Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de hipertensão arterialem crianças e adolescentes obesos

Prevalence of hypertension among obese children and adolescents

Resumos

Há um incremento na carga de doenças crônicas que afetam a população mundial e, da mesma forma, uma significativa parcela da população brasileira. Figuram nesse contexto a hipertensão arterial e a obesidade, inclusive entre indivíduos de baixa faixa etária. Diante disso, este estudo objetivou investigar a prevalência de hipertensão arterial em crianças e adolescentes obesos, na tentativa de verificar sua manifestação conforme gênero e idade. Para tanto, foram avaliados 129 indivíduos obesos na faixa etária de 7 a 14 anos, de ambos os gêneros. A avaliação consistiu em medidas antropométricas e mensuração da pressão arterial. Posteriormente, as informações foram analisadas estatisticamente com auxílio do programa BioEstat 3.0, que indicou prevalência de hipertensão arterial em ambos os gêneros (masculino = 15,8% e feminino = 26,4%) sem diferirem estatisticamente entre si. Nos diferentes grupos etários, a doença também se manifestou, com destaque para os indivíduos de 13 e 14 anos (52,4%), os quais diferiram estatisticamente dos demais grupos etários. Com isso, concluiu-se que a hipertensão arterial se fez presente de forma marcante na população investigada, indicando que a obesidade pode interferir na elevação da pressão arterial de crianças e adolescentes.

Obesidade; Hipertensão arterial; Criança; Adolescente


There has been an increase in chronic diseases affecting the population not only in the world but also in Brazil. Hypertension and obesity fit this context, including among early age individuals. This paper aims at investigating the prevalence of hypertension among obese children and adolescents, checking its manifestation in compliance with gender and age. The study involved 129 obese individuals, ages ranging from 7 to 14 years, both sexes. The evaluation consisted of anthropometric measures and blood pressure measurements. The data were then analysed statistically through BioEstat 3.0 program, which indicated the prevalence of hypertension in both sexes (male = 15.8% and female = 26.4%), with no significant differences between each other. The disease was also present in the different age groups, especially among those aged 13 to 14 (52.4%), who were statistically different from other age groups, which, in turn, were not different from each other. This led to the conclusion that hypertension was remarkably present in the investigated population, indicating that the obesity can interfere in the elevation of the children's blood pressure and adolescents.

Obesity; Hypertension; Child; Adolescent


ARTIGO ARTICLE

Prevalência de hipertensão arterialem crianças e adolescentes obesos

Prevalence of hypertension among obese children and adolescents

Joel Saraiva FerreiraI; Ricardo Dutra AydosII

IInstituto de Ensino Superior da Funlec. R. Cacildo Arantes 322, Bairro Cachoeira II. 79040-452 Campo Grande MS. falecomjoel@hotmail.com

IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

RESUMO

Há um incremento na carga de doenças crônicas que afetam a população mundial e, da mesma forma, uma significativa parcela da população brasileira. Figuram nesse contexto a hipertensão arterial e a obesidade, inclusive entre indivíduos de baixa faixa etária. Diante disso, este estudo objetivou investigar a prevalência de hipertensão arterial em crianças e adolescentes obesos, na tentativa de verificar sua manifestação conforme gênero e idade. Para tanto, foram avaliados 129 indivíduos obesos na faixa etária de 7 a 14 anos, de ambos os gêneros. A avaliação consistiu em medidas antropométricas e mensuração da pressão arterial. Posteriormente, as informações foram analisadas estatisticamente com auxílio do programa BioEstat 3.0, que indicou prevalência de hipertensão arterial em ambos os gêneros (masculino = 15,8% e feminino = 26,4%) sem diferirem estatisticamente entre si. Nos diferentes grupos etários, a doença também se manifestou, com destaque para os indivíduos de 13 e 14 anos (52,4%), os quais diferiram estatisticamente dos demais grupos etários. Com isso, concluiu-se que a hipertensão arterial se fez presente de forma marcante na população investigada, indicando que a obesidade pode interferir na elevação da pressão arterial de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Obesidade, Hipertensão arterial, Criança, Adolescente

