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Vivenciando o processo de municipalização do SUS no município de Juazeiro do Norte (CE)

Living the process of the municipalization of SUS in Juazeiro do Norte, Ceará State

Resumos

Com a reorganização do sistema de saúde brasileiro e o princípio da descentralização e municipalização dos serviços de saúde, torna-se de caráter relevante um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade da municipalização para a qualidade de vida das pessoas. O objetivo do estudo é observar as estratégias organizacionais da atenção à saúde no município de Juazeiro do Norte (CE), através de uma pesquisa de campo descritiva, com abordagem quantiqualitativa, extraindo indicadores das condições de vida da população, e entrevistas semiestruturadas, realizadas com principais instâncias de gerência no âmbito do SUS. Os resultados evidenciaram uma realidade semelhante à maioria dos municípios brasileiros, marcada pela insuficiência de recursos no setor, problemas de saúde de diferentes complexidades resolutivas, demonstrando uma realidade com determinadas particularidades, tais como a existência de uma grande população flutuante, atendida pelo sistema de saúde. Desta forma, há de se analisar o SUS com maior objetividade, entendendo-o como processo em construção permanente, haja vista as inúmeras dificuldades a serem enfrentadas.

SUS; Municipalização; Gestão


The reorganization of the Brazilian health system, the principle of the decentralization and municipalization of the health services has demanded a deeper knowledge about its reality for people's quality of life. The aim of this study is to observe the organizational strategies of the health care in the city of Juazeiro do Norte, located in the state of Ceará, through a descriptive field research, with a quantitative-qualitative approach, extracting indicators of the life conditions of populations and semi-structured interviews held with main management demands on the field of SUS. The results proved a reality similar to most Brazilian towns, marked by the lack of recourses in the sector, health problems of different complexities to resolve, demonstrating a reality with certain details, such as: the existence of a big migration population assisted by the health system. Thus, it is necessary to analyze SUS with further objectivity, by understanding it as a process in permanent construction, taking into account the several difficulties to be faced.

SUS; Municipalization; Management


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Vivenciando o processo de municipalização do SUS no município de Juazeiro do Norte (CE)

Living the process of the municipalization of SUS in Juazeiro do Norte, Ceará State

Maria Wanderleya de Lavor CoriolanoI; Grayce Alencar AlbuquerqueII; Natércia de Sousa AraújoII; Marcelo Alves de OliveiraII; Marinus de Moraes LimaIII

IUniversidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências da Saúde. Av. Prof Moraes Rego s/n, Prédio das Pós-Graduações do CCS/1o andar, Cidade Universitária. 50670-420 Recife PE. wandenf@yahoo.com.br

IISecretaria Municipal de Saúde de Juazeiro do Norte

IIIHospital Geral de Fortaleza

RESUMO

Com a reorganização do sistema de saúde brasileiro e o princípio da descentralização e municipalização dos serviços de saúde, torna-se de caráter relevante um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade da municipalização para a qualidade de vida das pessoas. O objetivo do estudo é observar as estratégias organizacionais da atenção à saúde no município de Juazeiro do Norte (CE), através de uma pesquisa de campo descritiva, com abordagem quantiqualitativa, extraindo indicadores das condições de vida da população, e entrevistas semiestruturadas, realizadas com principais instâncias de gerência no âmbito do SUS. Os resultados evidenciaram uma realidade semelhante à maioria dos municípios brasileiros, marcada pela insuficiência de recursos no setor, problemas de saúde de diferentes complexidades resolutivas, demonstrando uma realidade com determinadas particularidades, tais como a existência de uma grande população flutuante, atendida pelo sistema de saúde. Desta forma, há de se analisar o SUS com maior objetividade, entendendo-o como processo em construção permanente, haja vista as inúmeras dificuldades a serem enfrentadas.

