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Prevenção do câncer de próstata na ótica do usuário portador de hipertensão e diabetes

Prevention of prostate cancer from the viewpoint of patients with arterial hypertension and diabetes mellitus

Resumos

Estudo exploratório que objetiva identificar o conhecimento do usuário sobre a prevenção do câncer de próstata. A amostra constou de cem usuários portadores de hipertensão arterial e/ou diabetes, acompanhados em uma instituição de saúde em Fortaleza (CE). Os dados foram coletados por meio de entrevista, organizados em categorias e analisados com base nas experiências dos entrevistados e na literatura selecionada. A maioria dos usuários (68%) provinha da zona rural. Desses, 53 (77,9%) procediam da capital, 53% recebiam de um a três salários mínimos mensais e a maioria (52%) iniciou o ensino fundamental. Encontrou-se que 65% nada sabiam informar sobre a prevenção do câncer de próstata. Desses últimos, nove (13,8%) fizeram o exame de prevenção. Trinta e cinco foram orientados, sendo que doze (34,2%) realizaram o procedimento preventivo. A não realização do exame estava relacionada ao déficit de conhecimento, aos preconceitos e à ausência de sintomatologia. Contudo, atribui-se esse fato à falta de educação sanitária do usuário, à atuação dos profissionais centrada nos problemas de saúde do usuário - hipertensão e/ou diabetes, e ao difícil acesso aos serviços de saúde.

Prevenção primária; Neoplasias prostáticas; Educação em saúde; Hipertensão; Diabetes melittus


This exploratory study is designed to identify user knowledge of prostate cancer prevention, in a sample consisting of 100 users with arterial hypertension and/or diabetes mellitus being treated at a healthcare facility in Fortaleza, Ceará State, Brazil. Collected through interviews, the data were organized into categories and analyzed on the basis of user experiences and selected literature. Most (68%) of the users were born in rural areas, with 53 (77.9%) of them from the State Capital; some 53% earned one to three minimum wages; with most (52%) having merely started their basic education; 65% knew nothing about prostate cancer prevention. Among the latter, nine (13.8%) had taken the prevention examination and 35 had been advised about it, with twelve (34.2%) having undergone the preventive procedure. Failure to opt for this examination was related to a lack of knowledge, prejudice and the absence of symptoms. However, this may also be due to gaps in user healthcare education, medical practitioners whose attentions are focused on other problems such as hypertension and/or diabetes mellitus, and poor access to healthcare services.

Primary prevention; Prostate neoplasms; Health education; Hypertension; Diabetes mellitus


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Prevenção do câncer de próstata na ótica do usuário portador de hipertensão e diabetes

Prevention of prostate cancer from the viewpoint of patients with arterial hypertension and diabetes mellitus

Luiza Jane Eyre de Souza VieiraI; Zélia Maria de Sousa Araújo SantosI; Fátima Luna Pinheiro LandimI; Joselany Áfio CaetanoII; Clycia de Albuquerque Sá NetaIII

IUniversidade de Fortaleza. Av. Washington Soares 1321, Edson Queiroz. 60811-905 Fortaleza CE. janeeyre@unifor.br

IIFaculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará

IIIUnidade Básica de Saúde da Família UBASF

RESUMO

Estudo exploratório que objetiva identificar o conhecimento do usuário sobre a prevenção do câncer de próstata. A amostra constou de cem usuários portadores de hipertensão arterial e/ou diabetes, acompanhados em uma instituição de saúde em Fortaleza (CE). Os dados foram coletados por meio de entrevista, organizados em categorias e analisados com base nas experiências dos entrevistados e na literatura selecionada. A maioria dos usuários (68%) provinha da zona rural. Desses, 53 (77,9%) procediam da capital, 53% recebiam de um a três salários mínimos mensais e a maioria (52%) iniciou o ensino fundamental. Encontrou-se que 65% nada sabiam informar sobre a prevenção do câncer de próstata. Desses últimos, nove (13,8%) fizeram o exame de prevenção. Trinta e cinco foram orientados, sendo que doze (34,2%) realizaram o procedimento preventivo. A não realização do exame estava relacionada ao déficit de conhecimento, aos preconceitos e à ausência de sintomatologia. Contudo, atribui-se esse fato à falta de educação sanitária do usuário, à atuação dos profissionais centrada nos problemas de saúde do usuário - hipertensão e/ou diabetes, e ao difícil acesso aos serviços de saúde.

