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Redes de política no combate à fome e à pobreza: a estratégia Comunidade Solidária no Brasil

Policy networks combating hunger and poverty: the Solidarity Community strategy in Brazil

Resumos

Este estudo analisou a estratégia de combate à pobreza da Comunidade Solidária (Governo Federal Brasileiro -1995-2003), examinando os mecanismos institucionais utilizados para aprimorar a focalização do Programa de Distribuição de Alimentos (PRODEA) e do Programa de Combate à Desnutrição Materno Infantil (PCDMI). Foram realizadas 97 entrevistas com atores governamentais e societários integrantes da CS nos níveis federal (9), estadual (6) e municipal (82 entrevistas em oito municípios do Estado do Rio de Janeiro), no ano de 2000. Concluiu-se que a CS avançou em identificar e convergir os programas para os municípios mais pobres e torná-los mais visíveis aos gestores. A inserção dos diferentes atores na rede da CS variou de acordo com o poder político e a capacidade institucional de cada setor. As estratégias utilizadas foram: a negociação com cada ministério para alocação prioritária de recursos a partir de um critério técnico (indigência); maior apoio técnico e acesso à informação para os municípios mais pobres, fortalecendo sua habilidade em captar recursos. O papel da CS no nível local foi limitado devido a deficiências na articulação intersetorial e a dificuldades no monitoramento da implementação dos programas e na seleção de beneficiários, limitando seu direcionamento para os grupos mais vulneráveis.

Programas de nutrição; Comunidade Solidária; Fome; Pobreza


This paper analyzes a strategy deployed by the Brazilian Government for combating hunger and poverty: the Solidarity Community (1995-2003), particularly institutional mechanisms used to fine-tune targeting processes and allocate resources to the Food Stocks Distribution Program (PRODEA) and the Undernourished Child and High-Risk Pregnancy Program (PCDMI). Primary data were obtained through interviews with policy network players, including segments of government and society: nine Federal; six State and 82 from eight Municipalities in Rio de Janeiro state. Moving towards its goal of converging programs for the poorest municipalities, the Solidarity Community made them more visible to executive civil servants. The introduction of different sectors into the Solidarity Community network varied, according to the political clout and institutional capacity of each sector. The Solidarity Community strategy was: to negotiate criteria with Ministries for setting priorities and provide technical support and information for local governments, improving their skills for obtaining federal funding. The role of the Solidarity Community was thus limited at the local level, due to poor intersectoral networking and difficulties in monitoring program implementation and beneficiary selection processes, blunting its advantages for more vulnerable groups.

Nutrition programs; Solidarity Community; Hunger; Poverty


ARTIGO ARTICLE

Redes de política no combate à fome e à pobreza: a estratégia Comunidade Solidária no Brasil

Policy networks combating hunger and poverty: the Solidarity Community strategy in Brazil

Luciene BurlandyI; Maria Eliana LabraII

IDepartamento de Nutrição Social, Faculdade de Nutrição, UFF. Rua São Paulo 30/4 andar, Valonguinho. 20015–110 Niterói Rio de Janeiro. burlandy@uol.com.br

IIEscola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz

RESUMO

Este estudo analisou a estratégia de combate à pobreza da Comunidade Solidária (Governo Federal Brasileiro –1995–2003), examinando os mecanismos institucionais utilizados para aprimorar a focalização do Programa de Distribuição de Alimentos (PRODEA) e do Programa de Combate à Desnutrição Materno Infantil (PCDMI). Foram realizadas 97 entrevistas com atores governamentais e societários integrantes da CS nos níveis federal (9), estadual (6) e municipal (82 entrevistas em oito municípios do Estado do Rio de Janeiro), no ano de 2000. Concluiu–se que a CS avançou em identificar e convergir os programas para os municípios mais pobres e torná–los mais visíveis aos gestores. A inserção dos diferentes atores na rede da CS variou de acordo com o poder político e a capacidade institucional de cada setor. As estratégias utilizadas foram: a negociação com cada ministério para alocação prioritária de recursos a partir de um critério técnico (indigência); maior apoio técnico e acesso à informação para os municípios mais pobres, fortalecendo sua habilidade em captar recursos. O papel da CS no nível local foi limitado devido a deficiências na articulação intersetorial e a dificuldades no monitoramento da implementação dos programas e na seleção de beneficiários, limitando seu direcionamento para os grupos mais vulneráveis.

Palavras–chave: Programas de nutrição, Comunidade Solidária, Fome, Pobreza

ABSTRACT

This paper analyzes a strategy deployed by the Brazilian Government for combating hunger and poverty: the Solidarity Community (1995–2003), particularly institutional mechanisms used to fine–tune targeting processes and allocate resources to the Food Stocks Distribution Program (PRODEA) and the Undernourished Child and High–Risk Pregnancy Program (PCDMI). Primary data were obtained through interviews with policy network players, including segments of government and society: nine Federal; six State and 82 from eight Municipalities in Rio de Janeiro state. Moving towards its goal of converging programs for the poorest municipalities, the Solidarity Community made them more visible to executive civil servants. The introduction of different sectors into the Solidarity Community network varied, according to the political clout and institutional capacity of each sector. The Solidarity Community strategy was: to negotiate criteria with Ministries for setting priorities and provide technical support and information for local governments, improving their skills for obtaining federal funding. The role of the Solidarity Community was thus limited at the local level, due to poor intersectoral networking and difficulties in monitoring program implementation and beneficiary selection processes, blunting its advantages for more vulnerable groups.