ABSTRACT

There has been an increase in chronic diseases affecting the population not only in the world but also in Brazil. Hypertension and obesity fit this context, including among early age individuals. This paper aims at investigating the prevalence of hypertension among obese children and adolescents, checking its manifestation in compliance with gender and age. The study involved 129 obese individuals, ages ranging from 7 to 14 years, both sexes. The evaluation consisted of anthropometric measures and blood pressure measurements. The data were then analysed statistically through BioEstat 3.0 program, which indicated the prevalence of hypertension in both sexes (male = 15.8% and female = 26.4%), with no significant differences between each other. The disease was also present in the different age groups, especially among those aged 13 to 14 (52.4%), who were statistically different from other age groups, which, in turn, were not different from each other. This led to the conclusion that hypertension was remarkably present in the investigated population, indicating that the obesity can interfere in the elevation of the children's blood pressure and adolescents.

Key words: Obesity, Hypertension, Child, Adolescent

Introdução

Mudanças não só biológicas, mas também no modo de vida, têm ocorrido naturalmente conforme a evolução do ser humano, implicando alterações características de cada período vivido pelo homem. Devido à busca instintiva pela sobrevivência e por melhores condições de vida, o panorama em que o ser humano está inserido modificou-se, ora de maneira lenta, ora de maneira acelerada. Nesse caminho, no século XX, foram vivenciados momentos de elevado grau de mudanças, resultando em alterações marcantes no comportamento da população, as quais são chamadas de processos de transição, envolvendo principalmente modificações demográficas, nutricionais e epidemiológicas1.

Essas alterações nos padrões de comportamento da população representaram, principalmente, mudanças na configuração epidemiológica, o que implicou uma atual elevação na prevalência de casos de doenças pertencentes a um grupo que se convencionou chamar de doenças crônicas não-transmissíveis, as quais são conhecidas por possuírem história natural prolongada, multiplicidade de fatores de risco complexos, interação de fatores etiológicos e biológicos conhecidos e desconhecidos, com evolução para graus variados de incapacidades ou para a morte2.

Com este amplo conceito, as doenças crônicas não-transmissíveis englobam uma série de enfermidades comumente vislumbradas entre a população, constituindo-se em atuais problemas de saúde pública, pois são responsáveis por 59% do total de mortes oficialmente conhecidas a nível mundial, com destaque para as enfermidades cardiovasculares, o diabetes e alguns cânceres, convertendo-se na principal causa de mortalidade nas Américas, sendo que para todas essas doenças há um fator de risco comum, que é a obesidade3.

A morbidade e a mortalidade relacionadas ao excesso de peso e, particularmente, ao excesso de gordura corporal, já têm relatos bastante antigos, como o de Hipócrates, que reconhecia ser a morte súbita mais comum aos indivíduos que são naturalmente gordos do que aos magros. Atualmente, essa associação é ainda mais marcante, uma vez que o excesso de gordura corporal pode predispor o indivíduo a morbidades como as dislipidemias, doenças biliares, osteoartrite e apnéia do sono4,5. Com isso, a obesidade pode ser encarada como uma situação duplamente problemática para o organismo, já que é uma doença por si própria e também é um fator de risco para várias outras doenças.

Contudo, são as doenças cardiovasculares as mais preocupantes dentre as comorbidades associadas à obesidade, já que são responsáveis por uma crescente prevalência de mortalidade em países de diferentes condições socioeconômicas6. Especificamente no Brasil, as doenças cardiovasculares continuam figurando desde 1980 como a principal causa da morte da população, representando cerca de 31,9% das mortes ocorridas no país. Os dados referentes ao Estado de Mato Grosso do Sul não diferem qualitativamente daqueles encontrados na média nacional. Desta forma, o grupo de doenças do aparelho circulatório também representa a causa de morte mais frequente nessa região, sendo responsável por 30% dos óbitos7.

