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As contradições entre o SUS universal e as transferências de recursos públicos para os planos e seguros privados de saúde

The contradictions between the universal Unified Health System and the transfer of public funds to private health plans and insurances

Resumos

Tomando como fio condutor um conjunto de tendências de mudanças no cenário das relações entre o público e o privado, o trabalho analisa os efeitos do aumento das taxas de retorno consignadas pelas empresas de planos de saúde em 2007, detendo-se especialmente nos efeitos da segmentação das demandas sobre a naturalização das iniqüidades de acesso aos serviços de saúde e desvirtuamento de conceitos originais do SUS. Nutre-se também de informações sobre a produção de conhecimentos sobre a assistência suplementar para sistematizar os fundamentos e abordagens metodológicas adotadas por um subconjunto selecionado de trabalhos científicos. Por fim, são tecidas conjecturas e hipóteses sobre as possíveis associações entre o crescimento/estabilidade do mercado de planos e seguros de saúde e a natureza da produção científica sobre o tema, considerando as contradições entre o circuito econômico-político no qual se inscrevem as empresas de planos e seguros de saúde e a universalidade do sistema de saúde brasileiro.

Relação público; Segmentação do sistema brasileiro de saúde; Regulação


Trailing the whole group of trends and changes in the scenario of relations between the public and the private, this article analyses the effects of the rise in the rates of return of health plan operators and health insurance companies in 2007. Special attention is given to the segmentation of the system, the complaints about the naturalization of inequitable access to health services and to the depreciation of the original concepts of the Unified Health System. The study also gathers information regarding the production of knowledge about supplementary care with the intent to systemize the bases and methodological approaches adopted by a selected sub-group of scientific papers. Finally, the article develops conjectures and hypotheses with regard to possible associations between growth and stability of the health plan and insurance market and as refers to the nature of scientific production about this issue, taking into consideration the contradictions between the political and economical circuit in which the health plan and insurance companies are operating and the universality of the Brazilian Health System.

Relation public; Segmentation of the Brazilian Health System; Regulation


DEBATE DEBATE

As contradições entre o SUS universal e as transferências de recursos públicos para os planos e seguros privados de saúde

The contradictions between the universal Unified Health System and the transfer of public funds to private health plans and insurances

Ligia Bahia

Instituto de Estudos de Saúde Coletiva, Laboratório de Economia Política da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro. ligiabahia@terra.com.br

RESUMO

Tomando como fio condutor um conjunto de tendências de mudanças no cenário das relações entre o público e o privado, o trabalho analisa os efeitos do aumento das taxas de retorno consignadas pelas empresas de planos de saúde em 2007, detendo-se especialmente nos efeitos da segmentação das demandas sobre a naturalização das iniqüidades de acesso aos serviços de saúde e desvirtuamento de conceitos originais do SUS. Nutre-se também de informações sobre a produção de conhecimentos sobre a assistência suplementar para sistematizar os fundamentos e abordagens metodológicas adotadas por um subconjunto selecionado de trabalhos científicos. Por fim, são tecidas conjecturas e hipóteses sobre as possíveis associações entre o crescimento/estabilidade do mercado de planos e seguros de saúde e a natureza da produção científica sobre o tema, considerando as contradições entre o circuito econômico-político no qual se inscrevem as empresas de planos e seguros de saúde e a universalidade do sistema de saúde brasileiro.

Palavras-chave: Relação público/privado, Segmentação do sistema brasileiro de saúde, Regulação

ABSTRACT

Trailing the whole group of trends and changes in the scenario of relations between the public and the private, this article analyses the effects of the rise in the rates of return of health plan operators and health insurance companies in 2007. Special attention is given to the segmentation of the system, the complaints about the naturalization of inequitable access to health services and to the depreciation of the original concepts of the Unified Health System. The study also gathers information regarding the production of knowledge about supplementary care with the intent to systemize the bases and methodological approaches adopted by a selected sub-group of scientific papers. Finally, the article develops conjectures and hypotheses with regard to possible associations between growth and stability of the health plan and insurance market and as refers to the nature of scientific production about this issue, taking into consideration the contradictions between the political and economical circuit in which the health plan and insurance companies are operating and the universality of the Brazilian Health System.

Key words: Relation public/private, Segmentation of the Brazilian Health System, Regulation

Introdução

Quem estuda ou acompanha com maior proximidade o que se passa no segmento de planos e seguros de saúde vê-se diante de três novidades. O posicionamento mais otimista de executivos e proprietários de empresas de assistência suplementar, a aceleração da produção e disseminação das informações, análises de natureza acadêmica e também de trabalhos mais marcadamente pragmáticos sobre o segmento suplementar e a elaboração e difusão de concepções, normas e programas baseados em uma versão sanitarista do cuidado gerenciado (managed care).

Essas mudanças são facilmente detectadas. O tom pessimista e alarmante das notícias sobre a iminente chegada do caos do setor público ao privado que povoaram a mídia entre o final dos anos 1990 até 2004 foi abandonado. De maneira inédita, desde 1998, porta-vozes dessas empresas declaram que suas margens de lucro são adequadas. Atualmente, ao contrário do que ocorria na década passada, dispõe-se de um acervo razoavelmente prolífico de estudos sobre o tema que envolve as relações entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro. Além disso, as expectativas de incrementar a efetividade do cuidado, sobretudo a dimensão da integralidade da atenção, no âmbito das empresas de planos e seguros de saúde, possuem ingredientes distintos das tradicionais prescrições de reordenamento das relações de financiamento, compra e prestação de serviços.

Mas a alusão conjunta a esses sinais de mudança, quer os mais facilmente dimensionáveis, quer o registro sobre o clima propício a inovações nos processos organizacionais das empresas de planos e seguros de saúde, não significa desconhecer as singularidades e a distintas naturezas dos eventos e, portanto, suas conexões a contextos econômicos e institucionais diferenciados. Tampouco implica o compromisso com afirmações sobre suas articulações ou impactos sobre as características permanentes da dinâmica e estrutura do empresariamento privado da assistência à saúde. Ao evocá-los, busca-se apenas trazer à tona elementos traçadores, mesmo que dotados de baixo poder preditivo, mas talvez úteis para iluminar a conjuntura na qual se inscreve o debate sobre as relações entre o subsistema suplementar e o SUS.

De fato, no contexto do segundo mandato Lula, a perspectiva de dimensionar a incidência desses fenômenos (ou de outras linhas de mudança) para subsidiar a análise das interfaces do subsistema privado de comercialização de planos e seguros de saúde parece bem mais promissora do que a mera reiteração dos modelos explicativos sobre os modos de organização ou das análises sobre os impasses do sistema de saúde brasileiro. Por outro lado, admitir as mudanças como fio condutor para refletir sobre o debate, a organização e a regulamentação das empresas de planos e seguros de saúde no sistema de saúde representa um desafio considerável.