Palavras-chave: Prevenção primária, Neoplasias prostáticas, Educação em saúde, Hipertensão, Diabetes melittus.

ABSTRACT

This exploratory study is designed to identify user knowledge of prostate cancer prevention, in a sample consisting of 100 users with arterial hypertension and/or diabetes mellitus being treated at a healthcare facility in Fortaleza, Ceará State, Brazil. Collected through interviews, the data were organized into categories and analyzed on the basis of user experiences and selected literature. Most (68%) of the users were born in rural areas, with 53 (77.9%) of them from the State Capital; some 53% earned one to three minimum wages; with most (52%) having merely started their basic education; 65% knew nothing about prostate cancer prevention. Among the latter, nine (13.8%) had taken the prevention examination and 35 had been advised about it, with twelve (34.2%) having undergone the preventive procedure. Failure to opt for this examination was related to a lack of knowledge, prejudice and the absence of symptoms. However, this may also be due to gaps in user healthcare education, medical practitioners whose attentions are focused on other problems such as hypertension and/or diabetes mellitus, and poor access to healthcare services.

Key words: Primary prevention, Prostate neoplasms, Health education, Hypertension, Diabetes mellitus.

Introdução

O câncer de próstata se tornou uma das formas de câncer mais comum na população masculina e se estima que um em cada doze homens seja diagnosticado com a doença ao longo da vida. A incidência dessa doença aumenta com o passar dos anos. Casos esporádicos são registrados em homens abaixo de 45 anos, sendo comum em homens acima dos 70 anos1.

No Brasil, sabe-se que o câncer de próstata é um grave problema de saúde pública. Segundo o Instituto Nacional de Câncer – INCA, as altas taxas de incidência e a mortalidade dessa neoplasia fazem com que o câncer de próstata seja o segundo mais comum entre a população masculina, sendo superado apenas pelo câncer de pele não-melanoma2.

Dos carcinomas da próstata, 95% são diagnosticados em homens entre 45 e 89 anos de idade, dos quais 50% desenvolvem metástases. A prevalência na sexta década de vida é de 15%, na sétima, de 30%, na oitava, 40% e, na nona, é de 50%. O diagnóstico e o tratamento precoces são estratégias para salvar vidas e diminuir os custos com saúde no país3.

O dilema do câncer de próstata é que somente uma minoria de portadores de carcinoma, não tratado, morrerá em virtude dessa doença. Mesmo assim, a prevalência do mesmo é tão alta, que a mortalidade anual só perde para a do câncer de pulmão4. A literatura retrata1 que não há outros fatores de predisposição estabelecidos para a doença, a não ser a idade, mas parece haver uma incidência maior nos descendentes de afro-caribenhos que vivem na sociedade ocidental. É provável que a etiologia da doença esteja numa combinação de fatores genéticos e ambientais.

Embora possa haver uma maior incidência de câncer de próstata nos homens que têm parentes em primeiro grau com esse problema, até hoje não se encontrou nenhum gene que possa ser responsabilizado.

Há alguns anos, o sistema público de saúde tem disponibilizado à população a realização do exame de prevenção do câncer de próstata. Porém, a demanda ainda é insignificante, possivelmente em decorrência do homem não ter hábito de buscar o serviço de saúde, nem mesmo na vigência de queixas. Quando se trata de exame dessa natureza, a adoção dessa conduta preventiva é bloqueada também pelo preconceito, além do déficit de educação sanitária da população inerente à prevenção.

Nessa linha de raciocínio, observou-se que, no atendimento ambulatorial à clientela hipertensa e/ou diabética de uma instituição pública, a maioria dos atendidos não realizava a prevenção da doença, aparentava desconhecer a etiologia e possíveis sinais e sintomas característicos, bem como a conduta para detectá-la precocemente.

