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Comunicação no controle de risco à saúde e segurança na sociedade contemporânea: uma abordagem interdisciplinar

Communication on health and safety risk control in contemporary society: an interdisciplinary approach

Resumos

Este ensaio objetiva discutir a comunicação enquanto tecnologia para o controle do risco, proteção e promoção da saúde e segurança, no contexto da "sociedade de risco". Como um componente da Análise de Risco, a comunicação do risco é uma tecnologia que comparece na literatura sobre risco, com objetivos, princípios e modelos bem definidos. Esses aspectos são descritos e problematizados, considerando-se as múltiplas racionalidades em torno dos riscos na cultura e as várias dimensões que envolvem a regulação e controle do mesmo na chamada "modernidade tardia". Considera-se também a complexidade do processo de comunicação, informada pelo debate teórico-metodológico deste campo. Para apreciar o verdadeiro valor do campo da comunicação para o controle de risco, proteção e promoção da saúde, o artigo oferece uma síntese das teorias de comunicação que sustentam o debate desse tema, e propõe aproximações críticas a modelos que incluem as dimensões do poder e da cultura, no contexto da sociedade capitalista.

Comunicação e saúde; Comunicação de risco; Proteção e promoção da saúde


This paper discusses communication as a technology for risk control with health and safety protection and promotion, within the context of a "risk society". As a component of Risk Analysis, risk communication is a technology that appears in risk literature, with well defined objectives, principles and models. These aspects are described and the difficulties are stressed, taking into consideration the multiple rationales related to risks in the culture and the many different aspects of risk regulation and control in the so-called "late modernity". Consideration is also given to the complexity of the communications process, guided by theoretical and methodological discussions in the field. In order to understand the true value of the communications field for risk control with health and safety protection and promotion, this paper also offers an overview of communication theories that support discussions of this matter, proposing a critical approach to models that include the dimensions of power and culture in the context of a capitalist society.

Communication and health; Risk communication; Health protection and promotion


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Comunicação no controle de risco à saúde e segurança na sociedade contemporânea: uma abordagem interdisciplinar

Communication on health and safety risk control in contemporary society: an interdisciplinary approach

Maria Ligia Rangel-S

Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Rua Basílio da Gama, Campus Canela. 40-110-040 Salvador BA. lirangel@ufba.br

RESUMO

Este ensaio objetiva discutir a comunicação enquanto tecnologia para o controle do risco, proteção e promoção da saúde e segurança, no contexto da "sociedade de risco". Como um componente da Análise de Risco, a comunicação do risco é uma tecnologia que comparece na literatura sobre risco, com objetivos, princípios e modelos bem definidos. Esses aspectos são descritos e problematizados, considerando-se as múltiplas racionalidades em torno dos riscos na cultura e as várias dimensões que envolvem a regulação e controle do mesmo na chamada "modernidade tardia". Considera-se também a complexidade do processo de comunicação, informada pelo debate teórico-metodológico deste campo. Para apreciar o verdadeiro valor do campo da comunicação para o controle de risco, proteção e promoção da saúde, o artigo oferece uma síntese das teorias de comunicação que sustentam o debate desse tema, e propõe aproximações críticas a modelos que incluem as dimensões do poder e da cultura, no contexto da sociedade capitalista.

Palavras-chave: Comunicação e saúde, Comunicação de risco, Proteção e promoção da saúde

ABSTRACT

This paper discusses communication as a technology for risk control with health and safety protection and promotion, within the context of a "risk society". As a component of Risk Analysis, risk communication is a technology that appears in risk literature, with well defined objectives, principles and models. These aspects are described and the difficulties are stressed, taking into consideration the multiple rationales related to risks in the culture and the many different aspects of risk regulation and control in the so-called "late modernity". Consideration is also given to the complexity of the communications process, guided by theoretical and methodological discussions in the field. In order to understand the true value of the communications field for risk control with health and safety protection and promotion, this paper also offers an overview of communication theories that support discussions of this matter, proposing a critical approach to models that include the dimensions of power and culture in the context of a capitalist society.

Key words: Communication and health, Risk communication, Health protection and promotion

Introdução

A comunicação como campo de conhecimentos e práticas sociais tem sido interpelada pelo campo da saúde desde o início do século passado, no Brasil1, de modo profundamente articulado às políticas de saúde e às estratégias de controle sanitário, nos contextos de implantação o desenvolvimento do modelo sanitarista/campanhista de atenção à saúde.

Este ensaio discute a comunicação, enquanto tecnologia para o controle de riscos, a proteção e promoção da saúde, destacando-se especialmente a denominada "comunicação do risco", considerando a complexidade da comunicação na sociedade contemporânea e os não menos complexos fenômenos dos riscos à saúde, e suas estratégias de controle, nessa mesma sociedade. Esta tarefa exige um esforço de reflexão diferenciado, aproximando conhecimentos de diversos campos disciplinares como a sociologia, a antropologia, a epidemiologia, a política e a comunicação.

A diversificação de riscos na sociedade contemporânea apontada por diversos autores, especialmente Beck2 e Giddens3 e seus diversos seguidores, tem convocado cada vez mais a ação técnica e profissional na área da saúde, bem como em outras áreas, para lidar com estratégias de enfrentamento de riscos, dentre elas a comunicação. Configuram-se novas formas de ação do Estado para controlar ou regular as mais diversas fontes de risco na sociedade, assim como ações de controle por parte de organizações da sociedade civil, dando lugar à emergência de tecnologias de controle. Lucchese4 observa que, a despeito da ênfase aos riscos econômicos, "todas as sociedades dedicam parte das suas instituições normativas e da ação do Estado para disciplinar outros tipos de riscos, não econômicos, como os riscos à saúde e, nos últimos trinta anos, ao ambiente".

