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Universidade, contexto ansiogênico? Avaliação de traço e estado de ansiedade em estudantes do ciclo básico

Evaluation of trait and state anxiety in first year students

Resumos

O presente artigo objetiva avaliar a ansiedade-traço e a ansiedade-estado de estudantes universitários do ciclo básico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, verificando diferenças entre três grandes áreas de conhecimento, biomédica, humanística e tecnológica, tendo em vista que a entrada na universidade pode se configurar como uma situação ameaçadora que parece sofrer influência das diferentes características de cada uma dessas áreas. Participaram do estudo 158 estudantes, sendo 71 mulheres e 87 homens, com idade média de 20,04 ± 3,37 anos, respondendo uma ficha de identificação e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE). Resultados demonstram que as médias de ansiedade-traço e ansiedade-estado desses estudantes encontram-se dentro do esperado para essa população, embora a área biomédica seja percebida como a mais ansiogênica, uma vez que apresenta uma densa grade curricular com intensas demandas acadêmicas, o que parece elevar os escores dos estudantes dessa área, em especial os dos homens.

Ansiedade-traço; Ansiedade-estado; Estudantes universitários; Ciclo básico; Psicologia da saúde


The purpose of this study is to evaluate trait anxiety and state anxiety in first year students from the Federal University of Rio Grande do Norte, verifying differences between three great areas of knowledge - Biomedical, Humanistic and Technological. The entrance to a University can be perceived as a threatening situation that seems to suffer influence from the different characteristics of each of these areas. 158 students, 71 females and 87 males aged 20.04 ± 3,37 years, answered an Identification Form and the State and Trait of Anxiety Inventory (STAI). The means of trait anxiety and state anxiety observed in these students were as expected for this population although the Biomedical area is perceived as the most anxiogenic for having a dense curriculum with intense academic demands, what seems to increase the scores of the students of this area, especially of the men.

Trait anxiety; State anxiety; First year university students; Health psychology


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Universidade, contexto ansiogênico? Avaliação de traço e estado de ansiedade em estudantes do ciclo básico

Evaluation of trait and state anxiety in first year students

Camomila Lira Ferreira; Katie Moraes de Almondes; Liliane Pereira Braga; Ádala Nayana de Sousa Mata; Caroline Araújo Lemos; Eulália Maria Chaves Maia

Grupo de Estudos: Psicologia e Saúde (GEPS), Departamento de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Campus Universitário, Lagoa Nova. 59078-970 Natal RN. artemisiadesouza@yahoo.com.br

RESUMO

O presente artigo objetiva avaliar a ansiedade-traço e a ansiedade-estado de estudantes universitários do ciclo básico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, verificando diferenças entre três grandes áreas de conhecimento, biomédica, humanística e tecnológica, tendo em vista que a entrada na universidade pode se configurar como uma situação ameaçadora que parece sofrer influência das diferentes características de cada uma dessas áreas. Participaram do estudo 158 estudantes, sendo 71 mulheres e 87 homens, com idade média de 20,04 ± 3,37 anos, respondendo uma ficha de identificação e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE). Resultados demonstram que as médias de ansiedade-traço e ansiedade-estado desses estudantes encontram-se dentro do esperado para essa população, embora a área biomédica seja percebida como a mais ansiogênica, uma vez que apresenta uma densa grade curricular com intensas demandas acadêmicas, o que parece elevar os escores dos estudantes dessa área, em especial os dos homens.

Palavras-chave: Ansiedade-traço, Ansiedade-estado, Estudantes universitários, Ciclo básico, Psicologia da saúde

ABSTRACT

The purpose of this study is to evaluate trait anxiety and state anxiety in first year students from the Federal University of Rio Grande do Norte, verifying differences between three great areas of knowledge - Biomedical, Humanistic and Technological. The entrance to a University can be perceived as a threatening situation that seems to suffer influence from the different characteristics of each of these areas. 158 students, 71 females and 87 males aged 20.04 ± 3,37 years, answered an Identification Form and the State and Trait of Anxiety Inventory (STAI). The means of trait anxiety and state anxiety observed in these students were as expected for this population although the Biomedical area is perceived as the most anxiogenic for having a dense curriculum with intense academic demands, what seems to increase the scores of the students of this area, especially of the men.

