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Controle de riscos em radiodiagnóstico: uma abordagem de vigilância sanitária

Radio diagnostic risks control: an approach of sanitary surveillance

Resumos

O radiodiagnóstico é uma das principais ferramentas de diagnose na medicina e seu papel, na saúde pública, depende da qualidade dos exames, cuja responsabilidade regulatória cabe principalmente ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Nessa perspectiva, foi desenvolvido um modelo matemático de avaliação de riscos potencial (MARP) em radiodiagnóstico e, através do seu uso em serviços de saúde da Bahia, analisada a situação encontrada e seus condicionantes. O MARP baseia-se no conceito de risco potencial e relaciona os indicadores de controle de riscos com os riscos potenciais e os responsáveis pelos controles. Usando esse modelo, avaliaram-se 94 procedimentos de 38 serviços de radiodiagnóstico. O estudo mostrou que 5,3% dos serviços estavam com todos os procedimentos em nível de risco potencial aceitável. 23,7% tinham pelo menos um procedimento com nível de risco potencial tolerável, e 71% tinham pelo menos um procedimento com nível de risco potencial inaceitável. As análises mostraram que os principais condicionantes da situação encontrada dizem respeito à deficiência do sistema de vigilância sanitária na fiscalização dos serviços e da indústria, à ausência dos fundamentos de proteção radiológica nas diretrizes curriculares dos cursos de medicina e à fragilidade do controle das práticas pelos respectivos conselhos profissionais.

Vigilância sanitária; Radiodiagnóstico; Risco


The X-ray diagnostic is one of the main diagnosis tools in medicine and its role, in public health, depends on the quality of the exams, the regulatory responsibility fits, mainly, in the National System of Sanitary Surveillance. With this perspective, it was developed a mathematical evaluation model of potential risks in radiodiagnostic and, through its use in the Brazilian health services of Bahia state, with the analysis of the situation found and its determinants. With that model, 94 procedures were evaluated in 38 Bahia state radiodiagnostic services. The study showed that 5.3% of the services had all of the procedures in level of acceptable potential risk. 23.7% showed, at least, one procedure with level of tolerable potential risk and 71% showed, at least, one procedure with a level of unacceptable potential risk. The analyses shows that the main determinants of the encountered situation are the deficient inspection by the sanitary surveillance system of the health services and of the industrial sector, the absence of basics of radiological protection in the curriculum of medicine courses and the fragility of practices control, by the respective professional council.

Sanitary surveillance; Radiodiagnostic; Risk


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Controle de riscos em radiodiagnóstico: uma abordagem de vigilância sanitária

Radio diagnostic risks control: an approach of sanitary surveillance

Marcus Vinícius Teixeira NavarroI; Ediná Alves CostaII; Günter Gustav DrexlerIII

INúcleo de Tecnologia em Saúde, Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. Rua Emídio dos Santos s/nº, Barbalho. 40300-010 Salvador BA. navarro@cefetba.br

IICentro Colaborador em Vigilância Sanitária, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia

IIIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

O radiodiagnóstico é uma das principais ferramentas de diagnose na medicina e seu papel, na saúde pública, depende da qualidade dos exames, cuja responsabilidade regulatória cabe principalmente ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Nessa perspectiva, foi desenvolvido um modelo matemático de avaliação de riscos potencial (MARP) em radiodiagnóstico e, através do seu uso em serviços de saúde da Bahia, analisada a situação encontrada e seus condicionantes. O MARP baseia-se no conceito de risco potencial e relaciona os indicadores de controle de riscos com os riscos potenciais e os responsáveis pelos controles. Usando esse modelo, avaliaram-se 94 procedimentos de 38 serviços de radiodiagnóstico. O estudo mostrou que 5,3% dos serviços estavam com todos os procedimentos em nível de risco potencial aceitável. 23,7% tinham pelo menos um procedimento com nível de risco potencial tolerável, e 71% tinham pelo menos um procedimento com nível de risco potencial inaceitável. As análises mostraram que os principais condicionantes da situação encontrada dizem respeito à deficiência do sistema de vigilância sanitária na fiscalização dos serviços e da indústria, à ausência dos fundamentos de proteção radiológica nas diretrizes curriculares dos cursos de medicina e à fragilidade do controle das práticas pelos respectivos conselhos profissionais.