Nos países desenvolvidos, nas últimas décadas, especialmente nos Estados Unidos, desenvolveu-se a Análise de Risco como recurso para lidar com questões relativas ao avanço tecnológico, que ameaçam a sobrevivência da sociedade, expondo populações a situações de risco quando estas esperam poder desfrutar de benefícios quando sujeitas a determinadas tecnologias5. A Análise de Risco vem se consolidando ao longo da década de 80 e 90, como um campo multidisciplinar que engloba a engenharia, a psicologia, a estatística, a sociologia, a economia e a toxicologia. Segundo Guilam5, trata-se, para Renn, da identificação de danos potenciais aos indivíduos e à sociedade e da estimativa da probabilidade de que um dano ocorra, mediante o uso de dados anteriores, análises estatísticas, observação sistemática, experimentação ou intuição. Tais estimativas permitem estabelecer como e em que extensão o ambiente, as pessoas e instâncias reguladoras, além de outros fatores, podem ser afetados.

A Análise de Risco é definida por Mollak, segundo Lucchese4, como um conjunto de conhecimentos (metodologia) que avalia e deriva a probabilidade de acontecer um efeito adverso por um agente (químico, físico, biológico e outros), processos industriais, tecnologia ou processo natural. No campo sanitário, os efeitos adversos são quase sempre relacionados a algum dano à saúde, a doenças e, até mesmo, à morte. Surge visando avaliar e gerenciar riscos associados aos avanços da ciência e da tecnologia, especialmente em sistemas tecnológicos complexos como a indústria química e de energia atômica. Contudo, segundo Porto e Freitas6, a análise de riscos convertia-se, nos anos 80, também em uma resposta política à formação de consenso social nos processos decisórios, mais do que uma resposta técnica às preocupações coletivas. Seu objetivo subjacente seria o de despolitizar os debates envolvendo a aceitabilidade dos riscos, ao transformar determinadas escolhas sociais, políticas e econômicas em problemas 'puramente' técnicos e científicos. Esses autores evidenciam críticas às análise de risco tecnológicos e ambientais, por falharem em considerar a dimensão social e aspectos da subjetividade, deixando de incorporar percepções e atitudes dos que se encontram expostos.

Essa tecnologia inclui ações voltadas para o gerenciamento, a avaliação e a comunicação do risco, definindo-se como gerenciamento de risco o processo de ponderação das distintas opções normativas à luz dos resultados da avaliação de risco e, se necessário, da seleção e aplicação das possíveis medidas de controle apropriadas, incluídas as medidas regulamentares; a avaliação de risco é uma busca de previsão de eventos, com base em estudos probabilísticos, que requerem a expertise de diferentes disciplinas, como a toxicologia, epidemiologia, engenharia, saúde pública, entre outras, a depender da natureza do fenômeno estudado, para chegar-se a uma conclusão4. Por fim, a comunicação do risco, que é entendida como o intercâmbio interativo de informações e opiniões sobre os riscos entre as pessoas encarregadas da avaliação dos riscos e do gerenciamento dos riscos, os consumidores e outras partes interessadas.

O risco tem sido objeto de estudos diversos, desde a década de 60, nas abordagens quantitativas, e desde 80, nas qualitativas, nos mais variados campos de conhecimento. Estudos recentes em torno do risco reconhecem as significativas contribuições de Beck e Giddens, como principais autores/leitores do risco na sociedade contemporânea a partir da década de 80 7, 8, 9, 5, 10. Estes estudos oferecem trajetórias e especificidades dos modos como o risco vem sendo abordado na sociedade e em diversas disciplinas acadêmicas. As contribuições de Beck e Giddens são referidas na literatura recente sobre o risco, especialmente reconhecendo-se a centralidade conferida por estes autores ao risco, particularmente o ambiental e tecnológico, na teoria social, para entender o projeto histórico da modernidade reflexiva. Guivant11 disserta sobre essas contribuições, reconhecendo que esses autores são antecedidos nos estudos sobre o tema por Mary Douglas, que, de uma perspectiva antropológica, inaugura a análise cultural do risco nas Ciências Sociais12, ainda na década de 60, identificando a diversidade de racionalidades leigas e peritas em torno do risco. Posteriormente, Douglas desenvolve a idéia de escolhas sociais de riscos aos quais os indivíduos ou grupos se submetem relacionadas a valores éticos e morais conformados em culturas particulares13.

Para além da análise cultural, Beck2 define o risco como um modo sistemático de lidar com o perigo e incertezas induzido e introduzido pela modernização em si. Risco, em oposição aos velhos perigos, são conseqüências relacionadas com a força ameaçadora da modernização e com a globalização da dúvida. O autor coloca cinco teses sobre a distribuição do risco na sociedade: 1) o risco produzido na modernidade tardia caracterizado por sua diversidade extrema e por sua capacidade de escapar da habilidade perceptiva humana; 2) a distribuição dos riscos é assimétrica, variando com a posição de classe social; 3) a difusão e comercialização dos riscos leva a lógica do capitalismo a um outro estágio, havendo sempre perdedores e vencedores nas definições de risco; 4) na sociedade de risco, a consciência determina o ser, de modo que o conhecimento ganha um significado político; 5) a catástrofe emerge com um potencial político, implicando na reorganização do poder e da autoridade.

A leitura de Beck2 e Giddens3 mostra os limites da racionalidade instrumental para assegurar certezas, o que significa a limitação da própria ciência para controlar riscos na sociedade, face às evidências históricas das grandes catástrofes de origem tecnológica. Beck entende esses fenômenos não como efeitos, mas como parte intrínseca de um modo de organizar e produzir na sociedade, quando o progresso conduz à autodestruição da mesma. Beck destaca três planos nos quais as transformações se processam: 1) as relações da sociedade da indústria moderna com os recursos naturais e culturais; 2) as relações da sociedade com os perigos e problemas que produz; e 3) as fontes de significado, como consciência de classe ou confiança no progresso11.

