Acessibilidade / Reportar erro

Percepção de voz e qualidade de vida em idosos professores e não professores

Voice perception and quality of life of elder teachers and non teachers

Resumos

Este artigo tem como objetivos comparar os escores do protocolo de qualidade de vida e voz (QVV) de idosos professores (GP) e não professores (GNP) e verificar a relação entre os escores, a idade cronológica e a percepção da mudança vocal. Método: em 47 sujeitos, 23 GP e 24 GNP, acima de 65 anos, homens e mulheres, foram coletados dados sobre percepção de mudança vocal e aplicado o protocolo QVV. Resultados: não houve diferença significante entre os escores do QVV dos sujeitos GP e GNP, nem relação entre escores e percepção de mudança vocal. A idade cronológica apresentou correlação positiva (p=0,039) com escores do domínio físico para os GP. Para os sujeitos GP e GNP que perceberam a mudança vocal, houve diferença significante nas respostas às questões 2 (p=0,02), 4 (p=0,007), 5 (p=0,012) e 9 (p=0,002). Conclusão: Para ambos os grupos, o impacto das mudanças vocais foi maior no domínio físico do que no socioemocional do QVV. A autopercepção do envelhecimento vocal esteve relacionada à diferença quanto ao uso ou não da voz profissionalmente. Os professores, independentemente dessa percepção, têm maior problema em questões do domínio físico do QVV relacionadas à exigência profissional. Os não professores que perceberam o envelhecimento vocal apresentaram dificuldade em aspectos físicos e socioemocionais.

Voz; Qualidade de vida; Idoso; Doente


The aim of this article is to compare elder teachers (GP) and non-teachers' (GNP) scores from the voice related quality of life (VR-QOL) protocol and verify the relation between these scores, chronological age and voice change perception. Data from the vocal change perception was collected in 47 subjects, 23 GP and 24 GNP, over 65 years old, both sexes, and the VR-QOL protocol has been applied. There was no significant difference between the score of the two groups or between these scores and the voice change perception. There was a positive correlation (p=0,039) between chronological age and the VR-QOL physical domain scores for the GP. There was significant difference between the two groups of subjects that realized the vocal change, for the VR-QOL answers to questions 2 (p=0,02), 4 (p=0,007), 5 (p=0,012) and 9 (p=0,002). In both groups, the impact of the voice changes was higher in the VR-QOL physical than in the socio-emotional domain. The self perception of vocal aging was related to the professional or non-professional use of the voice. Teachers, apart from having this perception had more problems in the VR-QOL questions of the physical domain, related to the professional requests. Non-teachers that noticed the vocal aging had difficulties with the socio-emotional and physical aspects.

Voice; Quality of life; Aged; Faculty


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Percepção de voz e qualidade de vida em idosos professores e não professores

Voice perception and quality of life of elder teachers and non teachers

Deborah GampelI; Ursula Margarida KarschII; Léslie Piccolotto FerreiraIII

IConsultório clínico. Alameda Lorena 1.304, conjunto 1.106. 01424-001 São Paulo SP. dgtichauer@attglobal.net

IIPrograma de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

IIIDepartamento de Fundamentos da Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ABSTRACT

The aim of this article is to compare elder teachers (GP) and non-teachers' (GNP) scores from the voice related quality of life (VR-QOL) protocol and verify the relation between these scores, chronological age and voice change perception. Data from the vocal change perception was collected in 47 subjects, 23 GP and 24 GNP, over 65 years old, both sexes, and the VR-QOL protocol has been applied. There was no significant difference between the score of the two groups or between these scores and the voice change perception. There was a positive correlation (p=0,039) between chronological age and the VR-QOL physical domain scores for the GP. There was significant difference between the two groups of subjects that realized the vocal change, for the VR-QOL answers to questions 2 (p=0,02), 4 (p=0,007), 5 (p=0,012) and 9 (p=0,002). In both groups, the impact of the voice changes was higher in the VR-QOL physical than in the socio-emotional domain. The self perception of vocal aging was related to the professional or non-professional use of the voice. Teachers, apart from having this perception had more problems in the VR-QOL questions of the physical domain, related to the professional requests. Non-teachers that noticed the vocal aging had difficulties with the socio-emotional and physical aspects.