Palavras-chave: Vigilância sanitária, Radiodiagnóstico, Risco

ABSTRACT

The X-ray diagnostic is one of the main diagnosis tools in medicine and its role, in public health, depends on the quality of the exams, the regulatory responsibility fits, mainly, in the National System of Sanitary Surveillance. With this perspective, it was developed a mathematical evaluation model of potential risks in radiodiagnostic and, through its use in the Brazilian health services of Bahia state, with the analysis of the situation found and its determinants. With that model, 94 procedures were evaluated in 38 Bahia state radiodiagnostic services. The study showed that 5.3% of the services had all of the procedures in level of acceptable potential risk. 23.7% showed, at least, one procedure with level of tolerable potential risk and 71% showed, at least, one procedure with a level of unacceptable potential risk. The analyses shows that the main determinants of the encountered situation are the deficient inspection by the sanitary surveillance system of the health services and of the industrial sector, the absence of basics of radiological protection in the curriculum of medicine courses and the fragility of practices control, by the respective professional council.

Key words: Sanitary surveillance, Radiodiagnostic, Risk

Introdução

A descoberta dos raios X por Röntgen, em 1895, possibilitou a visualização do interior do corpo humano, de forma não invasiva, proporcionando grandes mudanças na medicina, principalmente no campo da anatomia e fisiologia humana. Em 1896, a realização de radiografias e fluoroscopias, com fins diagnósticos, já ocorria na Alemanha, Áustria, Inglaterra, França, Rússia, Escócia, Espanha, Itália e nos Estados Unidos1.No final da década de 1960 e início da década de 1970, o advento da mamografia e da tomografia contribuiu para consolidar o radiodiagnóstico (radiografia, fluoroscopia, mamografia e tomografia) como uma das ferramentas de suporte à diagnose mais poderosa à disposição da medicina2,3.

Inicialmente, não foi observado que a utilização das radiações ionizantes também trazia consigo perigos, intrínsecos e desconhecidos, no momento de sua incorporação às práticas sociais4. Nos primeiros vinte anos da utilização do radiodiagnóstico, praticamente nenhuma ação de controle de risco foi implementada e as lesões observadas eram tratadas como efeitos normais1,3,5.

Após 1915, foram utilizados diversos procedimentos de proteção para os trabalhadores, visando eliminar as lesões diretas causadas pela radiação. As bombas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, mostraram o potencial de dano celular que as radiações ionizantes possuem, chamando a atenção para os efeitos tardios e não apenas para os efeitos imediatos. Assim, as ações de proteção passaram a abranger o meio ambiente e a população em geral, além dos profissionais da área. Os pacientes só foram considerados nas ações de proteção em radiodiagnóstico a partir do final da década de 1970, quando o erro no diagnóstico foi caracterizado como o principal risco, neste campo de aplicação das radiações ionizantes6,7,8.

Esse direcionamento no controle dos riscos ocorre ainda de forma muito incipiente nos países em desenvolvimento. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) iniciou, em 1995, um projeto de proteção radiológica em radiodiagnóstico em 16 países do Leste Europeu, África e Ásia, tendo como um dos seus objetivos avaliar o potencial para redução de dose em paciente no processo de otimização da proteção radiológica. O estudo concluiu que reduções consideráveis de doses em pacientes poderiam ser alcançadas em radiografia convencional, implementando ações simples e baratas como filtração, uso de técnicas de tensão de pico (kVp altas), baixo produto corrente versus tempo (mAs) e uso de combinação de telafilme apropriada9.

Na América Latina, estudo desenvolvido pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)2, avaliando os serviços de radiodiagnóstico de cinco países (Argentina, Bolívia, Colômbia, Cuba e México) e o trabalho de Brandan et al.10, que avaliou cinco serviços de mamografia no México, mostraram que a qualificação técnica da equipe influencia mais a qualidade dos diagnósticos do que os equipamentos; e entre os equipamentos, os negatoscópios são os que apresentaram mais problemas.