Key words: Nutrition programs, Solidarity Community, Hunger, Poverty

Introdução

As políticas de combate à fome e à pobreza, que ocupam a agenda pública no Brasil desde a década de 1930, caracterizaram–se pela fragilidade na coordenação dos programas e pela dificuldade em fazê–los chegar aos grupos mais vulneráveis. Propondo–se a enfrentar estes dois limites, o Governo Federal, presidido por Fernando Henrique Cardoso em 1995–2003, implementou a estratégia Comunidade Solidária (CS), conduzida por uma Secretaria Executiva (SE) e por um Conselho Consultivo (CC). A CS estruturou–se através de uma rede integrada por agências governamentais da União, dos estados e dos municípios, além de atores societários. Seu núcleo de atuação contemplou uma Agenda Básica de dezesseis programas prioritários envolvendo os ministérios da Saúde, Educação, Desporto, Agricultura e Abastecimento, Planejamento e Orçamento, e Trabalho1,2.

Seu contexto de implementação, no entanto, foi desafiador, considerando características mais amplas do país, tais como: (a) o Pacto Federativo, cujas peculiaridades exigem negociações e acordos entre a União, as 27 subunidades nacionais e os mais de 5.500 municípios do país (que se multiplicaram e tornaram–se autônomos a partir da Constituição Federal de 1988); (b) a própria natureza da política de combate à pobreza, que exige articulação intersetorial (entre distintos ministérios) e intergovernamental (entre as unidades da Federação); (c) a magnitude do universo a ser atendido que, atualmente, compreende 44 milhões de pessoas com renda per capita inferior a 1 dólar/dia; (d) a extensão territorial, que demanda enorme esforço logístico para garantir a ampla cobertura dos mais pobres e dificulta o monitoramento local da implementação; (e) a descontinuidade dos programas, aliada à intermitência no fluxo de recursos financeiros.

Objetivo

Este artigo tem por objetivo examinar as estratégias implementadas pela CS para direcionar os programas na área de Alimentação e Nutrição aos segmentos mais pobres, através da rede de atores então constituída, analisando os obstáculos políticos, técnicos e institucionais deste processo. Inicialmente, aborda o tema das redes sob as perspectivas da implementação de políticas públicas e do Pacto Federativo brasileiro; em seguida, caracteriza brevemente o modus operandi em rede da CS; por último, analisa os resultados processuais, alertando para sua parcialidade devido ao tempo curto de implementação da experiência.

Métodos

A exposição, análise e conclusões baseiam–se em investigação centrada em dois programas direcionados aos municípios mais pobres: o Programa de Combate à Desnutrição Materno Infantil – PCDMI, do Ministério da Saúde, e o Programa de Distribuição de Estoques de Alimentos – PRODEA, da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), do Ministério da Agricultura. Os dados primários foram obtidos mediante pesquisas realizadas em oito municípios do Estado do Rio de Janeiro, selecionados por atenderem tanto aos critérios gerais da CS — prevalência da indigência — quanto dos programas aqui estudados — prevalência de desnutrição, especialmente o PCDMI. Foram realizadas observações de campo e 97 entrevistas com gestores dos níveis: federal (nove); estadual (6) e municipal (82). As informações obtidas foram complementadas com farta documentação institucional coletada no curso da pesquisa.

Questões conceituais

Políticas públicas, redes e Pacto Federativo

Em muitos países, observa–se que a crescente 'hiperespecialização' das políticas públicas vem impulsionando a agregação de atores estatais e societários em comunidades ou redes de políticas situadas em campos especializados (policy communities ou policy networks). Trata–se da reconfiguração de arranjos políticos entre instituições públicas e privadas, em estruturas governamentais de formato híbrido (nem estatal nem societário) que visam influir de maneira organizada nas arenas decisórias e coadjuvar na solução de problemas sociais complexos3,4. Através destas redes, conectam–se atores que reconhecem a importância do intercâmbio de recursos técnicos, políticos, informacionais e outros e de negociações de longo termo na obtenção de vantagens e objetivos comuns4. Implementam–se, assim, estratégias compartilhadas visando administrar pressões e reduzir incertezas e conflitos inerentes ao processo político, sendo a interdependência entre os atores o principal fator para sua constituição e sustentabilidade5.