Palavras-chave: SUS, Municipalização, Gestão

ABSTRACT

The reorganization of the Brazilian health system, the principle of the decentralization and municipalization of the health services has demanded a deeper knowledge about its reality for people's quality of life. The aim of this study is to observe the organizational strategies of the health care in the city of Juazeiro do Norte, located in the state of Ceará, through a descriptive field research, with a quantitative-qualitative approach, extracting indicators of the life conditions of populations and semi-structured interviews held with main management demands on the field of SUS. The results proved a reality similar to most Brazilian towns, marked by the lack of recourses in the sector, health problems of different complexities to resolve, demonstrating a reality with certain details, such as: the existence of a big migration population assisted by the health system. Thus, it is necessary to analyze SUS with further objectivity, by understanding it as a process in permanent construction, taking into account the several difficulties to be faced.

Key words: SUS, Municipalization, Management

Introdução

A implantação formal do Sistema Único de Saúde e sua estrutura nos dias atuais em distintos e particulares contextos territoriais (país, estado, município, comunidades, entre outros) teve como marco fundamental a VIII Conferência Nacional de Saúde, na qual se tornou evidente a necessidade de reorganização e reformulação de práticas e percepções envolvendo a saúde da população.

Sob o desenho do Sistema Único de Saúde, emergem vários princípios de organização e gestão da assistência, dentre os quais se insere a municipalização da saúde, entendida como uma estratégia a ser operacionalizada no sentido de que, para atingir o grau de mudanças necessárias em uma determinada realidade local, há a necessidade de ser desenvolvida a capacidade de coordenar os recursos disponíveis, tornando-se fundamental a participação de todos os atores sociais.

A orientação voltada para a descentralização na programação e planejamento em saúde exige informações sobre o perfil de morbimortalidade, os fatores de risco e seus determinantes, as características demográficas, informações sobre os serviços, bem como a disponibilidade de recursos humanos, de infraestrutura e financeiros1.

Nesta lógica, conhecer e interpretar o Sistema Único de Saúde como estratégia operacional da atenção à saúde constitui uma tarefa complexa e um tanto desafiadora, devido à existência de inúmeras variáveis que precisam ser analisadas e interpretadas neste processo histórico multideterminado2,3. No caso, a construção do diagnóstico da situação de saúde do município de Juazeiro do Norte, o qual contempla indicadores intersetoriais, indicadores de saúde nos três níveis de atenção e entrevistas com instâncias de gerência e controle no âmbito do setor de saúde, é apenas uma das variáveis que podem e devem ser estudadas, objetivando obter conhecimentos acerca da situação do SUS em um dado território.

Neste sentido, o trabalho epidemiológico é valioso para organizar e gerir sistemas, sendo que a massa de todas as informações levantadas subsidiará o planejamento de ações a serem desenvolvidas com a população, levando em conta suas individualidades e necessidades mais urgentes.

Diante desta perspectiva, foi consolidado um diagnóstico de saúde do município de Juazeiro do Norte (CE), levando em conta os principais indicadores de saúde da população, bem como percepções e conhecimentos das principais instâncias de gerência no âmbito do SUS, visando oferecer subsídios para a construção de políticas de saúde mais equânimes e eficazes frente às necessidades encontradas na população, além de mostrar como vem se dando o processo de municipalização do SUS, suas potencialidades, conquistas e desafios a serem perseguidos.

Objetivos

Objetivo geral

Observar as estratégias organizacionais da atenção à saúde no município de Juazeiro do Norte (CE).

Objetivos específicos

. Construir o diagnóstico da situação de saúde do município de Juazeiro do Norte (CE);

. Conhecer os principais indicadores de saúde do município;

. Entrevistar atores responsáveis por ações de saúde operacionalizadas no nível municipal e microrregional, analisando as suas percepções quanto ao Sistema Único de Saúde;

. Conhecer os instrumentos de gestão utilizados no acompanhamento e avaliação das ações em saúde.

Metodologia

O desenho do estudo é do tipo descritivo, ecológico, de abordagem quantiqualitativa4.