De fato, como observam Lash & Wynne14, os riscos físicos são sempre criados e originados no sistema social, neste incluídas as instituições e organizações que supostamente controlariam os riscos, de modo que sua magnitude depende da qualidade de relações e processos sociais. De acordo com os autores, o principal risco é a alienação, o obscurantismo e a inacessibilidade das pessoas afetadas pelos riscos e dependentes da ação de instituições e atores sociais. Nesse sentido, confiança e credibilidade emergem no campo de estudos dos riscos como aspectos fundamentais da modernidade tardia e seus problemas. Os autores ressaltam a redução e cooptação do problema em termos instrumentais, de modo que as instituições passam a adaptar procedimentos e auto-apresentação para assegurar ou reparar a credibilidade sem questionar fundamentalmente as formas de poder e de controle social envolvidos.

Os autores convergem na constatação de que há múltiplas racionalidades em torno do risco, gerando por vezes conflitos, especialmente na relação entre cientistas/peritos e leigos. Fundamentam-se em experiências e julgamentos de situações concretas de risco em que se perde a confiança e credibilidade em instituições supostamente responsáveis por assegurar a proteção, sejam elas empresas, hospitais, agências reguladoras dos riscos ou outras. Beck2 afirma que cientistas determinam riscos enquanto populações os percebem, e este é um ponto de divergência em um suposto diálogo sobre os riscos.

É sobre esse aspecto que a comunicação na modernidade reflexiva é convocada para o que Lash & Wynne14 denominam de uma ação de nociva defesa contra a reflexividade, que é excluída das interações políticas e sociais entre especialistas e grupos sociais sobre os riscos modernos, devido à sistemática persistência do realismo na ciência.

Neste artigo, busca-se sistematizar algumas idéias correntes na literatura específica acerca da comunicação de risco, abordando-se aspectos conceituais e metodológicos, bem como os desafios de sua aplicabilidade na proteção da saúde. O texto se estrutura em tópicos que exploram o conceito de comunicação de risco em sua origem, seus princípios e os modelos que organizam as ações de comunicação de risco; a crítica dos modelos teóricos de comunicação que informam a comunicação de risco; e algumas contribuições para o debate, oriundas das abordagens teóricas mais recentes no campo da comunicação.

Comunicação de risco: conceito, objetivos, princípios e modelos

Enquanto tecnologia de controle de riscos, a comunicação de riscos surgiu nos Estados Unidos na década de 80, como uma estratégia estruturada, para lidar com os riscos ambientais e ocupacionais, desenvolvida tanto por indústrias como por órgãos governamentais. Surge com o objetivo de informar sobre os riscos à segurança e à saúde aos quais as pessoas estão expostas, a partir dos acidentes ampliados tidos como clássicos - Sevezo - Itália (1976), México (1984), Vila Socó-Cubatão (1984), Bhopal – Índia (1984), entre outros – que tiveram, segundo seus analistas, como um dos denominadores comuns, a ausência da comunicação de risco, culminando com a inclusão na lei americana do "Clean Air Act Ammendments (CAAA) 1990", de uma análise e comunicação com as partes interessadas, especialmente a comunidade local15. Em sua origem, está voltada para situações de acidentes em grandes empresas, afetando dramaticamente populações e meio ambiente; portanto, situações emergenciais.

Nos países em desenvolvimento, a comunicação de risco aparece em meio à análise da sociedade de risco, como uma necessidade de processo de regulamentação sanitária, para proteger a população e promover os seus interesses sanitários e ambientais4. É especialmente relacionada ao tema da confiança e credibilidade, demandando uma política de comunicação do risco, para a construção da confiança de grupos populacionais com relação aos processos tecnológicos em curso na sociedade e à capacidade regulatória do Estado. Nesse sentido, a construção da confiança é vista de modo vinculado à percepção de precisão, conhecimento e preocupação com o bem-estar público4.

Essa política buscaria estimular os agentes reguladores a serem pró-ativos em suas interações com a mídia e outras fontes de informação confiáveis, fazendo aumentar a confiança da população em suas ações, influenciando positivamente na forma como pode ser feita a comunicação do risco pelos meios. Lucchese4 destaca que a comunicação é altamente negligenciada pelas agências dos países periféricos que parecem ter grande dificuldade em trabalhar com a mesma. Cita o exemplo da implantação de próteses de silicone que se disseminou e contagiou a população como uma epidemia, desconhecendo-se os riscos implicados nesse procedimento. No Brasil, os exemplos de escândalos e tragédias ocorridas se repetem, levando ao rebaixamento da já problemática confiança da população nos órgãos reguladores, abalando a credibilidade em serviços de saúde e de tecnologias biomédicas. Destacam-se as 94 mortes de velhinhos na Clínica Genoveva no Rio de Janeiro, em 1996; a tragédia do Instituto de Doenças Renais IDR de Caruaru (PE), em 1996, causando a morte de 71 pacientes; as 22 mortes causadas pelo Celobar, em 2003 em Goiás; entre outras. Ressalta-se nestes e em outros casos a precária comunicação entre os sistemas de controle dos riscos sanitários e a população e a ausência de canais de comunicação. Para Lucchese4, a comunicação do risco é uma dimensão da regulação do risco sanitário pouco trabalhada pelos agentes reguladores, inclusive no Brasil, e que concretiza a relação entre a avaliação do risco e a participação da sociedade, com o objetivo de que a sociedade possa realizar escolhas, sociais e individuais, com a melhor informação possível.