As redes surgem particularmente em contextos onde o Estado passa por um processo importante de adaptação organizacional que tem na cooperação e na descentralização estratégias–chave. Busca–se difundir o poder centralizado e aumentar a capacidade estatal de conduzir decisões de forma compartilhada com outros atores que detêm poderes parciais em determinados territórios de competência. No lugar de um centro político, emergem diferentes nodos de poder, correlacionados assimetricamente, numa estrutura não–hierárquica que pode ser orquestrada por uma instituição coordenadora, ainda que não investida de autoridade política sobre as demais6. Quanto à execução de políticas públicas que tratam de questões complexas como pobreza, normalmente se requer redes igualmente complexas, principalmente quando fatores como dispersão e fragmentação das linhas de autoridade demandam uma estrutura que articule os atores7.

Cabe salientar que, num contexto federativo, o formato institucional em redes traz novos desafios para a gestão pública, dado que o grau de eficiência do Estado depende de sua capacidade de processar informações e implementar decisões compartilhadas. Também é diferente a natureza do poder, já que nas redes o protagonismo de uma organização não se estabelece em função de algum atributo formal, mas cresce na medida em que se constitua como ator — chave para o alcance de objetivos comuns4,8 9,10.

Diferentes perfis de rede são moldados de acordo com a natureza da política e com o tipo de coordenação que se estabelece entre os agentes. Em geral, no caso de programas federais de implementação local, uma agência central pode formalmente protagonizar a coordenação, num processo que depende da adesão dos atores. Quanto à gerência, em grande medida diz respeito à forma como são administrados estrategicamente determinados elementos–chave tais como os recursos; valores e percepções de cada ator em relação a si e aos demais; as regras que regulam as interações e os produtos resultantes. Quando a cooperação e a redistribuição de recursos de poder ao interior da rede fortalecem atores em situação desmedrada através, por exemplo, da democratização da informação, pode haver maior eqüidade alocativa. Além disso, a legitimidade de uma organização pode ser fortalecida quando o governo lhe confere status de co–gestora, possibilitando assim seu acesso formal a corpos consultivos permanentes do Estado4,8,10.

A função da gerência da rede é, portanto, a de um 'intermediário multilateral', que visa implementar as propostas pactuadas, identificando áreas potenciais de coordenação (interesses e práticas comuns) e divulgando informações estratégicas (dados que indiquem a forma como a cooperação pode servir simultaneamente a interesses mais amplos e a demandas particulares)10,11,4,8.

Por último, vale mencionar que, na abordagem do tema em pauta, Marques12 distingue três usos possíveis de redes no campo das ciências sociais: no primeiro, mais antigo e geral, se recorre ao termo rede como metáfora para transmitir a noção de que entidades, indivíduos ou idéias se conectam entre si; no segundo, trata–se de um método de análise dos padrões relacionais presentes nas redes; já no terceiro, assume um caráter administrativo ou gerencial e normativo porquanto "determina certas configurações de um dado conjunto de entidades de maneira a alcançar certos objetivos", como por exemplo "a estruturação de fluxos e tarefas de forma a se alcançar economia de tempo/recursos ou aumento da produtividade, ou a localização de atividades, insumos e equipamentos em uma região geográfica de forma a otimizá–los"12.

Na análise deste tipo de engenharia institucional devem ser consideradas também as características mais gerais da organização político–administrativa do país, porquanto condiciona a implementação de políticas públicas ao determinar tanto a forma de distribuição dos recursos federais entre estados e municípios quanto os contornos do processo decisório e da participação social13,14,15,16.

O Pacto Federativo brasileiro implica, em tese, num relacionamento entre níveis de governo que deve compatibilizar os direitos de cada ente federativo e os interesses da Federação e fomentar a convivência entre autonomia e interdependência. Mecanismos e arenas de negociação e cooperação são fundamentais para o sucesso desse arranjo17,16. Neste sentido, atualmente no Brasil, os pactos explícitos e transparentes entre as partes se impõem cada vez mais como um dever ser da prática política, institucional, técnica e mesmo ética, tendo em vista que estados e municípios têm liberdade para aderir, ou não, a uma política pública federal. Dependendo da natureza da política em questão, a decisão de aderir envolve cálculos de custo/benefício relativos à disponibilidade de recursos administrativos e fiscais próprios, ou do quantum dos repasses financeiros em jogo18,19,20.

Esses pactos implicam difíceis negociações entre poderes muito desiguais por causa das profundas diferenças socioeconômicas entre regiões e estados, entre centros e periferias e entre cidadãos. A tudo isso se soma uma forma de coordenação do governo federal tradicionalmente frágil e de curso aleatório, além de inadequada à heterogeneidade estrutural do país, traços esses que se reiteram com maior intensidade no nível estadual. Adicionalmente, quase 75% dos municípios são de pequeno porte (até 20 mil habitantes)21, carecem de arrecadação tributária própria e apresentam graves deficiências na gestão pública. Evidentemente, todos esses elementos, aliados às complexidades do Pacto Federativo, constituem entraves de grande vulto à operacionalização de programas que buscam alcançar os territórios e grupos populacionais mais vulneráveis, de modo que a instauração de redes articuladoras dos interesses em jogo seria uma tentativa inovadora e racional de superá–los.

