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Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho: o perfil dos trabalhadores em benefício previdenciário em Diamantina (MG, Brasil)

Work-related musculoskeletal disorders: the profile of workers receiving welfare benefit in Diamantina (MG, Brazil)

Resumos

O objetivo foi identificar o perfil de trabalhadores que receberam benefício temporário ou permanente por DORT entre 2002 e 2005 na Agência de Previdência Social (APS) Diamantina e comparar a prevalência dessa população. A amostra foi obtida através de bancos de dados contendo variáveis sociodemográficas e clínicas. O perfil foi semelhante ao longo dos anos. As características mais prevalentes foram trabalhadores residentes em Diamantina, entre 40 e 59 anos, nível de escolaridade no ensino fundamental, sem diferenças quanto ao gênero. A maioria estava empregado no setor de serviços, com renda abaixo de um salário mínimo. O benefício mais concedido foi auxílio-doença previdenciário. O diagnóstico mais comum foi Dorsalgia, com tempo médio do benefício de 10 meses. Observou-se tendência crescente de acometimento por DORT e evolução dos afastamentos para aposentadoria por invalidez ao longo dos anos. O presente estudo possibilitou conhecer o perfil do trabalhador afastado por DORT nessa APS. Observou-se tendência de crescimento dos índices de afastamento refletindo a tendência mundial. Assim, sugere-se implementação de políticas de prevenção, promoção e reabilitação da saúde desta população.

Previdência Social; Lesão por Esforço Repetitivo; Epidemiologia


The objective of this study was to identify the profile of workers receiving temporary or permanent benefit for Work-Related Musculoskeletal Disorders (WMSD) at the Social Welfare Office in Diamantina between 2002 and 2005, and to compare the prevalence among this population. The sample was obtained through analysis of the database containing socio-demographic and clinical variables, and the profile was similar over the years. The most prevalent characteristics were among workers resident in Diamantina, between 40 and 59 years of age of elementary educational level and without difference in gender. The majority were employed in the service sector, with income below US$200 per month. The benefit granted most frequently was social welfare due to illness, the most common diagnosis being back pain with duration of benefit of 10 months. An increase in the incidence of WMSD was observed leading to a marked rise in social welfare retirement due to disability over the years. This study made it possible to establish the profile of workers retired due to WMSD in Diamantina. This tendency of growth in retirement indices reflects the world tendency. The need to implement prevention, promotion and rehabilitation policies for the health of this population arises as a clear priority from this study.

Welfare; Repetitive Strain Injury; Epidemiology


ARTIGO

Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho: o perfil dos trabalhadores em benefício previdenciário em Diamantina (MG, Brasil)

Work-related musculoskeletal disorders: the profile of workers receiving welfare benefit in Diamantina (MG, Brazil)

Marcus Alessandro de Alcântara; Gabriela da Silveira e Nunes; Bárbara Coura Moreira dos Santos Ferreira

Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal dos Vales de Jequitinhonha e Mucuri. Rua da Glória 187,Centro. 39100-000 Diamantina MG. alcantaramarcus@hotmail.com

RESUMO

O objetivo foi identificar o perfil de trabalhadores que receberam benefício temporário ou permanente por DORT entre 2002 e 2005 na Agência de Previdência Social (APS) Diamantina e comparar a prevalência dessa população. A amostra foi obtida através de bancos de dados contendo variáveis sociodemográficas e clínicas. O perfil foi semelhante ao longo dos anos. As características mais prevalentes foram trabalhadores residentes em Diamantina, entre 40 e 59 anos, nível de escolaridade no ensino fundamental, sem diferenças quanto ao gênero. A maioria estava empregado no setor de serviços, com renda abaixo de um salário mínimo. O benefício mais concedido foi auxílio-doença previdenciário. O diagnóstico mais comum foi Dorsalgia, com tempo médio do benefício de 10 meses. Observou-se tendência crescente de acometimento por DORT e evolução dos afastamentos para aposentadoria por invalidez ao longo dos anos. O presente estudo possibilitou conhecer o perfil do trabalhador afastado por DORT nessa APS. Observou-se tendência de crescimento dos índices de afastamento refletindo a tendência mundial. Assim, sugere-se implementação de políticas de prevenção, promoção e reabilitação da saúde desta população.