A leitura da comunicação na sociedade de risco suscita pelos menos três aspectos problemáticos: o primeiro, e mais evidenciado na literatura, diz respeito às formas de interação entre Estado ou organizações empresariais e populações expostas a riscos, face às crises de confiança e credibilidade no processo regulador do risco na sociedade como referido acima. O segundo refere-se a momentos em que a comunicação é um si um risco ou potencializa riscos relacionados aos modos como os meios de comunicação participam da construção da sociedade de riscos. Atuam no estímulo ao consumo de bens e serviços de interesse da saúde, tais como bebidas alcoólicas, medicamentos, alimentos e tecnologias diagnósticas e terapêuticas do campo biomédico, em consonância com seus interesses mercadológicos e das indústrias produtoras desses bens, sendo crescentemente objeto da regulação do Estado. O terceiro diz respeito aos modos como os meios de comunicação de massa constroem as notícias sobre situações de risco, apelando ao sensacionalismo, selecionando discursos, em meio a conflitos derivados das diferentes racionalidades e éticas com que operam na relação com os receptores das mensagens e com cientistas/peritos. Assim, diferentes meios constroem acontecimentos16 e oferecem sentidos distintos para situações de risco, aproximando-se ou afastando-se dos interesses de grupos sociais distintos17.

Contudo, a comunicação de risco desenvolve-se particularmente com o foco no segundo aspecto acima mencionado, embora todos eles façam parte da relação risco e comunicação.

É definida por seus idealizadores como um processo interativo, de troca de informações entre indivíduos, grupos e instituições, e reconhecida como um campo de aplicação ou intervenção que opera com metodologias múltiplas, combinando pesquisa de opinião e de percepção de risco, grupos focais, análise de conteúdo, surveys, entrevistas individuais e testes de mensagens. Envolve atividades de ouvir e não só de falar, veicula respostas às preocupações, opiniões, emoções e reações de vários atores sociais interessados sobre o risco, de modos distintos em dialogar sobre a natureza do risco e as decisões para sua minimização ou controle18, 19.

Segundo Santos18, Sandman elabora uma categorização das características da percepção do risco, considerando se fatores de "outrage" (entendido pelo autor como tudo sobre o risco exceto a probabilidade de causar dano): dependem de como o risco é percebido: voluntário ou não; controlado por um sistema ou pelo indivíduo; confiável ou não; moralmente relevante ou neutro; natural ou artificial; estranho ou familiar; memorável ou não; certeza ou incerteza; detectável ou não; amedrontador ou não, de modo que em cada situação o risco ganha significados diferentes.

A U.S. Public Health Services define como princípios da comunicação de risco: aceitar e envolver o público como um parceiro legítimo; planejar cuidadosamente e avaliar os esforços realizados; ouvir as preocupações do público específico; ser honesto, franco e aberto; coordenar e colaborar com outras fontes confiáveis; definir a necessidade de mídias; falar claramente e com compaixão19.

Desse modo, a comunicação de risco se coloca como uma alternativa para uma comunicação que propicie um diálogo e a participação efetiva da audiência, ao tempo em que estabelece confiança e credibilidade na fonte de informação, pretendendo remover barreiras para uma comunicação efetiva, as quais são reconhecidas como poderosas para impedir que qualquer troca de informação se dê de modo satisfatório.

Os formuladores da comunicação de risco objetivam superar barreiras comunicativas, quando, apoiados na psicologia social, consideram, por exemplo, que se as pessoas estão enfrentando situações críticas com alto grau de preocupação, elas processam apenas 20% das informações recebidas, em uma espécie de "paralisação cognitiva". Esta situação poderia ser melhorada pelo entendimento e manejo de fatores que afetam a percepção de riscos e os níveis de confiança e credibilidade. Daí deriva que a relação comunicação e risco é entendida como "processo de explicação ou comunicação de informações sobre saúde e segurança ambiental ou risco" 18. Segundo Santos18, Covello et al., em 1986, no relatório de US Environmental Protection Agency (USEPA) , definiram comunicação do risco como "qualquer troca propositada de informação e interação entre partes interessadas no julgamento de riscos ambientais, de saúde e de segurança". Esta definição se apóia no reconhecimento de que a comunicação do risco, como qualquer outra forma de comunicação, é um processo de duas vias, envolvendo a fonte que transmite a mensagem através de um canal de comunicação, seja TV, rádio, ou jornal, para um receptor18.

Portanto, para os fundadores da comunicação de risco, a comunicação tem sempre duas vias e, se essa premissa é aceita, pode-se considerar que a comunicação do risco é mais do que explicar dados técnicos mais claramente ou divulgar números para audiências leigas. Para que a comunicação seja bem sucedida, é preciso mais do que a explanação comparativa, a ilustração com gráficos e materiais escritos. A comunicação é vista como um processo complexo que requer um conjunto de técnicas específicas, além da consciência de fatores que afetam o processo de comunicação e principalmente a percepção dos indivíduos que recebem a informação do risco. Santos e Edward, segundo Santos18, apontam que dentre as principais preocupações sobre a saúde e estilos de vida, os cidadãos querem saber como podem estar seguros, se podem ou não utilizar uma determinada fonte de água, se terão câncer. A comunicação do risco, desse modo instrumental e reduzida à sua dimensão técnica, deve responder a essas questões.

