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O olhar do adolescente sobre saúde: um estudo de representações sociais

The look of teenagers about health: a study on social representation

Resumos

O estudo das representações sociais de saúde (RSS) elaboradas por adolescentes objetiva conceber caminhos para avaliar a implantação do Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD) no Rio de Janeiro. Baseou-se na teoria das representações sociais na sua abordagem estrutural. Foram utilizados teste de evocação de palavras e questionário com questões fechadas e abertas. Participaram 1.843 adolescentes de 12 a 18 anos distribuídos nas dez áreas programáticas municipais. Compararam-se as estruturas das RSS dos sujeitos com 12/13 e 17/18 anos. São componentes comuns do núcleo central das RSS nesses estratos: importante, alimentação, médicos e hospital; no sistema periférico: corpo e sexo. Ao se associar representações e práticas em saúde, não se quer estabelecer a crença de uma relação linear entre representações sociais e práticas, mas considerar a função reguladora das representações, um saber prático que se estrutura como um guia de opiniões, atitudes e comportamentos. Ao PROSAD cabe o desafio de fazer seus profissionais conhecerem estas RSS, valorizando mais os jovens nos serviços para discutir divergências, incorporar diferenças, explorar mais o seu potencial, criando fóruns que possibilitem aos adolescentes a discussão de seu papel como cidadãos na avaliação e reformulação dos serviços oferecidos.

Adolescentes; Saúde; Representações sociais


Studying the social representations elaborated by adolescents aims to define a purpose to evaluate the Adolescent Healthcare Program (PROSAD) in the city of Rio de Janeiro. The study is based on the Social Representation Theory using its structural approach. A word evocation test and a questionnaire with closed and open questions have been used. Participants were 1843 pupils, 12 to 18 year old from the 10 programmatic areas of the city. A comparison have been made between 12/13 and 17/18 year-old group. The study found as common components at the central core important, feeding, doctors and hospital. Common components of the peripheral system were only body and sex. By associating the representation and practices in health it is not intended to reinforce the belief about a direct relationship between social representations and practices, but to stress the regulatory function of the representation, a practical knowledge which provides a frame for opinions, attitudes and behaviors. To the PROSAD remains the challenge of demonstrating to professionals these RSS, in order to improve participation and partnership that allow to check different points of view, making service suitable to user. As well to provide forums to support adolescent to discuss their role as citizens in evaluating and reorienting the service offered.

Adolescent; Health; Social representation


TEMAS LIVRES FREE THEMES

O olhar do adolescente sobre saúde: um estudo de representações sociais

The look of teenagers about health: a study on social representation

Luiza Maria Figueira CromackI; Ivani BursztynII; Luiz Fernando Rangel TuraII

ISecretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Programa de Promoção da Saúde. Rua Professor Gabizo, 174/507. 20 271-062 Rio de Janeiro RJ. cromack@ig.com.br

IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro

RESUMO

O estudo das representações sociais de saúde (RSS) elaboradas por adolescentes objetiva conceber caminhos para avaliar a implantação do Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD) no Rio de Janeiro. Baseou-se na teoria das representações sociais na sua abordagem estrutural. Foram utilizados teste de evocação de palavras e questionário com questões fechadas e abertas. Participaram 1.843 adolescentes de 12 a 18 anos distribuídos nas dez áreas programáticas municipais. Compararam-se as estruturas das RSS dos sujeitos com 12/13 e 17/18 anos. São componentes comuns do núcleo central das RSS nesses estratos: importante, alimentação, médicos e hospital; no sistema periférico: corpo e sexo. Ao se associar representações e práticas em saúde, não se quer estabelecer a crença de uma relação linear entre representações sociais e práticas, mas considerar a função reguladora das representações, um saber prático que se estrutura como um guia de opiniões, atitudes e comportamentos. Ao PROSAD cabe o desafio de fazer seus profissionais conhecerem estas RSS, valorizando mais os jovens nos serviços para discutir divergências, incorporar diferenças, explorar mais o seu potencial, criando fóruns que possibilitem aos adolescentes a discussão de seu papel como cidadãos na avaliação e reformulação dos serviços oferecidos.