Palavras-chave Previdência Social, Lesão por Esforço Repetitivo, Epidemiologia

ABSTRACT

The objective of this study was to identify the profile of workers receiving temporary or permanent benefit for Work-Related Musculoskeletal Disorders (WMSD) at the Social Welfare Office in Diamantina between 2002 and 2005, and to compare the prevalence among this population. The sample was obtained through analysis of the database containing socio-demographic and clinical variables, and the profile was similar over the years. The most prevalent characteristics were among workers resident in Diamantina, between 40 and 59 years of age of elementary educational level and without difference in gender. The majority were employed in the service sector, with income below US$200 per month. The benefit granted most frequently was social welfare due to illness, the most common diagnosis being back pain with duration of benefit of 10 months. An increase in the incidence of WMSD was observed leading to a marked rise in social welfare retirement due to disability over the years. This study made it possible to establish the profile of workers retired due to WMSD in Diamantina. This tendency of growth in retirement indices reflects the world tendency. The need to implement prevention, promotion and rehabilitation policies for the health of this population arises as a clear priority from this study.

Key words Welfare, Repetitive Strain Injury, Epidemiology

Introdução

Os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) representam um dos principais problemas de saúde que acometem trabalhadores nas últimas décadas1,2. Esses distúrbios permanecem há anos desafiando profissionais de diversas áreas do conhecimento científico, uma vez que se observa um aumento vertiginoso no número de casos em países industrializados1,3-5.

De acordo com a Instrução Normativa nº. 981 do Ministério da Previdência Social, os DORT podem ser entendidos como uma síndrome relacionada ou não ao trabalho, caracterizada pela ocorrência de vários sintomas concomitantes ou não, tais como dor, parestesia, sensação de peso e fadiga, de aparecimento insidioso, mais comumente originados por trauma acumulativo. Diferentemente de outras patologias ocupacionais, os DORT não constituem uma entidade clínica específica, mas abrangem inúmeros quadros sintomáticos e síndromes, alguns difusos e outros bem delimitados anatômica e/ou fisiopatologicamente. Além disso, não possui etiologia exclusivamente ocupacional, podendo ter sua gênese associada a outros fatores como esporte, postura fora do trabalho, traumas prévios, repouso e fatores psicossociais6.

No Brasil, os DORT passaram a ser reconhecidos como doença ocupacional em 1991, com a publicação da Norma Técnica de Lesões por Esforços Repetitivos - LER - pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social7. Apesar da terminologia LER ser mais difundida, optou-se por usar a nomenclatura DORT neste estudo por ser mais atual, uma vez que a Instrução Normativa nº 981 afirma que ambas as terminologias são usuais.

Na década de 90, os DORT tornaram-se uma das doenças do trabalho mais notificadas ao Instituto Nacional de Seguridade Social. Esses distúrbios corresponderam a mais de 80% dos diagnósticos que resultaram em concessão de auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez pela Previdência Social em 19988. Nesse sentido, Boff et al.9 estudaram as concessões de benefício por incapacidade temporária e mostraram que as doenças do sistema osteomuscular foram a causa mais frequente de afastamento do trabalho na cidade de Porto Alegre -RS.

Atualmente, os DORT representam o principal grupo de afecções entre as doenças ocupacionais no Brasil e em vários países do mundo, apresentando dimensões epidêmicas em diversas categorias profissionais3,5. Alguns estudos confirmam que no Brasil os DORT ocupam o primeiro lugar entre as doenças ocupacionais acompanhando a tendência mundial de aumento na incidência desses distúrbios2.

Segundo Garcia et al.2, há predomínio dos distúrbios entre trabalhadores que se encontram numa faixa economicamente ativa. Essa condição é fator de preocupação, pois, além de causar incapacidade precocemente no trabalhador acometido, gera altos custos para instituições de saúde e governamentais. O estudo de Reis et al.10 apresentou a mesma tendência, quando a maioria dos pacientes acometidos tinha menos de 40 anos de idade. Isso revela um problema de grandes proporções, uma vez que a presença dos DORT implica em afastamento do trabalho, muitas vezes numa faixa etária plenamente produtiva, gerando não apenas enormes custos econômicos, mas também um impacto psicológico e social2,11.