Key words: Trait anxiety, State anxiety, First year university students, Health psychology

Introdução

A ansiedade é considerada um sinal de alerta, determinada pela presença de um conflito interno, cuja função é avisar sobre um perigo iminente para que se tome medidas para lidar com a ameaça. É certo que todas as pessoas já vivenciaram ansiedade, seja como resposta normal e adaptativa aos estímulos, ou como uma sensação desajustadora e patológica1,2.

A ansiedade tem aumentado expressivamente na população humana no último século, sobretudo devido às profundas transformações ocorridas no âmbito econômico, social e cultural. Essas mudanças acabaram por exigir que a população se adaptasse a um novo ritmo de vida, tornando o século XX conhecido como a era da ansiedade3. Desde então, esta sensação tem sido investigada e relacionada diretamente à situação vivenciada pelos indivíduos em seu cotidiano e às exigências decorrentes dela4-6.

Tais investigações apresentam-se de extrema importância e relevância nos meios científicos e assistenciais, na medida em que a ansiedade está vinculada a sintomas como taquicardia, tontura, dor de cabeça, dores musculares, formigamento, suor, além de insônia, tensão, irritabilidade e angústia. A presença e a intensidade desses sinais podem trazer consequências prejudiciais para as condições de vida e de saúde da população em geral, uma vez que níveis elevados de ansiedade podem provocar percepções negativas quanto às habilidades motoras e intelectuais do indivíduo. Isso, por sua vez, interfere na atenção seletiva e na codificação de informações na memória, bloqueando a compreensão e o raciocínio7.

Estudantes universitários são um exemplo de população em que a ansiedade vem sendo estudada e relacionada à situação vivenciada. Silver8 demonstra que, ao ingressarem na faculdade, os estudantes são submetidos a uma grande carga de estresse, devido a longas horas de estudo e cobranças pessoais de professores e familiares. Além disso, as transformações maturacionais (fisiológicas, neurológicas e psicológicas), decorrentes da transição entre a fase da adolescente e a fase de adulto, levam os estudantes a vivenciarem um período de crise, por exigir a adaptação a um novo papel social, o de adulto jovem9,10.

Assim, percebe-se a influência de duas principais circunstâncias no estado emocional dos estudantes: a entrada na universidade (situação considerada ansiogênica) e a passagem de uma fase de desenvolvimento para outra (situação considerada crise normativa). Essas circunstâncias podem ser associadas à ansiedade-estado e à ansiedade-traço.

A ansiedade-estado está ligada a um momento ou situação particular, como na entrada a universidade pelos estudantes, causando um estado emocional transitório. Já a ansiedade-traço está relacionada a características individuais e disposicionais, estabelecendo diferenças entre os indivíduos quanto à forma de encarar eventos diversos, ou seja, cada indivíduo traz consigo uma disposição maior ou menor de encarar as situações como ansiogênicas, estando relacionada, diretamente, à personalidade de cada um.

Na situação de crise, pela transição de um período de desenvolvimento para outro, no momento de traçar estratégias que possibilitem a superação desse período de crise, alguns indivíduos podem experienciar mais ansiedade do que outros de acordo com sua tendência para encarar situações como ansiogênicas2,11. Nos casos de elevação de ansiedade a níveis patológicos, esses indivíduos podem contar com o auxílio dos profissionais da saúde mental (psicólogos e psiquiatras) nas redes de atenção básica à saúde, vinculadas ao Sistema Único de Saúde, a fim de tratar tal elevação e de prevenir possíveis transtornos depressivos e outras doenças físicas associadas.

Alguns dados de literatura mostram análises da relação entre traço e estado de ansiedade e a situação vivenciada pelos estudantes universitários. Uma pesquisa com estudantes do curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por exemplo, avaliou o estado de ansiedade e o traço de ansiedade, em dois momentos do curso: quando assistiam aulas e cumpriam as demandas acadêmicas, e quando, além de assistirem aulas, enfrentavam plantões médicos. Resultados mostraram que o estado de ansiedade teve aumento estatisticamente significante no decorrer dos anos. Além disso, a ansiedade aumentou tanto para quem apresentava personalidade ansiosa (traço de ansiedade elevado) quanto para quem não apresentava essa característica12.