Palavras-chave: Adolescentes, Saúde, Representações sociais

ABSTRACT

Studying the social representations elaborated by adolescents aims to define a purpose to evaluate the Adolescent Healthcare Program (PROSAD) in the city of Rio de Janeiro. The study is based on the Social Representation Theory using its structural approach. A word evocation test and a questionnaire with closed and open questions have been used. Participants were 1843 pupils, 12 to 18 year old from the 10 programmatic areas of the city. A comparison have been made between 12/13 and 17/18 year-old group. The study found as common components at the central core important, feeding, doctors and hospital. Common components of the peripheral system were only body and sex. By associating the representation and practices in health it is not intended to reinforce the belief about a direct relationship between social representations and practices, but to stress the regulatory function of the representation, a practical knowledge which provides a frame for opinions, attitudes and behaviors. To the PROSAD remains the challenge of demonstrating to professionals these RSS, in order to improve participation and partnership that allow to check different points of view, making service suitable to user. As well to provide forums to support adolescent to discuss their role as citizens in evaluating and reorienting the service offered.

Key words: Adolescent, Health, Social representation

Introdução

O campo de estudo da adolescência em geral e, especificamente, da atenção à saúde do adolescente tem sido cada vez mais explorado, seja pelo aumento significativo desta população, seja por questões que a envolvem e tornam-se socialmente muito perturbadoras, tais como a gravidez, as doenças sexualmente transmissíveis (DST), incluindo a aids, ou ainda questões ligadas ao uso de drogas e violência. Contudo, estudos nestas áreas são relativamente novos, o que faz com esses temas sejam de discussão recente e, talvez por isso, polêmicos ou motivo de conflitos externos e internos1, 2, 3. No campo das representações sociais, observa-se um interesse cada vez maior pela área da saúde. Mais recentemente este interesse pela saúde agrega estudos com adolescente e, da mesma forma que ocorre em outros campos, frequentemente esse tem sido abordando como sujeito de riscos relacionados à sexualidade e às DST, especialmente, aids, gravidez e violência. Neste contexto, houve, inclusive, a exploração do conceito de vulnerabilidade ligado a suas práticas e atitudes1,4.

O presente estudo teve como objeto as representações sociais de saúde construídas por adolescentes matriculados na rede escolar municipal do Rio de Janeiro. Objetiva-se, a partir da análise destas representações, conceber caminhos para a avaliação da implantação do Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD) no município, tendo em vista serem estes adolescentes usuários em potencial do referido programa.

As representações sociais, segundo Jovchelovitch5, são processos de mediação social, que têm a ver com comunicação e a vida, constituindo-se em estratégias que os sujeitos usam para enfrentar a diversidade e mobilidade de um mundo que, embora pertença a todos, transcende a cada um individualmente. Constituem-se em um processo dinâmico, ao mesmo tempo construídas e adquiridas, uma passarela entre os mundos individual e social6.

Embora não seja um conceito oriundo da psicologia social, é nesta que se dá sua teorização; o objeto apreciado migra do campo da sociologia para a interseção indivíduo e sociedade, torna-se segundo seu autor uma psicossociologia do conhecimento7.

Moscovici8 aponta dois eixos da construção das representações sociais, o social e o simbólico. Representar é um ato de pensamento que recoloca algo ausente ou distante, é re-apresentar, tornar presente ao espírito, à consciência. A representação exprime uma relação com o objeto, a representação é sempre de algo ou de alguma coisa, recolocando-a dentro do universo de apropriação do sujeito, no que ele conhece, implica um papel ativo do sujeito, sua forma de pensar e interpretar a realidade. É tornar o não-familiar familiar, aproximá-lo do sujeito e de sua realidade.