Por essas e outras razões, a experiência da CS de implementar programas de combate à pobreza mediante redes cobra especial interesse, tanto do ponto de vista acadêmico como gerencial.

Resultados

A proposta da Comunidade Solidária: o desenho operacional

A Comunidade Solitária mobilizou uma rede de agentes e atores nos três níveis de governo e definiu uma Agenda Básica de dezesseis programas prioritários, composta de intervenções nas seguintes áreas: Alimentação e Nutrição; Redução da Mortalidade na Infância; Apoio ao Ensino Fundamental; Apoio à Agricultura Familiar; Desenvolvimento Urbano; Geração de Ocupação e Renda e Qualificação Profissional.

Na área de Alimentação e Nutrição destacam–se o Programa de Combate à Desnutrição Materno Infantil — PCDMI (Ministério da Saúde) e o Programa de Distribuição de Estoques de Alimentos — PRODEA (Companhia Nacional de Abastecimento, CONAB, do Ministério de Agricultura), que foram eleitos para os objetivos deste estudo por serem direcionados a um conjunto específico de municípios prioritários (os mais pobres), sendo os demais programas universais1,2. Coube apreender como esta proposta de focalização dos programas no conjunto de municípios prioritários foi operacionalizada através da rede. Para a CS, a mobilização política em rede seria um poderoso instrumento no direcionamento dos programas aos municípios prioritários e na implementação mediante articulações entre diferentes níveis, setores de governo e sociedade civil. Desta forma, pretendia–se romper com a histórica atuação governamental desintegrada e segmentada no campo das políticas sociais e assistenciais.

Para tal, buscou instituir mecanismos de cooperação, pactuação e solidariedade como princípios indutores de parcerias sociopolíticas, constituindo uma rede não hierárquica, porém verticalizada conforme a tipologia de Mandell10. Caberia à CS coordenar e mobilizar consensos22,23, contando no nível federal com duas instâncias: a Secretaria Executiva (SE) e o Conselho Consultivo (CC), composto por dez ministros de Estado e vinte e um representantes de associações da sociedade civil, estrutura que se reproduziu nos estados. Os ministérios setoriais eram responsáveis pela alocação dos recursos enquanto a viabilização das ações prioritárias e os programas da Agenda Básica dispunham de conselhos de controle social nos três níveis de governo, além dos interlocutores municipais da CS1,24.

A complexidade desse arranjo institucional já se revelava na multiplicidade de atores, arenas e mecanismos criados para viabilizar o alcance dos objetivos. Por motivos como esses, aliados ao tempo de maturação que requerem as inovações organizacionais (tempo este insuficiente no caso da CS), estudos têm sinalizado limitações na implementação da proposta, tais como: a baixa visibilidade no nível local, as dificuldades de consolidação de um interlocutor municipal, limites na supervisão, na convergência e na integração das ações, bem como na transferência de recursos e na participação social25,26. Indicam também os persistentes desafios relacionados às estruturas clientelistas locais, às dificuldades de acesso dos grupos mais pobres às arenas públicas e fragilidades na autonomia decisória dessas instâncias (que prolongam a influência do executivo municipal), bem como à constituição de práticas mais cooperativas entre os atores. Contudo, sinalizam potencialidades na iniciativa de aprimorar o gerenciamento dos programas e promover uma distribuição mais eqüitativa dos bens públicos através da rede25, 27, 26.

Distinguindo–se das investigações acima citadas, o presente estudo não se propõe a avaliar a estratégia da CS como um todo e sim enfocar uma linha específica de ação, qual seja, aquela destinada a alterar o acesso desigual dos municípios e grupos populacionais mais pobres aos programas governamentais. Trata–se de analisar em que medida e como os integrantes da rede aderiram à proposta de focalização e quais os desafios enfrentados no gerenciamento da rede nos municípios do Estado do Rio de Janeiro estudados.

Cabe assinalar a relevância desta análise porquanto fornece elementos para subsidiar o acompanhamento de novas estratégias implantadas no país, como o Fome Zero, mediante o qual o Governo Lula, eleito em 2003, pretende ir além da CS. A pactuação política em torno do Sistema Único de Assistência Social, que reorganiza a gestão e o financiamento dos programas socioassistenciais no Brasil também é desafiadora, pois se processa num contexto de implementação que não difere muito do encontrado pela CS, dada a proximidade temporal entre as duas estratégias28.

O gerenciamento da rede CS: o processo de implementação

A análise da fase de implementação refere–se aos mecanismos, processos e estratégias destinados a obter a adesão dos atores à proposta da CS, desde o nível federal até o municipal, incluindo: as negociações conduzidas pela CS com os ministros e gestores dos programas; as regras institucionais para alocação dos recursos de acordo com as prioridades estabelecidas pela CS e as iniciativas do governo estadual para aprimorar as habilidades dos municípios em capturar recursos federais.

