedades que passaram por rápida urbanização. Para essa situação, foi eleito o termo 'vulnerabilidade' em substituição do termo "situação de risco", que remete para a mensagem preconceituosa de pessoas perigosas para a sociedade.

A situação de vulnerabilidade tem dois enfoques que a pressupõe: primeiro, a compreensão de que as múltiplas dimensões da pobreza precisam ser consideradas em um contexto de vulnerabilidade social, que englobam renda, escolaridade e ciclo de vida familiar.

O segundo pressuposto é a segregação espacial presente nos centros urbanos que não é o objeto deste estudo; porém, norteia uma abordagem que não se limita a compreender a segregação residencial como conseqüência de recursos financeiros, cognitivos ou de qualquer outra natureza acumulados por indivíduos e famílias. Embora o seja, a segregação residencial também determina as possibilidades de uso desses ativos e de acesso a mercados e bens e serviços públicos e privados. Em outros termos, o local de residência de pessoas e famílias não só é resultado, mas também influencia suas condições de vida.

Os determinantes da saúde muitas vezes se encontram fora desse setor. Procurou-se neste trabalho compreender a saúde nessa determinação intersetorial, privilegiando uma visão espacial e buscando no particular as diferenças que poderão impulsionar o todo. Os municípios de Santa Catarina mostram desigualdades profundas em termos socioeconômicos, demográficos e de saúde, segundo dados do IBGE e PNUD1,8,9,10.

Assim, as propostas de ação, para cada município em particular, se mostram bastante diferenciadas e isoladas, mas devem ocorrer inseridas em uma leitura do desenvolvimento regional. Aponta-se, portanto, para uma análise da saúde em uma perspectiva integrada no eixo da inclusão social. Serão pensados os componentes do IDH-M e as condições locais utilizando-se do conceito de vulnerabilidade1,11.

Este trabalho vai ao encontro dos que acreditam na articulação dos sistemas econômico e educacional, juntamente com o setor da saúde, como a única forma de se alavancar o desenvolvimento humano, a integração social e a democracia,1,12,13,14,15,16.

O objetivo deste estudo é avaliar a relação entre a vulnerabilidade e o Desenvolvimento Humano e propor um enfoque para o acompanhamento das metas 4 e 5 do milênio, utilizando como objeto de estudo os municípios do Estado de Santa Catarina.

Método

Para este estudo, optou-se pela metodologia da pesquisa sintética, na qual a explicação e a previsão dos fenômenos e comportamentos complexos podem ser examinadas nas relações das variáveis. As diversas variáveis dependentes e independentes nesse modelo foram coletadas e analisadas em uma relação de interdependência e determinação social. No interior da pesquisa sintética, podem-se distinguir duas estratégias de pesquisa, se estudar um ou vários casos, ou se trabalhar sobre uma ou diversas unidades de análise.

O Estado de Santa Catarina foi alvo da análise por se caracterizar como uma região desenvolvida segundo os parâmetros do IDH; mas, mesmo assim, alguns de seus municípios têm médio desenvolvimento. Essas diferenças foram consideradas oportunas para a análise adotada. Enfatizando que essa diversidade de condições exige territorialização de dados e reavaliação dos indicadores globais em relação aos regionalizados. A discrepância dos indicadores entre os municípios justifica a construção da intersetorialidade de informações, conforme proposto pelo Banco Mundial e detalhado por autores brasileiros17,18.

Os dados foram obtidos do Atlas de Desenvolvimento Humano do PNUD Brasil do ano de 2000 e do IBGE.

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) pode ser consultado no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, um banco de dados eletrônico com informações socioeconômicas sobre os 5.507 municípios do país, os 26 Estados e o Distrito Federal.

Para uma visão inicial da região, optou-se por uma análise do Estado de Santa Catarina, do ponto de vista socioeconômico. Esta visão foi detalhada para todos os municípios através do IDH-M e de seus componentes e indicadores de vulnerabilidade.