O elevado número de óbitos atribuídos às doenças cardiovasculares no Brasil é proporcionado pelo surgimento de alguns fatores de risco desde a infância e pelo acréscimo de outros no decorrer da vida8,9. Como as mudanças no cotidiano da população infantil ocorreram de forma drástica e num curto espaço de tempo10, tais indivíduos também passaram a sofrer a ação de doenças relacionadas a esse novo contexto, como a hipertensão, as dislipidemias e o diabetes mellitus. Particularmente quanto à hipertensão, nota-se que esta apresenta-se geralmente elevada em indivíduos com sobrepeso6, o que representa uma sobrecarga ao músculo cardíaco, podendo desencadear adaptações morfológicas com efeitos severos para esse órgão.

Para compreender a gênese dessa doença, é necessário saber que a pressão arterial exercida pelo sangue no interior das artérias varia conforme as alterações fisiológicas do aparelho cardiovascular, principalmente em relação ao débito cardíaco, que por sua vez é determinado pelo produto da frequência cardíaca pelo volume ejetado do ventrículo esquerdo em cada sístole, bem como pela resistência vascular periférica, que pode ser entendida como a resistência que os vasos oferecem ao fluxo sanguíneo normal11. Além disso, todo esse complexo processo pode sofrer variações ao longo do dia, oscilando para valores maiores ou menores, conforme a exigência de cada ocasião12.

Conceitualmente, a hipertensão arterial pode ser entendida como uma entidade clínica multifatorial, caracterizada pela presença de níveis tensionais elevados, associados a alterações metabólicas, hormonais e a fenômenos tróficos, como hipertrofia cardíaca e vascular13. Após o diagnóstico, a hipertensão arterial é comumente classificada em dois tipos: primária, com causa desconhecida, ou secundária, com causa orgânica claramente desencadeadora da elevação dos valores pressóricos11,12.

Há indicação de que o tipo primário corresponde a cerca de 95% dos casos de hipertensão arterial, enquanto que o secundário representa os 5% restantes, tendo as doenças renais e endócrinas como suas principais causas. No caso da hipertensão arterial primária, vários fatores parecem se entrelaçar de tal forma que a determinação de um único fator causal torna-se uma tarefa muito difícil14.

Sobre a etiologia da hipertensão arterial na população infantil, seu curso parece seguir alguns parâmetros semelhantes aos dos adultos, tais como uma maior frequência de casos da forma primária, bem como a falta de sinais e sintomas que explicitem a presença da doença. Quanto às consequências anatômicas e fisiológicas comuns aos indivíduos adultos com hipertensão arterial, em crianças e adolescentes, a extensão dessas lesões parece ser menor15; no entanto, não são ausentes, indicando que o processo aterosclerótico e a hipertrofia ventricular esquerda também têm início em idades tenras. Nessas condições, o verdadeiro problema de saúde pública gerado pela hipertensão arterial concentra-se na forma primária da doença, já que em mais de 95% dos casos a etiologia é de difícil detecção16.

No Brasil, estima-se que 15% a 20% da população adulta pode ser classificada como hipertensa e outra grande parcela da população atingida pela doença nem sequer sabe do problema17. Em um inquérito realizado nos anos de 2002 e 2003, que investigou a prevalência de hipertensão arterial autorreferida por indivíduos adultos residentes em quinze capitais brasileiras mais o Distrito Federal, notou-se que, na região Centro-Oeste, o município de Campo Grande (MS) apresentou valores de 7,4% na faixa etária dos 25 aos 39 anos, 33,5% dos 40 aos 59 anos e de 53,7% nos indivíduos com 60 anos ou mais18.

Percebe-se uma ascendência vigorosa na prevalência de hipertensão arterial na população campograndense com o avanço da idade, o que pode ser ainda mais grave naqueles casos em que há concomitância de outros fatores de risco relacionados ao estilo de vida. Essa alta prevalência é um alerta para doenças cardiovasculares, mesmo que seja em um estudo com autorrelatos da doença, o qual possui como limitação a influência do acesso e uso de serviços médicos. Contudo, exames de pressão arterial têm se tornado bastante acessíveis à população, o que possibilita o uso de tal metodologia.

