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Descentralização das ações de vigilância sanitária

Descentralization of sanitary surveillance actions

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Descentralização das ações de vigilância sanitária

Descentralization of sanitary surveillance actions

Edna Maria Covem

Secretaria de Estado de Saúde de Goiás. ednacovem@gmail.com.br

O artigo de De Seta e Dain traça um paralelo da construção do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária com o da Vigilância em Saúde, a partir da análise das principais estratégias utilizadas em cada uma das áreas nessa construção, das relações intergovernamentais estabelecidas e dos modelos de descentralização instituídos pelas instâncias gestoras do SUS. A meu ver, a relevância do artigo reside em promover o deslocamento desse debate para além dos serviços de vigilância sanitária, que têm se concentrado em questões de estruturação e funcionamento. Ao ressaltar as diferenças no financiamento e no processo de descentralização entre as ações de vigilância sanitária e de vigilância em saúde, evidencia a necessidade de ampliar o debate, agregando a participação da sociedade, maior interessada nas ações de vigilância sanitária.

Sobre o artigo, selecionei dois pontos, um de concordância, relacionado ao processo de descentralização das ações de vigilância sanitária; e outro sobre a crescente participação da vigilância sanitária nos fóruns de gestão do SUS, em discordância ao que foi apresentado pelas autoras.

A instituição do incentivo financeiro para os municípios, na implantação da Norma Operacional Básica do SUS nº 01/96, teve o mérito de pautar a discussão sobre a descentraliação das ações de vigilância sanitária a partir de 1998, porém isto não correspondeu à estruturação e ao funcionamento de serviço correspondente nos municípios, mesmo com repasse regular de recursos financeiros pelo órgão federal como indução à execução de tais ações.

A descentralização das ações de vigilância sanitária se deu de forma incompleta, ao se observar que mesmo os municípios de grande porte e as capitais nem sempre executavam todo o conjunto de ações sob sua responsabilidade, embora com secretarias de saúde estruturadas e que receberam maior aporte de recursos financeiros, em razão de terem assumido a gestão plena do sistema de saúde a partir de 1998. Nos demais municípios, a situação não diferiu muito: os serviços em fase de estruturação assumiram a execução das ações de menor complexidade, porém um grande número de municípios não contava com estrutura de vigilância sanitária.

Nesse cenário, continuou sendo de competência dos estados a execução da maioria das ações de vigilância sanitária. Até o ano 2000, os serviços estaduais de vigilância sanitária contavam apenas com a dotação do tesouro estadual e a arrecadação local, originada pelo pagamento de taxas e multas, sem que houvesse obrigatoriedade da sua aplicação na estruturação e no funcionamento da área, o que contribuía para a situação de marginalidade da vigilância sanitária no sistema de saúde.

Esse processo começa a se modificar com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 1999, e a redistribuição dos recursos arrecadados pelo órgão federal para os estados, o que possibilitou à área contar com fonte de financiamento específica. Em 2000, houve um avanço no processo de descentralização das ações de vigilância sanitária para os estados, na medida em que foram estabelecidos incentivos financeiros como instrumento de indução.

O processo de descentralização, inicialmente efetivado apenas mediante o repasse de recursos financeiros, ampliou-se para a organização e gestão do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), a partir de uma programação negociada e pactuada com estados e municípios no âmbito das comissões bipartites.

O Termo de Ajuste e Metas (TAM) objetivou o fortalecimento do SNVS, mediante o fomento e a execução de atividades na área, definindo metas organizativas e finalísticas. As primeiras diziam respeito ao fortalecimento institucional, sistemas de informação, desenvolvimento de recursos humanos, à pactuação com os municípios e à Rede Nacional de Laboratórios Oficiais de Controle de Qualidade em Saúde. As finalísticas referiam-se à inspeção sanitária e aos procedimentos relacionados a registros, certificação e análise de produtos e serviços.

Para se habilitar à gestão descentralizada das ações de vigilância sanitária, os estados assinaram o Termo de Ajuste, com a aprovação das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite. Esse processo inicial de pactuação propiciou a inserção da vigilância sanitária na agenda das instâncias colegiadas e nos pactos do SUS. E também nisso se concorda com as autoras, pois somente com o repasse desses recursos financeiros os serviços estaduais de vigilância sanitária puderam iniciar seu processo de modernização estrutural, qualificação da equipe técnica e reformulação de seus processos de trabalho, que gerou um desempenho mais efetivo no âmbito dos sistemas estaduais de saúde, como área de proteção e promoção da saúde.

