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Promoção de saúde em unidades básicas: análise das representações sociais dos usuários sobre a atuação da fisioterapia

Health promotion in the basic units: analysis of the users' social representations about the role of the physical therapy

Resumos

O objetivo deste estudo foi identificar as representações sociais dos usuários de grupos operativos sobre saúde e a atuação da fisioterapia no processo saúde/doença, além de verificar como as representações dos usuários relacionam-se com os propósitos destes grupos. O presente estudo foi desenvolvido numa abordagem qualitativa, utilizando-se a entrevista semi-estruturada. Foram entrevistados os usuários que participam de grupos operativos coordenados por fisioterapeutas em quatro Unidades Básicas de Saúde do município de Divinópolis (MG). As entrevistas foram gravadas e transcritas de forma a recuperar a integralidade dos depoimentos. A análise dos dados foi feita com base em unidades temáticas. Os principais temas que surgiram foram saúde como ausência de doença, dependência do grupo, fisioterapia ligada à reabilitação física e à promoção da saúde, fisioterapia ligada à melhora psicológica e humanização da assistência fisioterapêutica. O conhecimento das representações sociais dos usuários de grupos operativos reforça a necessidade de participação da população no desenvolvimento, realização e avaliação dos programas de saúde, de forma a alcançar uma coerência entre as expectativas do usuário e os propósitos do programa.

Promoção de saúde; Fisioterapia; Representações sociais


The aim of this article is to identify the social representations of the users of operative groups about health and the physical therapy role in the health/disease process, as well as to verify how the representations of the users are related to the purposes of these groups. The present study was developed under a qualitative approach using the semi-structured interview. Users of the "Quality of Life" project from four basic health units of the city of Divinópolis, Minas Gerais State, were interviewed. The interviews were recorded and transcribed in order to preserve the totality of the statements. The analysis of the data was performed based on the thematic units. The main themes that emerged were: health as absence of disease, dependency of the group, physical therapy linked to physical rehabilitation and to health promotion, physical therapy linked to the psychological improvement and humanization of the physical therapy assistance. The knowledge of the social representations of the users from the "Quality of Life" project reinforces the need of the participation of the population in the development, accomplishment and evaluation of the health programs in order to reach coherence between the user expectations and the purposes of the program.

Health promotion; Physical therapy; Social representations


ARTIGO

ATENÇÃO BÁSICA

Promoção de saúde em unidades básicas: análise das representações sociais dos usuários sobre a atuação da fisioterapia

Health promotion in the basic units: analysis of the users' social representations about the role of the physical therapy

Viviane Gontijo Augusto; Cecília Ferreira de Aquino; Naia Chaves Machado; Vanessa Aparecida Cardoso; Solange Ribeiro

Fundação Educacional de Divinópolis. Av. Paraná 3.001, Jardim Belvedere. 35500-031 Divinópolis MG. augustoviviane@oi.com.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar as representações sociais dos usuários de grupos operativos sobre saúde e a atuação da fisioterapia no processo saúde/doença, além de verificar como as representações dos usuários relacionam-se com os propósitos destes grupos. O presente estudo foi desenvolvido numa abordagem qualitativa, utilizando-se a entrevista semi-estruturada. Foram entrevistados os usuários que participam de grupos operativos coordenados por fisioterapeutas em quatro Unidades Básicas de Saúde do município de Divinópolis (MG). As entrevistas foram gravadas e transcritas de forma a recuperar a integralidade dos depoimentos. A análise dos dados foi feita com base em unidades temáticas. Os principais temas que surgiram foram saúde como ausência de doença, dependência do grupo, fisioterapia ligada à reabilitação física e à promoção da saúde, fisioterapia ligada à melhora psicológica e humanização da assistência fisioterapêutica. O conhecimento das representações sociais dos usuários de grupos operativos reforça a necessidade de participação da população no desenvolvimento, realização e avaliação dos programas de saúde, de forma a alcançar uma coerência entre as expectativas do usuário e os propósitos do programa.