No Brasil, embora tenha crescido o interesse sobre o controle de riscos em radiodiagnóstico, especialmente após a publicação da Portaria MS nº 453/986, os estudos têm sido centrados em avaliar, apenas, o desempenho de equipamentos isoladamente11-15, sem abordar as questões relativas aos procedimentos, aos condicionantes da situação encontrada, bem como as responsabilidades dos diversos atores envolvidos no processo de controle.

A vigilância sanitária, como um campo do conhecimento científico e de práticas sociais organizadas dirigidas à proteção da saúde, ainda está em processo de consolidação. Compete-lhe desenvolver um conjunto de ações de controle de riscos à saúde relacionados a produtos e serviços, definidos no processo social, sob controle desse setor da Saúde Pública institucionalizada16. Em face das muitas lacunas ainda existentes, os estudos na temática requerem, além da descrição situacional, contribuições teóricas e metodológicas. Nesse sentido, este estudo propõe o conceito de risco potencial, desenvolve um modelo de avaliação de risco potencial e avalia procedimentos em serviços de radiodiagnóstico no estado da Bahia, indicando os condicionantes da situação de controle de risco encontrada.

Métodos

As normas sanitárias estabelecem os requisitos para a atuação com os objetos sob vigilância sanitária e regulamentam ações de controle, para que as "tecnologias para a saúde" produzam o máximo de benefício com o mínimo de riscos, considerando as questões científicas, éticas, econômicas e sociais. As ações de controle necessariamente não estão relacionadas às fontes de riscos; podem estar relacionadas às condições ambientais, de procedimentos, de exercício profissional, recursos humanos ou gerenciais do próprio sistema de controle de riscos.

Variados instrumentos - licença, autorização de funcionamento, registro, análises laboratoriais etc. - são legalmente estabelecidos para o controle de riscos à saúde pela vigilância sanitária. A licença sanitária, por exemplo, é um conceito operativo17 utilizado para controlar riscos, mas não está relacionada diretamente a nenhuma fonte de risco. A inexistência ou caducidade da licença representa uma situação de "risco potencial" inaceitável para o controle do sistema, apesar de não ser possível estabelecer a probabilidade e o dano que pode causar.

Propõe-se o conceito de "risco potencial" para representar, de forma inequívoca, o risco que, necessariamente, não está diretamente associado a um dano e sua respectiva probabilidade de ocorrência. O "risco potencial" diz respeito à possibilidade de ocorrência de um dano. Neste conceito, expressa um juízo de valor sobre a exposição em potencial a um possível risco. É como se representasse o risco do risco.

O risco potencial, tal como o risco clássico, não pode ser representado apenas por um número. Deve ser entendido e avaliado em um dado contexto e com limites de aceitabilidade estabelecidos nos marcos dos determinantes científicos, econômicos e sociais.

As avaliações realizadas pelas autoridades reguladoras no processo de gerenciamento de risco têm como indicadores os instrumentos de controle de riscos e, como consequência, uma medida de "risco potencial" que vai indicar se as condições de controle são aceitáveis ou não.

Assim, foi desenvolvido um Modelo de Avaliação de Risco Potencial (MARP). O modelo necessita ser representado por um formalismo matemático, cujos valores do "risco potencial (RP)" estejam sempre dentro de uma mesma faixa de variação, independentemente do número de indicadores, e não exista a possibilidade de assumir o valor zero. A condição de os valores estarem dentro de uma mesma faixa de variação possibilita a comparação e o estabelecimento de limites de aceitabilidade, enquanto a não possibilidade de assumir o valor zero é uma condição do problema estudado, pois os riscos nunca serão nulos.

Considera-se que os níveis de aceitabilidade não devem ter uma fronteira direta entre o aceitável e o inaceitável, desse modo foi estabelecida uma zona de transição em que a situação de risco potencial pode ser tolerável em algumas condições ou por algum tempo18.

Os indicadores do MARP foram classificados, segundo o nível de risco potencial que representam para o sistema de controle de riscos, em críticos e não críticos. Os indicadores críticos são aqueles que estão associados, diretamente, ao nível de risco potencial inaceitável. Por sua gravidade, podem comprometer todo o sistema de controle de riscos. O conjunto dos indicadores não críticos é formado por todos os indicadores que, individualmente, não comprometem, de forma decisiva, o controle de riscos do sistema.