Key words: Voice, Quality of life, Aged, Faculty

RESUMO

Este artigo tem como objetivos comparar os escores do protocolo de qualidade de vida e voz (QVV) de idosos professores (GP) e não professores (GNP) e verificar a relação entre os escores, a idade cronológica e a percepção da mudança vocal. Método: em 47 sujeitos, 23 GP e 24 GNP, acima de 65 anos, homens e mulheres, foram coletados dados sobre percepção de mudança vocal e aplicado o protocolo QVV. Resultados: não houve diferença significante entre os escores do QVV dos sujeitos GP e GNP, nem relação entre escores e percepção de mudança vocal. A idade cronológica apresentou correlação positiva (p=0,039) com escores do domínio físico para os GP. Para os sujeitos GP e GNP que perceberam a mudança vocal, houve diferença significante nas respostas às questões 2 (p=0,02), 4 (p=0,007), 5 (p=0,012) e 9 (p=0,002). Conclusão: Para ambos os grupos, o impacto das mudanças vocais foi maior no domínio físico do que no socioemocional do QVV. A autopercepção do envelhecimento vocal esteve relacionada à diferença quanto ao uso ou não da voz profissionalmente. Os professores, independentemente dessa percepção, têm maior problema em questões do domínio físico do QVV relacionadas à exigência profissional. Os não professores que perceberam o envelhecimento vocal apresentaram dificuldade em aspectos físicos e socioemocionais.

Palavras-chave: Voz, Qualidade de vida, Idoso, Doente

Introdução

O envelhecimento da população e as demandas sociais dele decorrentes tornaram a velhice um tema privilegiado de investigação, percebido pelo significativo aumento do número de obras sobre a velhice publicadas nas últimas décadas1. O envelhecimento é um processo universal, resultante da interação dos aspectos biológicos, funcionais, psicológicos e sociais, além de não ser uniforme, pois tem variações intra e intersujeitos2,3. Da mesma forma isso ocorre com a voz, principal ferramenta de comunicação oral do homem.

Os parâmetros vocais mudam com o avanço do tempo, mas não há um consenso na literatura quanto ao início, tipo e o grau de mudança4,5. Entre as principais alterações encontradas, nota-se quanto à respiração uma redução da capacidade vital e dos tempos máximos de fonação, de modo que as frases tornam-se mais curtas, pela necessidade constante de se recarregar o ar, fato que, associado à diminuição da habilidade muscular para articulação, faz com que aumentem as pausas articulatórias, reduzindo assim a velocidade de fala. Além disso, pode haver uma redução do controle de loudness epitch, aumento da frequência fundamental para homens e uma diminuição para as mulheres. Em muitos idosos, nota-se soprosidade ou rouquidão, tremor, fadiga vocal e estratégias inapropriadas para compensação das mudanças vocais na tentativa de produzir uma voz melhor4,5.

Apesar de haver poucas referências na literatura com a preocupação de pesquisar o impacto das condições vocais na vida de idosos, foi verificado que em um grupo de mulheres acima de 60 anos as mudanças vocais que ocorrem no envelhecimento interferem significativamente na qualidade de vida, no domínio físico e mental6.

Há também poucos estudos longitudinais sobre envelhecimento vocal e o impacto desses problemas na vida do indivíduo. Em um desses, realizado durante cinco anos em 11 sujeitos saudáveis do sexo masculino, de 50 a 81 anos de idade, foi verificado que durante esse período os sujeitos perceberam mudanças da voz e, consequentemente, uma tendência a evitar a participação em acontecimentos sociais7.

A literatura aponta que os professores, cuja voz é uma das principais ferramentas de trabalho, constituem um grupo com alta incidência de problemas vocais8,9. Entretanto, o professor apresenta dificuldade de se perceber como profissional da voz, o que poderia prejudicar a capacidade em avaliar sua própria voz, de modo a não valorizar a presença de alterações vocais, pois esta não é vista por ele como uma ferramenta de trabalho10. Associado a isso, os professores de ambos os sexos do ensino médio têm pouca percepção sobre a relação entre a voz e as emoções, sentimentos e relacionamentos sociais11.