Em uma outra investigação, foi avaliada a ansiedade-traço e a ansiedade-estado dos estudantes de Psicologia da UFRN, em três momentos do curso: o primeiro período, momento de ingresso no curso; o oitavo período, momento de escolha da área de atuação profissional; e o nono período, momento de realização dos estágios curriculares. Observou-se que os estudantes do primeiro ano apresentaram escores acima da média esperada para estudantes universitários do ciclo básico, mostrando-se muito ansiosos, tanto com relação à situação momentânea, como às características disposicionais da população estudada13.

É importante salientar que esses fatores ansiogênicos podem interferir negativamente sobre alguns aspectos cognitivos, como o processo de aprendizagem, a redução de atenção e da concentração, diminuindo, assim, a aquisição de habilidades14.

Assim, o objetivo da presente pesquisa foi avaliar a ansiedade-traço e ansiedade-estado dos estudantes do ciclo básico em vários cursos de graduação das três grandes áreas de conhecimento (humanística, tecnológica e biomédica) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com diferentes características, avaliando se existiam diferenças entre os escores de ansiedade dessas áreas. Isto se faz importante em virtude da vivência da entrada na universidade pelos estudantes, que envolve circunstâncias geradoras de tensão, tais como: responsabilidades que serão assumidas exclusivamente por eles; demandas acadêmicas intensas; maiores exigências sobre seu desempenho acadêmico, proveniente não só deles, mas de seus colegas de sala, de seus professores e familiares.

Métodos

Sujeitos

Participaram do estudo 158 estudantes, com idade média de 20,04 ± 3,37 - o que os classifica como adultos jovens - cursando o primeiro período de dezessete cursos das três áreas de conhecimento da UFRN: humanística, biomédica e tecnológica. Destes estudantes, 53 eram da área humanística (35 mulheres e 18 homens), com média de idade de 19,72 ± 1,73 anos, e pertencentes aos seguintes cursos: Administração, Ciências Econômicas, Turismo, Direito, Pedagogia e de Serviço Social. Dos alunos de biomédica, houve a participação de 47 sujeitos (25 mulheres e 22 homens), com média de idade de 21,04 ± 5,18 anos. Estes estudantes pertenciam aos seguintes cursos: Ciências Biológicas, Enfermagem e Obstetrícia, Farmácia, Medicina e Odontologia. Na área tecnológica, foram 58 estudantes (11 mulheres e 47 homens), com média de idade de 19,38 ± 1,68 anos, cursando Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Engenharia Química, Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Mecânica ou Engenharia da Computação. Todos os estudantes foram voluntários.

Ao separar a amostra por sexo, as mulheres da área humanística apresentaram média de idade de 20,6 ± 3,32 anos e os homens desta área apresentaram média de idade de 21,89 ± 7,68 anos. Na área biomédica, as mulheres apresentaram média de idade de 19,84 ± 1,82 e os homens apresentaram média de idade de 19,59 ± 65. Por fim, as mulheres da área tecnológica apresentaram média de idade de 19,55 ± 1,44 e os homens dessa área apresentaram média de idade de 19,34 ± 1,75 anos.

Protocolos

Utilizou-se um termo de consentimento livre e esclarecido, contendo algumas informações a respeito do estudo realizado, tais como seu objetivo, sua natureza, benefícios, riscos e desconforto desencadeados pela participação nas atividades propostas, o grau de envolvimento dos participantes na investigação e seu caráter de confidencialidade. Para conseguir dados sobre os estudantes, fez-se uso de uma ficha de identificação, a ser preenchida por eles, que continha questionamentos sobre dados pessoais, seus horários de aula e horários das atividades extracurriculares. O Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) também foi aplicado e consiste em um questionário de auto-avaliação que objetiva medir o estado de ansiedade (níveis reais de intensidade de ansiedade) e traço de ansiedade (tendência a reagir à pressão psicológica com diferentes graus de intensidade). Esse inventário possui quarenta afirmações, sendo vinte para a escala de estado de ansiedade e vinte para a de traço de ansiedade.

Procedimentos

Coleta de dados

Após aprovação da pesquisa pelo comitê de ética em pesquisas da UFRN, estabeleceu-se um contato prévio com a coordenação de cada curso, a fim de explicar sobre a natureza da pesquisa e solicitar a autorização para realizar a aplicação dos instrumentos nas salas de aula. Em cada um dos cursos, foi solicitada a participação voluntária de dez alunos. A estes alunos foram entregues os protocolos da investigação acima citados, havendo a leitura inicial do termo de consentimento livre e esclarecido, seguida pelo preenchimento da ficha de identificação e, por último, foi respondido o IDATE.

