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Ambientes masculinos da terceira idade

Male environments of third age

Resumos

O estudo teve como objetivo verificar quais as atividades realizadas como lazer pelos idosos homens de Santa Maria, Rio Grande do Sul, pois há uma baixa participação dos homens nos grupos de terceira idade da cidade. A partir disso, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica, seguindo um roteiro de observações que abrange estrutura dos espaços, atividades realizadas, objetos à disposição dos indivíduos, horários de funcionamento e comportamentos, por meio de visitas aos locais que os idosos frequentam. Assim foi visto que várias ações eram praticadas, como o jogo de bocha, o jogo de sinuca e cartas. Outra situação evidente foi a relação familiar dos indivíduos com os lugares, além da baixa presença de mulheres. Existe a preocupação quanto à inclusão das mulheres no convívio diário, pois muitos homens deixam de frequentar os lugares por falta de ações que incluam as esposas; para tal são organizados jantares e bailes. Observaram-se com este estudo alguns possíveis motivos para a baixa participação dos homens nos grupos: práticas que não são de interesse deles; consideram as aulas pouco estimulantes, pois são tidas como repetitivas; e o pensamento de que enquanto puderem fazer as atividades que gostam, tendo bom desempenho, não vêem necessidade de realizar exercícios físicos.

Atividades; Lazer; Terceira idade; Homens


The present study aimed to find out what are the leisure activities for elder men in Santa Maria, Rio Grande do Sul, as there is a low participation of men in the third age groups in the city. Then, an ethnographic qualitative research was developed following a daily script of comments that encloses infrastructure of the places; activities and objects available to the individuals, functioning hours as well as behaviors, by checking the most frequent visited places this age group frequents. Thus it could be perceived that some actions frequently practiced were bocce, snooker and card games. Another evident situation was the familiar relation of the individuals with the places and the low presence of women. There is a concern about the inclusion of women on daily basis, as many men avoid some places due to lack of options that include their wives. In order to attend this demand there are dinners and dance balls. Some possible reasons for the low participation of the men in the groups observed in this study include: activities that are not of their interest; the classes are considered repetitive and not stimulant; and, the thought that while they can have a good performance in doing the activities they enjoy the most, there is no need to practice more physical exercises.

Activities; Leisure; Third age; Men


Ambientes masculinos da terceira idade

Male environments of third age

Renato Xavier Coutinho; Marco Aurélio de Figueiredo Acosta

Departamento de Métodos e Técnicas Desportivas, Curso de Educação Física, UFSM. Avenida Roraima 1000. Prédio 51. Sala 1035, 97105-340 Santa maria RS. E-mail: renatocoutinho@msn.com

RESUMO

O estudo teve como objetivo verificar quais as atividades realizadas como lazer pelos idosos homens de Santa Maria, Rio Grande do Sul, pois há uma baixa participação dos homens nos grupos de terceira idade da cidade. A partir disso, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica, seguindo um roteiro de observações que abrange estrutura dos espaços, atividades realizadas, objetos à disposição dos indivíduos, horários de funcionamento e comportamentos, por meio de visitas aos locais que os idosos frequentam. Assim foi visto que várias ações eram praticadas, como o jogo de bocha, o jogo de sinuca e cartas. Outra situação evidente foi a relação familiar dos indivíduos com os lugares, além da baixa presença de mulheres. Existe a preocupação quanto à inclusão das mulheres no convívio diário, pois muitos homens deixam de frequentar os lugares por falta de ações que incluam as esposas; para tal são organizados jantares e bailes. Observaram-se com este estudo alguns possíveis motivos para a baixa participação dos homens nos grupos: práticas que não são de interesse deles; consideram as aulas pouco estimulantes, pois são tidas como repetitivas; e o pensamento de que enquanto puderem fazer as atividades que gostam, tendo bom desempenho, não vêem necessidade de realizar exercícios físicos.