Nesse contexto, é de suma importância conhecer o perfil dos trabalhadores acometidos por DORT, para direcionar ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação da saúde. Estas visam minimizar a exposição dos trabalhadores aos riscos e à ocorrência de novos casos, além de proporcionar àqueles acometidos por este problema, um possível retorno às atividades laborais e de vida diária12-14.

Este estudo teve dois objetivos principais. O primeiro foi identificar o perfil dos trabalhadores que receberam benefício previdenciário por incapacidade temporária ou permanente secundária aos DORT, no período de janeiro de 2002 a dezembro de 2005, pela Agência de Previdência Social (APS) Diamantina, Minas Gerais. O segundo objetivo foi comparar a prevalência e o perfil dessa população ao longo dos anos para analisar o comportamento dos benefícios concedidos por essa instituição.

Metodologia

Caracterização do estudo

Foi conduzido um estudo observacional de corte transversal, a partir de análise retrospectiva da base populacional de trabalhadores da APS Diamantina, com sede na cidade de Diamantina, localizada ao norte de Minas Gerais. Os dados disponíveis na Previdência Social referem-se às seguintes categorias de filiação: Trabalhadores empregados, desempregados, empregados domésticos, Facultativos, Autônomos e Segurados Especiais. A APS Diamantina abrange uma região composta por 14 cidades: Carbonita, Couto Magalhães de Minas, Datas, Diamantina, Felício dos Santos, Gouvêa, Itamarandiba, Presidente Kubitschek, Rio Vermelho, Santo Antônio do Itambé, São Gonçalo do Rio Preto, Senador Modestino Gonçalves, Serra Azul de Minas e Serro. A produção é predominante nos setores agropecuários, industriais, comerciais e serviços, os quais visam atender, sobretudo, às necessidades de suas populações no entorno imediato15.

Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano-Municipal (IDH-M)16 médio da região foi 0,672 (amplitude = 0,626 e 0,748), caracterizando médio desenvolvimento, com problemas sociais mais preocupantes na renda per capita (média = 0,560; amplitude = 0,502 e 0,668). O IDHM é obtido pela média aritmética simples de três subíndices, referentes a Longevidade, Educação e Renda e é classificado em três grupos: baixo desenvolvimento (índices até 0,499), médio desenvolvimento (entre 0,500 e 0,799) e alto desenvolvimento (maiores que 0,800). O conceito de Desenvolvimento Humano parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana.

Na Previdência Social, o processo de afastamento por doença do trabalho se dá nos casos em que o mesmo seja superior a 15 dias. De forma geral, o trabalhador passa por avaliação médica quando é definido o diagnóstico clínico da doença e sua relação com a incapacidade laboral. Nos casos onde o trabalho for considerado fator causal, é solicitada à empresa a emissão da Comunicação por Acidente de Trabalho - CAT. A partir disso, o empregado é orientado a procurar uma APS e a entrar com pedido de benefício. A parte administrativa da instituição verifica se o trabalhador está em dia com suas contribuições previdenciárias. Uma vez confirmada a condição de segurado, o trabalhador é encaminhado à perícia médica da Previdência, e caso seja confirmada a incapacidade laboral, o pedido de benefício é aceito. O tempo deste é variável, e o desfecho pode ser o retorno ao trabalho ou a evolução para o benefício por aposentadoria3,12,13.

População do estudo

  • A população pesquisada foi composta por uma amostra de conveniência, não aleatória, de trabalhadores de ambos os gêneros, segurados pela APS Diamantina (Quadro 1). Foram selecionados aqueles que atendessem aos seguintes critérios de inclusão:


  • Diagnóstico de DORT de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e reconhecido pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 1.399/1999);

  • Nexo causal com o trabalho definido (DORT definido = Benefício B91) ou indefinido (DORT indefinido = Benefício B31);

  • Afastamento com benefício requerido na APS Diamantina;

  • Afastamento concedido entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005.

A amostra da pesquisa foi obtida através da análise de bancos de dados computadorizados realizada por um funcionário da Agência com base nas variáveis e critérios estabelecidos pelos pesquisadores do estudo. As variáveis foram selecionadas a partir de estudos como os de Reis et al.10 e Garcia et al.2 em que foram avaliadas variáveis sociodemográficas e econômicas.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). A coleta de dados foi autorizada pela gerência executiva da APS Diamantina através de um Termo de Consentimento.