Com isso, é possível identificar que o percurso do principal grupo de causas de mortes entre os brasileiros é crescente e rápido, principalmente quando a população atinge a idade de adultos jovens. Como as doenças do aparelho circulatório estão associadas a vários fatores que podem agravá-las, é pertinente verificar a presença de tais fatores em uma população mais jovem, a fim de evitar que doenças mais graves possam instalar-se precocemente, repercutindo em morte prematura da população.

Conhecendo todo esse contexto que envolve a obesidade e as doenças a ela associadas, a motivação para investigar uma população mais jovem e que já estivesse acometida pelo excesso de tecido adiposo originou-se dos contatos realizados com o único programa de atendimento a crianças e adolescentes obesos oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) à população de Campo Grande (MS), de tal forma que esta investigação poderia trazer informações relevantes para a elaboração de estratégias direcionadas ao atendimento desse público, uma vez que os mecanismos utilizados para coleta e análise das informações são de fácil aplicabilidade, podendo ser reproduzidos novamente caso julgue-se necessário.

Métodos

O presente estudo caracterizou-se como sendo do tipo analítico transversal, no qual foram avaliadas 129 crianças e adolescentes obesos com idade de 7 a 14 anos de ambos os gêneros, no período de agosto de 2005 a julho de 2006. Os indivíduos avaliados são pacientes que procuraram atendimento junto ao Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS), localizado na cidade de Campo Grande (MS), onde é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) um programa de tratamento de obesidade infanto-juvenil, o qual atende exclusivamente crianças e adolescentes com diagnóstico clínico de obesidade e que tenham recebido encaminhamento médico para o atendimento especializado.

A escolha pela faixa etária de 7 a 14 anos ocorreu em função desse grupo de indivíduos representarem a quase totalidade dos pacientes atendidos na instituição hospitalar, no programa de tratamento para a obesidade, conforme levantamento prévio junto à equipe multiprofissional que presta o referido serviço. Esse fato levou à exclusão do grupo avaliado aquelas crianças ou adolescentes com menos de 7 ou mais de 14 anos de idade, já que quantidades muito pequenas de indivíduos poderiam inviabilizar os cálculos estatísticos previstos para o estudo.

Para a classificação do estado de obesidade das crianças e adolescentes, adotou-se como ponto de corte os valores de índice de massa corporal (IMC) iguais ou superiores ao percentil 95 de uma população de referência, utilizando para comparação os gráficos de IMC para idade e gênero, desenvolvidos pelo National Center for Health Statistics19.

A mensuração da pressão arterial seguiu as recomendações relatadas na IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial13, de acordo com procedimentos e critérios de diagnóstico e classificação de hipertensão arterial em crianças e adolescentes. Tais procedimentos incluíram a condição inicial de repouso, com o avaliado sentado por aproximadamente cinco minutos antes da aferição da pressão arterial e a utilização de manguitos com largura e comprimento proporcionais a circunferência do braço da criança ou adolescente (proporção largura/comprimento de 1:2).

O equipamento utilizado para aferir a pressão arterial foi um aparelho automático da marca Omron, modelo HEM 705-CP, o qual se mostrou válido para a aferição da pressão arterial de indivíduos jovens, conforme estudo realizado com uma população brasileira20. Os pacientes foram avaliados no dia de ingresso no programa de tratamento de obesidade, na tentativa de evitar qualquer alteração pressórica relacionada ao tratamento oferecido ao indivíduo daquele momento em diante. Foram realizadas duas medidas, com intervalo de dois minutos entre elas, adotando-se como valores para este estudo os menores resultados. Os indivíduos foram avaliados na posição sentada, com o equipamento posicionado no braço esquerdo do avaliado.

Tanto os indivíduos cujo diagnóstico foi de hipertensão arterial como aqueles considerados normotensos foram comunicados de tal situação e, da mesma forma, os pais ou responsáveis pelos pacientes. A equipe multidisciplinar do hospital que atende as crianças e adolescentes obesos também foi informada do diagnóstico realizado, para que o tratamento de saúde desses indivíduos pudesse ser realizado de forma adequada às necessidades de cada paciente e suas especificidades.