É a partir das representações sociais que se apreende os fatos da vida cotidiana, o conhecimento do senso comum, constituído a partir de nossas experiências e saberes. É um conhecimento socialmente elaborado e partilhado e é a partir dele que atuamos9. Através dos processos de objetivação e ancoragem, as representações sociais estabelecem suas mediações. A objetivação é uma operação imaginante e estruturante, que fornece uma estrutura material às idéias, condensando significados diversos. Esta estrutura imaginante é o núcleo duro das representações sociais5. A ancoragem possibilita que a representação se articule com sua origem social. Segundo Jovchelovitc5, as representações sociais emergem desse modo como processo que ao mesmo tempo desafia e reproduz, repete e supera, que é formado, mas que também forma a vida social de uma comunidade.

Abric10 assinala que representação social é o produto e o processo de uma atividade mental pela qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real com que se confronta e lhe atribui uma significação específica. Diante deste conceito, enfatiza que o comportamento dos sujeitos depende menos das características objetivas de dada situação do que das representações sociais que se constituem no seu fator determinante.

Abric11 propôs a existência de uma organização interna dos elementos da representação social em torno de um núcleo central, constituindo-se este, por sua vez, de elementos que dão à representação o seu significado. Em torno desse núcleo, organizam-se elementos periféricos—sistema periférico—, complemento indispensável que promove a interface entre a realidade concreta e o sistema central, atualizando-o e contextualizando-o constantemente, daí resultando sua mobilidade e flexibilidade, permitindo a expressão individualizada e tornando possível que a representação social se ancore na realidade do momento.

Abric12 sintetizou as características e funções dos sistemas da forma seguinte: o sistema central é ligado à memória coletiva e à história do grupo, é consensual, define a homogeneidade do grupo, é estável, coerente, rígido, resistente à mudança, pouco sensível ao contexto imediato, gera a significação da representação social e determina sua organização. O sistema periférico permite a integração das experiências e histórias individuais, suporta a heterogeneidade e as contradições do grupo, é flexível, evolutivo, sensível ao contexto imediato, permite a adaptação à realidade concreta, a diferenciação do conteúdo, protege o sistema central.

Assim, a identificação dos possíveis elementos dos sistemas central e periférico das representações sociais de saúde elaboradas pelos adolescentes poderá propiciar a aproximação com a forma como esta se adapta ao contexto imediato desses jovens, usuários do PROSAD do Rio de Janeiro. Tal fato poderá trazer subsídios à avaliação da implantação e planejamento de ações futuras do referido programa.

Procedimentos metodológicos

A rede municipal de saúde do Rio de Janeiro conta com 97 unidades básicas (UBS), distribuídas em dez áreas programáticas (AP)13. Em cada AP, foi selecionada uma UBS em que o PROSAD já estava em processo de implantação e, tendo por base esta unidade, foram selecionadas duas escolas públicas, uma considerada "parceira" e outra "não parceira" da UBS. Esta parceria foi definida pela existência de algum tipo de trabalho conjunto entre a escola e a UBS. Assim, a pesquisa foi desenvolvida em vinte escolas, totalizando 1843 sujeitos de 14 a 18 anos.

Optou-se por trabalhar com a totalidade dos alunos de cada turma, visando minimizar a interferência na rotina escolar, contribuindo para a maior motivação dos sujeitos. Ao chegar às escolas, os pesquisadores esclareciam às turmas de alunos e aos profissionais presentes os objetivos da pesquisa, o caráter facultativo da participação, colocando-se disponíveis para esclarecer possíveis dúvidas. Como o tema abordado estava muito próximo ao universo dos alunos, estes se mostraram bastante colaborativos.

O instrumento de coleta de dados continha um teste de evocação livre de palavras (TEP)12, 14, 15 e perguntas abertas e fechadas com o objetivo de identificar o perfil sociodemográfico dos adolescentes e suas formas de interação com o tema e o serviço de saúde, objetivando contextualizar a análise das representações sociais. Este instrumento foi auto-preenchido, sendo que o TEP era efetuado com um breve treinamento com outros termos indutores, diferentes daquele a ser pesquisado16. Foi utilizado como termo indutor saúde, ou seja, era solicitado aos alunos que anotassem as quatro primeiras palavras que lhe vinham à cabeça ao ouvir a palavra saúde.