Palavras-chave: Promoção de saúde, Fisioterapia, Representações sociais

ABSTRACT

The aim of this article is to identify the social representations of the users of operative groups about health and the physical therapy role in the health/disease process, as well as to verify how the representations of the users are related to the purposes of these groups. The present study was developed under a qualitative approach using the semi-structured interview. Users of the "Quality of Life" project from four basic health units of the city of Divinópolis, Minas Gerais State, were interviewed. The interviews were recorded and transcribed in order to preserve the totality of the statements. The analysis of the data was performed based on the thematic units. The main themes that emerged were: health as absence of disease, dependency of the group, physical therapy linked to physical rehabilitation and to health promotion, physical therapy linked to the psychological improvement and humanization of the physical therapy assistance. The knowledge of the social representations of the users from the "Quality of Life" project reinforces the need of the participation of the population in the development, accomplishment and evaluation of the health programs in order to reach coherence between the user expectations and the purposes of the program.

Key words: Health promotion, Physical therapy, Social representations

Introdução

Nos últimos anos, o conceito de promoção da saúde tornou-se um marco para as políticas de saúde em nível mundial. O objetivo da promoção de saúde é restabelecer os laços existentes entre saúde e bem-estar social, entre qualidade de vida coletiva e individual¹. No Brasil, o tema promoção da saúde ganhou força a partir das mudanças nas políticas de saúde, nos anos oitenta, que culminaram na Lei Orgânica da Saúde (1990) e na concepção do Sistema Único de Saúde (SUS). O sistema de saúde brasileiro está fundamentado em princípios de integralidade da atenção e de participação popular². Assim, iniciou-se um discurso para educação em saúde voltado para a participação comunitária. Apesar da existência de um discurso teórico mais participativo, os projetos de atenção à saúde ainda tratam o público-alvo como objeto de transformação, numa prática coerciva e normativa³. Raramente observam-se programas que aprofundam os seus esforços avaliativos, no sentido de mostrar efeitos e impactos. A maior parte deles restringe-se apenas à descrição das discrepâncias entre o realizado e o programado e entre os recursos implementados e as coberturas alcançadas. Entretanto, se as práticas e a transmissão de informações em saúde são verticalizadas, é possível que as necessidades e os objetivos da população não se concretizem, caso sejam diferentes das necessidades e objetivos dos profissionais da saúde. Também é possível que as estratégias dos programas de atenção à saúde sejam inapropriadas ou ineficazes4.

Nos serviços de atenção à saúde, em vários estados do Brasil, são desenvolvidos os chamados grupos operativos, com o intuito de educar para a saúde, promover saúde e prevenir doenças. Os grupos operativos são definidos como um conjunto de pessoas com objetivo comum, que opera e se estrutura na medida em que se relaciona4. Atualmente, existem grupos operativos coordenados por fisioterapeutas que desenvolvem atividades educativas associadas às atividades físicas com o propósito de promoção da saúde. Fortuna et al.4 descreveram a importância de existir objetivos comuns entre os participantes dos grupos operativos e os profissionais de saúde responsáveis pela coordenação destes grupos. Os autores citam como exemplo fictício uma equipe de Saúde da Família que continua fazendo um grupo de adolescentes, anos e anos, sem parar para avaliar se está atingindo ou não o objetivo proposto. Os autores também criticam esta prática de saúde, que passa a ser apenas mais uma tarefa a ser cumprida. Torres et al.5 compartilham desta mesma idéia e ressaltam que a educação em saúde como prática social, baseada na troca de saberes, favorece a compreensão dessa relação no processo saúde/doença e o intercâmbio entre o saber científico e popular.

Um dos princípios das intervenções em promoção da saúde é a participação da população em todas as fases de planejamento, desenvolvimento e realização dos programas. Dessa forma, é imprescindível que se conheçam as crenças, os valores, os significados e os objetivos da população em relação à promoção da saúde, bem como o papel da fisioterapia neste processo. Uma maneira de se atingir este objetivo é o desenvolvimento de pesquisas qualitativas buscando um entendimento mais profundo e, se necessário, subjetivo do objeto de estudo, sem preocupar-se com medidas numéricas e análises estatísticas. Quando aplicada à saúde, a pesquisa qualitativa pode utilizar conceitos das ciências humanas e sociais, como o conceito de representações sociais, para estudar o fenômeno em si, compreender seu significado coletivo e como isso influencia na vida da pessoa6.