O IDH-M e seus componentes foram analisados, através do Coeficiente de Determinação - R2, como dependentes das variáveis de vulnerabilidade, a seguir: esperança de vida ao nascer, percentual de adolescentes do sexo feminino entre 15 e 17 anos com filhos, percentual de crianças do sexo feminino entre 10 e 14 anos com filhos, probabilidade de sobrevivência até 40 anos, probabilidade de sobrevivência até 60 anos, taxa de fecundidade total, percentual de crianças de 7 a 14 anos analfabetas, média de anos de estudo das pessoas de 25 anos ou mais de idade, mortalidade até cinco anos de idade, mortalidade até um ano de idade, número de médicos residentes por mil habitantes, percentual de crianças em domicílios com renda per capita mensal menor que R$ 75,50, percentual de adolescentes de 15 a 17 anos analfabetos, percentual de adolescentes do sexo feminino entre 15 e 17 anos com filhos, percentual de crianças de 10 a 14 anos analfabetas, percentual de crianças do sexo feminino entre 10 e 14 anos com filhos, percentual de crianças em domicílios com renda per capita mensal menor que R$ 37,75, percentual de enfermeiros residentes com curso superior, percentual de pessoas com 65 anos ou mais de idade morando sozinhas, percentual de pessoas que vivem em famílias com razão de dependência maior que 75%, percentual de mulheres chefes de família sem cônjuge e com filhos menores de 15 anos.

Para detalhamento do estudo, os municípios foram ordenados em quartis segundo o IDH-M e agrupados em cinco categorias sugeridas pelo Atlas do Desenvolvimento Humano.

Resultados

O Estado de Santa Catarina apresentou em 2000 um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de 0,822, enquanto que o Brasil apresentou o IDH-M de 0,77 no ano de 20021,3, evidenciando que esse Estado se encontra em posição privilegiada de desenvolvimento humano em termos comparativos com os demais estados do Brasil. Ocupa a segunda posição, sendo que 25 Estados (96,3%) estão em situação pior ou igual. O padrão alto do IDH-M de Santa Catarina ocorre principalmente a partir da educação, seguida pela longevidade; porém, o componente renda ainda não atingiu esse padrão alto (Quadro 1).


A estrutura etária e a razão de dependência são consideradas boas em relação aos demais estados do Brasil (Quadro 1).

Pode-se ver no Quadro 1 que a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) do Estado é de 16,8 por mil nascidos vivos, que pode ser considera aceitável pelos padrões da Organização Mundial da Saúde19. A esperança de vida ao nascer de 73,7 anos e a taxa de fecundidade de 2,2 filhos por mulher confirma o padrão desenvolvido do Estado.

A renda per capita mensal média do Estado foi de R$ 348,72 em 2000, apontando para um aporte de renda razoável (Quadro 1). A pobreza é de 16,2%, mas quando se observa a desigualdade, com o Índice de Gini de 0,56, pode-se afirmar que grande parte dessa população está em situação muito desprivilegiada em relação aos indicadores globais do Estado. Um dos grandes problemas brasileiros para o desenvolvimento é o acesso à renda pelos mais pobres e o Estado de Santa Catarina mantém o padrão do Brasil com 20% da população mais pobre detendo apenas 3% da renda, enquanto que os 20% mais ricos detém 60,6%.

O acesso à água, que é um dos pressupostos mundiais de dignidade de vida, não ocorre para todos, assim como a energia elétrica e a coleta de lixo em regiões urbanas (Quadro 1).

Os indicadores de vulnerabilidade familiar se mostram altos, destacando-se 0,5% das meninas de 10 a 14 anos com filhos, assim como 7% das adolescentes de 15 a 17 anos. Mais grave são os 24,6% das crianças vivendo abaixo da linha de pobreza, classificados pela ONU como indigentes.

Observando os municípios

Ao observar o IDH-M para os municípios, verifica-se que 51,54% deles estão no padrão alto de desenvolvimento humano (0,8 e superior) e os demais no padrão médio4. Os municípios mais desprivilegiados se concentram na região central e noroeste do Estado, em destaque na cor branca e cinza bem claro na Figura 1.


No Quadro 2, se observa a participação dos indicadores de vulnerabilidade na determinação do IDH-M e seus componentes. Os indicadores de vulnerabilidade estão organizados segundo a participação na determinação do IDH-M, com valores de 0,72 - grande participação, até 0,01 – sem participação.