A análise dos resultados do TEP foi efetuada por meio da categorização das palavras evocadas com o auxílio do software EVOC, que possibilitou a classificação segundo as freqüências e ordem média de evocação. O perfil sociodemográfico dos sujeitos foi obtido a partir da análise das perguntas fechadas com o auxílio do software Epi Info 6.4c. Os resultados parciais foram sendo discutidos com as unidades envolvidas, fato que contribuiu, de forma importante, para a interpretação dos resultados obtidos.

Esta pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ. Foram observadas as exigências vigentes sobre pesquisas envolvendo seres humanos, atentando-se para os cuidados metodológicos relativos aos princípios éticos, incluindo-se a relevância social, a viabilidade, a preservação da confidencialidade dos dados e a beneficência e maleficência do processo de investigação17.

Cabe destacar, ainda, que este trabalho se insere dentro de um projeto maior desenvolvido pela Gerência do Programa de Saúde do Adolescente da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, o Projeto de Indicadores de Saúde e Desenvolvimento de Adolescentes e Jovens, uma parceria entre a Organização Mundial de Saúde e o UNICEF, que o envolveu sete países18.

Resultados e discussão

Optou-se por analisar os resultados a partir da comparação dos extremos de idades envolvidas, ou seja, trabalhou-se com o grupo etário de 11 /12 anos e 17 /18 anos. Desta forma, buscou-se, dentro da imensa gama de diferenças que podem existir na faixa de idade que envolve a adolescência, observar melhor possíveis pontos em comum e diversos entre a faixa etária mais próxima ao início da adolescência e outra a seu final. Os dados foram analisados e comparados em relação a estes dois grupos.

Os grupos estudados eram constituídos, em sua maioria, por meninas (55%), ainda no ensino fundamental (62%), constatando-se um número expressivo cursando a quarta série ou em turma de aceleração (5,6%), mostrando a flagrante defasagem idade/série. Um pequeno contingente (1,3%) informou ser casada/o ou ter companheira/o, fato que também está de acordo com o perfil dos adolescentes que freqüentam os serviços públicos de saúde nessa cidade. Cerca de 9% referiram exercer algum tipo de atividade de trabalho, a maioria relacionada a serviços domésticos, na própria família ou em outra, ou de comércio. Este perfil dos participantes deste estudo corresponde àquele dos adolescentes que buscam as unidades de saúde municipais referidos por Ruzany3.

O TEP foi respondido por 1.828 dos 1.843 sujeitos de 12 a 18 anos, totalizando 5.941 evocações. Destas, as dez que obtiveram maior freqüência, correspondendo a 67,4% do total (4.005 evocações) foram: importante (595), alimentação (456), médico (454), vida (446), doença (394), serviço de saúde deficiente (384), remédio (336), higiene (270) e cuidado (268).

Foi possível, a partir da análise das categorias evocadas e da sua ordem de evocação, construir um quadro que incluísse estas variáveis a fim de permitir melhor visibilidade destes resultados. Foram verificadas também as freqüências das evocações em cada uma das quatro posições, ou seja, realizado o somatório das freqüências em que a palavra foi evocada em cada posição.

A seguir, verificou-se, além da freqüência, a ordem média de evocação de cada uma destas categorias. A ordem média de evocação é obtida ponderando-se com peso 1 a evocação realizada em primeiro lugar, com peso 2 aquela realizada em segundo lugar e assim sucessivamente, com tantos índices de ponderação quanto for o número de associações solicitadas, no caso quatro. O somatório destes resultados, dividido pelo somatório das freqüências da categoria citada nas diversas posições, apontará a ordem de evocação da palavra15,19. A partir da média aritmética da ordem de evocação de cada palavra, chega-se à ordem média de evocação. Com a interseção destes dois dados, freqüência e ordem média de evocação, foi possível construir um diagrama em que os elementos são distribuídos em quatro quadrantes. Sendo o eixo vertical referente à ordem média de evocação, desta forma elementos com ordem média de evocação menor ficarão nos quadrantes à esquerda e elementos com ordem média de evocação maior ficarão à direita. O eixo horizontal refere-se à freqüência de evocação, estando nos quadrantes superiores aqueles com freqüências de evocação mais elevadas.