Não há um consenso entre os autores quanto ao modelo de comunicação que deve ser desenvolvido sobre o risco. Por exemplo, Heath e Nathan20 consideram que a comunicação de risco nos moldes propostos por Covello, Sandman e Slovic tem influenciado estratégias de comunicação de risco que são lineares, baseada em um modelo de comunicação orientado para um público alvo e que repousa em sugestões paternalistas ou no senso comum. Esses autores oferecem uma visão alternativa para a comunicação de risco que considera a questão do poder. Para eles, o entendimento não é o único fator envolvido nas considerações dos riscos. Um outro fator proeminente é o poder, que pode levar às lutas para o controle regulado e legalizado adequado. Poder implica em submissão, que desafia o modelo de informação paternalista de comunicação de risco. Para considerar o poder na comunicação de risco, é então necessário, segundo aos autores: a) incluir a diversidade das audiências, definidas pelos autores como campo de influência (ter audiência - corporativa, governamental e pública, – para cumprir com julgamentos e recomendações); b) considerar as incertezas (busca e processamento de informações); c) a avaliação (julgar o que é eqüitativo, razoável, seguro e estético); d) e o envolvimento (expressar auto-interesse ou altruísmo)20. Esses autores estão preocupados com as conseqüências que pode ter uma comunicação que não leve em conta as contradições e conflitos entre partes envolvidas. Isto pode resultar em discursos ideológicos que tenham pouca efetividade no controle dos riscos.

Os autores da tradicional comunicação de risco consideram que são mais sujeitos de serem aceitos aqueles riscos que parecem familiares, controláveis, voluntários, passíveis de gerar benefícios e medo, do que os são não familiares, são involuntários, não geram benefícios, nem medo. Contudo, isto na visão de Rowan21 expressaria os vários tipos de poder – informacional, de decisão e de distribuição. Vários problemas são destacados por esse autor, como inerentes à comunicação de risco a um público em geral: a) o alto nível de analfabetismo científico (as pessoas têm maior aproximação com a leitura de ficção científica que com a leitura de ciência); b) os estudos científicos são complexos, usam jargão profissional e cheios de incertezas, raramente respondem à pergunta do leigo "isto é seguro?"; c) cientistas e tomadores de decisão não estão de acordo em como caracterizar o risco, comparar riscos, categorizar riscos e priorizar ações reguladoras; d) muitos riscos são improváveis, e políticas de preferência e precaução influenciam os resultados das avaliações de risco; a informação de risco é freqüentemente comunicada por grupos ativistas, porta-vozes das empresas, advogados e políticos, que não têm credibilidade do público; e) os meios de comunicação estão mais interessados em noticiar conflitos e histórias sensacionalistas, as quais contêm vários erros, controvérsias sobre suspeitas de danos geralmente fáceis de começar e difíceis de resolver; f) comerciantes de produtos sob crítica geralmente respondem com defesas públicas que vão de ineptas a enganosas; g) o público geralmente se sente sem poder, temeroso e ultrajado em ouvir uma nova revelação da ameaça à saúde pública e ao ambiente21. Ademais, esse autor mostra, através de estudo comparativo de dois exemplos - a gasolina aditivada e o uso do tabaco -, que a comunicação de risco tem mais sucesso quando os indivíduos são empoderados do que quando são manipulados ou coagidos.

Também para Löfstedt22, o modelo com a comunicação de risco que se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos encontra-se falido, devido ao declínio da confiança do público nas agências reguladoras em decorrência de vários escândalos que aconteceram em diversos países. Esse modelo era baseado no estilo consensual de regulação, em que empresas não asseguravam espaços de participação dos grupos expostos a riscos, e possuía uma natureza elitista, que ignorava os valores e crenças de grupos sociais. A perda de credibilidade de empresas e governos na Europa levou à busca de um modelo alternativo, de caráter aberto e transparente e com ênfase no princípio da precaução, que implica na tomada de medidas de proteção diante de uma ameaça ao ambiente ou à saúde humana22. Esse modelo alternativo propõe, por exemplo, priorizar entrevistas face a face em estudos etnográficos, em detrimento de campanhas via meios de comunicação de massa, para conhecer os processos de seleção e aceitação dos riscos que as pessoas fazem.

Comunicação e comunicação de risco

Neste item, são analisados alguns aportes teóricos da comunicação que informam a comunicação do risco. Os esforços empreendidos para estudar processos de comunicação têm apontado diversos caminhos. A vertente mais tradicional tende a dicotomizar os momentos da emissão do da recepção, o que tem origem nas teorias da comunicação nascidas na década de 20 do século XX, no contexto do pós-guerra, nos Estados Unidos, com a corrente de pesquisa norte-americana chamada Mass Communication Research (MCR). Estas analisavam o potencial dos mass media sobre os povos. Dessa análise, teve lugar a teoria da "bala mágica" ou da "agulha hipodérmica", segundo a qual os meios de comunicação seriam capazes de modificar atitudes e pensamentos das pessoas. Seria, portanto, um poderoso meio de dominação e controle das massas. O foco dessa teoria estava na relação dos meios de comunicação com a audiência, entendendo-se que estes podem exercer forte influência sobre os modos de vida das pessoas, subestimando a sua capacidade de crítica e de dar novos significados para as mensagens recebidas23. Essa teoria se fundamenta na psicologia behaviorista de Watson, teoria do reflexo condicionado da psicologia de massas (Le Bon) e no funcionalismo (sistêmico), e se traduz no modelo de Harold Lasswell de 1920, o qual busca dizer o que, em que canal, para quem, com que efeito. Trata-se de um sistema de comunicação de mão única, com o foco no emissor, onde o público sofre efeito previamente especificado. O papel da mídia seria o de integrar e trocar informações entre os diversos órgãos que compõem o aparelho social, de modo a integrá-lo para seu funcionamento.