Em 2006, com a Portaria do Ministério da Saúde de nº 399/GM, que divulgou o Pacto pela Saúde e aprovou suas diretrizes operacionais, a vigilância sanitária nele se inseriu, adequando a pactuação das suas ações a partir da definição de diretrizes estratégicas para o setor. Substituiu-se a classificação das ações de vigilância sanitária por níveis de complexidade, conforme definidos na Portaria SAS/MS nº 18/99, pelo sistema de gestão solidária entre as esferas de governo, e considerando o enfoque de risco, segundo preconizado na Portaria GM/MS nº 399/06.

Essa reformulação do processo de pactuação aprofundou a exigência de estruturação da vigilância sanitária e a construção de um conjunto de compromissos sanitários a serem assumidos e cumpridos pelas três esferas de gestão. O Termo de Compromisso de Gestão formaliza o pacto realizado entre o estado, seus municípios e a esfera federal, entretanto o detalhamento das ações de vigilância sanitária assumidas pelos gestores se concretizou na programação anual de ações de vigilância sanitária dos Planos Estaduais e Municipais de Saúde, aprovadas nas Comissões Intergestores Bipartites e nos Conselhos de Saúde.

Essa programação é composta de elementos de estruturação para o funcionamento dos serviços, tais como instalações físicas, equipamentos, sistema de informações, marco legal, capacitação de equipe técnica, instalação de serviço de acolhimento de denúncias e um segundo conjunto de ações, que se refere ao controle sanitário exercido por meio de inspeção sanitária, monitoramento de qualidade de produtos, investigação de surtos e controle de doenças cujos fatores determinantes estejam em seu campo de atuação. A execução das ações pactuadas passa a ser financiada com recursos financeiros federais que compõem o Bloco de Vigilância em Saúde (Portaria GM nº 1.998/2007), entretanto o critério de repasse continua sendo o de base populacional.

Os recursos financeiros repassados aos estados destinam-se à execução das ações de vigilância sanitária previstas em seu Plano de Saúde e para a coordenação e o acompanhamento dos serviços municipais de vigilância sanitária. Aos municípios são repassados recursos financeiros para a estruturação dos serviços e a execução das ações pactuadas, de acordo com sua programação anual e Plano de Saúde.

Em agosto de 2007, com a participação da Anvisa, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), instituiu-se uma fonte de financiamento para as ações laboratoriais de vigilância sanitária, com transferência regular e automática de recursos ao Bloco de Financiamento de Vigilância em Saúde, o Finlacen/Visa. E em 2008 e 2009, pactuou-se o incentivo financeiro para as ações de gestão de pessoas em vigilância sanitária, como indutor à política de educação permanente para os trabalhadores de saúde que executam ações de vigilância sanitária nas Secretarias de Saúde de estados e municípios. Este incentivo teve como critério de repasse dos recursos o Censo Nacional de Trabalhadores de Vigilância Sanitária de 2004.

Considerações finais

Um dos princípios do SUS, a descentralização com direção única em cada esfera do governo, busca preservar a autonomia e a distribuição de poderes entre os entes federados, além de servir como estratégia para a democratização das instituições, para uma distribuição mais eficiente dos recursos públicos e aumento da participação e do controle social.

A descentralização das ações de vigilância sanitária iniciada com as ações básicas de vigilância sanitária, em 1998, foi se ampliando na medida em que houve a indução federal para a estruturação dos serviços estaduais e municipais de vigilância sanitária: de 791 municípios que pactuaram as ações de vigilância sanitária em 2006 para 3.131 municípios em dezembro de 2009, com homologação do pacto em Comissão Intergestores Bipartite dos 26 estados brasileiros.

Sobre a participação da vigilância sanitária nas instâncias de gestão do SUS, há um fórum tripartite em funcionamento, o Subgrupo Visa do GTVS/CIT. É um espaço de debate e construção de consensos com o objetivo de desenvolver estudos e análises das políticas governamentais relacionadas à vigilância sanitária para subsidiar o Grupo de Trabalho de Vigilância em Saúde para a regulamentação e operacionalização das políticas de saúde no âmbito da gestão do Sistema Único de Saúde. Os representantes da Anvisa, do Conass e do Conasems no GTVS atualmente são membros do Subgrupo Visa, estabelecendo a articulação necessária entre os dois fóruns. Esse é o ponto de discordância com as autoras, quando tratam da presença da vigilância sanitária nos espaços de gestão do SUS.

Finalizo ressaltando que, se houve avanços na descentralização das ações de vigilância sanitária, permanece como desafio ampliar a participação da sociedade na definição das políticas, como maior interessada nas ações de vigilância sanitária.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Nov 2010
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