Uma vez que se pode construir tantos indicadores de riscos quantos forem necessários e o resultado precisa estar dentro de limites fixos, o MARP utiliza médias geométrica e aritmética para representar os indicadores críticos (IC) e não críticos (INC) respectivamente, da seguinte forma:

O controle de risco (CR) é definido como:

Assim, a função que melhor representa a relação de causa e efeitos entre controle de risco e risco potencial é a função exponencial, com a seguinte forma:

A forma da função exponencial, com um rápido decrescimento, representa um bom modelo para fenômenos críticos, como é o caso do sistema de controle de riscos. A complexa relação entre os diversos fatores que influenciam no controle de riscos exibe uma espécie de soma não extensiva, em que o risco potencial para um evento que envolva a junção entre dois fatores pode ser maior que a soma do risco potencial dos dois fatores isoladamente. Esse tipo de comportamento acaba gerando um aumento brusco do risco potencial, ao se somarem muitos elementos ou alguns críticos. Outro comportamento importante da função exponencial, para representar o risco potencial, é que ela possui um valor máximo finito e valor mínimo que tende a zero, sem assumir este valor.

Os indicadores IC e INC foram avaliados com a seguinte graduação: 0 - inexistente ou inadequado; 1 - sofrível; 2 - razoável; 3 - bom; 4 - ótimo; e 5 - excelente. Considerou-se que o cumprimento da norma está associado ao valor 3.

O risco potencial (RP) não deve ser entendido apenas como um número adimensional. Para caracterizar uma situação de risco potencial, são necessárias mais informações. Então, para agregar a dimensão aceitabilidade, a função risco potencial é representada num "espaço de risco potencial" com as respectivas faixas de aceitabilidade, conforme o Gráfico 1. A utilização de espaço de riscos foi proposta inicialmente por Slovic et al.18, para realizar uma comparação da percepção de diferentes tipos de riscos, e como especialistas e leigos percebem os riscos, sendo um dos métodos mais utilizados nos estudos de percepção de riscos18,19.


As faixas de aceitabilidade foram definidas com base nos desvios máximos permitidos nos testes de controle de qualidade de radiodiagnóstico. Conforme estabelecido na Portaria MS nº453/986, o desvio máximo aceitável é de 20% para radiografia/fluoroscopia e 10% para mamografia/tomografia. Aplicando esses valores de tolerância no "nível 1" (CR = 1) de controle, foram estabelecidas as faixas de aceitabilidade utilizadas neste trabalho.

Os riscos potenciais básicos, utilizados na operacionalização do MARP para o radiodiagnóstico, foram os riscos potenciais de controle administrativo, de proteção radiológica e de qualidade da imagem, que estão relacionados, respectivamente, ao controle do sistema pela autoridade reguladora, à otimização das doses em pacientes, trabalhadores e indivíduos do público e à qualidade da imagem e do exame diagnóstico. Assim, o controle de riscos foi avaliado levando-se em consideração todos os atores que atuam nessa área e o marco regulatório vigente.

A inspeção sanitária em serviços de saúde é um dos momentos, se não o único, de materialização de práticas sanitárias que sintetizam todo o controle de riscos do sistema de vigilância sanitária. É o momento de verificar registro de equipamentos, licença sanitária, certificados de qualificação de profissionais, adequação de equipamentos, ambientes e procedimentos17.

Assim, solicitou-se formalmente e obteve-se autorização da vigilância sanitária estadual, com o compromisso do sigilo das informações sanitárias, para que se pudesse acompanhar as inspeções, durante o período de julho a dezembro de 2006, com o objetivo de coletar as informações necessárias para a realização deste trabalho. Um projeto de cooperação técnica entre o Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet/BA), através do Núcleo de Tecnologia em Saúde (NTS) e do seu Laboratório de Física Radiológica (Lafir), com a Diretoria de Vigilância Sanitária (Divisa) do estado da Bahia, durante o período de janeiro de 2002 a dezembro de 2006, contribuiu para a realização deste estudo. Um dos autores deste trabalho, docente do Cefet (BA) e integrante do NTS/Lafir, foi responsável por acompanhar as equipes da Divisa nas inspeções em serviços de radiologia médica e realizar a avaliação dos equipamentos e ambientes de radiodiagnóstico.