A fim de construir-se o diagrama mencionado, foi calculada a freqüência média de evocação e a média das ordens médias de evocação, os valores obtidos foram respectivamente 68 e 2,5 para o grupo etário de 12/13 anos (N=541) e 54 e 2,5 para o grupo de 17/18 anos (N=367). Assim estes valores correspondem aos eixos vertical e horizontal. O diagrama construído, a partir destes valores, apresenta em seu quadrante superior esquerdo os elementos mais freqüentemente evocados (freqüência maior ou igual a 68 ou 54) e com ordem média de evocação menor, ou seja, mais prontamente evocados (ordem média de evocação menor que 2,5); estes elementos provavelmente participam do núcleo central da representação social. No quadrante inferior direito situam-se, opostamente, aqueles elementos evocados com menor freqüência (menor que 68 e 54) e mais tardiamente (ordem média de evocação maior ou igual a 2,5), provavelmente integrantes do núcleo periférico. Os elementos situados nos outros quadrantes exigem uma interpretação menos direta; considerando a relação de proximidade que estabelecem com o núcleo central, são relacionados a certa instabilidade que é própria da representação15. Foram construídos dois diagramas conforme os grupos etários de 12/13 anos e 17/18 anos.

Observam-se elementos comuns que integram o núcleo central (estão no quadrante superior esquerdo dos diagramas): alimentação, hospital, importante e médico. No grupo etário de 17/18 anos, aparece também como elemento do núcleo central sistema de saúde deficiente. E no de 12/13 anos, doença, felicidade e vida.

São elementos comuns aos dois grupos que possivelmente compõem o núcleo periférico (situam-se no quadrante inferior direito do diagrama): corpo e sexo. Sendo que elementos relacionados à prevenção, tais como prevenção e educação e camisinha e preocupação também aparecem, os primeiros no grupo de 17/18 anos e os seguintes no grupo de 12/13 anos.

Ao encontrarem-se como elementos do núcleo central importante, alimentação e médico, é possível perceber o destaque que o tema saúde tem nos dias atuais para o adolescente, representado nos elementos: importante, felicidade e vida, reforçado por estes dois últimos elementos no grupo etário de 12/13 anos. O adolescente está constantemente submetido a mensagens sobre o assunto e foco de uma série de ações, seja no âmbito da família, escola, serviço de saúde ou trabalho. Além do que, considerando-se o núcleo central como aquele mais arraigado à memória coletiva e à história do grupo, compreende-se a ligação de importante com saúde.

Já o elemento alimentação demonstra a preocupação positiva do adolescente em relação a sua saúde, algo intrinsecamente mais ligado à vida e da qual ele pode cuidar, ao cuidar de seu corpo através da alimentação. Tal fato também traz a ligação histórica desse elemento através das mensagens de quem cuida do adolescente (pais, avós, etc.) quando se dá destaque à relevância da alimentação adequada para a manutenção ou obtenção de uma boa saúde. Hospital traz a ligação imediata do tema saúde com a doença, remontando à própria concepção inicial na construção da saúde, a partir da qual esta seria a ausência de doenças. A importância do elemento médico, provavelmente representando os profissionais de saúde, já que classicamente os médicos ocupam um papel de destaque na visão da clientela do sistema de saúde, traz consigo a possibilidade de reflexão para os próprios profissionais do papel de destaque atribuído a eles, pelos próprios adolescentes, na construção da relação adolescente-serviço público de saúde.

Encontram-se como elementos de destaque, comuns aos dois grupos: corpo e sexo. Entendendo o núcleo periférico como aquele que permite a integração das experiências e histórias individuais e que permite a adaptação à realidade concreta, percebe-se o adolescente relacionando a saúde com seu corpo em transição e o início de sua vida sexual. A atenção com as doenças sexualmente transmissíveis e a aids também parece estar presente em ambos os grupos. No primeiro (12/13 anos), nos elementos camisinha e preocupação e no grupo de 17/18 anos com os elementos educação e prevenção.