Foi desenvolvido no município de Juazeiro do Norte (CE), situado na região do Cariri, a 527 quilômetros de Fortaleza5, no período compreendido entre os dias 15 de março e 24 de abril de 2004, constando das seguintes etapas: levantamento de dados; revisão bibliográfica; realização de entrevistas; organização, seleção e interpretação das informações na construção do diagnóstico de saúde e organização e interpretação das informações recolhidas a partir das entrevistas.

Resultados

Indicadores de saúde

Com os resultados da primeira etapa de investigação, foram extraídos alguns indicadores da atenção para desvelar informações prévias concernentes ao estado de saúde da população do município de Juazeiro do Norte (CE), com informações dispostas no plano municipal de saúde5,6, elaborado a partir do trabalho diário desenvolvido pelo Programa de Saúde da Família, dados de mortalidade dispostos no Sistema Nacional de Mortalidade (SIM), dando conta das principais causas de morte das pessoas, para, assim, se dar o processo de planejamento e elaboração de estratégias voltadas às necessidades da população.

O Gráfico 1 demonstra que as causas neonatais, por serem mais complexas e de controle bem mais difícil, sendo suas principais causas problemas perinatais, anomalias congênitas ou de origem genética, estão em um patamar mais elevado (67%) do que os óbitos pós-neonatais, cujas causas mais comuns são a diarréia, infecções respiratórias agudas (IRAS) e doenças infecciosas. Estas últimas, por sua vez, necessitam de medidas como saneamento básico, atendimentos de pré-natal, com ênfase desde a primeira consulta no aleitamento materno exclusivo até os seis meses, consultas de puericultura, imunizações, utilização da terapia de reidratação oral e tratamento adequado das IRAS para obter impacto positivo sobre estes problemas.


Os dados obtidos através da interpretação do Gráfico 2 revelam que a principal causa de mortalidade geral deve-se às doenças cardiovasculares, correspondendo estas a 16,6% do total de óbitos, tendo as mesmas aumentado durante o período de 1997 a 2000. Em seguida, aparecem os achados anormais em exames clínicos e laboratoriais, com 16% do total de óbitos, apesar de sofrerem uma diminuição relativa durante o mesmo período. Em terceiro lugar, verifica-se a ocorrência de causas perinatais, perfazendo um total de 13,5%, tendo oscilado durante o período estudado, com aumentos entre os anos de 1997 e 1999 e diminuição entre 1999 e 2000. Aparecem também como causas relevantes de mortalidade as causas externas, doenças respiratórias, doenças infecciosas e parasitárias, neoplasias e doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas.


Entrevistas realizadas com instâncias de gestão

Programa de Saúde da Família (PSF)

Atualmente, a atenção básica tem como estratégia operacional o Programa de Saúde da Família (PSF), cuja proposta concentra-se em integrar e organizar atividades de atenção à saúde em um dado território, numa visão hierárquica de comunicação com os níveis secundários e terciários de atenção à saúde, quando ocorre o defrontamento com problemas de resoluções mais complexas.

Nesta dimensão, o PSF deve atuar na Unidade de Saúde da Família e nos domicílios da população, com uma visão integral da saúde dos indivíduos, estando vinculado à rede de serviços, de forma que se garanta atenção integral aos indivíduos e famílias e que sejam asseguradas a referência e a contrarreferência para clínicas e serviços de maior complexidade sempre que o estado de saúde da pessoa assim o exigir7,8.

A equipe do PSF é composta, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS), enquanto outros profissionais - dentistas, assistentes sociais e psicólogos - poderão ser incorporados às equipes, visando aumentar a sua efetividade junto à clientela.

Assim, o cuidado da saúde da família objetiva a promoção da saúde através da mudança, propondo ajudar as famílias a criarem novas formas de interação para lidar com a saúde e contra agressores8.

De acordo com a Coordenadora do Programa de Saúde da Família do município de Juazeiro do Norte (CE), o município possui 42 Equipes de Saúde da Família (ESF), distribuídas na zona urbana e rural, cada uma atendendo em média 4.200 habitantes por área, sendo consideradas suficientes para atender os problemas de saúde enfrentados pelos indivíduos adstritos ao território coberto pela equipe responsável.