Pelo menos três ordens de objeções desaconselham a iniciativa do exame conjunto de mudanças e das bases econômicas, normas e convenções que conferem suporte à comercialização dos planos e seguro de saúde. O primeiro obstáculo refere-se às dificuldades de ultrapassagem dos limites entre as abordagens mais sensíveis à captação das mudanças ou àquelas voltadas ao deslindamento das estruturas e seus encaixes. Situam-se em segundo lugar os problemas decorrentes das contestações sobre as evidências empíricas e a relevância das mudanças assinaladas, que per si seriam objeto de investigação. Adicionalmente, são notórias as distinções entre a natureza da produção de conhecimentos e divulgação da percepção das empresas que comercializam planos e seguros de saúde sobre o mercado e óbvias as diferenças de latitude e longitude dos três eventos assinalados do foco das tensões econômico-financeiras que movem o segmento. Essas restrições, às quais poderiam ser adicionados os questionamentos sobre a adequação entre a distância de um ponto de partida próximo do senso comum e, de certo modo, muito alheio às formulações disponíveis sobre as complexas interfaces público-privadas do sistema de saúde brasileiro, antecipam as tortuosidades do percurso.

Mas as trilhas mais seguras à análise do tema mercado de planos e seguros de saúde, sejam as percorridas via ênfase na dimensão sincrônica, sejam aquelas pavimentadas pelas premissas dos modelos de representação do mercado, ou nas quais acentuam-se as estruturas/instituições, da qual emanam as bases materiais e os valores que legitimam o padrão de relações entre o público e o privado na assistência médico-hospitalar, nem sempre conduzem reflexões efetivamente sistêmicas. Isso não significa desconhecer a importância da utilização de tais recortes temporais e a aplicação/adequação dos conceitos e de suas matrizes teórico-instrumentais para o mapeamento das relações entre os planos e seguros privados de saúde e o SUS.

Se as dificuldades interpostas pelos limites teórico-analíticos às análises que interliguem elementos de mudança à estrutura da assistência suplementar persistirem intactas, as lacunas do conhecimento sobre o segmento continuarão se avolumando, ou serão artificialmente preenchidas por descrições parciais de suas dimensões e funcionamento. Nesse sentido, a necessidade de avançar hipóteses, ainda que provisórias, sobre as mudanças e estrutura das interfaces públicas/privadas, estimula, a despeito das advertências em contrário, sua observação por ângulos mais sensíveis à captação dos processos em curso.

Contudo, a cautela e os limites metodológicos e mesmo o bom senso não subscrevem vôos livres. Considerando os limites e as possibilidades para subsidiar um debate sobre aumento das taxas de retorno consignado pelas empresas de planos de saúde em 2007, o incremento da produção técnico-científica de conhecimentos sobre a assistência suplementar, bem como a interpretação autóctone sobre as acepções e indicações do cuidado gerenciado, o presente trabalho, cujo caráter é eminentemente exploratório, opta por tratá-las separadamente. Apenas sua última parte contém conjecturas e hipóteses sobre as possíveis associações entre o crescimento/estabilidade do mercado de planos e seguros de saúde e a natureza da produção científica sobre o tema, considerando as contradições entre o circuito econômico-político no qual se inscrevem as empresas de planos e seguros de saúde e a universalidade do sistema de saúde brasileiro.

Da insolvência ao aumento das receitas das empresas de planos e seguros de saúde

As declarações à imprensa de empresários e executivos que atuam na assistência suplementar baseadas nas comparações do faturamento e número de contratos de 2006 com 2005 denotam uma clara tendência de crescimento de suas taxas de retorno. A propensão à obtenção de bons resultados financeiros parece abranger, inclusive, empresas de planos de saúde bastante diferenciadas quanto ao número de clientes e preços dos contratos. Por exemplo, a Medial Saúde, empresa de medicina de grupo sediada em São Paulo, com cerca de 950 mil clientes, abriu suas ações na Bolsa de Valores no ano passado e faturou em 2006 R$ 1,13 bilhão, 32% mais do 20051. A Lincx, uma empresa que contava com 17,7 mil clientes em 2006, também registrou um aumento de 27,7% em seu faturamento equivalente a R$ 81 milhões2.

Esses dados, adensados pelas informações relativas à predominância do crescimento das receitas em relação as despesas assistenciais das empresas de planos e seguros de saúde, registradas pela ANS entre 2001 e 2006, suscitam interrogações sobre as razões que justificam o alegado melhor desempenho econômico-financeiro. Entre as possíveis explicações para o sucesso de uma possível correção de rumos, no sentido estrito da eficiência dos contratos privados de planos e seguros de saúde, relacionam-se: 1) a concessão de índices de reajustes mais elevados, durante a primeira quadra do governo Lula, do que os autorizados na vigência do governo FHC; 2) os ganhos de escala decorrentes do processo de aquisição de empresas de menor porte e da verticalização; 3) a adoção de técnicas de gerenciamento da utilização e custos dos serviços de saúde.

Por sua vez, tais informações sobre os realinhamentos (seja de preços, de escala ou de consumo de serviços) divulgadas predominantemente pela mídia, de maneira descontínua e fragmentada e eminentemente centradas em fatores da oferta, seja quando referidas a características das empresas de planos e seguros, seja a rede assistencial, não respondem aos questionamentos mais gerais sobre a estabilidade do número de clientes de planos de saúde. Isto é, não levam em conta prováveis sinergias de mudanças na oferta com alterações na composição das demandas.

Com isso, a primazia dos sentidos de constatação, profecia ou marketing das informações sobre o bom desempenho econômico-financeiro do mercado de planos e seguros de saúde ou, em outros termos, a pax com a regulamentação, decretada pela pelas empresas de planos e seguros de saúde, sinaliza a instauração de um período de prolongada estabilidade.

Aplacadas ou pelo menos desativadas as tensões contábeis das empresas, os ventos, agora contrários à lógica de atendimento dos planos e seguros de saúde, sopram de outras direções. A calmaria, de quando em quando, é levemente perturbada pelas críticas dos clientes sobre os valores das mensalidades e acerca das restrições e negações de coberturas e de entidades de médicos e hospitais que reivindicam aumento nos valores de remuneração dos serviços prestados. O artigo de Ferreira Gullar intitulado "Risco de Vida3" narra percalços do atendimento de pessoas cobertas por planos privados de saúde, transpondo conflitos antes tratados apenas pelos cadernos econômicos e sessões de direito do consumidor para o espaço reservado ao "cotidiano". Contudo, a amplificação do som dos inúmeros problemas de negação, postergação de coberturas e dos preços de planos, especialmente para idosos, não chega a afetar a sensação de que "os planos privados de saúde vieram para ficar e ainda bem que não vão quebrar, mesmo que a gente tenha que pagar um pouco mais".