A teoria das representações sociais desponta como uma nova maneira de interpretar o comportamento dos indivíduos e dos grupos sociais. Moscovici7 sugere que existe um pensamento social resultante das experiências, das crenças e das trocas de informações presentes na vida cotidiana, podendo ser considerada uma forma de saber prático. O estudo das representações sociais veio mostrar que o processo saúde/doença é permeado de elementos culturais, sociais e econômicos, sendo compreendido e vivenciado diferentemente pelos vários atores que dele participam. O sucesso ou não de determinado serviço pode estar ligado à correspondência de valores entre a comunidade e os profissionais8.

Considerando o exposto, o objetivo desse estudo é identificar as representações sociais dos usuários de grupos operativos sobre saúde e a atuação da fisioterapia no processo saúde/doença, além de verificar como as representações dos usuários relacionam-se com os propósitos destes grupos.

Métodos

O presente estudo foi desenvolvido em uma abordagem qualitativa, o que implica em considerar o sujeito, em determinada condição social, pertencente a um grupo social, com suas crenças, valores e significados9.

O recurso metodológico utilizado foi a entrevista semi-estruturada. Por entrevistas semi-estruturadas, deve-se entender aquelas em que o informante fala livremente sobre o tema proposto, limitado, contudo, por um roteiro de questões a serem pontuadas na entrevista9. As entrevistas buscaram conhecer em profundidade as representações sociais dos usuários de um projeto denominado "Qualidade de vida" sobre saúde e o papel da fisioterapia no processo saúde/doença. Este projeto iniciou-se em setembro de 2005, tendo sido criado e desenvolvido por um grupo de professores e estagiários do curso de fisioterapia de uma instituição de ensino da cidade de Divinópolis (MG). O projeto ocorre em quatro Unidades Básicas de Saúde e se fundamenta na prática de atividade física e orientações básicas sobre saúde, sendo que, em cada unidade, tais ações são realizadas por um grupo de oito estagiários sob a supervisão e orientação de dois fisioterapeutas. As atividades são feitas duas vezes por semana, com duração de uma hora, sendo realizados exercícios de alongamento, fortalecimento, exercícios aeróbicos e relaxamento no final de cada sessão. No início e no fim da atividade física, é feito o monitoramento da pressão arterial sistêmica e da frequência cardíaca de todos os participantes.

Para iniciar o projeto "Qualidade de vida", foi feita uma divulgação a respeito do mesmo nas unidades básicas e em locais públicos da área de abrangência de cada unidade. Os indivíduos interessados em participar do projeto foram avaliados pelos estagiários e professores para identificar possíveis contraindicações para a realização da atividade proposta. Após a avaliação, observou-se que grande parte dos interessados apresentava doenças crônico-degenerativas, como hipertensão arterial, diabetes e distúrbios osteomusculares. Assim, a finalidade do grupo operativo era desenvolver programas de atividade física e orientações direcionadas para o controle destas doenças e para a promoção da saúde. Durante a realização do projeto, quando se verificava alterações clínicas que exigiam o acompanhamento de outros profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros ou psicólogos, os usuários eram encaminhados para avaliação especializada.

Seleção dos participantes

Os participantes foram selecionados de forma intencional, pelo tempo de participação no projeto, iniciando pelos usuários que frequentam o grupo há mais tempo e, sucessivamente, há menos tempo, até o tempo mínimo de três meses de participação. Acredita-se que este é o tempo mínimo necessário para que os participantes possam relatar mudanças, benefícios e expectativas relacionadas à sua participação nos grupos. Esta seleção foi realizada através das fichas de cadastro dos usuários.

Coleta e análise dos dados

Os usuários foram comunicados a respeito da pesquisa e aqueles que se interessaram assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da FUNEDI/UEMG.

O número de usuários entrevistados foi determinado no decorrer da pesquisa de acordo com o critério de redundância das informações. Entende-se como redundância o momento em que as informações estão suficientemente confirmadas e o surgimento de novos dados é cada vez mais raro9. Foram entrevistados 21 participantes do projeto (seis homens e quinze mulheres), com média de idade de 59,2 anos e predominando indivíduos com primeiro grau incompleto (76,1%).

As entrevistas foram realizadas por duas estagiárias do curso de fisioterapia que participam do projeto em uma das unidades básicas de saúde no período de fevereiro a maio de 2007. As respostas foram gravadas em fitas magnéticas, com autorização prévia dos participantes e posteriormente transcritas. Após a transcrição, os depoimentos foram encaminhados aos participantes para leitura e confirmação das informações concedidas.