Todavia, o fato mais preocupante é que muitos profissionais de saúde – enfermeiros e médicos – não orientavam esses clientes para o exame de prevenção do câncer de próstata, uma vez que esses clientes eram acompanhados sistematicamente pela equipe de saúde a fim de serem controlados os seus próprios problemas de saúde hipertensão e/ou diabetes. Além desse controle, há uma recomendação do Ministério da Saúde para a realização anual dessa conduta pela clientela com idade a partir dos 40 anos.

Hartz & Contandriopoulos5, ao discorrerem sobre a integralidade da atenção, pontuam que a integração dos cuidados consiste em uma coordenação durável das práticas clínicas direcionadas ao indivíduo que sofre com problemas de saúde, visando assegurar a continuidade e globalidade dos serviços requeridos dos diversos profissionais e organizações articuladas no tempo e no espaço, conforme os conhecimentos disponíveis.

Esse problema exige uma atenção especial dos profissionais à saúde do homem, com o sentido de adotar modelos assistenciais envolvendo estratégias educativas para a promoção da saúde e da qualidade de vida, além de se esclarecer ou incorporar em sua prática profissional as diretrizes emanadas das políticas públicas de saúde.

Este é um assunto complexo e emergente e, por esses aspectos, requer do enfermeiro uma dedicação expressiva – já que esse profissional está sempre envolvido na educação em saúde e assistência preventiva – a fim de colaborar no planejamento e avaliação da assistência a essa clientela, visando alcançar o bem-estar e melhores condições para manutenção da saúde.

A educação do paciente é uma experiência planejada e prevista para estimular mudanças em seu comportamento e em seu estado de saúde6. Por conseguinte, optou-se por direcionar a discussão para um campo de conhecimento que se descortina – saúde do homem, e, assim sendo, este trabalho teve como objetivo identificar o conhecimento do usuário de um serviço de saúde de atenção secundária em hipertensão e diabetes sobre a prevenção do câncer de próstata.

Material e métodos

A pesquisa se constituiu de um estudo exploratório, possibilitando maior aproximação com o problema da investigação. Portanto, aprofundou-se o conhecimento acerca das experiências do homem relacionadas ao exame de prevenção do câncer de próstata e a influência daquele na saúde dessa clientela, visando incrementar estratégias educativas e o impacto dessas na conduta assistencial do enfermeiro, priorizando a dimensão preventiva.

O estudo foi realizado em uma instituição pública de referência estadual em hipertensão e diabetes, situada em Fortaleza, Ceará. A população foi constituída de indivíduos do sexo masculino, os quais eram acompanhados na instituição supracitada. A amostra foi composta por cem homens com idade a partir de 40 anos, independentemente da raça, cor ou estado civil, que estavam em condições físicas e emocionais adequadas para responderem às perguntas e que aceitaram participar desta pesquisa. A idade foi um dos critérios de inclusão, em decorrência de ser limítrofe para a realização anual da prevenção do câncer de próstata, conforme recomendação do Ministério da Saúde.

Os dados foram coletados durante dois meses, através da entrevista semi-estruturada. Estes foram representados em tabelas e, posteriormente, foram cruzados com as falas, traçando-se as relações entre eles como forma de possibilitar a análise e a inferência.

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética, recebendo parecer favorável em acordo com as diretrizes da Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP.

Resultados

Caracterização sociodemográfica dos usuários

Dos usuários, 68% nasceram em outros municípios do estado do Ceará. Desses, 53% residiam em Fortaleza (CE). Entre os 32 naturais da capital do estado, dois procediam da zona rural (Tabela 1).

Entre os participantes do estudo, 53% referiram renda familiar de um a três salários mínimos mensais. Desses, 84,9% referiram ter cursado até o ensino fundamental, 29% disseram receber de quatro a sete salários mínimos mensais, sendo que 89,6% se encontravam entre aqueles que tinham uma formação do ensino fundamental ao ensino médio. Já os demais, que somaram 18%, afirmaram dispor de uma remuneração mensal acima de oito salários mínimos, sendo que desses, dezesseis (88,8%) cursaram até o ensino médio (Tabela 2).