A conotação de cristalização da segmentação do sistema de saúde, transmitida, mesmo que não intencionalmente, pelas informações sobre a "saúde financeira" das empresas de planos e seguros de saúde, quase que suprime as dúvidas sobre a viabilidade de preservação e até ampliação do mercado de planos e seguros de saúde no Brasil. Conseqüentemente, os problemas afetos aos processos envolvidos com as relações entre o público e o privado e a compatibilidade da regulamentação com a eficiência do mercado e do SUS tornam-se ainda menos proeminentes do que no passado.

Dada a confiança na perenidade e adequada performance do "mercado", a questão da redução de custos assistenciais, que sempre foi central na agenda tecnocrática e empresarial, é elevada ao estatuto de quase exclusiva. Diante da estabilidade e até certo crescimento do mercado de planos e seguros de saúde, as perguntas sobre sua natureza, sobre quem integra suas demandas e como se organiza a oferta da comercialização de contratos e prestação de serviços parecem cada vez mais desnecessárias ou até impertinentes.

Portanto, para responder as interrogações sobre as possíveis conexões entre as mudanças nas relações entre a assistência suplementar e o SUS, é preciso executar uma dupla tarefa. Trata-se, inicialmente, de rever de que SUS estamos falando, o que rotulamos como assistência suplementar. E, complementarmente, sistematizar o que é comum e particular a ambos os subsistemas e projetá-los, para além dos surrados exemplos da utilização dos procedimentos de alto custo, remunerados por instituições públicas, por clientes de planos de saúde. Parte substancial dessas reflexões encontra-se desenvolvida, entre outros trabalhos, em dissertações de doutorado e mestrado. A consulta a essa literatura faculta a tentativa de buscar um atalho para enfatizar, no âmbito deste trabalho, apenas uma das dimensões dessas complexas relações: a naturalização das assimetrias de cobertura, acesso e utilização de serviços de saúde entre os segmentos populacionais vinculados ou não a contratos de planos e seguros de saúde.

Os papéis previstos para o SUS em face dos prognósticos sobre a vida longa dos planos e seguros de saúde

É voz corrente que o mercado de planos e seguros de saúde constitui-se a partir da escolha ou, em certos casos, do esforço de consumidores individuais. Em conseqüência, a variável que explica sua existência e tamanho é a renda familiar e individual. Segundo tal preceito, os que podem pagar optam por adquirir contratos de planos e seguros de saúde. No plano operacional, o termo "pagante" e seu antônimo "não pagante" tornam-se uma proxy das demandas do sistema de saúde brasileiro. A variação supostamente mais sofisticada dessa dicotomia, cunhada por sanitaristas, concentra a clivagem no SUS. Sob essa roupagem, as expressões "SUS dependente" e "SUS não dependente" pretendem denotar a existência de um segmento populacional que possui apenas uma alternativa assistencial e de um outro estrato que dispõe de ambas.

Apesar da sutil diferença entre os termos "pagante" e "SUS não dependente, a origem dos dois rótulos é a mesma. Trata-se de obter a equivalência dos planos e seguros de saúde privados ao SUS por meio da operação de uma brutal homogeneização de sentidos, valores e práticas que são completamente diferenciados. Para tanto, o SUS é transfigurado. Seu sentido precípuo, o de projeto institucional para a efetivação da garantia do direito à saúde, é subtraído. Resta-lhe, então, desempenhar o papel de transferir recursos e pagar serviços de saúde.

A extirpação do sentido de projeto de garantia do direito à saúde aos cidadãos brasileiros do SUS requer três etapas. Antes de tudo, generaliza-se a existência do consumidor individual livre, aquele ou aquela que decide comprar um contrato de plano ou de seguro saúde que melhor lhe convenha. Com isso, obtém-se a redução do termo SUS a uma espécie de subcontrato para os "não pagantes", ingrediente essencial para a segunda etapa: uma padronização suficientemente conveniente para erigir as interpretações sobre as origens e as justificativas para a segmentação do sistema de saúde brasileiro. O terceiro passo consiste na apropriação acrítica desses instrumentos por agentes situados em distintas instituições públicas ou privadas. O uso disseminado dessas categorias confere-lhes o estatuto de neutralidade técnica. Desse modo, o poder descritivo dessas categorias é legitimado. E, o que seria um mero artifício classificatório passa a ser assimilado como fato. Ainda que não exista um "não pagante" ou "um SUS dependente" e, a rigor, ambas as terminologias mais confundam do que esclareçam, não há dúvidas sobre seu ajuste às premissas sobre as bases individualizadas da organização do mercado de planos e seguros de saúde no Brasil.

O emprego das expressões "SUS dependentes" e "SUS não dependentes" é mais freqüente na literatura acadêmica e técnica. Em certos estudos, a "dependência" é considerada uma variável positiva, na medida em que se atribui ao SUS um efeito protetor como no aleitamento materno, realização de partos normais. Em outros trabalhos, a não vinculação aos planos e seguros de saúde, isto é, a "independência" que se evidencia favorável, como ocorre quando se dimensiona o consumo de procedimentos médico-hospitalares. Nesses casos, a transposição operacional da dicotomia dependente-não dependente, intermediada por um juízo normativo, quase sempre implícito, sobre parâmetros comportamentais e de acesso e utilização de serviços mais adequados à saúde, termina por denunciar a segmentação.

É a aplicação, pretensamente pragmática, dos termos SUS dependentes e SUS não dependentes que escancara a incorporação naturalizada das assimetrias no acesso à atenção pelas instituições públicas de saúde. O cálculo de necessidades de recursos e tendências com base no cômputo de dois segmentos populacionais (em geral o "SUS dependente") é o elemento que entrelaça as instituições de ensino e pesquisa com os órgãos executores de políticas de saúde. Construções gramaticais como "no âmbito do SUS", "relativas à população SUS dependente" reiteram a segmentação e a redefinição das responsabilidades universais do SUS.

A dicotomia "pagante" e "não pagante" é preferida pelos estabelecimentos e por determinadas instituições responsáveis pela prestação de serviços de saúde. O exemplo notório é o denominado "paciente pagante e não pagante" de hospitais públicos. Nesse caso, os termos "pagante" e "não pagante" não são antônimos, como pode parecer à primeira vista, pois ambos referem-se a atendimentos remunerados. Na prática, "não pagante" quer dizer um menor valor de pagamento do procedimento - o valor pago pela tabela do Ministério da Saúde - e o vocábulo "pagante" significa que o atendimento será remunerado pela tabela utilizada pelas empresas de planos e seguros de saúde.