As duas principais instâncias responsáveis pela formulação e coordenação da proposta da CS foram a Secretaria Executiva (SE) e o Conselho Consultivo (CC). Seus papéis revelaram–se bastante distintos e praticamente não houve interferência mútua nem integração entre as duas funções. A SE ficou a cargo dos programas da Agenda Básica, sendo a principal responsável por construir as estratégias e incentivos para adesão dos agentes implementadores. O CC apoiou um outro conjunto de programas desenvolvidos em parceria com a sociedade civil, por considerá–los inovadores29. Conforme reiterou um representante do Conselho, a SE e o CC eram totalmente independentes. A SE lidava com programas governamentais enquanto o CC promovia o diálogo com a sociedade civil.

No nível federal, a SE orquestrou a negociação nos ministérios a fim de garantir o direcionamento dos programas para os municípios prioritários. O peso político de cada pasta facilitou ou dificultou a adesão à proposta da CS. Para alguns gestores, a CS era vista como parceira, pois se empenhava em garantir recursos para os programas da Agenda Básica. Já para outros, era uma ameaça ou um competidor potencial pelos possíveis lucros políticos das ações. A maior ou menor autonomia de cada ministério em capturar recursos do Tesouro, ou de cada gestor de programa em capturá–los do orçamento setorial, influenciou diretamente a demanda pela atuação da CS e, por conseqüência, a adesão à proposta.

Como visto, num contexto de redes os atores ganham poder de influência em função de sua importância para o alcance dos objetivos em pauta. O exercício da gerência impõe a identificação de áreas de interesse comum e pontos potenciais de coordenação, ao tempo que se fortalecem os vínculos entre os atores quando vislumbram as vantagens da concertação para ampliar as escalas de recursos disponíveis. Nessa linha explicativa, as equipes gestoras dos dois programas estudados PCDMI e PRODEA tenderam a aderir à proposta da CS, posto que, ao tornarem–se prioridade, adquiriram maior visibilidade e peso político ao interior dos respectivos ministérios. Assim mesmo, a CONAB, a cargo do PRODEA, teve sua função social reforçada quando os estoques reguladores de alimentos do governo federal, que muitas vezes eram subutilizados, furtados ou deteriorados nos armazéns, passaram a ser distribuídos através do programa, já por ocasião de sua implantação em 1993. Como resultado dessa inserção na CS, a cobertura foi significativamente expandida, fortalecendo sua projeção nacional. Quanto ao PCDMI, foi implementado no período de 1993 a 1995 em poucos municípios e sem critérios claros. Mas, a partir de 1995, ao ser incluído na CS, sua cobertura se expandiu e passaram a ser utilizados critérios técnicos (percentual de indigência combinado com dados de desnutrição) na seleção de municípios para convênios.

No entanto, a cadeia de implementação do programa se tornou mais complexa com a incorporação de novos atores às negociações com a CS, como foi o caso da integração do PCDMI ao Projeto de Redução da Mortalidade Infantil (PRMI), e conseqüente inclusão de seus gestores no processo. Essa diversificação impôs maior interdependência e, portanto, maior esforço de coordenação entre os múltiplos elos da cadeia de implantação.

Debilidades na comunicação com os gestores federais foram relatadas tanto por parte dos gestores estaduais quanto municipais. Além disto, levantamento feito nos municípios prioritários indicou que 44% dos gestores locais mantinham troca de informações esporádica com os interlocutores estaduais e 52%, uma troca freqüente30.

No que diz respeito aos instrumentos utilizados pela SE para divulgar a proposta da CS nas prefeituras, destacam–se uma cartilha sobre o papel dos parceiros, um vídeo informativo (Ofício Secretaria Executiva nº 035/ 1997; CS 1997) e um curso de capacitação31, 23. Porém, a disseminação local dessas informações foi limitada, fato refletido no desconhecimento deste material pela maior parte dos gestores municipais entrevistados, o que sinaliza a dificuldade de que subsídios deste tipo cheguem às mãos dos gestores locais dos programas.

As estratégias adotadas no nível estadual

Para facilitar o diálogo com os municípios, cada estado instituiu uma estrutura semelhante à da CS (no nível federal), ou seja, Secretaria Executiva (SE) e Conselho Consultivo (CC). Um dos indicadores do sucesso desta proposta foi a constituição espontânea de um Fórum Nacional de Interlocutores Estaduais da CS, que avaliou o processo de implementação22,30.

O Fórum não tinha periodicidade exata de reunião, mas foram realizados alguns encontros ao longo dos anos de 1996 a 1998 em diferentes cidades do país, que redundaram em cartas contendo indicações quanto aos rumos da CS. Foram destacadas como principais deficiências: dificuldades no fluxo de informações, no repasse financeiro e no monitoramento das ações locais; desarticulação entre os estados e seus municípios e entre os setores de governo em geral, além de insuficiente respaldo político dado às SE estaduais da CS por parte dos governadores e prefeitos (Fórum Nacional de Interlocutores Estaduais da CS, março e setembro 1997)32,33,34. Além disto, foi ressaltada a desarticulação entre as diretrizes da SE e do CC e as dificuldades de coordenação intersetorial.