Para a realização das análises estatísticas, seguiu-se as recomendações de Zar21, com auxílio do programa BioEstat 3.0. Com isso, a prevalência de hipertensos foi estimada por ponto e por intervalo de confiança de 95%, dividindo-se os grupos amostrais por gênero e faixa etária. Análises exploratórias preliminares sugeriram não haver interação entre as variáveis gênero e classe de idade. Portanto, a comparação das prevalências de hipertensos entre os gêneros e entre as classes de idade foram feitas de forma independente, utilizando-se o teste qui-quadrado, adotando-se um nível de significância de 0,05.

O desenvolvimento desta pesquisa observou a legislação brasileira regulamentadora da aplicação de padrões da ética na pesquisa científica22. Seguindo tais orientações, a pesquisa contou com a concordância dos responsáveis pelas crianças e adolescentes pesquisados, com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, desenvolvido para tal finalidade. Também foi obtida autorização de um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) para, somente depois disso, dar início a coleta de dados.

Resultados

Os resultados obtidos neste estudo são apresentados inicialmente descrevendo os valores pressóricos da população investigada, conforme o gênero (Tabela 1), a faixa etária (Tabela 2) e a classificação da pressão arterial (Tabela 3).

Esses dados apontam que, no grupo pesquisado, há um número maior de indivíduos do gênero feminino, conforme observado na Tabela 1. Também nota-se que a maior concentração de indivíduos está na faixa etária dos 9 aos 12 anos, de acordo com a Tabela 2, e que, por fim, há um número expressivamente maior de indivíduos normotensos ao evidenciarmos a Tabela 3. Além disso, chama a atenção na Tabela 3 a grande diferença entre os valores medianos dos indivíduos hipertensos em relação aos normotensos. As consequências desses valores elevados têm efeito sobre diversos aspectos, inclusive sobre a área econômica, representando assim um delicado problema à saúde pública mundial23. Dessa forma, é evidente a relevância da verificação de situações que possam retratar os fatores de risco cardiovascular em crianças e adolescentes24, 25.

Para a análise da prevalência de hipertensão arterial na população investigada, os dados são apresentados na Tabela 4. Como as análises exploratórias preliminares sugeriram não haver interação entre as variáveis gênero e classe de idade, a comparação das proporções de hipertensos entre os gêneros e entre as classes de idade foram feitas de forma independente.

As informações dessa análise demonstram não haver diferença estatisticamente significativa entre os gêneros, mas sim entre os diferentes grupos etários e, ainda, que pelo desdobramento da comparação, chega-se à conclusão de que é a faixa etária de 13 e 14 anos que se difere das demais, que por sua vez não diferem entre si.

Discussão

Diferentemente de estudos que identificaram maior porcentagem de indivíduos hipertensos ora no gênero feminino26, ora no gênero masculino8, neste estudo, não foi possível verificar diferença estatisticamente significativa na prevalência de hipertensão arterial entre os gêneros. Nas situações em que a presença da hipertensão foi mais marcante entre o gênero feminino, os autores justificam a obtenção de tais informações devido ao fato de que outros fatores de risco para hipertensão são mais comuns às mulheres, como no caso da obesidade, que se mostrou mais frequente no gênero feminino em alguns estudos27, 28. Porém, neste estudo, a população foi constituída de uma maior porcentagem de indivíduos do gênero feminino (55,8%) e, mesmo assim, a hipertensão arterial não se mostrou de forma significativamente mais frequente neste gênero.

Quanto à distribuição por faixa etária, nota-se que nesta pesquisa não houve nenhum tipo de linearidade, crescente ou decrescente, em relação à prevalência de hipertensão arterial. Contudo, os valores obtidos nesta pesquisa se apresentaram superiores aos obtidos em estudos análogos8,17. Possivelmente esta diferença seja consequência da própria situação de obesidade, já que valores pressóricos aumentados foram mais frequentes nos indivíduos obesos dos referidos estudos.