Na avaliação do impacto da voz sobre a qualidade de vida de professores do ensino médio entre 20 e 60 anos de idade, por meio da aplicação do protocolo QVV, foi verificado que a média dos escores obtidos no domínio físico foi 74,4, no socioemocional 87,3 e no domínio global 79,6, lembrando que os escores mais altos indicam menor impacto da voz e, portanto, melhor qualidade de vida11.

Em outra pesquisa citada na literatura, após aplicação do protocolo QVV em 120 professores entre 23 e 65 anos, do ensino fundamental, foi constatado que a média do domínio global foi de 84,2, sendo que 49,2% dos sujeitos avaliaram a voz como boa, apesar de enfrentarem dificuldades de falar forte em ambiente ruidoso, de incoordenação pneumofônica (ar acaba rápido levando à necessidade de respirar várias vezes enquanto falam) e de estabilidade da qualidade vocal. As variáveis idade e carga horária não apresentaram correlação significativa com o QVV, e em geral os professores estão satisfeitos com a qualidade vocal que apresentam12.

Por meio da aplicação do Inventário de Sintomas de Stress em 23 professores universitários entre 26 e 56 anos de idade (95,65% destes do sexo feminino), foi constatado que, entre as queixas dos professores universitários quanto ao estresse presente na atividade de docência, os sintomas mais encontrados foram os físicos, evidenciando que as tensões emocionais são mais expressas pelo corpo do que pela cognição, embora para muitos professores, apesar do predomínio do sintoma físico, o emocional também estivesse presente13.

A literatura aponta que a voz preferida dos professores é forte (intensidade) para que todos escutem, muitas vezes obtida com esforço, boa projeção, com pitch e velocidade adequados para cada assunto que desenvolve, com precisão de movimentos articulatórios e com modulação expressiva14, associada a maior variação de pitch,loudness e de velocidade de fala, embora a velocidade muito rápida não seja valorizada como agradável15.

Os achados que comparam o envelhecimento vocal em categorias profissionais também são em número reduzido, e um estudo comparativo entre professores e não professores poderia trazer dados interessantes. Em vista disso, os objetivos desta pesquisa foram comparar os escores do protocolo de qualidade de vida e voz de sujeitos idosos professores e não professores e verificar a relação entre esses escores, a idade cronológica e a percepção da mudança vocal.

Método

Esta pesquisa, de caráter observacional e de corte transversal, foi aprovada pelo Comitê de Ética do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 01/08/06. Foram convidados a participar dela sujeitos acima de 65 anos, não institucionalizados, homens e mulheres, com relacionamento social e familiar frequente, professores em atividade ou aposentados e também não professores e igualmente não profissionais de voz.

Todos foram selecionados por meio de um protocolo de entrevista com 26 questões para pesquisa dos critérios de inclusão e exclusão. Foram excluídos os sujeitos portadores de doença sistêmica grave, problemas ou queixas vocais, histórico de alcoolismo, consumo de drogas, queixa de refluxo gastroesofágico não tratado, fumantes ou que tenham deixado de fumar há menos de dez anos, com presença de sotaque e que tiveram treinamento de voz anterior. Além da idade cronológica, eles foram questionados sobre a percepção de mudança vocal nos últimos cinco anos.

O instrumento utilizado foi o protocolo de qualidade de vida e voz (QVV)16, traduzido, adaptado para o português17 e validado18, composto por dez questões que abrangem os aspectos referentes ao domínio físico (questões 1, 2, 3, 6, 7, 9) e ao domínio socioemocional (questões 4, 5, 8, 10). Estas foram respondidas pelos próprios sujeitos da pesquisa numa escala de 1 a 5 para graduação do impacto causado pela voz na vida do sujeito, de modo que quanto maior a pontuação para cada questão, maior o impacto desse aspecto no domínio físico ou emocional do sujeito.

Os sujeitos selecionados após a entrevista inicial assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram orientados a responder ao protocolo de qualidade de vida e voz (QVV).