Análise de dados

Após o término da coleta de dados e da posterior avaliação da ficha de identificação e do IDATE, deu-se início à organização dos dados obtidos, separando-os por área de conhecimento e por sexo.

Na avaliação do IDATE, são atribuídos pesos a cada um dos vinte itens de cada subescala do IDATE (a escala de ansiedade-traço e a de ansiedade-estado), de maneira que os pesos são iguais ao valor da avaliação a ser atribuída (que pode ser 1, 2, 3 ou 4) para os itens em que uma alta avaliação (3 ou 4) indique uma alta ansiedade; e os pesos são invertidos (4,3,2,1) nos itens em que uma alta avaliação indique uma baixa ansiedade. Caso o indivíduo tivesse omitido um ou dois itens na escala de ansiedade-traço ou na de ansiedade-estado, sua avaliação proporcional era obtida com a determinação do valor médio dos itens respondidos, a multiplicação desse valor por vinte e, em seguida, seu arredondamento para o número mais alto seguinte. A amplitude de escores possíveis para cada uma das subescalas varia de um mínimo de vinte a um máximo de oitenta.

Assim, o IDATE estabelece como média de ansiedade-traço para alunos do ciclo básico o valor de 40,16 ± 9,70, e como média de ansiedade-estado o valor de 40,04 ± 10,13. O IDATE também fornece o valor médio de ansiedade-traço e de ansiedade-estado separados por sexo. Para estudantes do ciclo básico do sexo feminino, a média de ansiedade-traço equivale a 41,67 ± 10,14 e para o sexo masculino essa média corresponde a 38,64 ± 9,25. Quanto à ansiedade-estado, o valor médio estabelecido para estudantes do ciclo básico do sexo feminino é de 41,09 ± 10,81 e para o sexo masculino é de 38,99 ± 9,45.

Em seguida, os escores de ansiedade de cada área foram submetidos a uma análise estatística através do teste t de Student para amostras independentes, que permite verificar se existem diferenças estatisticamente significantes entre os escores médios gerais de traço e estado de ansiedade das três áreas de conhecimento da UFRN, e entre os escores médios separados por sexo de cada área. As correlações que foram consideradas estatisticamente significantes possuíam um p<0,05.

Resultados

Os resultados encontrados referem-se aos escores médios de ansiedade-traço e ansiedade-estado dos estudantes do ciclo básico das áreas humanística, biomédica e tecnológica da UFRN.

Ao avaliar os resultados do IDATE dos 53 sujeitos da área humanística, observou-se que estes alunos obtiveram um escore médio de traço de ansiedade de 41,06 ± 13,43, que se encontra dentro da média de ansiedade-traço referente a estudantes do ciclo básico, a qual é 40,16 ± 9,70. Quanto aos escores médios de ansiedade-estado, essa amostra obteve a média de 39,98 ± 13,94, dado este que está dentro da média esperada para estudantes do ciclo básico, a qual é 40,04 ± 10,13 (Figura 1).


Ao analisar por sexo os dados obtidos, depara-se com escores médios de traço e estado de ansiedade para as estudantes do sexo feminino de 43,77 ± 12,90 e 42,86 ± 14,15 respectivamente, e para os estudantes do sexo masculino a média de ansiedade-traço foi de 35,78 ± 13,20 e de ansiedade-estado foi 34,39 ± 12,01 (Figura 2). Esses resultados demonstram que tanto as mulheres quanto os homens da área humanística possuem escores médios de traço e estado de ansiedade equivalentes aos escores esperados no ciclo básico universitário para as mulheres (ansiedade-traço, 41,67 ± 10,14 e ansiedade-estado, 41,09 ± 10,81) e para os homens (ansiedade-traço, 38,64 ± 9,25 e ansiedade-estado, 38,99 ± 9,45).


Na área biomédica, observou-se que os 47 alunos obtiveram um escore médio de traço de ansiedade de 42,49 ± 14,95, que se enquadra na média de traço de ansiedade referente a estudantes do ciclo básico (40,16 ± 9,70). Quanto aos escores de ansiedade-estado, a amostra obteve a média de 43,32 ± 12,52, dado este que também se encontra dentro do esperado para os estudantes do ciclo básico (40,04 ± 10,13) (Figura 1).