Análise dos dados

A análise dos dados foi feita a partir do software estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Science) versão 11.0. Inicialmente foi feita uma análise descritiva das variáveis sócio-demográficas e clínicas utilizadas no estudo. Para as variáveis quantitativas foram utilizadas medidas de tendência central e variabilidade (média, mediana, DP, mínimo e máximo). Para as variáveis nominais ou categóricas, foi feita uma tabela de distribuição de frequências. Na sequência, para determinar se havia diferença entre os anos em qualquer uma das variáveis, foram aplicados os testes ANOVA de um fator para variáveis contínuas com teste Post-hoc de Bonferroni e Kruskal-Wallis para as variáveis nominais ou categóricas. Por fim, foi utilizado o Teste Mann-Whitney-U para identificar possíveis diferenças entre os gêneros considerando as variáveis do estudo. Em todas as análises, considerou-se um α = 0,05.

Resultados

Os resultados foram distribuídos detalhadamente na Tabela 1. Os dados de maior prevalência estão evidenciados em negrito. Entre os anos de 2002 e 2005, observou-se um total de 8285 benefícios concedidos pela APS Diamantina, sendo 319 concessões a afastamentos por DORT (3,9% do total). A prevalência foi de 66 benefícios em 2002, 92 em 2003, 145 em 2004 e 206 em 2005 (Figura 1).


O perfil dos trabalhadores afastados por DORT em cada ano mostrou-se semelhante, considerando-se que a maioria das características da amostra não variou ao longo dos anos. As características prevalentes foram os trabalhadores residentes em Diamantina, com faixa etária entre 40 a 59 anos e nível de escolaridade no ensino fundamental, sem tendências para qualquer gênero. A maioria da população estava empregada e no setor de comércio, com faixa salarial abaixo de 1 salário mínimo. Apesar do número expressivo de ocupações não cadastradas ou não informadas (média = 25%), ao longo dos anos houve predominância de trabalhadores rurais (média = 23%), empregados de fábrica têxtil (média = 10%), domésticas (média = 9%) e servidores públicos (média = 8%). O benefício mais concedido foi auxílio-doença previdenciário (B31), caracterizando DORT-indefinida, com prevalência de diagnóstico de Dorsalgia (M54) e tempo do benefício de 0 a 10 meses.

A variável estado civil não foi obtida por tratar-se de informação que não é habitualmente colhida na instituição. O tempo do benefício não variou entre os anos de 2002 a 2004, contudo, aumentou significativamente a partir de cada um dos anos em relação a 2005 (P < 0.05). Foi observado aumento estatisticamente significativo no número de comerciários ao longo dos anos (P < 0.05). Observou-se diferença significativa na relação diagnóstico e gênero. Na população feminina, 23,1% dessa amostra recebeu diagnóstico de Tendinites e Tenossinovites (M65). Já na população masculina, 59,7% recebeu o diagnóstico de Dorsalgia (M54).

Cada número de benefício (NB) corresponde a um processo de afastamento. Dessa forma, um trabalhador pode apresentar vários processos ao longo dos anos de trabalho. Observou-se que os 319 benefícios foram concedidos a 261 trabalhadores, o que reflete um quadro de recidiva de afastamento. Dos 261 trabalhadores, 206 apresentaram um único benefício (79%), 15 apresentaram um novo benefício temporário (6%) e 40 evoluíram de um benefício temporário para um permanente - Aposentadoria por Invalidez (15%) (Figura 2). Essa evolução apresentou uma tendência de crescimento ao longo dos anos, partindo de 6,1% dos benefícios totais no ano de 2002 para 18,9% no ano de 2005 (Tabela 1).


Durante a coleta de dados, surpreendentemente verificou-se reduzido número de DORT confirmados (n = 7). Os DORT-definidos são aqueles que receberam benefício por acidente de trabalho (B91), (2,2%). Dessa forma, optou-se por incluir os trabalhadores afastados sem a confirmação do nexo causal em relação ao trabalho, considerados DORT indefinidos9. Estes representam o benefício mais concedido pela APS Diamantina -Auxílio-doença previdenciário (B31) (84,6%).