Notam-se variáveis com expressiva determinação como % crianças em domicílios com renda per capita menor que R$75,50 e % de crianças em domicílios com renda per capita menor que R$ 37,75 com 0,72 e 0,64 respectivamente; essas variáveis determinam fortemente o IDH-M renda com 0,59 e 0,69. Foi encontrada determinação alta entre Mortalidade até 1 ano de idade e Média de anos de estudo das pessoas de 25 anos ou mais de idade e IDH-M (0,56 e 0,55), e também entre a última a variável e o IDH-M renda (0,6). Algumas variáveis mostram coeficiente de determinação muito baixos, tais como: % de adolescentes do sexo feminino entre 15 e 17 anos com filhos, % de crianças do sexo feminino entre 10 e 14 anos com filhos, % de enfermeiros residentes com curso superior, % de mulheres chefes de família sem cônjuge e com filhos menores de 15 anos, número de médicos ou % de pessoas com 65 anos ou mais de idade morando sozinhas.

Para o aprofundamento da análise, o Estado foi dividido em cinco grupos de acordo com o IDH-M1: os 20% menos desenvolvidos apresentam IDH-M com valores de 0,68 a 0,762, os demais com valores de 0,763 a 0,787, o grupo limite com valores de 0,788 a 0,802, os seguintes com alto desenvolvimento de 0,803 a 0,818 e os 20% mais desenvolvidos do Estado, com padrões de 0,819 a 0,875 (Figura 1, note a legenda).

Os cinco grupos podem ser observados no Gráfico 1; da esquerda para a direita, seguem dos melhores para os piores em relação ao valor do IDH-M, componentes longevidade, renda e educação. Ainda no Gráfico 1, quanto ao IDH-M destaca-se o grupo dos mais desenvolvidos com alguns municípios com valores muito altos compatíveis com os valores dos países desenvolvidos. Para a longevidade, pode-se afirmar que os valores máximos dos quatro grupos melhores são semelhantes, mas os valores encontrados entre o quartil 25 e o 75 (caixa) se dispersam cada vez mais em relação ao percentil 50 (linha central da caixa). Destaca-se o grupo dos 20% menos desenvolvidos com valores bem abaixo dos demais e com o valor mínimo do IDH-M longevidade chegando a 0,7. Para a renda, podemos notar que o valor encontrado para o município de menor renda do grupo dos mais desenvolvidos supera os de maior renda do grupo dos menos desenvolvidos. Esse fenômeno de extremo desnivelamento entre os grupos também está ocorrendo para a educação. Salienta-se para renda e educação uma brusca diminuição de valores de grupo para grupo, o que não se verifica para a longevidade.


Destaca-se a importância de se verificar com detalhes o comportamento de alguns indicadores de vulnerabilidade que vão ao encontro das metas do milênio números 4 e 5 (Gráfico 2).


A taxa de fecundidade mostra uma tendência inversamente proporcional ao IDH-M dos grupos. Apenas 25% dos municípios do grupo dos 25% melhores têm fecundidades tão altas quanto os 75% dos municípios menos desenvolvidos.

Partindo-se da suposição de que a Taxa de Mortalidade Infantil inferior a 20 é considerada boa pela OMS, nota-se que muitos municípios estão acima desse valor, mesmo alguns que possuem IDH-M alto (Gráfico 2); mas 75% dos municípios do grupo dos menos desenvolvidos têm a TMI acima desse valor.

Os percentuais de crianças e adolescentes com filhos mostram-se também bem maiores para os menos desenvolvidos. Ainda quanto a esses indicadores, pode-se acrescentar que ambos se mostram elevados para todos os municípios, necessitando se repensar a sexualidade das crianças e adolescentes em geral.

Um fenômeno bastante significativo é o percentual de mulheres chefes de família sem cônjuge e com filhos menores de 15 anos, que oscila entre 1% e 11% no Estado, mas os valores extremos se encontram nos grupos menos desenvolvidos.

Discussão

Os indicadores refletem a interação dos fenômenos da vida real. Embora na análise alguns indicadores de vulnerabilidade não se mostrem determinantes do IDH-M, quando os dados são desagregados, em grupos, a desigualdade torna-se perceptível. A variação da mortalidade infantil, que é considerada mundialmente como um dos indicadores de maior importância para a saúde, fica evidenciada na análise de determinação, mas quando se comparam os grupos de municípios, cria-se o senso de valor da desigualdade entre os desenvolvidos e os não desenvolvidos. As interações de melhores condições de saneamento e alimentação, assim como grau de escolaridade das mães, já descritas e consagradas20,21 devem ser complementadas com abordagens complexas, levando em consideração a sexualidade e a renda.