Palavras-chave: Atividades, Lazer, Terceira idade, Homens

ABSTRACT

The present study aimed to find out what are the leisure activities for elder men in Santa Maria, Rio Grande do Sul, as there is a low participation of men in the third age groups in the city. Then, an ethnographic qualitative research was developed following a daily script of comments that encloses infrastructure of the places; activities and objects available to the individuals, functioning hours as well as behaviors, by checking the most frequent visited places this age group frequents. Thus it could be perceived that some actions frequently practiced were bocce, snooker and card games. Another evident situation was the familiar relation of the individuals with the places and the low presence of women. There is a concern about the inclusion of women on daily basis, as many men avoid some places due to lack of options that include their wives. In order to attend this demand there are dinners and dance balls. Some possible reasons for the low participation of the men in the groups observed in this study include: activities that are not of their interest; the classes are considered repetitive and not stimulant; and, the thought that while they can have a good performance in doing the activities they enjoy the most, there is no need to practice more physical exercises.

Key words: Activities, Leisure, Third age, Men

Contextualização

O interesse inicial pelo tema deste estudo surgiu a partir da constatação de que há uma predominância de indivíduos do gênero feminino nas aulas dos grupos de atividade física para terceira idade; um trabalho que se desenvolve na cidade de Santa Maria e região há mais de vinte anos através do NIEATI (Núcleo Integrado de Estudos e Apoio à Terceira Idade), que tem como objetivos oferecer às pessoas com mais de 55 anos condições de convívio social com novas gerações e atividades físicas para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.

Sabendo que os homens também saem e realizam atividades físicas de lazer e de confraternização, surgiu o interesse por investigar onde e quais atividades esses indivíduos realizam, uma vez que há uma divisão entre os espaços da terceira idade masculinos - clubes onde ocorrem jogos de carta, conversas sobre a cidade e sobre pessoas, em ambientes geralmente sem muito barulho, calmos e tranqüilos - e femininos - grupos de terceira idade, onde ocorrem bailes, aulas de dança, ginástica, ambientes agitados e com música.

A partir dessas averiguações, observou-se a necessidade de investigar essas relações de gênero com os espaços respectivos. Para Scott1, o termo gênero é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para as diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm capacidade para dar à luz e de que os homens têm mais força muscular. Em vez disso, o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções culturais” – a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres.

Assim, devido ao fato de os idosos em Santa Maria geralmente não realizarem atividades comuns a ambos os sexos e de acordo com as leituras realizadas, este fato não se resume a esta cidade, como nos mostra Fericgla, citado em Valério 2, em estudos realizados na Espanha, nos quais observou espaços reservados para idosas e idosos e constatou que dificilmente estes realizavam atividades em comum como, por exemplo, jogarem na mesma mesa, ainda que os idosos(as) sejam casados(as).

Mas o porquê dessa separação e constrangimento? O estudo de gênero explica que homens e mulheres não são constituídos apenas através de mecanismos ou censura, eles e elas se fazem, também, através de práticas e relações que instituem gestos, modos de ser e estar no mundo, formas de falar e agir, condutas e posturas apropriadas, segundo Louro, citado em Valério2.

Os estudos sobre gênero compreendem um complexo sistema de valores e significados atribuídos pelos seres humanos ao longo de suas vidas, tornando-o algo complexo e fascinante de ser entendido, principalmente para pessoas que não presenciaram o desenvolvimento dos fatos que fazem e fizeram parte da vida dessas pessoas, que hoje são consideradas idosas. Utilizar o termo gênero para Salles-Costa et al.3 não se restringe ao modelo tradicional de divisão de sexos homens/mulheres, mas procura identificar possíveis fatores relacionados à construção social do papel desses homens e mulheres.

Para a psicologia social, os papéis de gênero são socialmente construídos e excedem os marcadores anatômicos e as diferenças entre as funções de homens e mulheres, dizem respeito aos desempenhos esperados e comportam variações segundo a sociedade e a época histórica. O não-conformismo às normas sociais que regulam os comportamentos e as relações entre homens e mulheres dá origem a sanções que exercem poderoso papel regulador das relações entre pessoas e instituições sociais. Idade, raça e etnia, classe social e gênero são categorias relacionais que configuram diferenças, oposições, conflitos, alianças e hierarquias, e que justificam as relações de dominação e poder existentes no seio da sociedade4.