Discussão

A observação da prevalência dos DORT demonstrada em nosso estudo mostrou um considerável aumento na concessão de benefícios ao longo dos anos. Essa situação acompanhou a tendência mundial de crescimento no acometimento dos trabalhadores por doenças do trabalho, alcançando verdadeiras proporções epidêmicas2,3,8,13,17. Esses distúrbios representam o principal grupo de agravos à saúde entre as doenças ocupacionais em nosso país, não apenas pelo seu alto índice de prevalência, mas também por causa de sua complexidade, dificultando uma atuação mais efetiva por parte das equipes de saúde e das instituições previdenciárias3.

Nosso estudo mostrou que houve uma semelhança na proporção de indivíduos quanto ao gênero ao longo dos anos - com exceção do ano de 2002 - embora com discreta tendência para o gênero masculino. Observando a literatura existente, percebe-se uma predominância dos sintomas relacionados ao DORT associada ao gênero feminino, apesar do crescente número de acometimentos em homens na construção civil e na indústria pesada2,9,17-19. Essa distinção pode ser explicada, em parte, pela diferença na fonte de dados. Enquanto a maioria dos estudos epidemiológicos retrata o perfil de trabalhadores em instituições privadas ou ambulatoriais, nos-so estudo analisou uma população vinculada diretamente à Previdência Social. Culturalmente, o homem tende a resistir à procura de reabilitação, persistindo mais tempo no trabalho, mesmo com a condição de dor e/ou desconforto20. Outra explicação para a homogeneidade da amostra é a presença considerável do número de benefícios concedidos a trabalhadores rurais (média = 23%), atividade com predominância masculina (73,6% dos trabalhadores rurais).

Como observado nos resultados, Diamantina foi o município com predomínio de benefícios concedidos por DORT. O município possui a maior população dentre as cidades de abrangência da APS, além de ser a sede da mesma, o que pode ter facilitado a reivindicação pelos benefícios por parte dos trabalhadores. É importante observar que apesar de Diamantina possuir a maior população de afastados em número absoluto, não necessariamente significa que possua uma maior proporção de afastamento em relação às outras cidades, visto que, infelizmente, nosso estudo não foi capaz de demonstrar o número absoluto de trabalhadores segurados em cada uma das cidades. Os valores reais não são conhecidos, pois existem trabalhadores segurados pela previdência cuja taxa de recolhimento não é obrigatória - como os trabalhadores rurais - que só irão constar nos bancos de dados se reivindicarem benefício previdenciário. Além dis-so, trabalhadores de qualquer lugar do país podem entrar com pedido de afastamento na Agência Previdenciária mais próxima de onde estiver.

A faixa etária de maior prevalência de DORT foi entre 40 e 59 anos. Esse resultado foi diferente do descrito por outros autores, os quais relatam uma maior prevalência numa faixa etária mais jovem -menos de 40 anos de idade2,10,17. A diferença observada se dá provavelmente devido ao fato da região coberta pela APS Diamantina ser composta por cidades típicas do interior, onde a população mais jovem tende a se transferir para os grandes centros, em busca de melhores oportunidades de estudo e de trabalho. Isso pode ter contribuído para a elevação da média de idade da população local15. Apesar dessa distinção em relação à literatura existente, ambos retratam populações numa faixa etária economicamente ativa. Isso revela um grande problema, uma vez que o afastamento do trabalho numa faixa etária produtiva implica em impactos tanto sociais quanto econômicos. Sobre o trabalhador recaem impactos físicos e psicológicos. Sobre o governo, há o custo das despesas de saúde pública e previdenciárias, uma vez que o trabalhador encontra-se precocemente incapacitado em exercer suas atividades e dependente de benefícios previdenciários6,21.

A maior parte dos afastados apresentou baixo nível de escolaridade, confirmando outros estudos. Garcia et al.2 estudaram prontuários de trabalhadores atendidos pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CERSAT) de Belo Horizonte, evidenciando que 62% de sua amostra de trabalhadores apresentou oito anos ou menos de estudo. De forma semelhante, um estudo que analisou trabalhadores com DORT atendidos pelo Núcleo de Saúde do Trabalhador (NUSAT) de Belo Horizonte mostrou que 45,7% dos trabalhadores tinha cursado apenas o ensino fundamental17. Esses resultados ilustram a realidade nacional na qual uma grande parcela da população não completa sequer o ensino fundamental2,17. A baixa escolaridade juntamente à baixa faixa salarial mensal encontrada na amostra pode estar associada a piores condições de trabalho e frequentemente tem sido correlacionada com o surgimento de incapacidades7,15,17,22. Comerciário é o ramo de atividade mais descrito na amostra, e engloba as atividades de comércio e de prestação de serviço. O aumento do número de comerciários, observado ao longo dos anos, possivelmente se deu em função da ocorrência do êxodo rural, prática ainda observada nos dias atuais23,24.