As principais atribuições e competências da coordenação do PSF consistem em acompanhar o desempenho das atividades executadas por cada equipe, por meio de avaliações mensais dos indicadores de saúde, através de relatórios produzidos por cada equipe, reuniões na Secretaria de Saúde e visitas às Unidades de Saúde. Além disso, planeja estratégias para ações de saúde junto às equipes, atualiza as informações do programa e promove a educação continuada para as ESF.

A entrevistada refere que, após a introdução dos trabalhos do PSF, foram observadas melhorias nos indicadores de saúde da atenção básica; porém, ressalta a existência de falhas, tais como a não cobertura de 100% da população, gerando uma grande demanda espontânea; o baixo nível sociocultural da população, dificultando o entendimento dos objetivos do programa, e a falta de profissionais com perfil de saúde da família.

Portanto, convém destacar que o programa, por si só, não garante uma efetiva resolução dos problemas de saúde, sendo observado que alguns pré-requisitos, tais como a percepção e participação da população junto ao programa, o empenho e qualificação dos profissionais de saúde e uma verdadeira articulação com o restante da rede, são indispensáveis para garantir o sucesso da atenção básica.

Entrevista com diretor do hospital de referência

A criação e consolidação do Sistema Único de Saúde representa, em síntese, uma profunda modificação do arcabouço estrutural do setor de saúde no Brasil, o que é visualizado através do conteúdo demográfico de seus princípios, entre os quais se pode citar a regionalização dos serviços de saúde9.

A regionalização se expressa como uma nova forma de organização, caracterizada pela articulação entre os municípios de uma determinada região, constituindo uma rede única e integrada, que tem como objetivos otimizar os recursos, melhorar a qualidade dos serviços ligados ao SUS nesses municípios e garantir o acesso aos mesmos. Desta forma, caso um município não apresente uma demanda maior para um certo serviço de média ou alta complexidade, outro município da rede que disponha de tal serviço pode oferecê-lo, garantindo o acesso.

A 21ª Célula Regional de Saúde, localizada no Juazeiro do Norte, possui alguns hospitais de referência em serviços especializados de alta complexidade.

Segundo o diretor entrevistado, o hospital sob sua responsabilidade é um polo de referência macrorregional, que tem como especialidades a neurocirurgia, captação de órgãos para transplantes e a hemodiálise. Além disso, é hospitalescola da Faculdade de Medicina de Barbalha, entre outras atividades.

Os principais problemas vivenciados diretamente pelo hospital incluem baixa remuneração do SUS, aumento do preço dos insumos e limitações do número de atendimentos de alta complexidade.

A pactuação de compra de serviços entre os municípios e o hospital é feita através de PPI, pactuada na bipartite microrregional.

O setor de controle e avaliação é incipiente, sendo o controle da assistência prestadora feito pela qualificação e treinamento sistemático dos profissionais. Não há sistema de ouvidoria.

Por fim, na concepção do diretor entrevistado, "Sem o SUS o povo morreria à míngua, é o único apoio de saúde para a população pobre, é a solução".

Secretaria Municipal de Saúde

Em entrevista realizada com o Secretário de Saúde do município de Juazeiro do Norte, foi relatado que percebe o SUS como o maior plano de saúde do Brasil, não tendo atingido sua plenitude e acredita que nunca atingirá devido ao número elevado de usuários, visto que ele se destina a todos os brasileiros, tanto os que podem usufruir da assistência médico supletiva, como aqueles que não podem pagar. Contudo, a busca pelo ideal deve ser perseguida continuamente, sendo possível notar uma melhoria gradativa do sistema de saúde desde sua implantação até o momento atual.

Com relação ao fortalecimento da municipalização, reconhece muitas vantagens trazidas pelo SUS, no sentido de que os municípios ficaram mais preparados para assistir os seus munícipes. Outro fato importante diz respeito ao financiamento do setor, que se encontra "amarrado", ou seja, dividido em porcentagens para cada área de investimentos.