Entendemos que os indivíduos que hoje ocupam a faixa da terceira idade no Brasil têm uma concepção machista, que conforme Minayo5, está baseada no patriarcalismo, em que o masculino é ritualizado como o lugar de ação, da chefia da rede de relações familiares, sendo este sinônimo de provimento material. Isso condiciona a acreditar que os idosos homens não participam dos grupos de atividade física por considerá-los espaços femininos, buscando outras atividades que lhes dêem mais prazer.

Segundo Valério2, gênero afirma o caráter social do masculino e do feminino, levando em consideração a sociedade e o momento histórico, construído e em construção, ou seja, não determinadoa priori. Verificamos então que a separação entre os gêneros encontrada nos grupos é consequência de uma separação que se deu durante toda vida, advinda de questões culturais. O homem participando de um mundo externo, de trabalho e a mulher, de um ambiente restrito e familiar.

Deste modo, Wenetz et al.6 entendem que se esperam determinados comportamentos específicos tanto para homens como para mulheres, demonstrados através das atividades, vestimentas, gestos e atitudes que podem ser identificadas como preferências generificadas. Entendendo, também, que estas preferências, esses corpos e expressões são construídos social e historicamente, conformados por processos cotidianos que atribuem, com naturalidade, características às identidades como se estas fossem fixas e homogêneas.

Brito7 diz que, historicamente, a construção das identidades de homens e mulheres se tem configurado a partir da dicotomia entre as esferas pública e privada, com atribuições de papéis, atitudes e valores previamente definidos segundo modelos naturais. Devido a essa participação do homem num mundo externo é que se justifica que o homem, com o advento da aposentadoria e após ter passado a vida inteira fora do lar, busque ficar mais em casa, tem preferência por locais calmos onde possa conversar e realizar atividades simples e relaxantes para ele.

Enquanto que a mulher, por ter ficado mais no convívio de sua casa e com a família, quando fica mais velha e alcança a sua independência, já que não precisa mais cuidar dos filhos, o marido não trabalha mais, pode sair e fazer novas amizades, praticar atividades físicas e fazer aquilo que ela tinha vontade e não podia concretizar, pois tinha suas obrigações em casa.

O desenvolvimento humano é infinitamente fascinante porque é o estudo de vidas reais. Focaliza o estudo científico de como as pessoas mudam e, também, de como ficam iguais, desde a concepção até a morte. As mudanças ocorrem durante toda a vida e ocorrem em muitos aspectos diferentes: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial em cada período da vida, mas na verdade esses aspectos estão entrelaçados, cada um deles afeta o outro. Em alguns idosos, mudanças físicas no cérebro provocam deterioração intelectual e na personalidade8.

Spirduso9 compreende que o processo de envelhecimento é uma extensão lógica dos processos fisiológicos do crescimento e desenvolvimento e interação com os fatores ambientais, resultando em uma perda na capacidade de reserva e redundância que reduz a capacidade de se adaptar rápida e eficientemente ao meio. Para Okuma10, o envelhecimento é um processo biológico cujas alterações determinam mudanças estruturais no corpo e, em decorrência, modificam suas funções. Contudo, o envelhecer é inerente a todo ser vivo e no homem este processo assume dimensões biológicas, sociais e psicológicas.

Para que possamos estudar o envelhecimento humano, devemos considerar que o processo não é igual para todos os seres humanos, não basta atingir certa idade cronológica para se tornar velho. Existem vários fatores que compõem o desenvolvimento humano que devem ser considerados antes para se estudar o assunto. De acordo com Acosta11, este reconhecimento é importante para evitar certa tendência de idealizarmos os idosos como portadores de uma sabedoria compulsória, automática, o que evidentemente não é verdadeiro. Há idosos sábios sim, existem também os mesquinhos, os egoístas, os que praticam pequenos furtos e assim por diante. Cada um(a) é na velhice um reflexo do que foi durante a vida toda.