A análise dos dados foi feita com base em unidade temática ou tema, que pode ser entendido como "unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura"10, e passou pelas seguintes etapas: codificação e identificação de temas; refinamento de temas e categorias; desenvolvimento de teoria e incorporação de conhecimento preexistente; produção de relatórios.

Resultados e discussão

A partir da análise das entrevistas realizadas, os seguintes temas foram identificados: saúde como ausência de doença, dependência do grupo, fisioterapia ligada à reabilitação física e à promoção da saúde, fisioterapia ligada à melhora psicológica e humanização da assistência fisioterapêutica. Em seguida, os temas foram discutidos, triangulando as representações sociais dos usuários com as informações descritas na literatura, como apresentado abaixo.

Saúde como ausência de doenças

Muitos entrevistados demonstraram entender a saúde como ausência de doenças. É possível que esta representação tenha origem no próprio conhecimento científico que possui uma tendência de centralizar a atenção na doença, conduzindo a uma noção de saúde relativa apenas aos aspectos orgânicos em suas especificidades e impedindo uma visão da totalidade do ser humano11.

Um outro aspecto que chama atenção é a ausência de clareza sobre o objeto de trabalho do fisioterapeuta no campo da saúde. Em geral, a "doença" parece ser a parte que mais recebe atenção, obscurecendo o que é a totalidade desse objeto: as condições de saúde de um organismo ou de toda uma população12. Essa tendência dificulta o reconhecimento das condições emocionais, sociais e culturais como partes da construção da doença11: "Saúde, eu acho que é a gente não sentir nada, né? Num tando sentindo nada, tem muita saúde, agora vem a doença e atrapalha, né?" (O.D.M.)

Considerar a ação dos fatores extrabiológicos no processo saúde/doença é de extrema relevância, pois os fatores socioeconômicos e culturais podem ser determinantes em ambas as condições: saúde e doença. De acordo com Buss e Pellegrini Filho13, este consenso foi criado ao longo da história, demonstrando a importância dos determinantes sociais em saúde. Nas últimas décadas, houve um grande avanço dos estudos que relacionam a maneira como a sociedade se organiza e se desenvolve com a situação de saúde da população. É importante ressaltar que a relação entre os determinantes sociais e a saúde não é uma relação direta de causa e efeito. Por exemplo, embora o volume de riqueza gerado numa sociedade seja um elemento fundamental para viabilizar melhores condições de saúde, existem países pobres com indicadores de saúde satisfatórios.

Dependência do grupo

A criação de um vínculo de dependência com o grupo de atividade física foi percebida nas falas da grande maioria dos usuários entrevistados, como pode ser exemplificado na seguinte frase: "Ah, eu espero que ele (o grupo) nunca acabe porque ele é bom demais. Eu sinto completamente recuperada." (L.A.A)

As intervenções em saúde coletiva consideram que a assistência à saúde é uma interferência consciente no processo saúde/doença de uma dada coletividade pelo conjunto dos profissionais de saúde com a população. Estas intervenções têm o objetivo de desenvolver uma consciência crítica por parte dos usuários, para que estes se tornem sujeitos de suas próprias transformações14. Porém, o que se observa nas falas dos entrevistados é que existe uma relação de dependência dos usuários com os profissionais e uma responsabilização destes profissionais na manutenção da saúde. Acredita-se que este é um dos problemas que se apresenta na formação e desenvolvimento do projeto "Qualidade de vida", uma vez que os grupos deste projeto foram criados sem um tempo previsto para término das atividades. Por um lado, existe o reconhecimento de que a atividade física é necessária em todas as fases da vida, mas de outro, não há uma rotatividade de participantes e abre-se a oportunidade do desenvolvimento de dependência ao grupo. Talvez a formação dos grupos sem um tempo determinado para o término das atividades seja a manifestação da tendência mecanicista, linear e disciplinar tão presente no setor da saúde e que, na verdade, é insuficiente para explicar o fenômeno complexo da saúde/doença. A saúde é um processo dinâmico cuja compreensão exige um trabalho interdisciplinar capaz de promover a resolutividade dos problemas15.