Destaca-se o grande número de elementos presentes como prováveis elementos do núcleo periférico do grupo etário de 12/13 anos ao compará-lo com o outro grupo. O elemento amor aparece com elevada freqüência, também presente o elemento carinho, apontando uma visão romântica deste grupo quanto à saúde, elementos que não aparecem no grupo de 17/18 anos.

Fazendo parte do núcleo periférico do grupo etário de 12/13 anos, encontram-se ainda os elementos atividades físicas e lazer, mostrando de forma bastante interessante como o adolescente reconhece, nos dias de hoje, a importância das ações de prevenção de doenças e promoção da saúde. Desta forma, destacam práticas do cotidiano que podem depender, apenas, da disposição e disciplina individuais, mas, também, podem ser tratadas como mercadorias de consumo menos acessíveis, a partir do culto às academias, veiculado pela mídia.

É interessante notar que o elemento sistema de saúde deficiente encontra-se no sistema periférico do grupo etário de 12/13 anos e no sistema central do grupo etário de 17/18 anos. Ou seja, para os mais velhos, o sistema de saúde deficiente é algo mais consensual, mais rígido, ligado à história das vivências deste grupo, enquanto para os mais novos é algo ainda flexível, em evolução, que permite contradições.

Considerando que Abric10 assinala que "a representação é um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação" e afirma a sua interdeterminação pelo sujeito, pelo sistema social e ideológico em que este vive, é interessante observar que a atitude positiva do adolescente em relação à saúde parece de alguma forma distante daquela que classicamente os serviços de saúde voltados para os adolescentes adotam quando insistem em vê-los, não como sujeito de riscos, mas muitas vezes como o próprio risco.

Corroborando esta análise, vale lembrar que Kuschnir20, ao estudar os documentos oficiais que falam de saúde do adolescente e risco, constatou que há: "[...] uma percepção de negatividade que partem para justificar controlá-los, arrogando-se a autoridade de indicar-lhes o caminho a seguir, através, de um lado da administração/medicalização eficaz de seus corpos e, de outro da ilusão de serem capazes de ditar as regras de construção da ambiência social que os deve cercar. Controlar, portanto, os fatores de risco significa controlar o próprio adolescente, moldá-lo a uma pré-concepção[...]".

Para Winnicott21, uma parte importante da avaliação de saúde é que "um adolescente não deve ser curado como se fosse um doente".

A atitude positiva dos adolescentes em relação à saúde, a princípio não pensando em risco, aparece bem mais claramente nos elementos do sistema periférico do grupo etário de 17/18 anos: corpo, educação, exame, felicidade, prevenção, saudável e sexo. Elementos que apontam para a integração com suas experiências individuais atuais, sensível ao contexto imediato que vivenciam (corpo, felicidade, saudável, sexo), de iniciação da vida sexual lançando mão de instrumentos de cuidados com sua saúde (educação, exame, prevenção). No sistema periférico do grupo etário de 12/13 anos - como já mencionado - surgem elementos positivos de conotação mais romântica: amor, carinho, elementos correlatos ao outro grupo, que indica corpo, sexo, camisinha. E surgem alguns elementos que mostram sua apreensão em relação ao vivido ou ao que está por ser vivido: preocupação e morte. Talvez porque este grupo esteja pensando nas modificações da adolescência que se inicia, diferentemente do outro grupo que já é mais velho, já tendo vivenciado diversas experiências, que para o grupo de 12/13 anos ainda são pouco comuns e, portanto, trazem medo.

Flament22 assinala que o núcleo periférico "assegura o funcionamento quase instantâneo da representação como grade de decodificação de uma situação". Quando se encontram no sistema periférico atividades físicas,corpo,sexo,educação e prevenção, percebe-se que as informações recentemente veiculadas pelos serviços de saúde quanto à prevenção de DST e aids e aquilo que a mídia veicula como a valorização das atividades físicas influenciaram na organização do sistema periférico da representação social de saúde dos adolescentes.