Referiu, ainda, que o município está habilitado na gestão plena ampliada, na qual a Secretaria de Saúde administra os valores destinados à saúde, ficando a sua aprovação sob a responsabilidade do Conselho Municipal de Saúde e do Executivo Municipal.

Quanto aos problemas de saúde enfrentados pelo município, os principais são doenças infectocontagiosas, incluindo a tuberculose e a hanseníase, além das doenças sazonais, tais como as diarréias e a dengue, sendo ambas de responsabilidade da população e do governo, e os recursos, que não são suficientes para o setor.

As ações contidas no plano municipal de saúde e a sua execução são prestadas junto ao Conselho Municipal de Saúde, sendo uma função obrigatória em prazo trimestral; entretanto, a prestação de contas é realizada mensalmente para não acumular trabalhos.

O orçamento financeiro tem que ser aprovado pelo CMS para ter validade. As contas são previamente avaliadas por uma comissão especializada; depois da análise, as interpretações são repassadas ao conselho e, posteriormente, à plenária. Existe também uma central de contabilidade destinada apenas para o setor de saúde, localizada na prefeitura, sendo a prestação de contas realizada trimestralmente, indo em seguida para o CMS, câmara de vereadores, Ministério Público e Tribunal de Contas dos municípios.

Dentro da estrutura organizacional da secretaria, existe um setor de controle e avaliação, o qual é inerente às atividades e competências da secretaria, precisando-se desse serviço devido à complexidade das informações requeridas e prazos que precisam ser cumpridos. Existe, também, uma equipe responsável pela auditoria; no entanto, não se encontra totalmente estruturada para atender às várias funções. Assim, enquanto o setor de controle e avaliação informa e analisa, o de auditoria fiscaliza. Já o serviço de auditoria no município funciona através de um disque denúncia, não havendo um sistema estruturado.

A qualidade da assistência nos três níveis de atenção (primária, secundária e terciária) baseiase nos indicadores de saúde: mortalidade infantil, cobertura vacinal, mortalidade materna, entre outros, os quais têm melhorado consideravelmente, em virtude do aumento no número de equipes de PSF, embora ainda tenha sua atuação prejudicada tanto pelas questões culturais da população (hospitalocêntrica, curativa), quanto pela falta de compromisso e qualificação profissional. Além disso, a qualidade da assistência também pode ser avaliada "pelo que não se faz", ou seja, observa-se uma menor demanda aos serviços de média e alta complexidade, demonstrando-se uma maior eficácia da atenção básica.

Conselhos Municipais de Saúde

Os conselhos de saúde são os órgãos de controle do SUS pela sociedade nos níveis municipais, estadual e federal, tendo sido criados para permitir a interferência da população na gestão de saúde, defendendo os interesses das coletividades para que estes sejam atendidos pelas ações governamentais10.

Os conselhos funcionam, portanto, como órgão dirigente, cujos membros têm caráter permanente e deliberativo, devendo funcionar e tomar decisões regularmente, exercendo ações de acompanhamento, controle e fiscalização das políticas de saúde, além de propor correções e aperfeiçoamentos em seu rumo.

No município de Juazeiro do Norte (CE), o conselho de saúde é composto por 24 membros, dispostos da seguinte forma: 25% são membros do governo, 25%, prestadores de serviço e profissionais de saúde e 50%, usuários, compreendendo associações e representantes de entidades de classe, os quais se reúnem mensalmente para tratar sobre assuntos relacionados ao funcionamento e gestão dos serviços de saúde, avaliar o relatório de gestão, pactuação de indicadores da atenção básica, PPI, plano municipal de saúde e setor de auditoria hospitalar e ambulatorial.

Em entrevista realizada com um membro do conselho, foi informado que o conselho controla o cumprimento das ações planejadas pelo Executivo Municipal através de reuniões mensais de avaliação, nas quais são discutidas as principais decisões tomadas pelo conselho, as quais são defendidas em resoluções ou atos normativos.