No jargão das secretarias municipais e estaduais de saúde, o SUS nomina, muitas vezes, um convênio para uma demanda agregada, análogo àquele que pode ser realizado pelos prestadores de serviços com os clientes individualizados das empresas de planos e seguros de saúde. Nesse sentido, o de figura espectral do Inamps, o SUS herda o desígnio de ente federal que compra serviços, mas agora seus preços são considerados, freqüentemente, desatualizados, insuficientes. Em face da inadequação da valorização dos procedimentos e cuidados de atenção à saúde pelo "SUS", diversas cidades brasileiras complementam os valores de serviços da "tabela do SUS". Mimeticamente, estados e municípios assumem o papel de comprador de serviços. O pagamento de múltiplos da "tabela SUS", especialmente para determinados procedimentos de maior custo, bem como a transferência de recursos adicionais de recursos para instituições filantrópicas, estabelecem redes políticas e econômicas localizadas, que conectam as secretarias de saúde, prefeituras e administrações estaduais com empresas privadas e particulares de prestação de serviços e, direta ou indiretamente, com aquelas que comercializam planos de saúde.

O rebaixamento do SUS à condição de comprador de serviços elimina, quase que automaticamente, quaisquer outras ilações sobre as relações entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro que não aquelas relativas ao uso de procedimentos médicos hospitalares em estabelecimentos da rede pública. Não é por outro motivo que o acento das interfaces entre o sistema público e o privado recai sobre as atividades de alto custo/complexidade e não sobre os subsídios ao financiamento dos planos e seguros. Essa inversão oculta a evolução e aperfeiçoamento do sofisticado aparato jurídico-legal que sanciona o aporte de recursos públicos no financiamento dos planos de saúde e suas redes de serviços e mascara a vigência de uma política pública de inclusão seletiva de demandas. Hoje, as contradições do modelo de regulação corporativista subsidiado com o princípio constitucional de direito universal à saúde transbordaram das agendas de pesquisa e foram apropriadas por instituições de defesa do consumidor e autoridades governamentais. No entanto, a cada vez que o tema vem à baila, exige-se a reapresentação das evidências, das provas.

Compete aos que mencionam as políticas fiscais e os gastos do tesouro e das empresas estatais envolvidos com os planos e os seguros privados de saúde o ônus de classificá-los e contabilizá-los. Para o ano de 2005, esses gastos (considerando os de estatais selecionadas) somam pelo menos cerca de R$ 7,5 bilhões, assim distribuídos: 1) R$ 979.111,62 milhões para o financiamento de planos de saúde de servidores federais; 2) estimativa de gastos com internações identificadas de clientes de planos de saúde: aproximadamente 1 bilhão; 3) gastos tributários de pessoas físicas: R$ 1.943.016,78 bilhão e gastos tributários de pessoas jurídicas, R$ 725.171,08 milhões; 4) R$ 2.726.000 bilhões para o financiamento dos planos de trabalhadores de oito empresas estatais selecionadas (entre as quais a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica)4. Considerando-se que as receitas relacionadas com os planos de saúde podem ser estimadas em torno de R$ 39 bilhões (incluindo o gasto de oito estatais, não incluindo os valores pagos pelos empregados), poder-se ia afirmar que aproximadamente 20% dos gastos com o financiamento dos planos e seguros de saúde provêm de fontes públicas4.

Esses dados são polêmicos. Não há um consenso sobre a natureza estritamente pública dos gastos com planos de saúde das empresas estatais e também é preciso salientar que significativa parcela do imposto de renda, especialmente de pessoa física, não se refere aos gastos com planos de saúde. Mas estes cálculos talvez não sejam tão inexatos, uma vez que as deduções de cerca de 1 bilhão de reais no ano de 2005 referentes a instituições filantrópicas4, muitas das quais integram a rede de prestação de serviços de empresas de assistência suplementar, não foram incluídas. Além disso, deixou-se de computar os gastos referentes ao atendimento ambulatorial e com medicamentos para clientes de planos de saúde assistidos por estabelecimentos e serviços da rede pública, bem como os gastos dos governos estaduais, municipais e demais empresas estatais e do governo federal com a ANS.

As evidências sobre a importância do aporte de recursos públicos para os planos e seguros privados são bastante eloqüentes. Porém, não são necessariamente essas fontes de financiamento que estão associadas à boa performance das empresas de planos e seguros de saúde. Por outro lado, perante as baixas taxas de crescimento da economia e suas repercussões sobre os nichos tradicionais de conformação das demandas do mercado de assistência suplementar, é plausível supor a importância estratégica de mobilizar novas linhas de subsídios públicos para expandir as demandas por planos privados de saúde. Daí a relevância de identificar novos loci de legitimação e apoio ativo à preservação da segmentação.

Algumas pistas são bastante visíveis. A expansão do financiamento de planos de saúde para servidores públicos pelo governo federal e pelos governos estaduais e municipais expressa claramente a concordância com a utilização de recursos públicos para dinamizar as empresas privadas de planos de saúde e assim reinvesti-los na rede privada e filantrópica de prestação de serviços de saúde. Outros rastros mais sutis e menos explorados sugerem a mobilização recente de empresas estatais e federações patronais em prol da expansão do mercado de planos e seguros privados de saúde.

Desde 2004, a Diretoria Executiva da Petrobras exige que as empresas contratadas ofereçam a seus empregados a cobertura de plano de saúde, extensiva ao cônjuge ou companheiro(a) e aos filhos(as) até 21 anos de idade. A Petrobras estima que esta medida beneficiou cerca de 50 mil trabalhadores contratados, que não tinham plano de saúde5. A iniciativa da Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan) de comercializar, a partir de 2006, um plano de saúde - o Firjan Saúde, cujas relações com o sistema SESI, financiado por contribuições sociais são estreitas - denota uma dupla convicção: a disposição para contribuir com o empresariamento privado da assistência à saúde e a aposta na viabilidade financeira dos contratos com preços adequados a trabalhadores de empresas empregadoras de menor porte. A Firjan sugere ainda um caminho a ser seguido para reorientar as relações entre os programas de saúde ocupacional e os de assistência médico-hospitalar. Nota-se, em ambos os casos, que a os dirigentes empresariais, seja das estatais, seja do setor privado, se eximem de exercer qualquer tipo de influência sobre o que denominam SUS.