Separados por sexo, tem-se escores médios de 42,08 ± 15,82 para traço de ansiedade e 42,48 ± 11,70 para estado de ansiedade nas estudantes da área biomédica. Para os estudantes do sexo masculino dessa área, as médias de traço e estado de ansiedade foram 42,95 ± 14,25 e 44,27 ± 13,61 respectivamente (Figura 2). Diante disso, percebe-se que os escores encontrados estão dentro da média esperada, tanto para mulheres quanto para homens do ciclo básico universitário.

Ao analisar os dados de ansiedade na área tecnológica, observou-se que os 58 alunos dessa área obtiveram um escore médio de traço de ansiedade de 36,50 ± 11,47, que está dentro da média de traço de ansiedade referente a estudantes do ciclo básico universitário. Quanto aos escores de ansiedade-estado, a amostra obteve a média de 39,40 ± 13,49, dado este que também se encontra dentro da média esperada para estudantes do ciclo básico (Figura 1).

Quando separados por sexo, tem-se escores médios de ansiedade-traço para as estudantes da área tecnológica de 39,91 ± 10,67, o que significa que estas mulheres obtiveram um escore médio equivalente ao esperado para as mulheres do ciclo básico. Quanto ao seu escore médio de ansiedade-estado, este foi 39,91 ± 14,19, que também equivale à média esperada para as mulheres do ciclo básico. Os estudantes do sexo masculino da área tecnológica obtiveram o escore médio de ansiedade-traço de 35,7 ± 11,61, e de ansiedade-estado de 39,28 ± 13,48, os quais se encontram dentro das médias para os homens do ciclo básico (Figura 2).

Ao analisar a ficha de identificação, observou-se que as áreas humanística e tecnológica apresentam carga-horária reduzida, pois assistem aulas em apenas um turno durante o dia. Nessas áreas, também se encontrou uma significativa quantidade de alunos que trabalham ou desempenham algum outro tipo de atividade diária, como cursos de idiomas ou até mesmo aulas em uma outra faculdade.

Os estudantes da área biomédica apresentaram as demandas acadêmicas mais intensas, provenientes das aulas diárias que os alunos assistem em dois turnos, das monitorias e das aulas extras oferecidas nos finais de semana. Também se encontrou na área biomédica o dado de que aproximadamente metade da amostra realiza algum tipo de atividade fora da universidade, como cursos de idiomas, que se somam às suas demandas acadêmicas.

Ao observar os altos desvios-padrão encontrados nos resultados, percebe-se que, apesar dos escores médios de ansiedade-traço e ansiedade-estado dos estudantes das áreas biomédica, humanística e tecnológica terem se enquadrado na média de ansiedade esperada para o perfil da amostra (adultos jovens e estudantes do ciclo básico), há alguns estudantes, dentro desses grupos, que apresentaram escores tanto de traço quanto de estado de ansiedade acima da média (Tabela 1). Além de observar as médias individuais por área, percebeu-se que os escores médios de ansiedade separados por sexo também apresentaram altos desvios-padrão, levando à observação da quantidade de homens e mulheres de cada área que possuíam escores individuais abaixo, dentro e acima da média esperada para estudantes do sexo masculino e do sexo feminino do ciclo básico (Tabela 2).

Quando se objetivou avaliar se existiam diferenças estatisticamente significantes entre as áreas e entre os sexos para ansiedade-traço e ansiedade-estado, de todas as correlações possíveis que foram estabelecidas, apenas três foram consideradas estatisticamente significantes. A primeira diferença ocorreu entre as áreas biomédica e tecnológica (t=2,322; p<0,05) para os escores médios de traço de ansiedade, sugerindo que os estudantes de biomédica são mais ansiosos. A segunda ocorreu entre os escores médios de ansiedade-estado dos estudantes do sexo masculino das áreas humanística e biomédica (t=-2,407; p<0,05), sugerindo que os estudantes de biomédica estão numa situação mais ansiogênica de que os estudantes de humanística. E a última diferença estatisticamente significante foi observada entre as áreas de conhecimento tecnológica e biomédica (t=-2,246; p<0,05) e está associada aos escores médios de ansiedade-traço dos estudantes do sexo masculino, mostrando que esses estudantes de biomédica são mais ansiosos (Tabela 3).

Discussão e conclusão

O objetivo da presente pesquisa foi avaliar a ansiedade-traço e ansiedade-estado dos estudantes do ciclo básico em vários cursos das áreas humanística, tecnológica e biomédica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), avaliando se existiam diferenças entre os escores de ansiedade dessas áreas e entre os escores de ansiedade separados por sexo.