Através do acompanhamento de todas as inspeções em serviços de radiodiagnóstico no referido período, utilizando-se o MARP, operacionalizado através de matrizes no software Excel 2003, conforme o Quadro 1, avaliaram-se os riscos potenciais de 94 "procedimentos" em 38 serviços de 15 cidades, distribuídas em cinco regiões do estado da Bahia.


Resultados

O estudo mostrou que 32% dos procedimentos tinham níveis de risco potencial aceitável, 19% níveis de risco potencial tolerável e 49% tinham níveis de risco potencial inaceitável, conforme sintetizados na Tabela 1. Com relação aos serviços de radiodiagnóstico, cuja síntese é apresentada na Tabela 2, apenas duas unidades (uma pública e uma privada) estavam com todos os procedimentos em nível de risco potencial aceitável; 23,7% dos serviços encontravam-se com, pelo menos, um procedimento com nível de risco potencial tolerável e 71% dos serviços possuíam, ao menos, um procedimento com nível de risco potencial inaceitável.

Entre os procedimentos de fluoroscopia avaliados, a ausência de saiote de chumbo em um equipamento, e de colimador, filtração adicional e registro na Anvisa, em outro, provocaram as duas situações de risco potencial inaceitável.

As principais inadequações relativas aos procedimentos de mamografia, com risco potencial inaceitável, foram relativas à inexistência de responsável técnico e ausência de processadora exclusiva, além de dois equipamentos estarem com registro vencido. Os equipamentos com os registros vencidos não possuíam sistema automático de exposição, de compressão da mama e grade antidifusora; 36% das câmaras escuras estavam com entrada de luz, 43% das salas de laudo tinham luminosidade superior ao recomendado e 100% dos negatoscópios apresentaram luminância inferior a 3.000 nit. Quanto aos procedimentos, 42% utilizavam guarda de chassis no interior da sala de exames sem nenhuma proteção, 72% não realizavam avaliação periódica da imagem do phantom e 79% das imagens do phantom possuíam artefatos e manchas no filme, além de não ser possível visualizar todos os conjuntos mínimos de objetos de testes.

As principais não conformidades de indicadores críticos, na radiografia convencional, foram a ausência de equipamentos de proteção individual em 33,3% das salas de exames, a potência dos equipamentos inferior a 4 kW em 32%; e 18,3% não possuíam filtro e colimador. Com relação às salas de exames, 20% não possuíam bucky com grade antidifusora, e 43,3% tinham guarda de chassis em seu interior sem nenhuma proteção; 20% dos serviços utilizavam processamento manual sem controle de tempo e temperatura e 50% usavam chassis danificados. Todos os negatoscópios avaliados, nas salas de laudos, estavam com luminância inferior a 1500 nit, 35% das imagens de simuladores não tinham condições de avaliação, pois apresentavam baixa densidade ótica, e 23,3% dos equipamentos portáteis eram utilizados como fixos.

Com relação à radiologia pediátrica, nos seis serviços avaliados, os equipamentos e procedimentos utilizados remontam às práticas de radiodiagnóstico anterior à Segunda Guerra, produzindo doses quarenta vezes maiores que a referência, no centro do campo, podendo chegar a 4.000 vezes maior em gônadas10,20.

Com relação à tomografia, entre os procedimentos em situação de risco potencial inaceitável, a principal não conformidade refere-se à calibração da uniformidade e do número de CT; 92% dos tomógrafos avaliados são da geração de equipamentos produzidos até a década de 1990.

Vale ressaltar que, das 38 instituições avaliadas, apenas uma possuía programa de garantia de qualidade.

Discussão

Os resultados do estudo mostram uma situação de risco potencial preocupante em procedimentos de radiodiagnóstico no estado da Bahia, indicando um grave problema de Saúde Pública. Entre os 94 procedimentos avaliados, apenas 32% encontravam-se em nível de risco potencial aceitável e 68%, total que representa 64 procedimentos, estavam funcionando em situação de risco potencial inaceitável (49%) ou tolerável (19%). Cada um dos 64 procedimentos nesta situação realizava uma média diária de 15 exames, o que representa uma média anual total de 240.000 exames realizados sem as condições mínimas de segurança e qualidade, ou em condições sofríveis.