Os valores de prevalência de hipertensão arterial em crianças e adolescentes obesos são importantes para a compreensão dos mecanismos de interação entre as duas doenças, uma vez que o risco prematuro para doenças do aparelho cardiovascular pode ser potencializado em idades mais jovens, simplesmente pela presença do excesso de peso corporal. Como a obesidade na infância e na adolescência representa um prognóstico de adulto obeso, o qual estará exposto a padecer mais facilmente de doenças crônicas29, a alta prevalência de hipertensão arterial encontrada nesta pesquisa, em todas as faixas etárias, representa um importante sinal de alerta para as condições de saúde cardiovascular desses indivíduos.

A situação agrava-se ainda mais pela constatação de que as doenças cardiovasculares representam a principal causa de mortalidade da população brasileira7 e que o risco da pressão arterial atingir valores elevados varia de acordo com a duração da obesidade, ou seja, o risco de desenvolver hipertensão torna-se maior conforme a permanência do estado de obesidade também permaneça prolongado19,30.

Com os resultados obtidos neste estudo, não é possível afirmar que a hipertensão cresceu com o avanço da idade, já que não houve um acompanhamento longitudinal dos avaliados. Porém, a doença apresentou-se mais frequente na faixa etária maior, que correspondeu às idades 13 e 14 anos, o que pode ter ocorrido pela presença de valores expressivamente maiores de gordura corporal nesses indivíduos, quando comparados às faixas etárias mais jovens. Também é possível que o período de tempo em que estes indivíduos encontram-se com excesso de tecido adiposo tenha contribuído para a elevação dos valores pressóricos, uma vez que o ganho etário em estado de obesidade eleva o risco de eventos cardiovasculares31.

Os casos de hipertensão arterial na infância são importantes preditores da saúde cardiovascular no indivíduo adulto, já que crianças com valores pressóricos acima do percentil 90 frequentemente tornam-se adultos hipertensos30, tornando assim os estudos de prevalência de hipertensão arterial em crianças e adolescentes importantes instrumentos de avaliação da saúde cardiovascular dessa população, tendo em vista o risco iminente de complicações cardiovasculares nesses indivíduos15.

Sabendo que a hipertensão arterial ficou confinada a adultos de idade mais avançada durante boa parte do século XX3, percebe-se que o foco atual da doença precisa ser modificado, pois agora essa doença acomete crianças e adolescentes obesos em idades precoces, inclusive antes mesmo da puberdade, o que pode levar a complicações cardiovasculares severas em idades jovens, comprometendo a qualidade e a expectativa de vida dessas pessoas.

Nesta pesquisa, o dado que merece maior destaque é, seguramente, o valor de prevalência de hipertensão arterial obtido no grupo etário de 13 e 14 anos (52,4%), pois trata-se de um número expressivo e que comumente não é relatado em estudos com indivíduos desta faixa etária. Ao contrário, valores tão elevados são obtidos em investigações com populações idosas32. Na própria população da cidade de Campo Grande (MS), há dados demonstrando que valores similares só foram obtidos em indivíduos com mais de 60 anos de idade18, 33.

Isso demonstra a agressividade com que a hipertensão arterial pode acometer os indivíduos obesos, antecipando em várias décadas alguns problemas orgânicos que afetariam naturalmente somente pessoas com idade mais avançada. Assim, o desgaste fisiológico gerado ao longo dos anos poderá comprometer mais rapidamente a continuidade do funcionamento normal do sistema cardiovascular desses indivíduos, incidindo em mortes e incapacitações prematuras, caso não sejam tomadas medidas de controle e reversão das condições que estão favorecendo a presença do tecido adiposo em excesso e da elevação da pressão arterial.

Considerações finais

A carga de doenças não-transmissíveis atingiu um patamar preocupante para a saúde pública e com isso, doenças como a obesidade e a hipertensão arterial, que há poucas décadas figuravam apenas entre grupos restritos da população adulta, agora atingem também crianças e adolescentes de forma semelhante.