Diante destas limitações, o Fórum propôs a criação de espaços formais de articulação entre os setores a fim de promover a convergência das ações dirigidas aos bolsões de pobreza, a par que demandou aprimorar o fluxo de informações e a capacitação dos atores envolvidos32, 35.

Apesar dessas fragilidades, houve fatores que favoreceram a adesão dos diferentes atores à proposta da CS e lhe conferiram credibilidade, como a definição de critérios técnicos na seleção dos municípios, que foi muito valorizada pelos entrevistados.

De fato, a adesão entre os níveis de governo também se deu em grande parte pela forma de trabalhar, ou seja, eliminando o critério político na seleção dos municípios [...] como os critérios técnicos eram transparentes, nem a equipe federal nem a estadual decidiam arbitrariamente os municípios que seriam incluídos [...], isto facilitou a integração entre governo federal e estadual (gestor da CS federal).

O fato da CS ter critérios técnicos diminuiu muito a pressão política; os prefeitos pressionavam, mas como os critérios técnicos eram cumpridos, isso indicava que o programa era sério (gestor da CS estadual).

A flexibilização das exigências para repasse de recursos federais também facilitou a adesão dos municípios já que as prefeituras mais pobres tinham maior dificuldade de atendê–las. No caso do PCDMI, por exemplo, exigia–se que o município tivesse o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) implantado, mas, na prática, considerou–se suficiente apenas o empenho explícito da prefeitura em implantá–lo.

Para o Ministério da Saúde não era muito importante que o município tivesse realmente SISVAN [...] eu acho que era uma tentativa de implantação do sistema. A gente pedia para vir o técnico para fazer o curso do SISVAN [...] tinha este movimento. Mas, dizer se tinha SISVAN funcionando? Isso, não (membro da equipe estadual do PCDMI).

Como será visto adiante, a fragilidade de implantação do SISVAN dificultou a captação de clientela para o programa e a avaliação do estado nutricional dos usuários da rede básica de saúde.

No entanto, a utilização de critérios técnicos na seleção de municípios impôs a coleta e sistematização de dados e evidenciou as condições sociais específicas de cada município aos olhos dos gestores, ao tempo que o papel dos profissionais de saúde se viu reforçado. O fato de deterem o conhecimento necessário para processar informações (como indicadores sociais e epidemiológicos) ampliou suas possibilidades de intervenção no processo decisório, conforme sinalizam os depoimentos seguintes.

Esta idéia, na época, de município de risco, foi uma idéia boa para tentar mudar isto. Antes, a negociação política era muito mais evidente, passava menos pelos técnicos, nós víamos o tempo todo os prefeitos e secretários circulando por aqui para negociar as coisas e nós técnicos não tínhamos acesso (membro da equipe gestora estadual do PCDMI).

Havia uma pressão muito forte em torno dos programas de alimentação e essa questão do critério do município, eles (gestores dos programas) perceberam que ajudava um pouco a dar legitimidade e credibilidade para as áreas (gestor da CS federal).

O efeito contaminante da adesão dos interlocutores estaduais à proposta da CS se revela no próprio discurso:

Os gestores federais da CS tiveram um peso muito grande sobre a gente; eles tinham muita capacidade de articular com todos os estados, com todas as coordenadorias executivas, os interlocutores, como eram chamados. Por isto, esta articulação vertical teve sucesso muito grande por conta do grupo que se formou na Secretaria Executiva Nacional que contaminou a gente e a gente contaminou o município (gestor da CS estadual).

Também nos estados os programas da Agenda Básica ficaram a cargo da Secretaria Executiva (SE), que facilitou o diálogo entre gestores locais e estaduais e mobilizou os diferentes setores do governo estadual para que fornecessem suporte técnico aos municípios. A interlocução se deu, por um lado, através do apoio técnico e da disponibilização de informação sobre os vários tipos de recursos disponíveis no governo estadual e, por outro, pelo encaminhamento de necessidades locais para os gestores estaduais. Desta forma, a SE aumentou a visibilidade dos municípios prioritários e melhorou sua capacidade de captação de recursos estaduais e federais.

Os municípios não sabiam fazer projetos, não sabiam como pedir nem o que pedir e nós procuramos aproximar os quadros técnicos do governo estadual para darem apoio técnico porque eles não tinham capacidade técnica nem de pessoal nem conhecimento (gestor da CS estadual).

Os gestores estaduais relataram que, após a CS, os municípios mais pobres se tornaram mais visíveis para o planejamento público, reforçando a importância dos critérios técnicos na alocação de recursos.

Toda hora chegava pedido do Ministério da Saúde de informações sobre estes municípios [...] eu acho que isto deu uma impulsionada na organização do serviço e na ligação com estes municípios, de conhecer mais. Então, acho que isto de certa forma deu uma sacudida no estado, que tinha na época um papel muito omisso [...] burocrático, de chegar ao final do ano, pegar lista de mortalidade dos municípios, mas trabalhava os seus dados de uma forma muito distante. Depois não, a gente tinha que ficar ligando para o município pedindo dados [...]. A partir daí se discutia com o município por que aquele grupo não está na CS se ele também está ruim? Ele não está na CS, mas pelo menos pode estar como prioridade (equipe gestora estadual do PCDMI).