Quanto à discussão e homologação do plano municipal de saúde (PMS) pelo Conselho Municipal de Saúde, foi relatado que o PMS é elaborado e discutido por uma equipe técnica da Secretaria Municipal de Saúde, juntamente com o conselho, sendo votado e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde, o qual faz o acompanhamento quanto à execução do que foi estabelecido no plano municipal de saúde.

A prestação de contas de atividades realizadas pelo CMS à população é realizada por meio de relatórios anuais, divulgações de resoluções e decisões na imprensa local, além da disseminação de informações pelos representantes da sociedade civil organizada àqueles que lhes asseguraram o direito de representação junto ao CMS.

Ao se questionar a avaliação da assistência prestada ao usuário do município, o conselheiro entrevistado ressaltou que, apesar de existirem dificuldades, tais como a existência de uma população flutuante de um milhão de romeiros por ano; a falta de recursos para manutenção do sistema e a falta de compromisso dos profissionais de saúde, o conselho mantém presença nas suas atividades, como também em setores da Secretaria de Saúde, exercendo controle e avaliação através de visitas às Unidades de Saúde e discussões mensais com os diversos membros que o compõem, e as decisões tomadas pelo órgão são cumpridas pela Secretaria de Saúde para serem realizadas.

Células regionais de saúde

As atuais células regionais de saúde, anteriormente denominadas microrregiões de saúde, são definidas como espaços territoriais compostos por um conjunto de municípios, formadas num processo espontâneo e natural de integração e interdependência, constituindo espaços de negociação, articulação, coordenação e organização dos serviços entre os municípios, com vontade política unificada e capacidade de propor soluções para problemas enfrentados pela população dessa aérea geográfica, no sentido de garantir o atendimento das necessidades sentidas no âmbito da saúde9.

Assim, no propósito de fortalecer a descentralização da saúde sem ocasionar custos onerosos ao sistema de saúde, a lógica das microrregiões visa regionalizar os serviços de maior complexidade, tornando-os mais acessíveis àqueles necessitados, de forma a facilitar o tratamento, cura e reabilitação, que não podem ser resolvidos na rede básica de atenção à saúde. Ao mesmo tempo, ocorrerá uma racionalização de recursos escassos, viabilizando a implantação de sistemas integrados de serviços de saúde, substituindo a fragmentação dos serviços, que é comprovadamente ineficaz.

Com os papéis inerentes à Célula Regional de Saúde, participando do processo de descentralização e cooperação entre gestores municipais e a esfera estadual, torna-se possível e pertinente a priorização de alguns tipos de especialidades médicas, conforme as condições de vida das populações adscritas a cada município, objetivando organizar e fortalecer o desenvolvimento do SUS sob uma lógica organizacional sustentada através da pactuação entre os atores envolvidos, estabelecendo-se o processo de distribuição dos serviços e recursos financeiros, sob o controle das Comissões Intergestoras Bipartites, que constituem fóruns de negociação entre municípios e Estado.

Segundo informação obtidas através de entrevista com a gerente da 21ª Célula Regional de Saúde (composta pelos municípios de Barbalha, Caririaçu, Granjeiro, Jardim, Juazeiro do Norte e Missão Velha), foi definido que o papel da célula regional de saúde no contexto SUS consiste em fortalecer os sistemas municipais de saúde e apoiar e assessorar na lógica organizacional das microrregiões de saúde, de forma que os municípios agregados se unam e se articulem cooperativamente.

Quanto aos maiores problemas que a célula enfrenta, a mesma relata serem: (1) o atendimento hospitalar (devido à demanda elevada e o não cumprimento da Programação Pactuada Integrada - PPI); (2) a atenção básica (qualidade e quantidade), pois não se tem uma cobertura de PSF que atinja 100% (por exemplo, Juazeiro do Norte possui uma cobertura de 60%); (3) carência de profissionais médicos para compor as equipes de PSF; (4)endemias, devido ao não envolvimento da população; (5) a escassez de recursos financeiros e (6) a qualificação dos profissionais de saúde.