A análise dos valores pressóricos da população investigada demonstrou que a hipertensão arterial foi prevalente em ambos os gêneros, sem diferir entre eles, bem como em todas as faixas etárias, sendo que nos indivíduos de 13 e 14 anos o valor foi expressivamente superior (52,4%) aos demais, alcançando um nível preocupante.

Como a hipertensão arterial foi prevalente entre crianças e adolescentes obesos, é possível que o elevado nível de gordura corporal esteja alterando os mecanismos responsáveis pelo funcionamento adequado do aparelho cardiovascular, o que pode implicar um desgaste prematuramente excessivo, repercutindo em futuras complicações relacionadas à qualidade e expectativa de vidas dessas pessoas.

É necessário que estratégias de diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares e, particularmente, da hipertensão arterial, também sejam direcionadas para a população infanto-juvenil. Para isso, o próprio diagnóstico de casos de obesidade em crianças e adolescentes já poderá apontar um grupo de indivíduos potencialmente aptos a serem acompanhados, visando à diminuição do índice de massa corporal e do percentual de gordura corporal.

Colaboradores

JS Ferreira realizou o delineamento do estudo, a coleta de dados, análise estatística e redação do texto. RD Aydos realizou o delineamento do estudo, a redação do texto e a revisão final do conteúdo.