Os municípios da CS passaram, portanto, a ter um tratamento diferenciado, sendo priorizados para participar de atividades de formação (como cursos sobre o SISVAN), e receber apoio técnico.

Mecanismos no nível municipal

Nos municípios estudados, não se consolidou o interlocutor local da CS. Em geral, o presidente da Comissão Municipal do PRODEA desempenhava este papel. Poucos entrevistados conheciam a proposta da CS e, em relação ao PCDMI, grande parte da equipe técnica desconhecia inclusive que o programa era prioritário. As conseqüências negativas deste fato se refletiram nos limites da rede da CS em instituir uma nova racionalidade ao curso da implementação local dos programas, fato também ressaltado por Velozzo25.

As fragilidades do processo de planejamento se fizeram sentir na própria ausência de informações no nível local que facilitassem a canalização dos programas para os segmentos mais vulneráveis. Mais ainda, a desestruturação da gestão e os limites institucionais dificultaram a captação dos beneficiários potenciais para os dois programas em pauta. Os municípios foram contemplados com um aporte de recursos (verba para compra do leite e as cestas de alimentos) que deveria ser direcionado aos beneficiários em curto espaço de tempo e um dos principais desafios era justamente identificá–los, pelas próprias fragilidades na implantação do SISVAN.

Os dois programas foram implementados paralelamente, com poucos canais de diálogo entre os setores envolvidos. Ainda que voltados para um público semelhante, em apenas um município registraram–se esforços por comparar os cadastros de beneficiários. Algum tipo de articulação intersetorial se deu em torno das atividades realizadas no dia de distribuição das cestas de alimentos, pois incluíam ações de diferentes secretarias, como aferição de pressão arterial, assessoria jurídica, etc.

Discussão e conclusões

A rede de atores constituída pela CS aproxima–se do terceiro tipo de uso referido por Marques12, considerando que define previamente uma determinada configuração institucional voltada para o objetivo de aprimorar a focalização dos programas nos grupos mais pobres. Além disto, constitui–se de forma não hierárquica, considerando a autonomia dos entes envolvidos, porém verticalizada conforme a tipologia de Mandell10, agregando atores em diferentes setores e níveis de governo e organizações sociais, e concitando adesão sob a lógica da negociação13,14. A CS no nível federal atuou como instância de coordenação e mobilização de consensos entre os integrantes da rede22, 23.

As estratégias adotadas pela CS para canalizar recursos para os segmentos mais pobres compreenderam, entre outros: a definição prévia dos parceiros que integrariam a rede; o estabelecimento de regras do jogo para promover a interdependência entre os atores; o desenho de mecanismos para minimizar conflitos e maximizar a cooperação e o fomento ao desenvolvimento local de capacidades administrativas e de uma cultura de cooperação e confiança. Contudo, tanto por todos os motivos aduzidos quanto pelo curto tempo do processo de implementação, muitos obstáculos não puderam ser superados.

Diferente de outras redes de política que se formam espontaneamente em torno de um campo de interesse, a CS foi uma rede previamente definida e, neste sentido, observou–se que um dos elos fundamentais previstos, a interlocução municipal, não se constituiu plenamente. Além disto, a conexão entre os atores deixou a desejar.

Uma primeira fragilidade originou–se da cisão entre as estratégias da Secretaria Executiva (SE) e as do Conselho Consultivo (CC), ou seja, a pretensão do CC de não se identificar com o governo e ser o braço societário da CS, deixando que a SE se ocupasse dos programas governamentais. Esta opção, aparentemente intencional, parece ter sido contraproducente no decorrer do processo de implementação. A intenção de criar uma identidade própria, dissociada do governo, foi utilizada pelo CC em parte para captar fundos privados para programas que operassem sob uma lógica diferenciada, numa tentativa de superar a imagem de uma máquina administrativa inoperante, lenta, burocratizada, pouco flexível, que não atrai investimentos privados. No entanto, ainda que o CC pudesse ser o espaço privilegiado de diálogo com a sociedade civil, a falta de integração com a SE criou lacunas de apoio aos esforços de articulação intersetorial. Essa ausência política do CC foi sentida pelos próprios interlocutores estaduais da CS, que já se ressentiam da falta de apoio dos ministros e secretários.

Se a interdependência e a cooperação entre os atores são fatores importantes para a consolidação de uma rede de políticas, conforme afirma Klijn4, na situação aludida identificaram–se fragilidades em um elo crucial para a implementação da proposta da CS como um todo. Se, por uma parte, a SE envidou esforços para maximizar os recursos do governo mediante acordos entre seus setores, por outra, o CC buscou potencializar os recursos da sociedade civil. Pode–se vislumbrar que os resultados de uma estratégia de combate à pobreza que tivesse conjugado de forma sistêmica estes dois esforços teriam sido bem mais expressivos.