Em relação ao financiamento pelo SUS, as três instâncias governamentais (União, Estado e Município) participam do financiamento da atenção primária; a NOAS prevê que o município seja o responsável pelo mesmo, enquanto o Estado contribui com a assistência farmacêutica, vigilância sanitária e epidemiológica, além do nível federal contribuir com o Piso de Atenção Básica (PAB) e outros incentivos ao PSF.

O financiamento da atenção secundária, constituída por hospitais que tenham as especialidades prioritárias de pediatria, gineco-obstetrícia, cirúrgica geral, psiquiatria, traumato-ortopedia, urgência e emergência, rede de consultas especializadas, é fornecido o maior percentual pelo nível federal em municípios habilitados na gestão plena, enquanto aqueles habilitados na gestão básica recebem a maior parte dos incentivos provenientes do Estado. Os cálculos processados para o fornecimento de incentivos financeiros é calculado per capita, assim como os incentivos para a atenção básica.

No caso da atenção terciária, o nível federal é responsável pela totalidade de recursos fornecidos, sendo que o financiamento nos três níveis de atenção não passa pela célula e os municípios recebem os recursos diretamente.

Ao se questionar sobre as instâncias democráticas de discussão e deliberação dos problemas de saúde, a gerente entrevistada reconheceu a fundamental importância dos conselhos municipais de saúde, bem como a participação das bipartites microrregionais quanto à apreciação de questões inerentes ao sistema de saúde, passando problemas que excedem sua capacidade resolutiva à comissão bipartite do Estado. Mencionou ainda a tentativa de criar comissões que passam pelo nível da célula para investigar problemas (por exemplo, maus-tratos) junto às populações acometidas.

Ainda foi relatado que o acompanhamento da célula regional de saúde sobre as metas preestabelecidas nas estratégias de saúde baseia-se no plano estratégico, anualmente elaborado, além de ser feito o monitoramento por meio de outros instrumentos, tais como o Pacto da Atenção Básica, sendo cada município avaliado individualmente com base nos indicadores atingidos, comparando-os às metas fixadas nas agendas de saúde e planos municipais de saúde.

Conclusão

O reconhecimento da necessidade de elaboração de planos locais para a saúde de suas populações constitui um requisito importante e crucial para o desenvolvimento dos diversos territórios.

Diante desse fato, o município de Juazeiro do Norte, lócus do presente estudo, exprime uma realidade semelhante à maioria dos municípios brasileiros, marcada pela insuficiência de recursos no setor, problemas de saúde de diferentes complexidades resolutivas, demonstrando uma realidade com determinadas particularidades, tais como a existência de uma grande população flutuante, atendida pelo sistema de saúde, enquanto os recursos destinados à manutenção deste são calculados de acordo com a população fixa, gerando sobrecarga no atendimento aos problemas de saúde que necessitam ser enfrentados.

É interessante observar que as informações obtidas na realização de entrevistas com as várias instâncias gerenciais são coerentes entre si. Todos os entrevistados reconheceram a importância dos princípios do SUS na sua efetivação, apesar da existência de falhas ainda vivenciadas, a exemplo da não cobertura de 100% da população pelas equipes de PSF, limitações do número de atendimentos de média e alta complexidade, baixa remuneração do SUS, falta de profissionais qualificados em saúde da família, visão da população quanto à saúde centrada no modelo médico, curativo, inexistência da contrarreferência, que garantiria os princípios da universalidade, integralidade e intersetorialidade.

Por tudo isso, há de se analisar o SUS com maior objetividade, entendendo-o como processo em construção permanente que visa, a médio e longo prazos, a uma mudança do paradigma de atenção à saúde e a uma busca de um sistema de saúde eficaz, eficiente, de qualidade e equitativo.

Colaboradores

MWL Coriolano, GA Albuquerque, NS Araújo, MA Oliveira e MM Lima participaram igualmente de todas as etapas da elaboração do artigo.

Artigo apresentado em 27/07/2007

Aprovado em 14/12/2007

Versão final apresentada em 07/04/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010

Histórico

  • Revisado
    14 Dez 2007
  • Recebido
    27 Jul 2007
  • Aceito
    2008
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