Entre os entrevistados, nove (nove) eram solteiros. Desses, cinco tinham de 40 a 49 anos de idade e os demais, até 69 anos. Dos participantes, 85 eram casados, predominando as idades de 40 a 59 anos, e seis disseram que eram separados ou viúvos. Desses, a maioria estava com 70 anos ou mais.

Entre os participantes da pesquisa, 35 usuários afirmaram ter sido orientados sobre câncer de próstata e sua respectiva prevenção; desses, 28 confirmaram que receberam orientações de médicos e um de enfermeiro, e os demais, através de amigos que experienciaram a doença, através da mídia ou agentes de saúde. Constatou-se ainda que, entre os que foram orientados, doze realizaram o exame de prevenção, mas entre os 65 isentos de orientação, somente nove realizaram esta conduta (Tabela 3).

De acordo com a Tabela 4, os usuários realizaram o exame de prevenção até dois anos atrás, e a freqüência desses aumentou a partir dos 50 anos de idade.

Discussão

De acordo com os participantes do estudo, 68% nascidos em outros municípios do estado do Ceará migraram para a capital. Este dado condiz com o êxodo rural, prática freqüente na nossa região, em que as pessoas abandonam o campo, optando pelas grandes metrópoles em busca de melhores condições de sobrevivência e oportunidades profissionais.

O analfabetismo esteve presente em 10% dos usuários. Considera-se esse percentual elevado em nosso país, por causa do fato do Brasil estar há quase trinta anos envolvido com programas para erradicação do analfabetismo. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 1997, o número de pessoas analfabetas no país, na faixa etária de 15 anos ou mais, era de 15.883.372, o que era, nessa faixa populacional, equivalente a 14,7% dos habitantes do nosso país7.

Na identificação do conhecimento dos usuários relacionado com o exame de prevenção do câncer de próstata, aproximadamente 65% dos entrevistados nada sabiam informar, conforme é evidenciado nas falas a seguir:

"Ouvi falar que é um caroço que nasce na próstata e que pode ser devido [...] à doença venérea e que quando inflama pode obstruir fezes e urina."

"[...] Que próstata é uma doença [...] Quando estourar mata, acho que é devido bactéria".

Observou-se nos depoimentos a desinformação da clientela como sendo um fator que dificulta o acesso às medidas de promoção da saúde. No pensamento de Demo8, essa desinformação ou ignorância é a maior indignidade social que existe. Para ele, pior que a fome, é não saber que essa é inventada e imposta para preservar privilégios de uma minoria.

Estudo anterior revelou que somente 20% dos homens sabem onde fica a próstata. Essa falta de informação significa que, mesmo havendo um teste para detecção precoce facilmente disponível, em torno de 25% dos homens que têm a doença já apresentam metástase na hora do diagnóstico1.

Diante desse fato, reforça-se a relevância da prática da educação em saúde para o exercício da cidadania, que possibilita à sociedade a busca dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres. A carta magna da nação brasileira propaga que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado; entretanto, o acesso aos serviços de saúde ainda é difícil em virtude das desigualdades sociais que fomentam a origem de barreiras que dificultam, ou quando não, inviabilizam esse acesso, favorecendo uma seletividade social9.

Em face dessa situação, urge envolver a clientela no processo educativo, a fim de que sejam suscitadas mudanças de comportamento, pois a educação é instrumento de transformação social10. Não só a educação formal, escolarizada, mas toda a ação educativa que propicie a reformulação de hábitos, a aceitação de novos valores e que estimule a criatividade.

A educação em saúde é uma das atividades da promoção da saúde. Campos et al.11 afirmam-na como um campo teórico, prático e político que, em sua composição com os conceitos e as posições do movimento da Reforma Sanitária, delineia-se como uma política que deve percorrer o conjunto das ações e projetos em saúde, apresentando-se em todos os graus de complexidade da gestão e da atenção do sistema de saúde.

Tal política deve deslocar o olhar e a escuta dos profissionais de saúde da doença para os sujeitos em sua potência de criação da própria vida, objetivando assim a produção de coeficientes crescentes de autonomia durante o processo do cuidado à saúde. Portanto, deve-se haver uma política comprometida com serviços, que tenha usuários e profissionais de saúde como protagonistas no planejamento e gestão das ações de saúde.