O surgimento da gerontologia social, que aborda os aspectos antropológicos, psicológicos, legais, sociais, ambientais, econômicos, éticos e políticas de saúde, possibilitou o uso da antropologia nos estudos sobre envelhecimento humano, contribuindo para facilitar a interpretação de situações da vida dos indivíduos e ajudando a entender o ser humano no seu meio de convivência. Pois os indivíduos que são considerados velhos em uma determinada civilização, em outras podem estar no ápice de sua valorização perante a sociedade. O envelhecimento deve, então, ser encarado como um fenômeno ao qual os indivíduos reagem a partir de suas referências pessoais e culturais.

O envelhecimento é um fenômeno mundial e está ocorrendo a um nível sem precedentes. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em 1998, quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas, um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. As projeções indicam que, em 2050, a população idosa será de 1.900 milhões de pessoas. No Brasil, segundo dados do IBGE12, na década de setenta, cerca de 4,95% da população brasileira eram de idosos, percentual que pulou para 8,47% na década de noventa, havendo a expectativa de alcançar 9,2% em 2010. Segundo o último censo, existem aproximadamente 15 milhões de idosos e 55% são do gênero feminino; entre os de idade acima dos 80 anos, esse número aumenta para 60%. Segundo a estimativa, em vinte anos, serão 30 milhões.

A razão de sexo da população idosa é bastante diferenciada, de acordo com o IBGE12, sendo bem maior o número de mulheres. Em 1991, as mulheres correspondiam a 54% da população de idosos, passando para 55,1% em 2000. Isto significa que, para cada 100 mulheres idosas, havia 81,6 homens idosos, relação que, em 1991, era de 100 para 85,2. Tal diferença é explicada pelos diferenciais de expectativa de vida entre os sexos, fenômeno mundial, mas que é bastante intenso no Brasil, haja vista que, em média, as mulheres vivem oito anos mais que os homens.

A relação entre gênero e envelhecimento baseia-se nas mudanças sociais ocorridas ao longo do tempo e nos acontecimentos ligados ao ciclo de vida. A maior longevidade feminina implica transformações nas várias esferas da vida social, uma vez que o significado social da idade está profundamente vinculado ao gênero. Nesse sentido, as implicações da feminização da velhice em termos sociais são notórias, dado que grande parte das mulheres é viúva, vive só, não tem experiência de trabalho no mercado formal e é menos educada.

Para Spirduso9, existem explicações sociais para as mulheres viverem mais, baseadas na desigualdade de trabalho e de responsabilidade entre homens e mulheres, além de hábitos de saúde, como o fumo, e também pelo fato de elas terem mais contato com os sistemas de saúde, isso também por essas terem mais doenças agudas e condições crônicas não fatais. Enquanto os homens sofrem mais com enfisemas, doenças cardíacas e cerebrovasculares, as mulheres mais idosas sofrem mais de estresses emocionais, têm maior incidências de deficiências e são mais dependentes.

Com isso, surgiram os grupos de terceira idade que inicialmente tinham como objetivos garantir o bem-estar e a qualidade de vida para os(as) idosos(as). Foram se desenvolvendo, abrindo espaço para a prática dos profissionais de educação física. Porém, dentro desses grupos de atividade física para a terceira idade em Santa Maria, é notada a presença maciça de mulheres, bem maior que a encontrada nos dados do senso sobre a população idosa. Então surgiram as perguntas: onde estão e o que fazem os homens idosos?

Tem-se considerado o lazer como uma simples compensação da labuta cotidiana ou momento de relaxamento do estresse cotidiano, seja no domínio privado, seja no domínio público. Segundo Dumazedier13, lazer é definido por oposição ao conjunto das necessidades e obrigações da vida cotidiana. Marcelino14 diz que é toda e qualquer ação humana na qual e pela qual se consegue manter os objetivos e os valores idealizados e restritos ao próprio indivíduo que as vivencia ludicamente.

Stigger15 pensa o lazer como uma esfera de importante significação na vida em sociedade, vendo-o como um momento em que os(as) trabalhadores(as) também se constroem histórica, social e culturalmente, pelo seu conteúdo, pelos valores que são experimentados, pelas atitudes vividas e, fundamentalmente, pela relação cidadã que pode ser estabelecida com esse tempo.