Os resultados mostraram que os estudantes universitários do ciclo básico das três áreas de conhecimento da UFRN apresentaram médias de traço de ansiedade (biomédica, 42,49 ± 14,95; humanística, 41,06 ± 13,43; e tecnológica, 36,50 ± 11,47) dentro da média esperada para estudantes do ciclo básico. Isso sugere que esses estudantes parecem não interpretar a situação do ciclo básico como ansiogênica, não apresentando uma característica de personalidade ansiogênica.

Quanto às médias de estado de ansiedade encontradas (biomédica, 43,32 ± 12,52; humanística, 39,98 ± 13,94; e tecnológica, 39,40 ± 13,49), observa-se que estas também estão dentro da média esperada para estudantes do ciclo básico. Isso indica que os estudantes do primeiro ano da UFRN parecem não estar encarando a situação de entrada na universidade como ansiogênica.

Apesar desses escores de ansiedade-estado e ansiedade-traço estarem dentro da média, observando os escores das três áreas, percebe-se que a área biomédica é a área que está e é ansiosa (ansiedade-estado e ansiedade-traço). A fim de se verificar se existiam diferenças estatisticamente significantes entre as três áreas, utilizou-se o teste t de Student para amostras independentes. Os resultados mostraram que a área biomédica é mais ansiogênica (traço) quando comparada com a tecnológica.

A área biomédica, em comparação com as outras áreas, é a área em que os estudantes apresentaram demandas acadêmicas mais intensas, provenientes das aulas diárias que os alunos assistem em dois turnos, das monitorias e das aulas extras oferecidas nos finais de semana. Também se encontrou que aproximadamente metade da amostra realiza algum tipo de atividade fora da universidade, como cursos de idiomas que se somam às suas demandas acadêmicas. Tal situação exaustiva, com demandas externas (atividades e horários) e internas (desempenho acadêmico) traz consigo um conflito e a exigência de um esforço de ajustamento e adaptação maior, surgindo, então, a necessidade de traçar estratégias que possibilitem a superação dessa situação9. Neste esforço de adaptação, o indivíduo com personalidade ansiosa poderá interpretar essa situação como ameaçadora, aumentando seu nível de ansiedade, por exceder seus recursos de enfrentamento. É importante frisar que a ansiedade-traço ou disposicional é influenciada pelas situações, mas os dados estatísticos não encontraram evidências para ansiedade-estado.

Ao dividir a amostra de cada área de conhecimento por sexo, percebe-se que as médias de ansiedade-traço, tanto dos estudantes do sexo feminino (biomédica, 42,08 ± 15,82; humanística, 43,77 ± 12,90; e tecnológica, 39,91 ± 10,67) quanto do masculino (biomédica, 42,95 ± 14,25; humanística, 35,78 ± 13,20; e tecnológica, 35,70 ± 11,61), continuam dentro da média esperada para mulheres e homens estudantes do ciclo básico universitário.

O mesmo ocorre entre os escores médios de ansiedade-estado entre as mulheres (biomédica, 42,48 ± 11,70; humanística, 42,86 ± 14,15; e tecnológica, 39,91 ± 14,19) e entre os homens (biomédica, 44,27 ± 13,61; humanística, 34,39 ± 12,01; e tecnológica, 39,28 ± 13,48), que também se encontram dentro da média de estado de ansiedade esperada para mulheres e homens do ciclo básico.

Esses dados demonstram que tanto as estudantes do sexo feminino quanto os estudantes do sexo masculino parecem não apresentar a ansiedade disposicional, que transcende a barreiras de lugar e tempo, nem a ansiedade situacional no período estudado. Mas, observando os escores, os resultados sugerem que as estudantes de biomédica e humanística, e os estudantes de biomédica são e estão ansiosos. Esses dados, em conjunto com os dados encontrados estatisticamente de ansiedade-traço para a amostra geral (biomédica sendo mais ansiosa), corroborariam a idéia de que o aumento de ansiedade disposicional (traço) seria determinado em parte pela elevação da ansiedade situacional (estado), pois os escores de ansiedade-traço e ansiedade-estado dos estudantes de ambos os sexos de biomédica e das estudantes de humanística estão elevados. Essa idéia também é confirmada pelos dados de ansiedade-traço dos estudantes do sexo masculino de humanística que não estavam elevados e nem os de ansiedade-estado.