Em relação à análise dos dados, inicialmente foram analisados os dados do QVV por sujeito, para o cálculo dos escores totais e de cada domínio, por meio de algoritmo específico. Considerou-se que, para cada domínio, quanto mais próximo de 100 o resultado estiver, menor o impacto da voz na vida do sujeito16. Em seguida, foi realizada a análise descritiva das respostas dos sujeitos GP e GNP por questão, considerando-se que os escores maiores ou iguais a três sugerem que os sujeitos teriam algum problema referente a essa questão.

Os escores dos domínios socioemocional, físico e total para cada sujeito foram analisados por meio da Análise da Correlação de Spearman, para verificação de possível relação estatística com a variável idade cronológica. Em seguida foi aplicado o Teste de Mann-Whitney para verificação de possíveis diferenças entre os dois grupos e entre as respostas de cada questão do QVV, para os sujeitos do GP e GNP que perceberam a mudança vocal nos últimos cinco anos.

Resultados

A caracterização dos sujeitos selecionados na entrevista inicial quanto a faixa etária, sexo e percepção de mudança vocal está descrita na Tabela 1. A comparação das médias dos escores obtidos no protocolo QVV nos domínios socioemocional, físico e total entre os dois grupos encontra-se na Tabela 2.

Todos os sujeitos GP e GNP apresentaram valores menores no domínio físico do que no domínio socioemocional. Comparando os dois grupos, os sujeitos GNP obtiveram escores mais baixos no QVV no domínio socioemocional, mas ainda assim superiores aos do domínio físico.

Os valores obtidos com a aplicação do protocolo QVV apresentaram relação estatisticamente significante com a idade cronológica dos sujeitos GP. Nota-se que quanto maior a idade cronológica, maiores os valores obtidos com o QVV total e com os valores do domínio físico para ambos os sujeitos (p= 0,039). Tal dado sugere que quanto maior a idade cronológica, menor o impacto da voz no domínio físico. Não foi encontrada diferença estatisticamente significante entre os dois grupos de sujeitos considerados.

Na Tabela 3 encontra-se a distribuição de sujeitos do GP e GNP que perceberam uma mudança vocal nos últimos cinco anos, em relação ao comportamento dos escores obtidos com a aplicação do protocolo QVV. Nota-se um número maior de sujeitos GP do que GNP que referiram mudança vocal nos últimos cinco anos; entre esses, dois (8,7%) obtiveram escores totais no QVV. Por sua vez, no grupo GNP, todos os sujeitos que notaram a mudança vocal não obtiveram escores totais no QVV. Entretanto, não foi verificada uma relação estatisticamente significante entre escores do QVV e percepção de mudança vocal. A análise comparativa do QVV por questão, entre os dois grupos de sujeitos, está demonstrada na Tabela 4.

As três questões do domínio físico cujas respostas indicaram os aspectos de maior dificuldade, em ordem decrescente, para os sujeitos do GP foram as de números 1, 2 e 7, e para os do GNP, 9, 1 e 3. Foi encontrada diferença estatisticamente significante entre as respostas dos sujeitos GP e GNP apenas para a questão de número 2 (p=0,040), com os professores apresentando mais respostas sugestivas de problema nos aspectos avaliados por essa questão.

Em relação ao domínio socioemocional, as questões cujas respostas indicaram as áreas de maior problema foram a de número 4, para os sujeitos do GP, e para os sujeitos do GNP, em ordem decrescente, as de número 10, 4 e 5. A análise comparativa do QVV por questão, para os sujeitos que perceberam a mudança vocal, está demonstrada na Tabela 5.

A comparação entre os sujeitos GP e GNP indicou que foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para as respostas às questões 2 (p=0,020), que representou aspectos mais sugestivos de dificuldade para os professores; 4 (p=0,007), 5 (p=0,012) e 9 (p=0,002), as quais sugerem os aspectos mais problemáticos para os não professores.

Discussão

A comparação do número de sujeitos GP e GNP por faixa etária e sexo não é exatamente igual (Tabela 1), especialmente no grupo GP, pois houve uma prevalência de mulheres lecionando na universidade, provavelmente por ser esse o local com maior número de professores idosos em atividade.