O processo educativo utilizado em saúde visa mudanças de comportamento. Ensinar há muito deixou de ser transmitir simplesmente informações. A aprendizagem é o resultado do processo educativo. Aprender significa mudar comportamento por meio de informações e experiências10.

Entre os profissionais da equipe de saúde, o enfermeiro tem se destacado no papel de educador, uma vez que a vivência no processo educativo vem desde sua formação acadêmica. No entanto, neste estudo não se evidenciou tal fato, ou seja, a maioria dos usuários afirmou ter sido orientada por médicos. Camacho & Santos12 sugerem a procura de novos caminhos dentro do campo da enfermagem, que tem como objetivos o cuidado e o ensino, e cujo cotidiano insere o zelo constante pela vida humana.

A atuação do profissional de saúde junto à clientela é permeada pela educação, com vista à mudança de comportamentos, conseqüentemente, levando à promoção de sua saúde13.

Os motivos alegados para a realização do exame foram: idade avançada, medo da doença, experiências vivenciadas por amigos com a mesma doença, indicação médica, problemas no aparelho geniturinário ou medidas preventivas. Alguns desses foram exemplificados nas seguintes falas: " [...] porque é necessário devido à idade, e essa doença é perigosa. Por isso, o doutor mandou fazer o exame." "[...] Fiquei com medo de ter problema, além disso, meus dois amigos fizeram o exame, e não foi nada demais".

Os exames de rotina da prevenção do câncer de próstata são: a ultra-sonografia abdominal, dosagem sérica do antígeno específico prostático (PSA) e toque retal. Os entrevistados não se queixaram de nenhum desconforto relacionado à realização da ultra-sonografia abdominal e da dosagem do PSA. Entretanto, quanto ao toque retal, os clientes revelaram uma série de desconfortos: "[...] Tive vergonha no começo, mas depois passou". "[...] não gostei, doeu. O exame é horrível".

O antígeno prostático específico (PSA) não é específico do câncer de próstata. Isoladamente, o PSA pode ter um valor preditivo em torno de 30%. O PSA também se encontra elevado nos casos de prostatite aguda ou crônica, infecção do trato urinário, como também após andar de bicicleta, ou manter relações sexuais (por um período de 24 horas)14.

O toque retal é relativamente uma medida preventiva de baixo custo. No entanto, é um procedimento que mexe com o imaginário masculino, podendo até afastar inúmeros homens da prevenção do câncer de próstata. Essa recusa não ocorre necessariamente por conta da falta de informações acerca da efetividade dessa medida preventiva. Quando arrebatados pelo senso comum, homens bem informados, no mínimo, resistem a se prevenirem dessa forma2.

Ao se refletir sobre o pensamento do autor, é possível concordar que todo comportamento é aprendido15. Aprende-se a dar respostas às situações que se configuram como problemas que precisam ser solucionados, para que o homem possa sobreviver ou se desenvolver como pessoa.

Aprende-se a conviver com o agradável e o desagradável, por meio do amadurecimento, que permite a superação da postura ingênua de que podemos nos permitir selecionar somente pontos positivos de convivência vital para nossas experiências de vida. Aprende-se, enfim, a refletir sobre a realidade, buscando formas de intervenção que possibilitem a manutenção do sentido vital de realização de cada indivíduo.

Entre os motivos que impediram a realização do exame, incluem ausência de queixas, vergonha, difícil acesso, falta de tempo e desconhecimento. As falas abaixo ilustram esses motivos: "[...] nunca tive vontade e nunca tive nenhuma crise de próstata." "[...] Não sinto nada e não quero mexer no que não está incomodando." "[...] Não faço de jeito nenhum, tenho preconceito, prefiro morrer." "[...] É muito difícil marcar uma consulta no posto. A gente perde muito tempo".

Os depoimentos revelam o déficit de educação sanitária para fins de prevenção da doença e o difícil acesso ao serviço de saúde que, de certa forma, constitui uma grande barreira que separa os profissionais de saúde da clientela. Isso impede o acesso às condutas de promoção de saúde, à prevenção de doenças e de outros agravos, e às condutas terapêuticas para os desvios de saúde existentes.

