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Problemas de saúde mental em crianças: abordagem na atenção básica

RESENHAS BOOK REVIEW

Liana Furtado Ximenes; Renata Pires Pesce

Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz

Lauridsen-Ribeiro E, Tanaka OY. Problemas de saúde mental em crianças: abordagem na atenção básica. São Paulo: Annablume; 2005. 140 p.

Passamos por um momento em que a dificuldade da atenção às crianças brasileiras na área de saúde mental é cada vez mais necessária. É preocupante a falta de serviços e especialistas na área de saúde mental infantil, no Brasil, fato que contribui para que os profissionais de saúde de maneira geral tenham grande dificuldade para encaminhar crianças com algum tipo de dificuldade emocional. Os poucos serviços existentes possuem longas filas de espera e nem sempre as crianças recebem assistência adequada.

Edith Lauridsen-Ribeiro e Oswaldo Tanaka retratam todo este cenário no livro "Problemas de saúde mental das crianças: abordagem da atenção básica", abordando a atuação dos profissionais de saúde da atenção básica junto às crianças com problemas de saúde mental. Os autores tentam responder nesse livro questões cruciais como: os pediatras e outros profissionais conseguem reconhecer problemas de saúde mental em crianças? Qual seria o papel do pediatra na atenção com crianças com problemas de saúde mental? Eles estão preparados para tal tarefa?

O livro surgiu a partir de uma tese de doutorado realizada na Faculdade Saúde Pública da Universidade de São Paulo, defendida por Edith Lauridsen-Ribeiro, sob a orientação de Oswaldo Tanaka. Edith Lauridsen-Ribeiro é médica psiquiatra (infantil) da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e vem discutindo o papel da atenção à saúde mental infantil desde o mestrado, na mesma instituição. Oswaldo Tanaka é professor titular da Universidade de São Paulo, chefe do Departamento de Prática de Saúde Pública da mesma instituição e trabalha com pesquisas sobre saúde pública, discutindo temas como atenção básica, avaliação de serviços de saúde, Sistema Único de Saúde, dentre outros.

O trabalho de pesquisa descrito no livro foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), situada na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Foram sujeitos da pesquisa pais e responsáveis de crianças de idade entre 5 anos e 11 anos e 11 meses, além dos pediatras do serviço. Foram utilizados métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa. Os instrumentos utilizados foram escalas de rastreamento de queixas e problemas de comportamento, análise de prontuários, visita domiciliar e aplicação de questionários dirigidos aos pais sobre as preocupações relativas às dificuldades dos filhos e de descrição de comportamentos da criança, além de entrevistas semi-estruturadas com os pediatras da UBS.

O livro é dividido em uma introdução, três capítulos e uma seção com comentários finais. A parte inicial traz algumas considerações preliminares, como o crescimento histórico da identificação de doenças crônicas, violências e transtornos psicossociais pelos serviços de saúde, adversidades cada vez mais presentes no cotidiano da atenção básica em nosso país. Como a atenção básica tem o objetivo de levar à população práticas preventivas e de vidas mais saudáveis, discute-se ainda nesta seção de que forma profissionais como pediatras, clínicos gerais, enfermeiros e aqueles vinculados ao Programa de Saúde da Família podem ter papel fundamental na identificação e atenção às queixas e sintomas da área da saúde mental. Nesta seção do livro, também se apresentam os objetivos do trabalho e aspectos metodológicos do mesmo.

No capítulo 1- "O contexto" -, são trazidos aspectos epidemiológicos dos transtornos mentais em crianças e é feita uma análise sobre os serviços dirigidos a este público. Os autores apresentam uma revisão da literatura internacional e nacional sobre as taxas de prevalência de transtornos mentais na população adulta e infantil, discutindo cuidados metodológicos que devem ser tomados ao realizar estudos epidemiológicos sobre transtornos mentais na infância e adolescência. Também refletem sobre a grande variedade de taxas encontradas nas diferentes pesquisas, fato que ocorreria devido ao uso de diferentes instrumentos e critérios diagnósticos pelos estudiosos da área.