As médias dos escores obtidos no protocolo QVV para o domínio socioemocional, físico e total, tanto para os sujeitos do GP como para os do GNP (Tabela 2), estão mais próximas de 100 e, portanto, semelhantes àqueles obtidos por sujeitos sem alteração vocal, na validação desse protocolo16, inclusive para o português, cujos escores totais obtidos foram entre 97,3 e 98,5, apesar de ser em população mais jovem18.

Para ambos os grupos, esses dados vão na mesma direção daqueles constatados em pesquisa anterior19 que, apesar de realizada apenas com sujeitos do sexo feminino e de não ter sido utilizado o protocolo QVV, concluiu também sobre a pouca percepção que os idosos têm em relação ao envelhecimento vocal.

É importante mencionar que devido à idade dos sujeitos, tanto do GP como do GNP, a diminuição da sensibilidade dos órgãos do sentido para captar as sensações20 poderia levar a uma menor capacidade de percepção da repercussão física da voz mais envelhecida.

Em relação aos professores, as médias são superiores àquelas obtidas na literatura11,12, e foi verificada uma relação estatisticamente significante entre os resultados do QVV e a idade cronológica, de modo que quanto maior a idade cronológica, maiores os escores no domínio físico e total do QVV. Esse resultado é diferente dos estudos citados na literatura12,19, em que não foi encontrada significância do QVV com a idade cronológica dos professores avaliados, embora tenham sido realizados com professores mais jovens (entre 20 e 60 anos), quando comparados aos sujeitos desta pesquisa.

No grupo GP, os escores mais altos no domínio físico poderiam também ser explicados pelo fato de que as alterações na voz do professor não acontecem repentinamente, mas sim se instalam progressivamente, fato que muitas vezes compromete a autopercepção10,21. O indivíduo pode ainda não perceber as modificações ocorridas na voz devido à perda do referencial em relação ao padrão vocal saudável que apresentava anteriormente, ou por acreditar que a rouquidão é normal na vida dele, pois ele fala muito22.

Além disso, o grupo GP, formado por 18 professores ainda em exercício profissional e cinco aposentados, parece conduzir à hipótese de que mesmo ao apresentar uma alteração de voz poderiam pelos anos de experiência ter aprendido ou criado estratégias para dar aula, de modo que buscariam ajustes para adaptação e superação do desgaste vocal23,24.

Todos os sujeitos dos grupos GP e GNP apresentaram valores maiores para o QVV no domínio socioemocional do que no domínio físico, ou seja, o impacto físico foi maior que o emocional, fato também citado na literatura18, e não houve uma diferença estatisticamente significante entre os resultados do QVV para cada grupo avaliado.

É importante mencionar que era critério de inclusão, para ambos os grupos, os sujeitos apresentarem frequentemente relações com familiares, amigos e alunos (no caso dos sujeitos professores), fato que pode justificar a ausência do impacto da voz no domínio socioemocional ou menor que no domínio físico, uma vez que laços sociais efetivos podem auxiliar na manutenção do bem-estar físico e psicológico3.

Entretanto, ao se compararem os dois grupos de sujeitos, uma porcentagem de sujeitos do GNP mencionou também o impacto no domínio socioemocional, associado ou não ao domínio físico, semelhante aos dados da literatura, embora com um protocolo diferente do QVV7. Esses resultados conduzem à hipótese de que o idoso não professor teria um relacionamento social diferente (se é que pode ser chamado dessa maneira) do idoso professor, tanto no aspecto qualitativo como no quantitativo, portanto um sujeito não professor poderia sentir mais o impacto socioemocional da voz associado ao envelhecimento do que um professor. Essa inferência remete às citações da literatura em que os professores, em razão dos vínculos desenvolvidos com os alunos, a escola, os pais e a comunidade, encontram-se satisfeitos com suas relações sociais25 e, mesmo que estejam aposentados, mantêm o sentido afetivo do exercício profissional26,27.

Percepção de mudança vocal

A ausência de relação estatisticamente significante entre os escores do protocolo QVV e a percepção de mudança vocal pode ser justificada pelo fato de que os sujeitos desta pesquisa não tinham queixas ou problemas vocais, pois esse foi um dos critérios de exclusão. Perceber uma mudança não necessariamente significaria um problema de voz para o sujeito, e isso pode explicar a baixa amostragem.