Resultados semelhantes foram relatados em outros estudos realizados no Brasil11,13-16. Entretanto, não foi abordada nessas publicações a comparação entre unidades públicas e privadas. No presente estudo, os resultados mostram que as unidades privadas possuem mais procedimentos com nível de risco potencial inaceitável.

Quanto aos condicionantes da situação encontrada, a inexistência de programas de garantia de qualidade, a falta de calibração dos equipamentos e de profissionais capacitados devem ser consideradas como consequências e não causas. A primeira questão refere-se à licença sanitária. Apenas 26 dos 94 procedimentos avaliados possuíam licença sanitária no prazo de validade. Mesmo sem discutir as questões de recursos humanos e infraestrutura da vigilância sanitária estadual, não parece razoável que todos os serviços do estado tenham que ser inspecionados todos os anos. Um planejamento direcionando as inspeções para os serviços de maior risco e a dilatação do prazo de validade dos licenciamentos para os serviços em situação de baixo risco poderiam melhorar o controle do sistema.

O indicador responsabilidade técnica (RT) aponta para um dos mais importantes condicionantes da situação encontrada. Entre os procedimentos avaliados, 10% não possuíam nenhum médico responsável, quase 30% possuíam médico radiologista como responsável técnico e, em quase 60%, os responsáveis eram clínicos gerais, ortopedistas ou pediatras. Contudo, apesar de 90% dos procedimentos serem feitos sob responsabilidade de médicos, a realização de exames com equipamentos e práticas inadequados foi verificada em 68% dos procedimentos. A origem desse problema parece estar na formação dos profissionais. No Brasil, a Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, não inclui a radiologia (radiodiagnóstico, qualidade da imagem, radioproteção e programas de garantia de qualidade) como conteúdo teórico e prático.

Ademais, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) publicou a Resolução CNRM nº 02, de 17 de maio de 2006, que dispõe sobre os requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica. O programa mínimo, de quatro especialidades (radiologia, clínica médica, ortopedia e pediatria), aborda superficialmente o radiodiagnóstico e suas técnicas.

A residência em radiologia e diagnóstico não trata, obrigatoriamente, de temas como dose de referência, qualidade da imagem, programa de garantia de qualidade, controle de qualidade e radiologia pediátrica, em desacordo com as recomendações internacionais2,8-10,14,21.

Nas residências de clínica médica e ortopedia, a radiologia é abordada apenas como conteúdo do estágio opcional, e na residência médica em pediatria o radiodiagnóstico não é recomendado, nem como tema opcional. Isto parece ser um dos fatores explicativos das condições dos serviços de pediatria avaliados neste estudo, que apresentaram a situação de maior risco potencial.

O aspecto da formação profissional também se reflete fortemente em outros indicadores. Apesar de constar na formação do técnico em radiologia, conforme determinado pelo MEC, nos referenciais curriculares para os cursos de técnicos em radiologia, os padrões de qualidade da imagem são temas ainda ausentes no processo de qualificação desses profissionais. Embora a qualidade da imagem seja subjetiva, existem diversos métodos e equipamentos para avaliação das condições mínimas de qualidade da imagem6,9,22.

No que concerne aos profissionais que realizam os serviços de manutenção, proteção radiológica e controle de qualidade, a questão da qualificação relaciona-se à inexistência de formação específica na área e à falta de controle no exercício das atividades. As empresas de manutenção não estão submetidas a nenhum controle quanto à instrumentação e capacitação de seus profissionais. No caso dos físicos que não possuem profissão regulamentada, também não há controle sobre suas práticas em radiodiagnóstico. Esse problema poderia ser minimizado com o estabelecimento de critérios para que tais empresas e profissionais sejam certificados pela Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (Reblas/Anvisa).

Um dos requisitos fundamentais para o bom funcionamento de um serviço de radiodiagnóstico é o programa de garantia de qualidade, que só foi encontrado em uma unidade da capital, mesmo assim em estágio incipiente. Esse é um dos itens que dependem sobremaneira da formação dos profissionais, tanto no referente às questões técnicas como às de cultura de regulação e programas de qualidade23.