Artigo apresentado em 01/08//2007

Aprovado em 14/12/2007

Versão final apresentada em 15/01/2008

  • 1. Pinheiro ARO, Freitas SFT, Corso ACT. Uma abordagem epidemiológica da obesidade.Rev. Nutr. 2004; 17:523-533.
  • 2. Doll R. Epidemiology of chronic non-infectious disease: current status and future perspective. Rev. bras. epidemiol. 1998; 1(2):94-103.
  • 3
    Organização Pan-Americana de Saúde. Doenças crônico-degenerativas e obesidade: estratégia mundial sobre alimentação saudável, atividade física e saúde. Brasília: OPAS; 2003.
  • 4. Silva MAM, Rivera IR, Ferraz MRMT, Pinheiro AJT, Alves SWS, Moura AA, Carvalho ACC. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em crianças e adolescentes da Rede de Ensino da cidade de Maceió. Arq Bras Cardiol 2005; 84:387-392.
  • 5. Crespo CJ, Arbesman J. Obesity in the United States - a worrisome epidemic. The Physician and Sportsmedicine 2003; 31:96-111.
  • 6. Francischi RPP, Pereira LO, Freitas CS, Klopfer M, Santos RC, Vieira P, Lancha Júnior AH. Obesidade: atualização sobre sua etiologia, morbidade e tratamento.Rev. Nutr. 2000; 13(1):17-20.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2004 uma análise da situação da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
  • 8. Rosa MLG, Fonseca MM, Oigman G, Mesquita ET. Pré-hipertensão arterial e pressão de pulso aumentada em adolescentes: prevalência e fatores associados. Arq Bras Cardiol 2006; 87:46-53.
  • 9. Mendes MJFL, Alves JGB, Alves AV, Siqueira PP, Freire EFC. Associação de fatores de risco para doenças cardiovasculares em adolescentes e seus pais. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2006; 6(Supl.): 49-54.
  • 10. Albano RD, Souza SB. Estado nutricional de adolescentes: "risco de sobrepeso" e "sobrepeso" em uma escola pública do município de São Paulo. Cad Saude Publica 2001; 17:941-947.
  • 11. Fábri TF. Exercício físico e pressão arterial. Rev Educ Física 2000; 124:19-21.
  • 12
    Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação de Doenças Cardiovasculares.Controle de hipertensão arterial: uma proposta de integração ensino-serviço. Rio de Janeiro: CDCV/NUTES; 1993.
  • 13
    Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Nefrologia. IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2004; 82(Supl. 4):7-22.
  • 14
    Organización Mundial de Salud. Tratamiento de la hipertensión arterial: guía práctico para el médico y otros agentes de salud. Ginebra: OMS; 1985.
  • 15. Salgado CM, Carvalhaes JTA. Hipertensão arterial na infância. J Pediatr 2003; 79(Supl.):115-124.
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde. Normas técnicas para o programa nacional de educação e controle da hipertensão arterial. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde; 1988.
  • 17. Moura AA, Silva MAM, Ferraz MRMT, Rivera IR. Prevalência de pressão arterial elevada em escolares e adolescentes de Maceió.J Pediatr 2004; 80:35-40.
  • 18. Passos VMZ, Assis TD, Barreto SM. Hipertensão arterial no Brasil: estimativa de prevalência a partir de estudos de base populacional. Epidem Serv Saude 2006; 15:35-45.
  • 19
    World Health Organization. Obesity: Preventing and managing the global epidemic. Geneva: WHO; 1998.
  • 20. Furusawa EA, Ruiz MFO, Saito MI, Koch VH. Avaliação do monitor de medida de pressão arterial Omron 705-CP para uso em adolescentes e adultos jovens. Arq Bras Cardiol 2005; 84:367-370.
  • 21. Zar JH.Bioestatistical analysis. 4th ed. New Jersey: Prentice Hall; 1999.
  • 22. El-Guindy MM. Metodologia e ética na pesquisa científica. São Paulo: Editora Santos; 2004.
  • 23. Chopra, M, Galbraith S, Darnton-Hill I. A global response to a global problem: the epidemic of overnutrition. Bull World Health Organ 2002; 80:952-958.
  • 24. Lenfant C. Can we prevent cardiovascular diseases in low and middle income countries ? Bull World Health Organ 2001; 79:980-986.
  • 25. Koch VH. Casual blood pressure and ambulatory blood pressure measurement in children. São Paulo Med Journal 2003; 121:85-89.
  • 26. Villarreal-Rios E, Mathew-Quiroz A, Garza-Elizondo ME, Nuñez-Rocha G, Salina-Martínez AM, Gallegos-Handal M. Costo de la atención de la hipertensión arterial y su impacto en el presupuesto destinado a la salud en México. Salud Pub Mex 2002; 44:7-13.
  • 27. Gus M, Moreira LB, Pimentel M, Gleisener ALM, Moraes RS, Fuchs FD. Associação entre diferentes indicadores de obesidade e prevalência de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol1998; 70:111-114.
  • 28. Cercato C, Mancini MC, Arguelho AMC, Passos VQ, Villares SMF, Halpern A. Hipertensão arterial, diabetes melito e dislipidemia de acordo com o índice de massa corpórea: estudo em uma população brasileira. Rev Hosp Clin 2004; 59:113-118.
  • 29. Burbano JC, Fornasini M, Acosta M. Prevalencia y factores de riesgo de sobrepeso en colegiales de 12 a 19 años en una región semiurbana del Ecuador.Bull Pan Am Health Organ 2003; 13:277-284.
  • 30. Coronelli CLS, Moura EC. Hipercolesterolemia em escolares e seus fatores de risco. Rev. Saude Publica2003; 37:24-31.
  • 31. Carneiro G, Faria AN, Ribeiro Filho FF, Guimarães A, Lenário D, Ferreira ARG, Zanella MT. Influência da distribuição da gordura corporal sobre a prevalência de hipertensão arterial e outros fatores de risco cardiovascular em indivíduos obesos. Rev Assoc Med Bras2003; 49:306-311.
  • 32. Zaitune MPA, Barros MBA, César CLG, Carandina L, Goldbaum M. Hipertensão arterial em idosos: prevalência, fatores associados e práticas de controle no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22:285-294.
  • 33. Souza ARA, Costa A, Nakamura D, Mocheti LN, Stevanato Filho PR, Ovando LS. Um estudo sobre hipertensão arterial sistêmica na cidade de Campo Grande, MS. Arq Bras Cardiol2007; 88(4):441-446.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2010
  • Data do Fascículo
    Jan 2010

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2007
  • Aceito
    14 Dez 2007
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br