O protocolo QVV, por sua vez, é clinicamente orientado para o distúrbio vocal, isto é, para o sujeito perceber o impacto do problema vocal na qualidade de vida relacionada à voz16, portanto, não necessariamente poderia avaliar o impacto de uma mudança na voz que não venha a significar um problema vocal para o sujeito. No entanto, na análise comparativa das respostas obtidas para cada questão do protocolo QVV entre os sujeitos do GP e do GNP que perceberam a mudança vocal, foi encontrada diferença estatisticamente significante entre os dois grupos para as questões de número 2, 4, 5 e 9, e será discutida a seguir na análise por questão.

Análise do QVV por questão

A análise do QVV por questão do domínio físico mostrou que para os sujeitos do GP as respostas às questões de número 1 ("Tenho dificuldade em falar forte – alto – ou ser ouvido em ambientes ruidosos"), 2 ("O ar acaba rápido e preciso respirar muitas vezes enquanto falo") e 7 ("Tenho problemas no meu trabalho ou para desenvolver minha profissão – por causa da voz") sugerem a área de maior concentração de dificuldades, inclusive na mesma ordem decrescente, encontrada em estudo realizado anteriormente12.

Para os sujeitos do GNP, as questões do domínio físico do QVV com maior concentração de dificuldades, em ordem decrescente, foram as de número 9 ("Tenho que repetir o que falo para ser compreendido"), 1 e 3 ("Não sei como a voz vai sair quando começo a falar").

Em relação à questão de número 1, os resultados sugerem que ambos os grupos de sujeitos identificariam problemas nessa área, mas em graus diferentes. Para os professores, essa questão, assim como na literatura, foi considerada aquela à qual mais atribuíram dificuldades12 e está relacionada à atividade docente, que requer voz de forte intensidade com boa projeção vocal14 e uso adequado do suporte respiratório.

Além disso, pesquisa realizada apontou a relação entre a diminuição de variação deloudness e o aumento de idade cronológica em professores acima de 65 anos28, fato que poderia também justificar o comprometimento dos professores idosos em relação a esse aspecto.

As respostas obtidas na questão de número 2, relacionada à incoordenação pneumofonoarticulatória e à utilização de técnica vocal adequada, especialmente para os sujeitos do GP, mostraram que esses aspectos podem ser justificados pelas mudanças no suporte respiratório associadas à idade4,5 e compatíveis com a exigência profissional de falar muito8,9,23. No caso dos professores, correspondem à segunda maior área de ocorrência de dificuldades, tal como na literatura12. O professor, independentemente de perceber a mudança vocal, apresenta mais respostas sugestivas de problemas nesse aspecto que os não professores, de tal forma que foi encontrada uma diferença estatisticamente significante na análise comparativa das respostas obtidas para essa questão entre os dois grupos de sujeitos avaliados.

A questão de número 3 relaciona-se à instabilidade e à variabilidade da fonação e da qualidade vocal e foi uma das três que mais sugeriram dificuldades para os não professores. Entretanto, o fato de que a maioria dos sujeitos do GP não têm dificuldades (dúvidas) quanto a esse aspecto não significa a ausência de problemas de voz, fato também apontado na literatura12. No entanto, poderia reforçar a hipótese de que os professores, apesar do envelhecimento vocal, pelos anos de prática profissional poderiam ter desenvolvido compensações para essas alterações23,24.

Em relação à questão de número 7, seria esperada maior porcentagem de sujeitos GP com problema para desenvolver a profissão, devido às dificuldades apontadas nas questões 1 e 2, fato também verificado em pesquisas anteriores12. Entretanto, embora para a questão de número 7 não tenha sido encontrada diferença estatisticamente significante entre os sujeitos GP e GNP, os sujeitos GP que notaram a mudança vocal têm escores sugestivos de problema para exercerem a profissão.

A questão de número 9 representou o aspecto de maior problema para os sujeitos do GNP, em concordância com as respostas obtidas na questão 1. Ao contrário, a baixa porcentagem de sujeitos GP que apresentou um problema moderado nessa questão sugere uma discordância entre os resultados da questão 1, fato também notado em pesquisa consultada12, pois a dificuldade de falar forte poderia implicar a necessidade de repetir o que se fala.