Gáspari e Schwartz16 constataram que indivíduos idosos procuram atividades de lazer para diversão, ampliação do rol de amizades, conhecimento de lugares novos, convivência e troca de experiências de vida com outras pessoas. A partir dessa realidade encontrada no município e de estudos sobre a literatura da área, desenvolveu-se este estudo, que teve como objetivo principal identificar espaços frequentados por homens da terceira idade em Santa Maria, Rio Grande do Sul, verificando características que os diferem enquanto ambientes do gênero masculino, tais como estrutura dos espaços, atividades realizadas, objetos à disposição dos indivíduos, horários de funcionamento e comportamentos.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, sob a perspectiva antropológica, quando é fundamental a consideração da existência de uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência entre o mundo objetivo que se deseja conhecer e a subjetividade do pesquisador. Chegando assim à etnografia, que para André17 é um esquema de pesquisa desenvolvida por antropólogos para estudar a cultura e a sociedade.

Magnani18 ressalta que esta forma de olhar para os fenômenos sociais vincula-se, sumariamente, com a interpretação dos padrões culturais que o investigador realiza de um contexto empírico específico, após manter um convívio com este. Os estudos etnográficos para Silveira et al.19 não possuem pretensão generalizadora, no sentido de que as conclusões deste trabalho possam ser estendidas a outros grupos que envolvam o envelhecimento e/ou atividades de lazer.

Partindo dessas considerações, iniciou-se a pesquisa utilizando um roteiro de observações, por um período de dois meses, já empregado em outras pesquisas, nos grupos de atividade física para terceira idade vinculados ao Núcleo Integrado de Estudos e Apoio à Terceira Idade (NIEATI) da UFSM, que compreende a estrutura dos espaços, atividades realizadas, objetos à disposição dos indivíduos, horários de funcionamento e comportamentos.

Foram selecionados três locais da cidade conhecidos pela presença de homens, pelo fácil acesso e por estarem localizados próximos ao centro de Santa Maria: espaço 1 (Clube Caixeral), espaço 2 (Clube Cruzeiro do Sul) e espaço 3 (CTG – Centro de Tradições Gaúchas Ponche Verde).

Análise e discussão dos dados

Apresentação dos espaços

Características do espaço 1 - Clube Caixeral

Acesso: Fácil acesso, localizado no bairro centro, poucas escadas na entrada. Nota-se nesse local a facilidade com que os idosos podem chegar, pois fica na região central de Santa Maria, próximo ao calçadão, que é um reduto conhecido de idosos durante o dia, contribuindo para que os mesmos participem das atividades realizadas nesse local.

Atividades desenvolvidas: sinuca todos os dias a partir das 14 horas até 21 horas, canastra e jogo de bolão toda sexta-feira e em dias alternativos quando há torneios.

Objetos à disposição: quanto à iluminação, as janelas ficam abertas com luz do sol entrando e há ainda iluminação artificial com lâmpadas. Possui duas mesas de sinuca, com cadeiras e mesas para colocar copos e garrafas, e ainda armários para colocação dos tacos para uso dos sócios frequentadores do local. As atividades são organizadas da seguinte forma: sinuca todos os dias, bolão nos fins de semana e ainda jogo de carta.

Descrição dos sujeitos: as profissões dos indivíduos são variadas, como comerciantes, taxistas, funcionários públicos. Porém, não se constituem em uma maioria de aposentados. De acordo com o que foi constatado, aproximadamente metade dos frequentadores trabalha e outra metade está aposentada. O idioma utilizado é o português, poucas conversas entre eles, pois para jogar sinuca se faz necessário uma grande concentração; logo, eles pouco falam durante o jogo, apenas quando alguém erra uma jogada considerada por eles fácil, para brincar com os adversários ou para definir a aposta do jogo.

Etnias: todos são brancos, um indivíduo tem um problema de paralisia parcial no braço direito que dificultava a atuação dele na sinuca, mesmo assim ele joga. E outro indivíduo que, aparentemente era o mais velho do grupo, não vai ao lugar para jogar sinuca, apenas para conversar e ler, por tratar-se de um ambiente silencioso e perto dos amigos dele.