Diante desse fato, reporta-se ao conceito ampliado de saúde como resultante dos modos de organização social da produção, como efeito da composição de múltiplos fatores que exigem do Estado a tomada de decisões com responsabilidade em prol de uma política de saúde integrada às demais políticas sociais e econômicas que garantam a efetivação das mesmas, além do engajamento do setor de saúde, visando condições de vida mais dignas e o exercício pleno da cidadania11.

No entanto, o acesso é focalizado, ao restringir o atendimento público a determinados serviços ou programas, e quando declararam que a universalização da atenção se traduz em um sistema segmentado e desarticulado no âmbito interno do sistema público e na cadeia organizativa do sistema como um todo16. No campo da saúde pública, é de fundamental importância a implementação, pela equipe de saúde, de discussões voltadas às práticas de educação em saúde.

A equipe de saúde, a partir de uma atitude interdisciplinar, conduz o cliente, família e comunidade a atingirem o melhor grau de saúde, por meio do diálogo e da interação efetiva. Essa última é constituída por vários profissionais de saúde com saberes específicos e independentes, mas que os integram, mantendo assim suas peculiaridades no atendimento às necessidades do cliente17.

Reforçando, o profissional deve ser um educador, transformador, emancipador e libertador, que almeje a mudança do comportamento da clientela, para que seja possível a ela atingir o melhor grau de saúde18.

Conclusão

Ao concluir este estudo, constata-se que somente 35% dos usuários foram orientados sobre o exame de prevenção do câncer de próstata, embora fossem acompanhados sistematicamente em uma instituição de saúde de referência secundária em hipertensão e diabetes. Entre esses, cerca de 50% fizeram esse exame. A não realização desse exame estava associada ao déficit de conhecimento, ao preconceito e à ausência de sintomatologia, segundo a percepção dos usuários.

Todavia, atribui-se esse fato a três fatores: falta de educação sanitária do usuário, atuação dos profissionais centrada nos problemas de saúde do usuário e difícil acesso aos serviços de saúde.

Os usuários eram atendidos para o controle dos seus problemas de saúde – hipertensão arterial e/ou diabetes mellitus – desvinculados das condutas de promoção da saúde e do bem-estar. Isto é, o atendimento era centrado na doença e não no cliente. O atendimento centrado no cliente identifica e busca a satisfação de suas necessidades, quer sejam por meio de condutas terapêuticas ou preventivas, quer sejam mediadas pelo processo de educação em saúde, o qual conduz esse cliente à autonomia nos cuidados com a saúde e ao exercício de sua cidadania.

Então, para acontecer a promoção da saúde do usuário, é imprescindível a concatenação desses três pilares – educação sanitária do usuário, atuação integralizada e interdisciplinar do profissional de saúde e a acessibilidade aos serviços de saúde.

Em face dos resultados desse estudo, destacam-se as sugestões abaixo a fim de possibilitar a promoção da saúde do usuário acompanhado em qualquer instituição de saúde: os profissionais devem planejar ações educativas, objetivando a adesão dos usuários às condutas de promoção da saúde, e devem desenvolver um atendimento integral e interdisciplinar ao usuário, visando à satisfação de suas necessidades. Além disso, sugerem-se às autoridades sanitárias que sejam promovidos programas educativos, com o intuito de conscientizar a sociedade sobre a importância da prevenção sistemática do câncer de próstata a partir dos 40 anos, e ainda que seja viabilizado aos usuários o acesso aos serviços de saúde.

Colaboradores

LJE de S Vieira, ZM de SA Santos, FLP Landim e JA Caetano participaram igualmente da concepção teórica, elaboração e redação final do texto. C de AS Neta participou do levantamento bibliográfico, coleta, organização dos dados e redação inicial do texto.

Artigo apresentado em 02/06/2005

Aprovado em 23/11/2006

Versão final apresentada em 12/01/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 2008

Histórico

  • Aceito
    12 Jan 2007
  • Revisado
    23 Nov 2006
  • Recebido
    02 Jun 2005
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