Fisioterapia ligada à reabilitação física e à promoção de saúde

Grande parte dos usuários relacionou a fisioterapia à reabilitação física. Talvez essa relação possa ser explicada pela própria história da profissão. Segundo Rebellato12, a origem da fisioterapia dirigiu as definições do campo profissional para atividades recuperativas ou reabilitadoras. O próprio nome da profissão já evidencia a seleção feita em relação ao que é considerado como objeto de trabalho nesse campo. A palavra "terapia", em princípio, exclui algumas modalidades de atuação profissional, como a manutenção e a promoção de melhores condições de saúde. Essa representação da fisioterapia restrita à reabilitação pode ser expressa pela fala de um dos usuários do projeto: "Fisioterapia é um tratamento. Quando ocê vem pra fisioterapia, normalmente cada um tem uma queixa. Coluna, braço, perna. Então, quer dizer, aqui você procura a cura." (N.S.A.)

Apesar de muitos usuários ainda relacionarem a fisioterapia com reabilitação física, parte dos entrevistados entende sua atuação em promoção de saúde e prevenção de doenças: "Fisioterapia é a ciência que vem pra melhorar a vida dos idosos, não só dos idosos, mas de todas as pessoas né, que quer manter uma saúde, deve tá sempre fazendo exercícios." (M.P.P).

A partir da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde realizada em Ottawa, em novembro de 1986, a promoção de saúde foi definida como um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde. É uma política comprometida com os serviços e ações, que coloca os usuários e profissionais de saúde como responsáveis na organização do processo de saúde16. Mesmo aqueles usuários que percebem a fisioterapia de forma ampla, incluindo o seu papel preventivo, expressam em suas falas a característica verticalizada das ações propostas pelo projeto: "Aqui ocê aprende como agachar, pegar um peso, varrer uma casa, como se posturar na máquina de costura. Então, pra nós é um ganho muito grande." (N.S.A)

O processo educativo nos grupos estudados ainda encontra-se baseado na adoção de novos comportamentos e na mudança do estilo de vida. Essa prática com discursos que determinam o que fazer e como fazer, sem considerar as representações sociais dos sujeitos envolvidos neste processo, caracteriza uma relação assimétrica entre o profissional e o usuário, onde de um lado fica aquele que detém o saber técnico-científico e, do outro, aquele que precisa ser devidamente informado17.

Fisioterapia ligada à melhora psicológica

Ao serem investigados sobre o papel da fisioterapia, alguns entrevistados fizeram uma associação da fisioterapia com melhora física e psicológica:

"Chamo a fisioterapia da clínica do acabamento. A fisioterapia restabelece completamente a saúde da pessoa, tanto física quanto mental." (L.A.A)

"Melhora assim. Eu era deprimida, tinha muita depressão, eu sinto bem quando eu tô aqui." (O.J)

Alguns estudos apontam que os exercícios físicos podem trazer resultados positivos ao sono e seus possíveis distúrbios, aos aspectos psicológicos, aos transtornos de humor, como a ansiedade e a depressão, e aos aspectos cognitivos como a memória e a aprendizagem18,19. Além disso, a atividade física pode ser associada a modificações positivas da autoimagem, melhora da autoestima e forte sentimento de autoeficácia, que podem induzir à prática de outras atividades de promo ção de saúde20. Embora existam evidências de uma associação entre exercícios físicos e melhora psicológica18, não é objeto da fisioterapia o restabelecimento da saúde psíquica dos usuários. Também não é objetivo do projeto "Qualidade de vida" promover reabilitação, nem física, nem psicológica. Entretanto, a influência da atividade física nos aspectos psicológicos parece depender, não exclusivamente, da ação benéfica do exercício sobre o funcionamento fisiológico do organismo, mas também da dimensão social presente nesta variável. Neste ponto, vale ressaltar o relato de Martins21 de que os fenômenos sociais são complexos, não sendo fácil separar causas e motivações e não podendo ser reproduzidos em laboratórios e nem submetidos a controle. Estes fenômenos estão sempre submetidos a observações e interpretações dos pesquisadores; portanto, a neutralidade não existe e a objetividade do estudo é relativa. Assim, o bem-estar emocional relatado pelos usuários pode ser consequente a benefícios sociais que o grupo proporciona. Alguns usuários destacaram estes benefícios: "Eu gosto de participar do grupo porque encontro com os amigos, tenho com quem conversar, sair, divertir bastante, rir e isto é muito bom pra gente, chega em casa mais disposto, né?" (M.P.G.C)

O discurso deste usuário deixa claro como o grupo de atividade física funciona como um importante suporte social em sua vida. Estar vinculado a um grupo social pode vir a dar significado à existência das pessoas, seja pelo compromisso, pela responsabilidade social implícita ou simplesmente pela oportunidade de convívio social. Conviver com outras pessoas é fundamental na manutenção ou até mesmo promoção da saúde física e mental de um indivíduo22.