Comportamentos: uma característica marcante é o silêncio, existe a presença de indivíduos de outra faixa etária, mais jovens (entre 30 e 40 anos), que conversam mais e fazem mais barulho, porém não jogam com os mais velhos. Existem também aqueles indivíduos que entram no local, conversam um pouco, vêem o que está acontecendo e saem do local. Muitos desses são vistos no calçadão da cidade.

Quanto à participação, todos jogam; contudo existem grupos que o fazem apenas em uma determinada mesa. Entrando no local, foi constada uma divisão: com uma mesa para os mais velhos e outra para os mais jovens. Somente quando há presença de um grupo maior de pessoas, os mais velhos acabam jogando com os mais jovens; porém, os jovens levam vantagens motoras no jogo de sinuca e vencem as partidas.

São consumidas bebidas como refrigerante, uísque, cerveja, martini. Existem poucos fumantes, há um maior consumo de bebida em relação à comida. Em relação às vestimentas, os mais velhos andam bem vestidos, com calça social e camisa, enquanto que os mais jovens usam calça jeans e camisetas.

Características do espaço 2 - Clube Cruzeiro do Sul

Acesso: se dá através de escadaria na entrada e uma rampa para entrada lateral, existem ônibus que deixam a menos de uma quadra de distância. Horários de funcionamento e presença dos idosos: todos os dias a partir das 14 horas e os idosos frequentam em sua maioria até às 20 horas.

Atividades desenvolvidas: jogos de cartas (canas­tra), bocha, sinuca, jantares, bailes e churrascos.

Objetos à disposição: possui boa iluminação, quase toda por lâmpadas, pois não existem muitas janelas para facilitar a entrada de luz. Quanto aos materiais à disposição dos frequentadores, há cadeiras, mesas de sinuca, mesas para jogar carta, cancha de bocha, mesas e cadeiras de bar, churrasqueira, copa, cozinha e salão de festas.

Descrição dos sujeitos: em relação às profissões dos frequentadores, são aposentados militares, ferroviários, funcionários públicos. Os indivíduos são oriundos também de outro clube após fechar o departamento de bocha, e outros sócios antigos que voltaram a frequentar o lugar. Há também a presença de brancos e negros no local e ainda a de uma mulher que participa das atividades jogando carta.

Todos têm boa condição física e mental, uma vez que as atividades, como o jogo de bocha, exigem muito das pernas, porque se fica em pé por um bom tempo, se faz necessário um ótimo controle motor para ter precisão nos lançamentos. Não há música no ambiente. Durante o jogo de bocha, há bastante conversa em volta do jogo e brincadeiras; já nas cartas, existem poucos ruídos, o que é necessário para não haver desconfiança de alguma parte envolvida no jogo, uma vez que eles apostam dinheiro nas partidas.

Comportamentos: em relação às atitudes dos indivíduos durante os jogos de carta, ocorrem poucas conversas, o ambiente é silencioso. Já ao redor, onde ocorrem jogos de bocha e sinuca, a conversa e a gozação acontecem, tornando o clube um lugar de descontração.

Todos jogam tanto a canastra quanto a bocha, sendo divididos em duplas ou simples na canastra, aguardando a sua vez para jogar, enquanto no jogo de bocha são divididos em trios e fazendo mini-torneios para que todos possam jogar contra todos. Ocorre o consumo de bebidas alcoólicas, a mais consumida é a cerveja e lanches como pastel, havendo poucos fumantes.

Características do espaço 3 - Centro de Tradições Gaúchas Ponche Verde

Acesso: se dá por escadarias e rampa lateral, tem ônibus que deixa bem próximo ao local. Os horários de funcionamento com a presença dos idosos são principalmente no período da tarde a partir das 14 horas até às 19 horas.

Atividades desenvolvidas: canastra, bocha, sinuca, bailes e festividades relacionadas ao tradicionalismo gaúcho.

Objetos à disposição: a iluminação é predominantemente artificial, ambiente bastante escuro. Os frequentadores têm a sua disposição duas canchas de bocha, seis mesas para jogar carta, uma mesa de sinuca, bar, banheiros e salão para festas.