Todos esses indícios, embora expostos de maneira pouco articulada, convergem em torno do vetor de privatização do sistema de saúde brasileiro. O destino de uma parte considerável das inversões dos recursos públicos envolvidos com os planos e seguros de saúde é inequivocamente a remuneração de prestadores privados de serviços de saúde. Assim, o que importa destacar não é apenas o montante de recursos e sim o modo de circulação dos recursos públicos que termina por reforçar um modelo assistencial caro, fragmentado, que pode ser pouco efetivo para os que dele usufruem.

Os recursos públicos, paradoxalmente, turbinam a iniqüidade e valores extremamente individualistas. Portanto, no que concerne ao repasse de recursos públicos para os planos e seguros privados de saúde, o repertório de regulação estatal restringe-se a preservar a dimensão de seletividade de demandas, definidas por parâmetros de status sócio-ocupacional. A permanente exclusão da dimensão da universalização e necessidades de saúde, seja nas reflexões, seja na alocação destes recursos públicos, cristaliza a segmentação regulada pelo Estado.

As linhas de extensão e aprofundamento do conhecimento sobre o mercado de planos e seguros de saúde no Brasil

Até os anos 1990, o interesse pela investigação do mercado de planos e seguros de saúde era muito restrito e concentrado na área de saúde coletiva. Atualmente, o tema é objeto de pesquisa das ciências políticas, da história, das ciências atuariais, do direito, da economia e segue inspirando a produção acadêmica da saúde coletiva. A ampliação das fronteiras disciplinares e a disseminação das demandas pelo aprofundamento do conhecimento da dinâmica e estrutura da assistência suplementar impulsionaram uma agenda de pesquisas, inicialmente estimulada pela ANS, por determinadas instituições de ensino e pesquisa, entre as quais o IPEA, e instituições de defesa do consumidor (especialmente o IDEC). Hoje, a pesquisa sobre os temas afetos ao mercado de planos e seguros de saúde integra os editais de pesquisa do CNPq.

A evolução do número de teses/dissertações e a variedade de abordagens e subtemas concernentes ao mercado brasileiro de planos e seguros de saúde é expressiva. Entre os trabalhos de conclusão de mestrado e doutorado, a partir de 2000, divulgados pelas bibliotecas virtuais de duas instituições paulistas (USP e FGV SP) e duas sediadas no Rio de Janeiro (UFRJ e ENSP), catalogados por meio de palavras-chave contendo os termos simples ou combinados: plano de saúde, seguro de saúde, seguro-saúde, saúde suplementar, mercado de saúde, regulação da saúde, agência reguladora saúde, encontram-se 25 dissertações (quatro de doutorado e o restante de mestrado) e quinze de mestrado profissional.

Os oito trabalhos da UFRJ, um de doutorado, foram produzidos pelos cursos de saúde coletiva, economia, Coppead, ciência da informação, direito e comunicação e distribuem-se homogeneamente ao longos dos anos. A produção da ENSP (duas teses de doutorado, três de mestrado e catorze de mestrado profissional) concentra-se nos anos 2003 (quatro teses) e 2004 (ano de defesa das dissertações do mestrado profissional). A USP também registra oito trabalhos, sendo que cinco foram elaborados por alunos da Faculdade de Economia e Administração, incluindo um de doutorado, dois de mestrado pela Faculdade de Medicina de São Paulo e um de mestrado pela Faculdade de Odontologia de Bauru. Grande parte das teses da USP (seis, incluindo a de doutorado) foram defendidas entre 2005 e 2007. A FGV SP, no período considerado, produziu pelo menos três dissertações de mestrado acadêmico e uma de mestrado profissional.

Evidentemente, esse levantamento incompleto sobre a produção de teses deve ser encarado com muitas reservas. Outros indicadores, como a constituição de grupos de pesquisa, teriam que ser incluídos na avaliação do interesse das instituições de pesquisa sobre o tema. Ademais, a ausência de centros acadêmicos que sabidamente estão envolvidos com investigações sobre o mercado de planos e seguros de saúde, inclusive em São Paulo e no Rio de Janeiro, impede inferências definitivas sobre o perfil das dissertações sobre o tema. Todavia, não se pode deixar de assinalar que as pós-graduações de diferentes áreas de conhecimento das instituições selecionadas vêm contribuindo sistematicamente para o aprofundamento do conhecimento sobre subtemas envolvidos com o mercado de planos e seguros de saúde. Uma das principais características desse tipo de produção de conhecimentos é a amplitude do espectro dos objetos de análise e de abordagens convocadas para perscrutá-los. As teses enfocam desde as estratégias comunicacionais das empresas de assistência suplementar, avaliam os impactos sobre a abrangência e qualidade das coberturas assistenciais e os efeitos econômico-financeiros da regulamentação e propõem modelos alternativos para estimar as garantias financeiras das empresas de planos e seguros de saúde.

Outra fonte de informações a respeito das pesquisas sobre o mercado de planos e seguros de saúde é a relação de 28 convênios e contratos mantidos diretamente pela ANS ou intermediados pelo CNPq com instituições de ensino e pesquisa em 2006. Os catorze projetos financiados e demandados aos centros de pesquisa diretamente pela ANS parecem compor um espectro temático mais bem delimitado do aquele composto pelas investigações de alunos de pós-graduação e são conduzidos por grupos de pesquisadores comprovadamente experientes. Essas investigações, nas quais a ANS investiu cerca de 75% dos seus recursos destinados à pesquisa, concentram-se em torno de estudos sobre qualidade da atenção e modelos de atenção e envolvem a participação de instituições do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília e Pará. A ênfase nos aspectos assistenciais acompanha a inflexão da própria agenda da ANS, pautada pela ênfase nos aspectos econômico-financeiros durante o mandato do Serra como Ministro da Saúde e pelo programa "Qualificação da Saúde Suplementar" durante o primeiro mandato de Lula.

Os outros catorze projetos aprovados pelo CNPq, que foram contemplados com 25% dos recursos para pesquisa da ANS, originam-se de instituições situadas no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco e retomam objetos mais afetos à compreensão sobre os movimentos de reorganização das empresas de planos de saúde, priorizando abordagens sobre a competitividade, fusões e aquisições, profissionalização, previsão de solvência e a percepção de diferentes atores sobre a regulação. Incluem ainda estudos sobre atuação do Poder Judiciário frente aos problemas de negação de coberturas a aumento dos preços das mensalidades das contraprestações pecuniárias, estudos sobre as relações entre morbidade referida, inserção no mercado de trabalho e cobertura dos planos e seguros privados de saúde, a participação das empresas de assistência suplementar no processo de inovação e incorporação de tecnologia e as redes de serviços disponíveis para o atendimento de grupos populacionais específicos.