Para a questão de número 9, foi encontrada diferença estatisticamente significante entre as respostas obtidas pelos sujeitos do GP e do GNP que perceberam a mudança vocal. Essa diferença poderia ser justificada pelo fato de que o professor, pela própria experiência profissional, tem uma fala mais articulada14 e maior expressividade do que os não professores15,28, fatores que podem servir de compensação para uma eventual dificuldade de falar forte em ambiente ruidoso.

Quanto às questões do QVV referentes ao domínio socioemocional, todos os sujeitos do grupo GP assinalaram nunca haver problemas nas questões de número 5 ("Fico deprimido por causa da minha voz"), 8 ("Evito sair socialmente por causa da voz") e 10 ("Tenho me tornado menos expansivo por causa da voz"). Apenas a questão de número 4 ("Fico ansioso ou frustrado por causa da minha voz") foi sugestiva de problema moderado para uma baixa porcentagem de sujeitos. Esses fatos confirmaram os resultados obtidos em pesquisas anteriores, embora com professores mais jovens, de que esses aspectos não parecem representar um problema significativo para o professor12, além de que este tem pouca percepção sobre a relação entre a voz e os sentimentos, emoções e relacionamentos sociais11,12.

Os sujeitos do GNP, da mesma forma que os sujeitos do GP, assinalaram que a questão 8 nunca é um problema, mas responderam de forma sugestiva de dificuldade a questão 10, seguida em ordem decrescente pelas questões 4 e 5. Para os sujeitos do GP e do GNP que notaram a mudança vocal, foi encontrada diferença estatisticamente significante entre as respostas das questões de número 4 e 5, de modo que os não professores apresentaram mais queixas que os professores, sugerindo que, apesar de o impacto físico da voz ser maior que o socioemocional, para os não professores este também interfere.

Conclusão

Os resultados demonstraram que para ambos os grupos de sujeitos avaliados o impacto das mudanças vocais é maior no domínio físico do que no domínio socioemocional, e apenas para os sujeitos professores verificou-se que quanto maior a idade cronológica, menor o impacto físico do envelhecimento vocal.

A autopercepção do envelhecimento vocal dos sujeitos avaliados estaria relacionada à diferença quanto ao uso ou não da voz profissionalmente. Embora tanto para os professores como para os não professores a percepção de mudança vocal não tenha apresentado relação estatisticamente significante com os escores do QVV, é na análise do QVV por questão que surgiu a diferença estatisticamente significante entre os dois grupos de sujeitos.

Os professores têm maior problema relacionado à exigência profissional da atividade docente, independentemente da percepção do envelhecimento vocal. Os não professores que perceberam o envelhecimento vocal apresentaram maiores problemas com a necessidade de repetir o que é dito e com aspectos do domínio socioemocional do QVV.

Em vista do aumento do número de idosos na população, mais pesquisas são necessárias, visando à elaboração de programas específicos para prevenção e promoção da saúde vocal, importantes inclusive para o aspecto psicosocial do envelhecimento.

Colaboradores

D Gampel redigiu o artigo, tendo elaborado o projeto, coletado e analisado o material para a pesquisa. UM Karsch foi orientadora; LP Ferreira, coorientadora.