Os fatores que tiveram algum papel na redução da mortalidade infantil, através de medidas sanitárias e medidas de saúde pública, mostraram seus limites. A retomada do declínio dependerá da associação entre medidas locais e pontuais de intervenção onde estas ainda não foram implementadas e a capacidade das equipes locais de identificarem e programarem as mudanças necessárias para incorporar segmentos crescentes de suas populações na nova economia de mercado urbano-industrial em processo de redefinição.

O Estado de Santa Catarina, com taxa de fecundidade de 2,2 filhos por mulher, mascara os valores mais elevados de alguns municípios. A queda da fecundidade proporciona um maior intervalo gestacional, levando a mãe a dar maior atenção e cuidados aos filhos, e como conseqüência dessa atenção tem-se a diminuição do risco de mortalidade de crianças22. Repensar a fecundidade deve partir da reflexão das condições da natalidade em blocos de municípios e não de programas gerais para o Estado.

Uma abordagem complexa da saúde pode apontar a renda per capita, a concentração de renda e a pobreza como interligadas e autodeterminantes. Participam desta complexidade as meninas e adolescentes com filhos que são apontados pela Organização das Nações Unidas22com fortes possibilidades de complicações de suas saúdes, altos riscos aos seus filhos, alta prevalência de retardo do crescimento fetal e prematuridade. Essas gestações também levam ao abandono escolar e a exclusão social que retroalimentam esse processo. A complexidade de integrações que levam a essa determinação perversa devem ser buscadas nos municípios. A educação para a saúde e a discussão da sexualidade devem estar integradas aos currículos educacionais básicos e precoces em uma perspectiva de esclarecimento dentro de um contexto não moralista. Os percentuais de crianças e adolescentes com filhos mostram-se maiores para os municípios com menores índices de desenvolvimento humano. A problemática renda-saúde pode também ser inferida para o fenômeno das mulheres chefes de família sem cônjuge e com filhos menores de 15 anos, que chega a atingir 11% em alguns municípios. A renda familiar e o cuidado com as crianças sobrecarregam essas mulheres, expondo seus filhos a um risco maior do que aqueles que têm dupla guarda, isto é, pai e mãe.

Pode-se observar pela análise dos grupos que a vulnerabilidade se sobrepõe e resulta no acirramento de áreas geográficas onde a pobreza extrapola a esfera econômica e acirra o recrudescimento do desenvolvimento das pessoas e da sociedade23.

A proposta de ações em saúde para um pequeno município, levando em conta sua dimensão cultural, estrutura de família, economia e estilo de vida, não pode ser absolutamente a mesma que se possa encaminhar para a média e a grande cidade23, mas pode ser pensada a partir de dados gerais e indicadores de vulnerabilidade.

Conclusão

O IDH-M se mostrou útil para a descrição geral das condições do Estado e para a descriminação dos grupos de municípios.

Embora alguns indicadores de vulnerabilidade não mostrem valores altos na determinação do IDH-M, quando desmembrados em grupos, apontam desigualdades significativas.

Em relação aos demais municípios, os 25% dos municípios menos desenvolvidos apresentam índices elevados para: taxa de fecundidade, percentual de crianças do sexo feminino entre 10 e 14 anos com filhos, percentual de adolescentes do sexo feminino entre 15 e 17 anos com filhos e percentual de mulheres chefes de família sem cônjuge e com filhos menores de 15 anos que podem comprometer as metas 4 e 5 do milênio.

O Estado de Santa Catarina possui nichos de municípios que ainda necessitam de atenção para se consolidar como desenvolvido.

Colaboradores

OM Panhoca da Silva e L Panhoca estudam e trabalham o tema em conjunto, sendo este artigo produto dessa cooperação. O trabalho foi pensado e escrito pela dupla.

Artigo apresentado em 18/10/2005

Aprovado em 17/01/2007

Versão final apresentada em 11/04/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2005
  • Aceito
    11 Abr 2007
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