Os efeitos dessas dissertações, das pesquisas estimuladas pela ANS e por estudos epidemiológicos, que consideram as coberturas ou não de planos de saúde para avaliação de acesso e utilização de serviços de saúde, resultaram no nítido aumento do número de trabalhos científicos direta ou indiretamente referidos ao mercado de planos e seguros de saúde. Desse modo, a ampliação da literatura disponível sobre o tema permite o enriquecimento das perspectivas teóricas e metodológicas para a análise do mercado de planos e seguros de saúde.

O exame das orientações teórico-conceituais desses trabalhos exige uma dedicação específica, que ainda não foi devidamente amadurecida. A abertura de um parêntese para identificar provisoriamente as vertentes de investigação sobre o tema mercado de planos e seguros não passa de um esforço de aproximação para elaborar uma tipologia mais robusta.

Um levantamento preliminar de trabalhos publicados

Os trabalhos mais recentes sobre o mercado de planos e seguros de saúde e suas coberturas, considerados seus objetos de interesse, podem ser agrupados de maneira muito simplificada em duas vertentes. Na primeira, encontram-se os estudos voltados ao desvelamento dos atributos das demandas (indivíduos e segmentos populacionais cobertos por planos e seguros de saúde). Esses trabalhos se subdividem entre os que detalham a estratificação interna da população vinculada à assistência suplementar e aqueles sobre as relações entre as coberturas ou não por plano ou seguro de saúde e as condições de acesso e utilização de serviços de saúde. A segunda vertente é integrada pelos trabalhos dedicados à investigação da oferta, entre os quais se situam os que enfocam as empresas de planos e seguros de saúde e aqueles que priorizam os estudos sobre a rede de serviços de saúde e a organização dos modelos assistenciais.

No entanto, essa categorização excessivamente simplificadora mal resiste a uma análise superficial dos artigos registrados na base Scielo. Entre os dezessete artigos, contendo as seguintes palavras-chave: planos de saúde, planos privados de saúde, seguro saúde, seguro privado de saúde, planos e seguros privados de saúde, segmentação, regulação, relação entre o público e o privado e health insurance e que abordam a situação brasileira, oito referem-se claramente às características da demanda. Outros sete, ainda que pelo menos quatro, à golpe de marreta, poderiam ser enquadrados como referidos à oferta. Os dois restantes abordam a relação entre demanda e oferta.

Quase todos os artigos sobre a demanda apóiam-se na análise de informações sobre as coberturas por planos e seguros de saúde dos suplementos de saúde das Pnads realizadas em 1998 e em 2003 pelo IBGE, em outras pesquisas de base populacional, como a Pesquisa Mundial da Saúde, inquéritos da Fundação Seade, ou ainda em registros administrativos, como o Sistema de Informações Hospitalares, ou de empresas de planos de saúde. Além dos trabalhos de autoria de pesquisadores situados nas sub-áreas de políticas de saúde, estudos epidemiológicos, não detectados pelas palavras-chaves selecionadas, baseados em estudos populacionais6,7 evidenciam diferenças no acesso e utilização de serviços de saúde para os segmentos populacionais cobertos e não cobertos por planos de saúde.

Essas investigações compartilham o mérito da construção de uma base empírica sobre a iniqüidade gerada pela segmentação das demandas, segundo parâmetros econômico-sociais em face dos problemas e necessidades de saúde da população. Mas suas limitações são bastante decantadas. Comprimir indivíduos em categorias estreitas e o inevitável confundimento da cobertura de plano privado de saúde com a renda e a impossibilidade de extrair inferências causais de estudos transversais ou dados administrativos ocluem o caráter social de conformação dessas demandas.

Alternativamente, uma parte dos artigos, oriundos da área de saúde coletiva, que priorizam a oferta, são bem mais ambiciosos quanto à aspiração analítica. Nestes trabalhos, as instituições ou organizações que ofertam serviços ou planos de saúde são vistas como variáveis independentes, que modulam o comportamento dos agentes. Estes últimos, por sua vez, adotam estratégias, incluindo a coordenação e a cooperação para auferir maiores benefícios. A tradução mais corriqueira dessa abordagem à análise do sistema de saúde brasileiro ou apenas das empresas de planos e seguros de saúde salienta os conflitos e interações entre instituições compradoras (os terceiro pagadores - empresas de planos e seguros de saúde) e vendedores de serviços (médicos, hospitais, laboratórios) em arenas decisórias que definem a orientação e a permanência das políticas e os estilos de decisão e as intenções dos agentes. Também se encontram trabalhos inspirados nas abordagens neo-institucionalistas comparativas, cujas matrizes são mais sofisticadas.

Ao jogar luzes sobre a cadeia de instituições, agentes e interesses envolvidos com o sistema de saúde, esses estudos podem contribuir para ir à frente na análise das relações entre o público e o privado. Um problema, ainda não resolvido, por essas abordagens na área de saúde coletiva é o do script do Estado. Parte destes trabalhos atribui ao Estado um papel de coadjuvante, de intermediador, árbitro dos conflitos, regulador ou de mero comprador de serviços. O esquecimento do outro papel do Estado, o de protagonista - o de organizador do mercado - tal como proposto por Polanyi em 19448, não por acaso um economista institucionalista, confunde as cenas e o drama.

Ainda que conjugados, os esforços acadêmicos da área de saúde coletiva para analisar o mercado de planos e seguros de saúde sequer arranham o compacto edifício construído pelos utilitaristas e neo-utilitaristas. Contudo, os modelos abstratos de ajuste de curvas de oferta e demanda e de concorrência perfeita, cuja aderência aos determinantes econômicos, sociais e culturais é mínima, são os "preferidos" para "analisar" o mercado. Na esteira da "escolha" da teoria, segue-se a valorização de estudos de modelagem microeconômica dos efeitos do moral hazard e seleção adversa sobre os preços.

Tais observações referentes a parte da produção acadêmica da área de saúde coletiva, ainda que muito apressadas e superficiais, subsidiam a identificação de duas ordens de lacunas no conhecimento sobre o mercado de planos e seguros de saúde e relações entre o público e o privado. A primeira refere-se à certa incipiência no diálogo, no enfrentamento do debate teórico-conceitual entre diferentes abordagens. Um problema particular é a rarefação de pesquisadores "bilíngües" (que articulem as inferências econômico-políticos-sociais com os indicadores de saúde). A comoção com a iniqüidade vista sob os efeitos da segmentação das demandas não necessariamente contamina os pesquisadores que analisam precipuamente a oferta. Estes, por vezes, se vêem tentados a adentrar a seara de modelos genéricos de regulação. A segunda ordem de omissões concerne a precariedade, fragmentação do conhecimento sobre a origem, as trajetórias e estratégias de expansão do empresariamento privado na área de assistência e comercialização de planos e seguros de saúde. A ausência de estudos sistêmicos sobre o mapeamento dos grupos econômicos que atuam no setor saúde e suas conexões financeiras, institucionais e políticas estimula e até sanciona a elaboração de inferências absolutamente irrealistas.