Descrição dos sujeitos: encontram-se autônomos aposentados, militares, ferroviários, funcionários públicos. Ocorre uma mistura de classes sociais, com a presença de pessoas humildes e abastadas frequentando o mesmo ambiente, tendo negros e brancos, pessoas com origem no meio rural, que encontram no CTG um ponto de referência daquilo que eles viveram, levando-os a frequentar o local.

Comportamentos: em geral, quietos, sem muitas discussões ou conversas, principalmente no jogo de cartas. Já no jogo de bocha, há uma maior descontração devido à participação de um maior número de pessoas. Têm grupos que jogam bocha entre eles sem jogar com os que estão na cancha ao lado. Já na canastra, eles jogam em duplas ou um contra um o dia inteiro sem mudar o parceiro ou adversários.

São consumidas, no lugar, bebidas como chimarrão, cerveja, cachaça e refrigerantes. Havia uma quantidade grande de fumantes. Os lanches consumidos durante à tarde são pastéis, salgadinhos e bolo, vendidos no bar. Ausência de música, um dos motivos para que eles frequentem o lugar no período da tarde, porque à noite ocorrem ensaios dos grupos de dança do CTG, então o barulho é muito grande, o que para muitos dos idosos não é bom.

Discussão dos resultados

Com o intuito de descrever os espaços masculinos da terceira idade, para averiguar as características desses locais, buscar opiniões dos idosos a respeito desses ambientes, verificar características que os diferem enquanto ambientes do gênero masculino, usou-se um roteiro preestabelecido. Salles-Costa et al.3, ao analisar esta relação, sugerem que as atividades físicas praticadas no tempo destinado ao lazer representam um domínio da vida cotidiana organizado segundo determinadas convenções, entre elas as concepções acerca do ideal de corpo segundo o gênero, onde homens e mulheres apresentam comportamentos distintos no que se refere à prática de exercícios físicos.

Há diferenças em relação ao caráter competitivo em algumas atividades, como nos mostra Salles-Costa et al.3 ao constatar que os homens se engajam mais em atividades físicas coletivas e de caráter competitivo e as mulheres, em atividades individuais, que requerem do corpo menos força física. Em outro lugar, o jogo tem a finalidade de diversão, lazer, eles vão para ver e conversar com os amigos. Havendo também o jogo com a dimensão de vício, as pessoas vão para apostar dinheiro e tentar se “dar bem”, sendo deixados, em segundo plano, a diversão e o lazer.

Assim, devido ao fato de as atividades realizadas serem semelhantes e haver outros locais na cidade e em cidades próximas que têm o mesmo objetivo, são efetuados muitos jogos de integração – inclusive pelos que apostam dinheiro – através de visitas a outros locais e recepções onde são feitos, além dos jogos normais, churrascos e festas de integração. Assim como no trabalho de Silveira et al.19, estes ambientes são destinados à prática de atividades lúdico-esportivas para homens que estão vivenciando o envelhecimento, havendo ainda discussões acerca de política, esporte, notícias da cidade, demonstrando as relações sociais existentes nestes espaços.

Uma ocorrência que deve ser considerada é o aspecto do enraizamento dos indivíduos nos locais, ou seja, a intimidade deles com o lugar. Pois esses espaços são ocupados por eles há muitos anos; em alguns, os sujeitos são sócios fundadores ou frequentam desde jovens devido ao fato de trabalharem em locais próximos. Gáspari e Schwartz16 consideram que, juntos, o relacionamento interpessoal e o elemento lúdico, balizados pela descontração, alegria e divertimento, parecem funcionar como fatores de coesão e vínculo afetivo entre os membros de grupos que se reúnem em atividades de lazer. Isso faz com que esses homens, com o passar do tempo e a chegada da aposentadoria, passem a frequentar mais esses ambientes, uma vez que tiveram aumentado o seu tempo livre.

Já em relação à participação das mulheres, existe a intenção de incluí-las nas atividades, pois muitos homens deixam de frequentar esses locais por não haver espaços para levarem suas esposas. Contudo, as mulheres não são proibidas de irem aos lugares, tanto que em um deles havia uma delas jogando com os homens sem problema algum.