Esse modelo predominou durante muitos anos nos Estados Unidos, influenciando muitos países do mundo ocidental, inclusive as práticas de comunicação em saúde no Brasil24. Da crítica à teoria hipodérmica nos Estados Unidos surgiram as abordagens empírico-experimentais que contribuíram no entendimento da complexidade da relação emissor/receptor. Sob a influência de estudos da sociologia e da psicologia cognitiva, os teóricos da comunicação da MCR assumiram que a audiência é ativa e tem um complexo conjunto de necessidades que busca satisfazer com os mass media. Sob a influência da etnometodologia, corrente da sociologia norte-americana, integra-se a dimensão subjetiva dos processos de comunicação de massa, buscando resgatar a capacidade de produzir sentidos e desenvolver processos de interpretação. A sociologia do conhecimento torna a comunicação vista como prática social e contextual em circunstâncias concretas da vida cotidiana23.

Por sua vez, na Europa, também no pós-guerra, desenvolveu-se uma crítica radical aos meios de comunicação de massa, particularmente realizada por Adorno, um dos filósofos mais representativos da Escola de Frankfurt, na Alemanha. De uma perspectiva marxista, este autor desenvolve o conceito de "indústria cultural", para se referir aos meios de comunicação de massa, vistos como produtores de mercadoria ou bens de consumo culturais, em uma sociedade capitalista em expansão, configurando-se como poderosos mecanismos de dominação.

Tal como a MCR, essa teoria ganha também força de influência em vários países, inclusive em toda a América Latina. Nesta, desenvolveu-se um pensamento próprio sobre o papel da comunicação na sociedade, sob forte influência de teorias de comunicação que surgiram na Europa. Configuraram-se no estudo do processo de comunicação, por um lado, pesquisas sociológicas de "dominação e imperialismo cultural", que atribuíam poder absoluto aos meios de comunicação sem reconhecer o poder da audiência. Por outro lado, da crítica a estes estudos que negligenciaram a recepção e o processo local de produção de significado, surgem as teorias da recepção, de modo que a discussão da comunicação na cultura desloca o eixo do sentido da circulação de informações para contemplar o modo como as pessoas se comunicam e usam os meios de comunicação. Adota-se o sentido do processo produtor de significação, onde o receptor não é apenas decodificador, mas também produtor de novos significados25. Salientam-se, nessa perspectiva, os espaços de interseção de conhecimentos provenientes de áreas diversas.

A teoria de referência para esse modo de pensar a comunicação é desenvolvida por Jésus Martín Barbero, que se apóia em elementos da filosofia, história, sociologia, política e antropologia para construir uma proposta de investigação enfatizando as mediações dos sujeitos. Como mostra Escosteguy25, contribuem na formulação teórica de Barbero: Antônio Gramsci, através do conceito de hegemonia e folclore; Walter Benjamin, através da reflexão sobre as transformações nos modos de percepção a partir da introdução de novas tecnologias de reprodução; Jaques Le Goff, que aponta o popular como lugar metodológico para reler a história; Richard Hoggart e Raymond Williams, que pesquisam o massivo trabalhando a partir e de dentro do popular; Michel de Certeau, que reflete sobre o caráter criativo das práticas populares e modos de fazer entendidos como táticas, ou modos de luta, de quem não possui um lugar próprio.

Barbero propõe que se abandone a fixidez nos meios e se valorize as mediações que podem ser entendidas como conexões, amálgamas que misturam elementos, formando um todo novo. (As mediações) constituem-se em articulações entre matrizes culturais distintas, por exemplo, entre tradições e modernidade, entre rural e urbano, popular e massivo, também em articulações entre temporalidades sociais diversas, isto é, entre o tempo do cotidiano e o tempo do capital, entre o tempo da vida e o tempo do relato 25.

Através das mediações, destaca Ecosterguy, o autor propõe que é possível entender fundamentalmente "a interação entre produção e recepção e entre lógicas do sistema produtivo e dos usos [...]". As mediações, segundo Barbero, tanto podem ser os meios (literatura, cinemas), os sujeitos (indivíduos), os gêneros (radioteatro, folhetim, outros) e os espaços (cotidiano familiar, o bairro). Como hipótese, o autor propõe três lugares de mediações preferenciais: a cotidianidade familiar, cuja base é a família; a temporalidade social, que diz respeito a relação entre tempo produtivo e tempo repetitivo do cotidiano; e a competência cultural, que se relaciona com a presença de uma matriz cultural e um modo de perceber/ler/usar os produtos culturais.

A estrutura do marco teórico das mediações, segundo Barbero, se completa quando se articulam três dimensões fundamentais: hegemonia - permite pensar a dominação como construção de um consentimento ou um pacto que é permanentemente refeito num processo vivido entre sujeitos; história - que permite que o investigador assuma um determinado lugar para recuperar a história dos processos culturais enquanto articuladores das práticas comunicativas com os movimentos sociais; e cotidianidade - enquanto espaço de consumo, intercâmbio, distribuição de produtos culturais e onde se dá a produção de sentido.

Contudo, segundo Escosteguy25, os resultados obtidos com a aplicação dessa linha de investigação não revelam que o desenho metodológico tenha sido suficientemente rico para captar a articulação entre a subjetividade dos sujeitos/receptores e a produção da realidade social, identificando um impasse dado pela complexa articulação entre vida cultural e política; cultura e relações de poder; e mediações e hegemonia, que se constituem em aspectos ainda frágeis para que se considere esta uma alternativa teórica às anteriores, para compreender a recepção.

Uma outra perspectiva de estudos do processo comunicativo tem se orientado para compreender o modo de funcionamento dos processos receptivos do ponto de vista das teorias da linguagem. Nestas, a comunicação é entendida enquanto dinâmica semiótica do percurso dos interpretantes, em que a mente opera inferências que organizam o universo semântico e atualizam as mensagens, enquanto o conteúdo não está dado antes da significação26. Assim, tenta-se superar as limitações do modelo informacional e afastar-se da fragmentação operada pelo próprio conceito de recepção, tornando possível sua descrição positiva sem reduzi-la à ocorrência empírica. Mas é preciso enfrentar o desafio de recorrer ao modelo teórico da semiótica da interpretação sem com isso subsumir a noção de recepção à de emissão que controla os percursos da recepção. Esses estudos se aproximam em um primeiro momento da semiótica de Umberto Eco e, mais recentemente, da teoria da interpretação de Paul Ricoeur.