Com o intuito de verificar estatisticamente os dados acima comentados, utilizou-se o teste t de Student. Foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os escores de ansiedade-estado para os estudantes do sexo masculino das áreas de biomédica e humanística (t=-2,407; p<0,05), e entre os escores de traço de ansiedade para os homens de biomédica e tecnológica (t=-2,246; p<0,05), sugerindo que os homens de biomédica estão e são mais ansiosos que as outras duas áreas.

Apesar de existirem vários estudos que demonstrem a prevalência de sintomas e/ou de transtornos de ansiedade entre as mulheres por exercerem mais funções que os homens2,6,11, existem estudos que não observaram diferenças significativas entre a presença de distúrbios emocionais entre homens e mulheres15-17.

Na presente pesquisa, os dados mostraram, pela primeira vez, que os homens estão e são mais ansiosos que as mulheres. Esses dados parecem sugerir que a situação vivenciada na área biomédica, pelo que já se comentou, é a mais ansiogênica; porém, como as mulheres enfrentam mais situações ameaçadoras (as mulheres brasileiras vivem numa estrutura social machista na qual têm de enfrentar maiores obstáculos para ingressar em uma carreira que lhe permite uma maior independência social e econômica, além de ser designado o papel social de dona de casa), elas possuem um maior número de mecanismos de enfrentamento, ao contrário dos homens que estão iniciando a faculdade (contexto novo) e estão lidando com situações que para eles são diferentes daquelas que eles estão acostumados a lidar, exigindo mecanismos diferentes.

Analisando os dados da amostra geral, percebe-se que os estudantes da área biomédica e humanística estão acima da média, e que, em especial, os estudantes de biomédica estão mais ansiosos (estado de ansiedade elevado). Esse dado corrobora mais uma vez a idéia de que a situação que os estudantes de biomédica estão vivenciando parece aumentar sua ansiedade disposicional.

Procedendo-se à análise por sexo destes grupos em relação aos desvios-padrão, a fim de compreender as diferenças estatísticas encontradas para os homens, observou-se que, na área humanística, 16,7% dos homens da amostra apresentaram escores de ansiedade-estado acima da média, e, na área tecnológica, 21,3% dos estudantes do sexo masculino apresentaram escores de ansiedade-traço acima da média. Voltando-se à área biomédica, percebe-se que 54,5% dos homens apresentaram escores de ansiedade-estado acima da média e que 45,4% desses homens apresentaram escores de ansiedade-traço acima da média esperada para essa população. Esses percentuais parecem propiciar as diferenças estatisticamente significantes encontradas para os homens, além de que a quantidade de homens com traço de ansiedade acima da média pode explicar a elevação dos escores de ansiedade-estado dos mesmos.

Isso acaba por confirmar a idéia exposta em vários estudos6,11,18,19, na qual a elevação da ansiedade-estado pode ser ocasionada pelas estruturas de personalidade, que influenciam a maneira como o indivíduo percebe uma situação ou evento estressor e como reagirá a ele. Dentre estas estruturas, estão os escores de ansiedade-traço que podem ser excelentes preditores dessa reação.

Assim, as análises realizadas mostraram que a situação de entrada na universidade, dependendo da formulação da grade curricular, dos horários disponibilizados para estes alunos e do número de demandas, pode se configurar como um período de transição considerado ameaçador, cuja estrutura do ciclo básico poderá aumentar a ansiedade nesse momento. Além disso, deve-se considerar as características individuais, a maneira como cada um percebe os eventos que vivencia, atribuindo a eles valores positivos ou negativos, uma vez que esta avaliação está baseada na sua personalidade e no seu histórico de vida.

Colaboradores

CL Ferreira auxiliou na elaboração e na execução do estudo e contribuiu para a redação e revisão final do artigo; KM Almondes contribuiu com a elaboração do estudo, a análise e revisão crítica do artigo; ANS Mata, CA Lemos e LP Braga participaram igualmente da execução do estudo e concepção teórica do artigo; e EMC Maia auxiliou no delineamento do estudo e na redação final do artigo.

Artigo apresentado em 29/05/2006

Aprovado em 27/02/2007

Versão final apresentada em 30/04/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2006
  • Revisado
    27 Fev 2007
  • Aceito
    30 Abr 2007
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