Uma preocupação para Abric10 é a forma como estas representações são organizadas e quais os fatores que determinam esta organização e sua eventual transformação, posto que serão determinantes de comportamentos e práticas a serem adotadas. Cabe, então, destacar que, ao se associar representações e práticas em saúde, não se intenciona estabelecer a crença em uma relação linear entre representações sociais e práticas, mas considerar a função reguladora das representações sociais, que se apresentam como um saber prático que se estrutura como um guia de opiniões, atitudes e comportamentos16,23. Desta forma, depreende-se a importância de seu conhecimento quando da estruturação das estratégias do PROSAD, bem como da avaliação das mesmas.

Considerações finais

Inicialmente, é interessante notar o perfil do adolescente usuário dos serviços de saúde, perfil este que nem sempre está em consonância com o pensado pelos profissionais de saúde. A maioria ainda não tem um parceiro fixo e muitos já desenvolvem alguma atividade laborativa, ainda que no âmbito doméstico.

Os diferentes sentidos atribuídos pelos sujeitos ao objeto caracterizam diferentes subjetividades sociais marcadas pelo contexto histórico e cultural desses adolescentes e isso contribui para a construção de diferentes formas de relações sociais que se estabelecem na busca da atenção integral à saúde do adolescente.

Encontrou-se em comum no núcleo central das representações sociais dos dois grupos comparados importante, mostrando a valorização do tema para esses adolescentes; médico, apontando o papel de destaque que eles conferem a esses profissionais em relação à saúde e alimentação, destacando de forma positiva o olhar que têm sobre sua saúde, relacionando-a a algo que está sob seu controle, da qual ele pode cuidar tratando de seu corpo com uma "alimentação adequada".

Observou-se também como elementos comuns dos sistemas periféricos das representações sociais dos adolescentes corpo e sexo, destacando a importância destes dois elementos na elaboração e desenvolvimento de programas e ações voltadas para a saúde do adolescente.

Nos elementos prevenção, educação, exame e preocupação, percebe-se também nos dois grupos a atenção com a prevenção de doenças, apontando também possibilidades de caminhos a serem percorridos pelo PROSAD.

Numa observação geral da leitura das evocações realizadas pelos adolescentes, percebe-se um enfoque mais positivo em relação à saúde. Embora elementos como hospital, doença, ambulância apareçam, em momento algum o risco, tão falado pelos profissionais de saúde, foi explicitado. Contudo, outros elementos com conotação positiva foram observados: paz, amor, saudável, carinho, alegria, vida, atividades físicas, lazer, alimentação, mostrando possíveis linhas de diálogo a serem exploradas entre o PROSAD e os adolescentes, talvez mudando um pouco o enfoque de risco e de vulnerabilidade que muitas vezes afeta os adolescentes, tendo visto que não é desta forma que percebem a saúde.

Percebe-se o campo das representações sociais um campo fértil, ainda a ser mais explorado para trabalhos na área de saúde do adolescente, pois poucos são os trabalhos voltados ao estudo das representações sociais de adolescentes. Estes estudos podem fornecer informações aos serviços de saúde, contribuindo para a definição de estratégias efetivas dirigidas à captação e fixação destes adolescentes às ações do programa, integrando-os na construção e avaliação do PROSAD.

Cabe destacar que, ao se associar representações e práticas em saúde, não se intenciona levar a crer na existência de uma relação linear entre representações sociais e práticas, mas considerar que sendo as representações um saber prático, este se estrutura como um guia de comportamentos e atitudes. Desta forma, depreende-se a importância de seu conhecimento quando da estruturação das estratégias do PROSAD, bem como da avaliação das mesmas.

Colaboradores

LMF Cromack, I Bursztyn e LFR Tura participaram igualmente de todas as etapas da elaboração do artigo.

Artigo apresentado em 11/12/2006

Aprovado em 26/01/2007

Versão final apresentada em 05/04/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2006
  • Aceito
    26 Jan 2007
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