Contudo, admite-se que os estudos de recepção não conseguiram explicar o que é mesmo recepção e se constituem freqüentemente em discursos sobre características e condições pertinentes ao modo como os sujeitos empíricos compreendem, fruem, interpretam, absorvem as mensagens produzidas na escala da comunicação midiática. Seu enfoque predominante é psicológico e sociológico, deixando de lado o modo de funcionamento dos processos receptivos. Considera-se que a teoria de Ricoeur sugere que a compreensão dos processos comunicativos está na investigação da obra, como investigar a demanda de concretização de sentido, o modo como a obra/os produtos culturais nos solicitam como leitores/receptores. Desse modo, pode-se entender a recepção de fora dos limites do leitor/receptor empírico, uma vez que a recepção está dada no produto, no processo de interpretação/leitura27. Assim, no campo do debate teórico da comunicação, tem lugar um processo de valorização da intersubjetividade, pensada na dialética produção/recepção, autor/leitor.

De todo modo, no âmbito mais amplo da sociedade, observa-se que o crescimento dos movimentos sociais e a crise dos regimes autoritários no mundo inteiro vincularam a comunicação à democracia e aos direitos sociais. Contudo, a despeito da complexidade dos processos comunicacionais evidenciados nos debates do campo, ainda predomina, seja nas práticas de saúde, seja naquelas de comunicação de risco, a visão da comunicação como relação unilinear entre um emissor e um receptor de mensagens, na qual prevalece a concepção pedagógica de que estímulos ambientais produzem respostas em grupos sociais, ou, na melhor das hipóteses, busca-se o diálogo.

Embora muito se tenha avançado nessa busca e na compreensão da comunicação como diálogo, este permanece de certo modo aprisionado à idéia de duplo fluxo, isto é, entendido como troca de mensagens entre emissor e receptor, não se considerando a complexidade do processo de mediação e da interação intersubjetiva que os envolve. De todo modo, o uso da comunicação como mero instrumento de transmissão e difusão de informações, vem sendo questionado por vários autores. Estes criticam de um lado a redução da comunicação à sua dimensão técnica ou de produção e transmissão de mensagens e, de outro, apontam a necessidade de reconhecer a tensão ou disputa permanente de sentidos atribuídos ao real, no processo intersubjetivo de sujeitos em distintos lugares de poder. Essa discussão ainda não parece visível no campo da comunicação de risco.

Ressalta-se a ausência da consideração à questão do poder e das assimetrias no processo de comunicação. Embora seja crescente a compreensão de que é preciso ouvir o outro, interessá-lo, motivá-lo, para que a comunicação seja efetiva, a dimensão política da comunicação não parece estar suficientemente considerada. Comumente entendida como técnicas de transmissão de mensagens a serem "passadas", a comunicação "esbarra" no universo simbólico do outro, que ressignifica a mensagem. Nessa tensão de sentidos, de uma sociedade plural e assimétrica, as mensagens irão circular, podendo ganhar sentidos diferentes pelos distintos sujeitos da interação, resultando que, na sociedade brasileira com suas profundas desigualdades, a comunicação seja sempre um processo assimétrico.

É necessário então pensar que, se os objetivos da comunicação de risco são válidos, que modelo seria adequado a cada realidade. Pode-se interrogar, por exemplo, qual a finalidade da troca proposta e então constatar-se que os métodos têm que ser revistos, pois não basta trocar informações. Por exemplo, quando as pessoas se percebem sob riscos, elas tendem a buscar informações em algum lugar, seja na empresa onde trabalham, nos sindicatos, nos meios de comunicação, nos serviços de saúde, com os colegas, vizinhos, etc. É preciso então saber quais são para elas as fontes confiáveis; que informações essas fontes propiciam em termos de qualidade, abrangência, atualidade; e qual o sentido que a informação tomará no contexto do cotidiano da vida dessas pessoas.

Castiel, em instigante artigo9, chama a atenção para a delicadeza do processo comunicacional em saúde, que envolve relevantes aspectos bioéticos. Aponta para a necessidade de uma base normativa de tal comunicação, considerando-se importantes as tentativas de estabelecerem-se protocolos éticos e formatos expositivos padronizados de comunicação de riscos tanto para a ciência como para a mídia no contexto dos países centrais. O autor cita um documento originário da parceria entre a Royal Institution of Great Britain, Social Issues Research Centre e The Royal Society que enfatiza a importância da forma como questões de saúde são divulgadas, em função do fato que "informação enganosa (misleading) é potencialmente perigosa: pode mesmo custar vidas", que convida o emissor da mensagem (cientista ou jornalista) a se colocar no lugar do receptor e perceber o conforto ou desconforto que a leitura/interpretação de uma situação/acontecimento lhe propiciaria, de certo modo antecipando o impacto dos conteúdos apresentados. Ainda, interroga "como fazer para divulgar tais aspectos com fidedignidade (leia-se objetividade)? Amenizar aspectos negativos? Omiti-los? Apresentar a realidade sem ornamentos?" respeitando-se a subjetividade. Argumenta que este recurso, "se usado com parcimônia e bastante cuidado, pode servir como razoável fio condutor para balizar este delicado processo comunicacional". Uma pauta de itens relevantes é apresentada pelo autor para que cientistas e jornalistas possam se conduzir com cautela nesse processo. Destaca ainda estudos que, ainda que mereçam ressalvas, procuram indicar a relevância da comunicação entre especialistas do campo biomédico e pacientes/clientes para expressar riscos, quando pesam custos, riscos e benefícios quando decidem entre caminhos terapêuticos.