Não é por menos que uma parcela das hipóteses e pressupostos sobre o mercado de planos e seguros é marcada por uma profunda ideologização. Não faltam exemplos conspícuos de equívocos acadêmicos. As previsões, quase certezas, sobre o movimento de monopolização do mercado, pelas seguradoras, mostraram-se completamente frágeis diante do crescimento das Unimeds. E as afirmações gerais sobre os problemas atuais e futuros da seleção adversa foram sacudidas pelas evidências referentes à percepção sobre o melhor estado de saúde de quem é vinculado aos planos e seguros de saúde, mas ainda teimam reaparecer vez ou outra.

As nem tão fortuitas relações entre o "desencantamento" do SUS e a reflexão acadêmica

Na medida em que as notícias sobre a estabilidade/crescimento do mercado de planos e seguros papel do Estado ignoram as conexões dessas demandas com a ampliação do escopo e escala dos subsídios públicos e parte da reflexão acadêmica mal reconhece ou dissimula o papel do Estado como agente ativo da emissão de políticas, normas, valores e recursos financeiros para preservar a segmentação, o SUS perde o "encanto". A alternativa de garantia de proteção traslada-se para um suposto mercado constituído a partir de livre escolha de consumidores no qual o Estado está ausente. Em outros casos, admite-se a necessidade de regular as falhas de concorrência deste mercado constituído por consumidores individualizados. Tais cânones colonizam uma parcela considerável da produção acadêmica, inclusive na área de saúde coletiva.

As sentenças o "mercado de planos e seguros de saúde permaneceu desregulado durante mais de quarenta anos"; "a emergência de um mercado autônomo nos anos 80"; a "capacidade regulatória do Estado é fraca"; "o fraco desempenho do mercado de planos e seguros de saúde nos anos 80 deveu-se ao baixo desempenho da economia nos anos 80", exprimem a confusa mescla das análises de conjuntura com as origens de um mercado baseado no consumidor individual e obliteram a busca de reflexões sobre as relações entre o público e o privado. Certamente, a indagação que permitiria um melhor ordenamento das idéias é: como esse mercado, que não é de bens e serviços suntuários, se expandiu na contramão das taxas de crescimento econômico? Será que alguém sustentaria que foi apenas pela adesão de indivíduos, com renda familiar suficiente para pagar o preço de uma passagem para fugir do "SUS"? Inclusive, este seria um ponto de partida mais adequado à investigação do atual fenômeno de ampliação do número absoluto de clientes e incremento das margens de retorno das empresas de planos e seguros de saúde.

As conexões entre as idéias veiculadas pela mídia e as reflexões acadêmicas não decorrem apenas de uma "baixa inteligibilidade", do embaralhamento das idéias ou de dificuldades de manejar referenciais teórico-conceituais mais potentes e sim de certa aquiescência com os modelos baseados nas leis naturais do mercado. Seria injusto deixar de mencionar não é só no Brasil que isso ocorre. Evans9, ao discorrer sobre "o seguro privado: o mito e o monstro" comprova que o plano de saúde individual, livremente escolhido por um consumidor, "seleção adversamente" orientado que compra um produto oferecido por empresas que dispõem produtos diversificados com preços distintos, "seletoras de riscos" num contexto assimetricamente informado, que induz o moral hazard, não passa de uma mistificação acadêmica. Com isso, o conceito de regulação, essencial às análises das relações entre o público e o privado, é transposto de suas origens, de análise das relações sociais fundamentais (mercantis, capital/trabalho e suas interações) para um ponto muito distante, simplesmente passa a referir a relações de compra e venda10.

Desse modo, as profundas diferenças entre intenções e objetos das acepções sobre regulação devem ser debatidas. Não se trata somente de uma escolha de dimensão espacial (micro ou macro) e sim do plano geral de que se retira o objeto. As relações entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro, vistas apenas como um trânsito de pacientes-clientes de planos de saúde por serviços públicos, e conveniados pelo Ministério e secretarias de saúde, configuram um objeto distinto, de uma análise que tenha como pano de fundo a complexa trama de mecanismos que envolvem os incentivos públicos ao financiamento, conformação das demandas e organização da oferta do subsistema suplementar. Conseqüentemente, o detalhamento do tema, o recorte do objeto, não desobrigam o reconhecimento de suas múltiplas e intrincadas dimensões.

Situam-se nessa direção, de resistência à simplificação do contexto em que se inserem as relações entre o público e o privado e foco e objetos bem delimitados, duas linhas de pesquisa. A adequação dos conceitos de clínica ampliada, integralidade do cuidado à análise da organização das redes de serviços das empresas de planos e seguros de saúde11 e a análise neo-instituiconalista dos hospitais filantrópicos12,13. As evidências sobre as renovadas relações entre o público e o privado e seus desdobramentos sobre a qualidade e integralidade e segmentação da atenção à saúde estimulam a diversificação da agenda de pesquisas sobre o tema.

Mas dado o "equilíbrio" alcançado pelo mercado, não estamos diante de uma missão fácil. Ao contrário, as declarações que associam placidamente o crescimento econômico com o do número de clientes de planos e seguros de saúde são assustadoras. O melhor a fazer seria não atrapalhar o "progresso". Tratar-se-ia de entender a "regulação" tão somente como uma espécie de coleção de diretrizes, protocolos clínicos e elaboração de indicadores de performance, descolados de sua real aplicação. Ou, em outros termos, dispor de uma permanente promessa para reduzir os custos de transação envolvidos com o negócio comercialização dos planos e seguros de saúde. E desativar o quanto antes as outras funções essenciais e tradicionais da regulação, tais como a definição de quantidades, tarifas e acesso.

Alguns sanitaristas, envolvidos com funções gerenciais e consultoria nas empresas de planos e seguros de saúde, supõem que as contradições entre um modelo de atenção desfocado das necessidades de saúde promovam uma modernização das estruturas do mercado de planos e seguros de saúde. Nos últimos meses, em quase todos os eventos em que se debate o SUS e os planos privados de saúde, surgem perguntas sobre as possibilidades das empresas de planos e seguros de saúde "incorporarem" as "tecnologias" ou o princípio de integralidade do SUS. O pressuposto subjacente a essa concepção é que as empresas de planos de saúde poderão até ampliar suas margens de retorno com a mudança do modelo de atenção. "Todos ganhariam". Desde que respeitadas as convenções (normas) sobre integralidade, seria indiferente que esse atendimento fosse realizado por este ou aquele esquema de cobertura.