Humanização da assistência fisioterapêutica

Pode-se destacar nas falas dos usuários a representação de satisfação com as práticas de humanização e cuidado do projeto "Qualidade de vida": "São meninas que têm a disponibilidade de sentar, te escutar, te orientar, te ajudar." (N.S.A)

Segundo Fortes e Martins23, humanizar significa reconhecer as pessoas que buscam nos serviços de saúde a resolução de suas necessidades, como sujeitos de direitos. É observar cada pessoa em sua individualidade, em suas necessidades específicas, ampliando as possibilidades para que possa exercer sua autonomia. Neste ponto, pode-se considerar que as ações de humanização e cuidado implantadas no projeto ainda estão em desenvolvimento, uma vez que estas ações se limitam no conhecimento das necessidades dos usuários sem usar deste para promover mudanças nas atividades propostas.

Vale destacar que existe um equívoco no conceito do cuidar por parte dos usuários, que entendem cuidado como sinônimo de caridade: "Todas trata a gente muito bem, até pela paciência, né? Toda vez tão aí cedinho esperando a gente, faça chuva, faça sol, faça frio, por que é uma caridade o que tão fazendo para gente, né?" (I.P.S)

Humanizar a relação com o usuário realmente exige que o profissional valorize a afetividade e a sensibilidade como elementos necessários ao cuidar, tendo seu enfoque no ser humano e não na sua doença24. Compreende-se, entretanto, que o cuidado não supõe um ato de caridade exercido por profissionais abnegados, mas sim capazes de construir uma relação saudável, compartilhando saber, poder e experiência vivida25.

Deve ser ressaltado que as estagiárias responsáveis pela coleta dos dados desenvolvem o estágio do curso em uma das quatro unidades onde o estudo foi realizado, o que pode ter influenciado nas respostas dos usuários do grupo ao qual elas pertenciam. Entretanto, o tema humanização do serviço surgiu em todas as unidades participantes, o que sugere que o contato prévio das estagiárias com os usuários não foi determinante para o aparecimento deste tema.

Considerações finais

As representações sociais dos participantes deste projeto expressam a capacidade da população em reconhecer suas necessidades para a manutenção da saúde. Porém, a coletividade anuncia um desconhecimento dos limites do saber do fisioterapeuta como participante do processo de promoção da saúde. As representações devem ser consideradas como modos de pensamentos construídos ao lado das trajetórias de vida dos sujeitos, influenciados pela experiência coletiva. Portanto, as representações sociais devem fazer parte da educação em saúde por meio de um compartilhamento de saberes. Isto implica em reconhecer que cada usuário é detentor de um valor que pode ser diferente do profissional e que desconsiderar este valor é atuar de forma ultrapassada e equivocada. Conhecer e considerar as representações nas práticas de saúde significa superar a visão cientificista e avançar em direção à compreensão da complexidade inerente à educação em saúde. Dessa forma, o presente estudo contribui para que a fisioterapia possa desenvolver as ações básicas de saúde de forma mais eficiente e eficaz, ampliando o saber do profissional da área e extrapolando o modelo biomédico de atuação para que possa ser atingido o objetivo da promoção de saúde.

Colaboradores

VG Augusto trabalhou na elaboração, pesquisa, metodologia e redação final. CF Aquino trabalhou na elaboração, pesquisa, metodologia e redação final. NC Machado trabalhou na elaboração, coleta de dados, pesquisa, metodologia e redação final. VA Cardoso trabalhou na elaboração, coleta de dados, pesquisa, metodologia e redação final. S Ribeiro trabalhou na elaboração, pesquisa, metodologia e redação final.

Agradecimentos

À Universidade Estadual de Minas Gerais (bolsa PAPq/UEMG).

Artigo apresentado em 11/03/2008

Aprovado em 10/02/2009

Versão final apresentada em 10/03/2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    2011

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2008
  • Aceito
    10 Fev 2009
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