Outro indicador relacionado a condicionantes situados no nível nacional do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) é o registro de equipamentos. Foram encontrados, sem registro, cinco equipamentos comercializados em 2006, os quais representam todos os novos equipamentos que foram inspecionados.

No referente aos equipamentos com potência igual ou inferior a 4 kW, com gerador monofásico de retificação de meia-onda, sem filtro e colimador, conforme descrito anteriormente, observaram-se características de equipamentos produzidos antes da Segunda Grande Guerra, pois em 1915 foi desenvolvido o equipamento trifásico e, devido à necessidade de melhorar a qualidade da imagem, no início do século passado já eram utilizados filtros e colimadores reguláveis5. Os 19 equipamentos encontrados nessa condição são portáteis e foram produzidos para fins de realização de exames de extremidades e/ou exames em leitos hospitalares.

Dado que os equipamentos são de baixa potência, para que possam realizar outros tipos de exame (bacia, coluna etc.), o filtro e o colimador são retirados de forma permanente. Além de péssima imagem radiográfica, produzem um campo circular de aproximadamente 75 cm de diâmetro e uma dose de até 10 mGy para raios X de tórax, 25 vezes maior que a dose de referência. Uma vez que a ausência de colimação pode aumentar em cem vezes a dose em gônadas10, isso significa que a diferença entre a dose média em gônadas pode chegar a ser de 2.500 vezes! Ressalta-se que a utilização obrigatória de filtros, colimadores reguláveis e potência maior que 4 kW é determinada pela Portaria MS nº 453/98. Os equipamentos portáteis, com tecnologia de alta frequência, foram lançados no início da década de 7016. Essa situação não é uma característica apenas da amostra estudada, pois em 2005 aproximadamente 34% (5.537) dos equipamentos de radiografia convencional do Brasil possuíam potencia menor que 4 kW24.

Nesse sentido, um indicador de controle de risco aponta uma não conformidade grave e de risco potencial inaceitável: a inexistência de biombos para o comando do equipamento ou a utilização de biombos com dimensões inadequadas. A proteção dos técnicos foi uma das primeiras ações de radioproteção, iniciadas ainda no segundo período da radioproteção (1915 a 1945) - a Lei nº 1.234, de 14 de novembro de 1950, regulamentou essa prática no Brasil.

Outra questão importante refere-se aos negatoscópios, químicos para revelação dos filmes radiográficos, chassis, écrans e às processadoras, que não são considerados produtos para a saúde na legislação sanitária e ficam isentos de registro ou de controle pelo sistema regulador. A qualidade dos exames de radiodiagnóstico não depende, apenas, do equipamento emissor de raios X; assim, esses produtos também requerem regulação sanitária6,8,9,23,25.

Algumas limitações devem ser referidas neste trabalho. A primeira relaciona-se à amostra: devido à natureza dos indicadores de controle de risco potencial utilizados, a amostra do estudo foi resultante do acompanhamento das inspeções da vigilância sanitária estadual. Foram utilizadas as informações das inspeções em radiodiagnóstico realizadas pela Vigilância Sanitária do Estado da Bahia, entre julho e dezembro de 2006. A segunda limitação deve-se à dimensão geográfica da Bahia, que dificulta o transporte e utilização de todas as ferramentas de testes disponíveis. Esse fato teve maior influência nos procedimentos de avaliação de tomografia e do ponto focal de mamografia que demandavam a utilização de "simuladores" que são grandes, pesados e frágeis. No entanto, considera-se que tais limitações não comprometeram os resultados do estudo que provavelmente representa um dos maiores já realizados no Brasil, em número de equipamentos, distribuição geográfica e itens verificados.

Em continuidade, o Modelo de Avaliação do Risco Potencial será utilizado para estudos semelhantes na radiologia intervencionista, radioterapia e medicina nuclear, no propósito de contribuir para a melhoria dos serviços de saúde no país.

Colaboradores

MVT Navarro participou da concepção, análise e redação do artigo; EA Costa participou da concepção e análise; GG Drexler participou da concepção e revisão.

Artigo apresentado em 11/09/2008

Aprovado em 15/07/2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Nov 2010

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2008
  • Aceito
    15 Jul 2009
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