No mesmo capítulo, os autores analisam a atuação dos profissionais e do Sistema de Saúde diante de problemas de saúde mental de crianças e adolescentes, a partir da literatura científica da área. Apontam que as pesquisas, políticas e práticas de atenção à saúde mental são mais voltadas para a população adulta e para o movimento de luta anti-manicomial, enquanto aquelas dirigidas para crianças e adolescentes continuam escassas. O papel dos pediatras, e de outros profissionais da atenção básica, é analisado, sendo apontadas inúmeras deficiências nesta atuação, tais como: dificuldade de identificação precoce dos problemas de saúde mental em crianças, pouca valorização deste tipo de queixa e deficiências na formação profissional para a detecção de transtornos mentais.

No capítulo 2 - "Atenção básica e detecção dos problemas de saúde mental das crianças"-, são apresentados os resultados da análise de prontuários médicos do setor de pediatria da UBS e resultados dos testes aplicados aos pais e responsáveis sobre problemas de saúde mental nas crianças. Os autores realizaram análises de sensibilidade e especificidade da capacidade de detecção do pediatra de problemas de saúde mental em crianças e constatam baixa sensibilidade de detecção dos pediatras em relação aos transtornos de saúde mental. Discutem o fato de que muitos pais não costumam realizar queixas da área de saúde mental aos pediatras, o que pode ocorrer devido à falta de busca ativa dos pediatras quanto a este tipo de problema. Sinalizam para a importância de se criar um ambiente propício para o reconhecimento dos agravos emocionais de crianças.

O capítulo 3, "A voz dos pediatras", apresenta a análise de entrevistas realizadas com onze destes profissionais. São mostrados dados sobre a concepção dos pediatras sobre os problemas de saúde mental, como se dá o reconhecimento destes problemas, os tipos de problemas encontrados e as ações dos pediatras frente a queixas relacionadas à saúde mental. São descritos os sentimentos dos pediatras quando o atendimento rotineiro está relacionado à alguma queixa emocional e são, ainda, apresentadas propostas de mudanças neste sentido, segundo os médicos entrevistados.

Mostra-se ainda que os pediatras, muitas vezes, desconhecem possibilidades de intervenção com crianças que apresentam algum tipo de problema emocional e que certos atos, como ouvir mais a família, conversar com a criança, entre outros são considerados como não científicos, remetidos ao senso comum. Uma frase citada por um dos médicos entrevistados ilustra bem esta questão: "quando a gente entra nesse campo parece que a gente não é mais médico" (página 111). Os pediatras apresentaram um certo descrédito quanto aos serviços de saúde mental, por serem pouco numerosos, apresentarem número insuficiente de vagas, além de serem desconhecidos e pouco confiáveis em relação ao trabalho oferecido.

Por fim, os autores apresentam os principais resultados e conclusões do trabalho de pesquisa. É apontado a necessidade de mudança da formação profissional do médico, visando melhorar o diagnóstico precoce e o os encaminhamentos devidos.

O destaque do livro é trazer reflexão sobre o papel dos profissionais de saúde, sem formação específica na área de saúde mental, junto às crianças com problemas de saúde mental e seus familiares. Ana Pitta, ao prefaciar o livro escreve:

[...]é uma oportunidade nova de estimular leigos, a coletividade "psi" e "não psi", que o sofrimento psíquico de crianças e de seus pais e familiares é tão urgente e disseminado que não pode ser delegado apenas aos raros especialistas, de que tão raros terminam conhecendo pouco o que de fato está acontecendo com as crianças nos diferentes cantos, comunidades, lares... onde estão chegando as equipes de saúde da família.

Desta forma, o livro é dirigido para profissionais de saúde de maneira geral, sendo um convite para a reflexão sobre a questão da saúde mental infantil e a importância da identificação precoce dos transtornos mentais em crianças. O livro traz uma grande contribuição à área de saúde mental infantil não apenas por sinalizar a grande deficiência na área de atenção básica à saúde mental dessa população, mas especialmente por discutir novas possibilidades de atuação e de enfrentamento deste grave problema de saúde que atinge crianças e suas famílias.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009
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