Acrescenta-se a essas considerações duas abordagens que podem contribuir para pensar modos de fazer comunicação de risco: a teoria da ação comunicativa de Habermas e o modelo do mercado simbólico. A primeira permite afirmar que para que uma comunicação seja efetiva é necessária a redução das assimetrias, pela via do encontro possível entre os sujeitos da interação. Para isto, é preciso que haja coerência das atitudes, pois apreende-se o que é compatível com o que se pensa e o que se faz; a mensagem deve ter credibilidade; os argumentos devem ser ordenados de modo coerente; os líderes de opinião devem ter competência cultural reconhecida e serem confiáveis. Contudo, as profundas desigualdades sociais e relações de conflito na sociedade podem colocar limites a essa comunicação que propõe o entendimento e a negociação e que tem se mostrado útil enquanto suporte a práticas educacionais28, 29.

No modelo teórico de mercado simbólico desenvolvido por Araújo30, a comunicação é entendida operando ao modo de um mercado, onde circulam múltiplos e heterogêneos discursos que disputam o poder de fazer prevalecer determinada visão da realidade. O recurso aos meios de comunicação de massa mediante a propaganda e publicidade assegura a difusão de determinados discursos em detrimento de outros, constituindo-se hegemonias de sentidos, sobre modos de ver e intervir na realidade. Assim, a comunicação de risco poderia ser vista com uma estratégia de veiculação de discursos hegemônicos sobre os riscos, a disputar sentidos com outras racionalidades que operam na sociedade. Enquanto estratégia reguladora dos riscos na sociedade, ela se revela como um campo de dominação, quanto menos democrática e menos inclusiva de amplos setores sociais com suas percepções e formas de lidar com os riscos e proteger sua saúde.

Considerações finais

O desafio que esta discussão evidencia é o de conjugar, para o controle de riscos e promoção da saúde, a partir da crítica da comunicação de risco, estratégias que levem em conta dois aspectos: por um lado, as lacunas ainda existentes na compreensão dos processos comunicacionais e, por outro, os recursos teórico-metodológicos das contribuições recentes para uma comunicação política e culturalmente sensível. Ou seja, um importante desafio consiste em realizar comunicação de risco considerando as relações de conflito entre "leigo" e experts, relações de poder entre Estado e sociedade e as múltiplas dimensões sociais e culturais que envolvem o fenômeno risco, em contextos particulares. Vale reafirmar que a comunicação de risco que prescreve normas e condutas de prevenção e proteção contra riscos deve estar atenta para o fato de que estas podem ser pouco credíveis e aceitáveis pelas populações. Ademais, podem funcionar como mecanismos de controle ideológico, deixando de criar processos comunicacionais que lhes permitam refletir sobre as mesmas e decidir o que lhes cabe adotar, contestar, negociar. Portanto, para potencializar o campo do controle de riscos, proteção e promoção da saúde mediante estratégias de comunicação, é necessário o desenvolvimento de metodologias de análise da recepção e das mediações socioculturais implicadas em processos comunicacionais no campo da saúde.

Pode-se afirmar que a análise da recepção, bem como a análise das mediações socioculturais do processo de comunicação do risco, podem orientar programas de controle de riscos e de proteção e promoção da saúde. Além disso, podem contribuir para a construção da consciência cidadã em torno do controle e regulação dos riscos e de uma cultura afirmativa da saúde, facilitando o acesso à informação, identificando e reduzindo assimetrias sociais em processos comunicacionais. Assim, reafirma-se a necessidade de construir uma comunicação de risco que considere as especificidades das relações sociais em que os grupos sociais estão imersos, bem como as especificidades dos processos tecnológicos e sociais. Ademais, dialogar com a epidemiologia para priorizar problemas de saúde que apresentem maior risco e vulnerabilidade, segundo critérios de gravidade e magnitude, valorizando-se a percepção dos sujeitos e considerando o universo simbólico e os sentidos possíveis para o que se comunica.

Assim, atuar com comunicação para o controle de riscos, proteção e promoção da saúde em um espaço de disputa simbólica, fazendo circular discursos de proteção e promoção da saúde, requer acumulações de poder e competência comunicativa face aos grandes desafios que a sociedade contemporânea apresenta. Portanto, mais do que construir um modelo de intervenção, é importante entender a comunicação em sua complexidade, para pensar estratégias de comunicação condizentes com as especificidades socioculturais, de modo a produzir e fazer circular discursos sociais competentes para a disputa de sentidos na sociedade em geral e no território em particular.

Por fim, se a informação é condição necessária à mudança, ela não é suficiente, de modo que é importante abandonar modelos difusionistas e condutistas, nos quais a comunicação é reduzida a um mero instrumento ou meio de difusão e transmissão de informações. Cabe ainda abandonar pretensões de comportamentos ideais de prevenção e proteção da saúde, para buscar mediante a comunicação o diálogo, a compreensão e a negociação de entendimentos, bem como a reflexão crítica sobre as práticas sociais em saúde. Ademais, nas situações de conflito, o controle de riscos só será possível mediante acumulações de poder e desenvolvimento de competência comunicativa para a disputa de sentidos na sociedade, que podem gerar estratégias úteis ao controle social dos riscos à saúde. De todo modo, a democratização das informações é fundamental para dar a conhecer processos tecnológicos e riscos envolvidos, propiciando a escolha de formas de proteção e prevenção, assegurando-se o direito à informação e à saúde.

Artigo apresentado em 22/06/2005

Aprovado em 24/10/2006

Versão final apresentada em 08/12/2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Aceito
    08 Dez 2006
  • Recebido
    22 Jun 2005
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