A apresentação de um reequacionamento do antagonismo entre acumulação e eqüidade, pela via da integralidade do cuidado, é bastante atraente e tem substrato real. Não há dúvidas sobre o interesse das empresas de planos e seguros de saúde pelas medidas de prevenção (especialmente no que tange aos estilos de vida). Entre os inúmeros indicadores dessa tendência, situam-se a criação de postos de trabalho, cargos executivos e oportunidades de consultoria para sanitaristas. Ademais, a convergência de conhecimentos, saberes e práticas em torno da perspectiva da coordenação da melhor e mais oportuna e adequada atenção à saúde, num contexto complexo e mediado por relações financeiras, comerciais, demandas e necessidades de saúde, provavelmente subsidiará a compreensão de tramas da gestão, que ultrapassam o âmbito das empresas de planos e seguros de saúde.

Em sentido oposto, não se pode deixar de lado as evidências sobre o relativo insucesso das fórmulas do managed care. O reconhecimento das dificuldades de implementá-lo nos Estados Unidos por seus idealizadores14 desaconselha a adesão acrítica às promessas de "domesticação" da natureza curativa, especializada e fragmentadora dos cuidados intermediados pelos planos e seguros privados de saúde.

Sugestões para elaborar uma agenda de pesquisas

Não existem saídas claras para o imbróglio teórico-conceitual, econômico e sobretudo político-institucional que envolve as relações entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro. Portanto, há muito que fazer. A boa notícia é que parte da estrada já foi percorrida tanto pela estruturação da ANS, quanto pela produção acadêmica.

Esforços para reduzir a proposital desinformação sobre as relações entre o público e o privado são imprescindíveis e não podem ser delegados a pesquisadores individuais. A concepção de sistemas de informação para subsidiar a compreensão da estrutura e dinâmica do mercado de planos e seguros de saúde não pode impedir a verificação de hipóteses sobre as vantagens alocativas dos sistemas universais. É preciso dispor de dados transparentes e atualizados que permitam conectar todas as fontes de financiamento com o destino desses recursos e ainda com seus desfechos em termos de acesso, utilização de serviços e indicadores de qualidade. Outras informações, para detalhar o papel e integração das empresas de planos e seguros de saúde no complexo produtivo da saúde, são estratégicas. As irretorquíveis evidências sobre os cursos da epidemia de Aids e doenças imunopreviníveis e a universalização da cobertura suportam apenas o primeiro round do embate teórico-conceitual e político entre as distintas perspectivas de organização do sistema de saúde brasileiro.

Em relação à pesquisa, pode-se dizer que o "estado da arte" sinaliza a necessidade de uma grande abertura a perspectivas e abordagens diversificadas. A pluralidade teórico-conceitual e metodológica é bem-vinda. Como abordar objetos ainda pouco investigados? A relação de temas inexplorados é longa. Inclui desde fenômenos à "margem", como aquele sugerido pela informação que 11% dos idosos pagam médicos ou hospitais particulares, embora 24% possuam "convênio-médico e 68% utilizem serviços públicos15, até o uso de expressões como "vinculação ao plano do participante executivo ou operário", duplamente saturadas de pragmatismo contemporâneo e bastante antiquadas16. Tal compilação abrange também a emergência de novas instituições como a ANAPH (Associação Nacional de Hospitais Privados), criada em 2002, a abertura do capital de empresas de medicina de grupo em 2006, as articulações das empresas com os órgãos do Poder Executivo, os lobbies e as relações com o Poder Legislativo e o ativismo do Poder Judiciário. E uma agenda ampliada de pesquisas não poderia deixar de contemplar as indagações sobre a implementação de novos modelos assistenciais vis-à-vis a estratificação de preços e conteúdos das ações estabelecida pelos diferentes tipos de planos de saúde e pelos estabelecimentos públicos, bem como a reflexão sobre inquietações de caráter conceitual.

Perante esses objetos, os pós-modernos poderiam radicalizar a crítica aos estruturalistas e de lambuja ao "individualismo metodológico". Os pós-colonialistas e pós-modernos contribuíram para o debate sobre as concepções de regulação a partir das tensões entre as acepções de emancipação e regulação social de Boaventura dos Santos17. Mais: decifrariam os códigos estabelecidos entre ciência, direito e senso comum profundamente impregnados nas transações realizadas no mercado de planos e seguros de saúde. A expansão das fronteiras disciplinares não dispensa o aprofundamento de linhas de pesquisa baseadas em referenciais já "clássicos" na área de saúde coletiva. O estruturalismo, funcionalismo e institucionalismo em todas as suas matizes são aportes adequados à captação de totalidades, ao encontro de explicações sistêmicas e, portanto, úteis para esclarecer as relações entre mercado de trabalho, mercado de planos de saúde, mercado médico, Estado e suas instituições.

O principal argumento de defesa para dar acolhida a essas múltiplas perspectivas analíticas não é a expectativa do encontro de respostas fáceis. A mobilização de múltiplos conhecimentos, saberes e práticas bem como a ampliação do campo de normatização da regulação contribui para ressignificar as perguntas sobre as relações entre o público e o privado e respaldar o questionamento sobre os fundamentos, pouco rigorosos, da oposição mecânica entre Estado e mercado. A não admissão, a priori, da benevolência ou fraqueza do Estado e das diabruras do mercado suscita o desvendamento e a desmontagem do painel de mecanismos financeiros, legais e administrativos que redundam na formulação e execução de políticas de "proteção superior" a segmentos populacionais específicos.

Temos excelentes razões para aprimorar as informações, as concepções e o conhecimento sobre as relações entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro. A defesa do SUS universal não se fundamenta numa visão nacional-desenvolvimentista embolorada, numa utopia de sanitaristas pouco pragmáticos, já superada. As evidências sobre a ineficiência de sistemas segmentados, fragmentados, configurados a partir de múltiplos pagadores e sua especial associação com os custos crescentes abundam na literatura especializada e em determinados meios de divulgação de massa. Basta acompanhar as pesquisas, os depoimentos de americanos e as cenas de racionalização do acesso registrados pelo documentário Sicko de Michael Moore.

Há motivos mais prosaicos. O mais urgente é nos safar da armadilha de morarmos em país que foi capaz de conceber e formalizar um sistema universal de saúde e ver, a qualquer momento, a vinculação aos planos e seguros de saúde ser tomada como um indicador sensível e específico para medir o bom desempenho econômico. Oxalá, alteremos esse rumo e prumo: que a economia cresça reduzindo o descompasso entre os ritmos da natureza e da sociedade tecnologizada, que a renda seja melhor distribuída e que o direito à saúde seja viabilizado por um o SUS universal e de qualidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Out 2008
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