A situação se complica porque as atividades rea­lizadas nesses ambientes não são de interesse da maioria das mulheres, uma vez que o jogo de cartas, sinuca ou até mesmo bocha não fazem, na maioria dos casos, parte da vida delas. Sendo que, quando as pessoas alcançam a aposentadoria, elas buscam realizar atividades que lhes dão prazer, construindo com isso uma nova rede de relações sociais. Para Okuma10, a atividade física é uma oportunidade dos indivíduos estarem vinculados a compromissos, isso faz com que eles tenham objetivos a serem alcançados, levando a uma valorização da vida, de si mesmos e daquilo que fazem.

Estabelecendo uma analogia com o interesse deles pelas atividades físicas, eles as vêem como algo necessário; porém, enquanto os mesmos tiverem autonomia para irem a estes locais referidos no trabalho e jogar com tranquilidade tendo um bom desempenho, não acreditam que haja a necessidade de realizar exercícios físicos. Cabendo aqui uma análise de Okuma10 em relação às atividades físicas propostas, nas quais observou a utilização de estratégias de intervenção cujo estímulo é externo ao indivíduo, numa tentativa de levá-lo a alcançar aquilo que é considerado bom pela ciência e pelo meio, não necessariamente pelo indivíduo, compreendendo que as necessidades reais e pessoais dos indivíduos não vêm sendo considerados (as), por quem promove as atividades.

Já Valério2 afirma que, apesar de estarem conscientes dos benefícios que a atividade física proporciona aos seus praticantes, os idosos acreditam que já trabalharam muito e que agora está na hora de descansar livres de compromisso, com direito à preguiça, além de muitos possuírem dificuldades financeiras. Spirduso9 compreende que mesmo as pessoas sabendo dos benefícios das atividades físicas e da necessidade de alterar hábitos de vida para a promoção da saúde, muitas não mudariam ou não poderiam modificar suas atitudes.

Conclusão

A partir das observações, ficou demonstrado que os espaços possuem características semelhantes em relação às atividades desenvolvidas, ao consumo de bebidas e alimentos, horários e ainda à facilidade de acesso. A ocupação destes espaços no período da tarde pelos idosos é considerada pelos representantes dos estabelecimentos também uma forma alternativa de renda para os mesmos e de manter o lugar ativo durante um tempo; do contrário, provavelmente esses ambientes estariam ociosos. Considerando a frequência, os sujeitos vão aos locais praticamente todos os dias no período da tarde e início da noite, durante o ano inteiro, salvo algum dia em que ocorra uma chuva muito forte, frio muito intenso e fins de semana.

Então, um dos motivos para a divisão dos espaços da terceira idade em masculinos e femininos são os interesses de cada gênero, que são diferentes. De acordo com Valério2, as mulheres têm mais consciência da necessidade de realizar atividades físicas para terem uma melhor qualidade de vida. De outro modo, o homem que passou praticamente a vida toda fora de casa trabalhando, com o advento da aposentadoria, prefere passar mais tempo em casa, saindo para ver os amigos ou se distrair. Assim, a ocupação desses espaços pelos homens, segundo Silveira et al.19, é uma maneira de preencher o lugar das atividades que eles realizavam anteriormente. Portanto, essas práticas sociais são experiências significativas e contribuem muito qualitativamente no processo de envelhecimento, especialmente para os indivíduos que vivem em centros urbanos.

Scott2 afirma que o gênero é a organização social da diferença sexual, ou seja, os espaços separados por gênero ratificam a percepção construída histórica e socialmente dos papéis adequados aos homens e às mulheres. Estes ambientes são conservadores do ponto de vista dos gêneros, pois reproduzem estereótipos de atitudes e comportamentos esperados para cada gênero, predeterminando características que definem o “ser homem ou ser mulher”.

Colaboradores

RX Coutinho e MAF Acosta participaram igualmente da redação final do texto.

2. Valério MP.A pouca adesão masculina nos grupos de atividade física para a terceira idade [dissertação]: Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2001.

Artigo apresentado em 01/11/2007

Aprovado em 20/04/2008

Versão final apresentada em 10/05/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2009

Histórico

  • Aceito
    10 Maio 2008
  • Revisado
    20 Abr 2008
  • Recebido
    01 Nov 2007
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