Artigo apresentado em 23/11/2007

Aprovado em 25/04/2008

Versão final apresentada em 01/04/2008

  • 1. Siqueira RL, Botelho MIV, Coelho FMG. A velhice: algumas considerações teóricas e conceituais.Cien Saude Colet 2002; 7(4):899-906.
  • 2. Freitas EV, Miranda RD, Nery MR. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Freitas EV, Py L, Neri AL, Cançado FAX, Gorzoni ML, Rocha SM. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 609-617.
  • 3. Markson EW, Hollis-Sawyer LA. Intersections of aging: readings in social gerontology. Los Angeles: Roxbury Publishing Company; 2000.
  • 4. Andrews ML. Adult and geriatric disorders. In: Andrews ML. Manual of voice treatment: pediatrics through geriatrics. 2nd ed. San Diego: Singular; 1999. p. 219-333.
  • 5. Behlau M, Azevedo R, Pontes P. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: Behlau M, organizadora. O livro do especialista. vol.1. São Paulo: Revinter; 2001. p. 54-84.
  • 6. Costa HO, Matias C. O impacto da voz na qualidade de vida da mulher idosa. Rev Bras Otorrinolaringol 2005; 71(2):172-178.
  • 7. Verdonck-de Leeuw IM, Mahieu HF. Vocal aging and the impact on daily life: a longitudinal study.Journal of Voice 2004; 18(2):193-202.
  • 8. Ferreira LP, Giannini SPP, Figueira S, Silva EE, Karmann DF, Souza TMT. Condições de produção vocal de professores da prefeitura do município de São Paulo.Distúrbios da Comunicação 2003; 14(2):275-307.
  • 9. Simões M, Latorre MRDO. Prevalência de alteração vocal em educadoras e sua relação com a autopercepção. Rev Saude Publica 2006; 40(6):1013-1018.
  • 10. Grillo MHMM, Lima EF, Ferreira LP. A questão ensino-aprendizagem num trabalho profilático de aperfeiçoamento vocal com professores. Pró-Fono 2000; 2(2):73-80.
  • 11. Penteado RZ, Bicudo-Pereira IMT. Avaliação do impacto da voz na qualidade de vida de professores. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2003; 8(2):19-28.
  • 12. Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professore(a)s do ensino fundamental. Pró-Fono2005; 17(3):321-333.
  • 13. Servilha EAM. Estresse em professores universitários na área de fonoaudiologia. Rev Ciênc Méd 2005; 14(1):43-52.
  • 14. Behlau M.Voz: o livro do especialista Rio de Janeiro: Revinter; 2001.
  • 15. Arruda FA. Expressividade oral de professores: análise dos recursos vocais [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2003.
  • 16. Hogikyan DN, Sethuraman G. Validation of an instrument to measure voice-related quality of life (V-RQOL). Journal of Voice 1999; 13(4):557-569.
  • 17. Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, organizadora. O livro do especialista. vol.1. São Paulo: Revinter; 2001. p. 86-104.
  • 18. Gasparini GGO. Validação do questionário de avaliação de qualidade de vida e voz (QVV)[dissertação]. São Paulo: Unifesp; 2005.
  • 19. Polido AM, Martins MASUR, Hanayama EM. Percepção do envelhecimento vocal na terceira idade. Rev Cefac 2005; 7(2):241-251.
  • 20. Costa HO. Os pares cranianos e a era da comunicação [editorial]. Rev Bras Otorrinolaringol 2004; 70(3):290-291.
  • 21. Servilha EAM. Consciência vocal em docentes universitários. Pró-Fono, 1997; 9(2):53-61.
  • 22. Oliveira IB. Desempenho vocal do professor: avaliação multidimensional [tese].Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas; 1999.
  • 23. Nagano L, Behlau M. Perfil vocal e análise perceptivo-auditiva das vozes de professoras da pré-escola. In: Behlau M. A voz do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. v.1. p. 45-56.
  • 24. Servilha EAM, Correa HRF, Tramontina R, Rodrigues I, Araujo M, Sousa A. et al. Perfil vocal do professor universitário. In: III Congresso Internacional de Fonoaudiologia. Fonoaudiologia hoje. São Paulo: Lovise, 1995. p. 273-276.
  • 25. Penteado RZ, Bicudo-Pereira IMT. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev.Saúde Pública [ periódico na Internet]. 2007 Abr [ citado 2007 Out 17]; 41(2): 236-243. Disponível em: http://www. scielosp.org/scielo.php?script=sci artetext&pid= S0034-89102007000200010&Ing=pt&nrm+isso. doi:10.1590/S0034-891102007000200010
  • 26. Codo W, Vasques-Menezes I. Educar, educador. In: Codo W, coordenador. Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Editora Vozes, 1999, p. 37-47.
  • 27. Stano RCMT. Ser professor no tempo do envelhecimento: professoralidade em cena. São Paulo: Educ; 2005.
  • 28. Gampel-Tichauer D. Envelhecimento e voz: características principais e repercussão social [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Set 2010

Histórico

  • Revisado
    25 Abr 2008
  • Recebido
    23 Nov 2007
  • Aceito
    01 Abr 2008
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br