A adesão dos atores à rede implicou em intercâmbios materiais e políticos envolvendo insumos programáticos, recursos financeiros e humanos, coalizões de apoio, dentre outros, de forma a estimular alianças em torno de objetivos compartilhados24. Para alguns segmentos da rede, a adesão foi bem–sucedida e vantajosa, a par que a cooperação foi motivada principalmente pelos seguintes fatores: apoio político e conseqüente visibilidade dos programas, de seus gestores e dos municípios prioritários no processo de alocação de recursos; acesso mais amplo à informação, com a conseguinte melhoria da capacidade técnica dos envolvidos e impactos no sentido de maior eqüidade distributiva. A principal estratégia da CS para obter adesão dos atores no nível federal foi a negociação caso a caso entre a SE e os gestores setoriais (ministérios e coordenadores de programas). Todavia, a adesão ocorreu na medida em que a estratégia foi considerada um meio de fortalecimento político e financeiro.

Embora as dificuldades na expansão da cobertura fossem decorrentes principalmente de questões ligadas à liberação de recursos orçamentários, os critérios técnicos para definir prioridades na alocação dos recursos existentes favoreceram a cooperação dos atores, como descrito anteriormente. No nível local, o apoio político e técnico dos interlocutores estaduais aos municípios, junto com o reforço do acesso aos recursos disponíveis, foram fatores igualmente positivos por terem conferido visibilidade a estes municípios e aumentado sua capacidade de interação política no âmbito da rede de parceiros.

Como esperado, no curso do processo nacional de descentralização, a interdependência entre os membros da rede se deu principalmente no plano vertical, de forma descendente desde o nível federal até o municipal. Os governos locais, em particular os municípios mais pobres, são fortemente dependentes das transferências de recursos técnicos e financeiros do governo federal. Neste sentido, percebe–se como a informação, enquanto um relevante recurso no processo decisório, apesar das limitações já referidas, foi administrada estrategicamente ao interior da rede de modo tal que alterou as relações de poder entre as partes. Isto ocorreu principalmente no sentido de favorecer os municípios em desvantagem frente aos demais no acesso aos recursos estaduais e federais. O acesso à informação por parte dos gestores municipais só não foi maior pelas dificuldades de diálogo ao interior do próprio governo, seja entre níveis, seja entre setores num mesmo nível. Essa constatação reforça o argumento de Hogwood e Gunn36 no sentido de que processos de implementação que envolvem diferentes atores, setores e níveis de governo são complexos por natureza e dificultam ainda mais o fluxo e a troca de informações e funções como coordenação e comunicação.

Os entraves à articulação intersetorial foram marcantes tanto no nível federal quanto estadual. No entanto, por tratar–se de um problema histórico, dificilmente a CS conseguiria, por si só e em tempo tão curto, reverter significativamente este quadro. Desta forma, percebe–se que a lógica de uma rede, enquanto um sistema interativo de comunicação que, supõe–se, deva funcionar em tempo real, está longe de ser alcançada no âmbito governamental, dados os diversos obstáculos assinalados.

Por último, é importante considerar que o deficiente monitoramento local dos programas contribui para que os recursos alocados para os municípios mais pobres nem sempre cheguem de fato à população que mais precisa deles. Neste sentido, a redistribuição de recursos de forma mais eqüitativa, sob o critério da pobreza, deve vir acompanhada de um aprimoramento dos mecanismos de acompanhamento político, gerencial e técnico do processo de implantação dos programas, junto com a adoção de instrumentos de responsabilização dos gestores pelos compromissos assumidos perante os cidadãos.

Em síntese, este estudo destaca o sucesso, ainda que parcial, da convergência dos programas para os municípios priorizados pelo critério de pobreza, bem como as estratégias adotadas pela Secretaria Executiva da CS para o alcance deste objetivo. Indica inclusive até que ponto a visão que os atores têm uns dos outros e a interdependência entre eles, de acordo com os recursos que compartilham, afetam positivamente as estratégias gerenciais no contexto da rede e conseqüentemente a possibilidade de os recursos alcançarem os grupos mais vulneráveis da população. A maior fragilidade residiu no monitoramento local do processo de implementação dos programas, fato que comprometeu o alcance dos grupos mais vulneráveis e a efetividade no uso dos recursos repassados para os municípios.

Por fim, diante das questões acima descritas, cabe destacar a importância do papel indutor do governo federal e do apoio das instâncias estaduais no curso da implementação de programas descentralizados, considerando os múltiplos desafios e fragilidades institucionais vivenciados por diversos municípios do país.

Colaboradores

L Burlandy trabalhou na concepção, pesquisa, análise e redação final. ME Labra trabalhou na concepção, análise e revisão.

Agradecimentos

A Alliance for Health Policy and Systems Research/World Health Organization, que financiou o trabalho e apoiou tecnicamente seu desenvolvimento.

Questões éticas

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz. Parecer 39/01

Artigo apresentado em 23/02/2006

Aprovado em 22/01/2007

Versão final apresentada em 14/04/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2007

Histórico

  • Aceito
    14 Abr 2007
  • Revisado
    22 Jan 2007
  • Recebido
    23 Fev 2006
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