Os diagnósticos de dorsalgia (M54) e de tendinites e tenossinovites (M65) foram os mais encontrados, com predomínio significativo do primeiro. Além disso, o diagnóstico apresentou uma diferença significativa em relação ao gênero. A dorsalgia foi predominante no gênero masculino e as tendinites e tenossinovites, no gênero feminino. Algumas pesquisas mostram que os homens geralmente estão envolvidos em atividades de impacto e sobrecarga de peso, o que aumenta sua predisposição a problemas na coluna vertebral. Já as mulheres, estão associadas às atividades de destreza manual, predispondoas preferencialmente a acometimentos como as tendinites e tenossinovites25.

Segundo dados encontrados, a maioria dos trabalhadores permaneceu em benefício por até 10 meses. Pereira et al.14 afirmaram que a maioria dos trabalhadores permanece por longo período de tempo em benefício previdenciário, o que sugere ser devido ao caráter de cronicidade dos DORT. Essa característica, associada à sua complexidade, faz com que os DORT sejam patologias de difícil tratamento, com alta recidiva e de incapacidade permanente. Caso não sejam prevenidas ou tratadas precocemente, geram incapacidade para a vida diária e laboral do trabalhador, além do impacto econômico para a sociedade2,8,14,17.

Contrariando outros achados8,9, os resultados presentes evidenciaram pequeno número de benefícios por auxílio-doença acidentário (B91). Contudo, um estudo exploratório que investigou o perfil de acidentes de trabalho em sistemas informatizados de vigilância em saúde do trabalhador apontou um baixo registro de doenças ocupacionais26. Os autores sugerem a ineficiência na emissão da CAT como uma das maiores responsáveis pela subnotificação de doenças relacionadas ao trabalho. Isso está relacionado a um grande problema social, que ocorre por muitos fatores, tais como: negligência das empresas, desconhecimento ou opção do próprio trabalhador quanto a emissão da CAT, dificuldade na confirmação do trabalho como causa do adoecimento, entre outros. Sem o nexo definido, o benefício concedido era o B31 (auxílio-doença previdenciário). Considerando que a CAT é ignorada ou não é emitida em mais de 60% dos casos, é razoável considerar que uma grande porcentagem de DORT estão subnotificados no benefício por auxílio-doença previdenciário9,26.

Um aspecto importante a ser considerado é que, embora os DORT representem uma pequena porcentagem entre o total de benefícios concedidos pela APS Diamantina, seu caráter incapacitante atinge grande proporção. Entre os trabalhadores do estudo, mais de 15% evoluíram de um benefício temporário para um benefício permanente. Analisando ao longo dos anos, houve uma tendência crescente de aposentadoria, indicando que esses trabalhadores não estão sendo reabilitados ou a mesma está sendo feita de forma ineficaz, o que pode estar contribuindo para o surgimento de quadros de incapacidade laboral permanente. Ashbun e Staats27 afirmam que condições crônicas frequentemente são avaliadas e tratadas de forma limitada, contribuindo para uma evolução insatisfatória, bem como, o surgimento de incapacidades adicionais.

Algumas limitações precisam ser destacadas. Os dados disponíveis pela Previdência Social são referentes aos trabalhadores segurados por essa instituição, não abrangendo toda a população de trabalhadores, de forma que os dados devem ser interpretados para a população estudada. Além disso, o banco de dados é inconsistente para algumas variáveis, como estado civil, ocupação e número total de segurados. Camara e Pinheiro28 argumentam que os responsáveis pela alimentação deste tipo de banco de dados caracterizam a interação com estes sistemas como 'burocrática e desvinculada de sua própria atividade', o que, por si só, contribui para a baixa qualidade das informações. Considerar, além da dimensão tecnológica, seus métodos, recursos humanos e recursos organizacionais com fins de maximizar a utilização dos respectivos sistemas poderão minimizar este problema28. Outra limitação do estudo é o fato de que, em nosso país, as informações sobre morbimortalidade dos trabalhadores são limitadas, fragmentadas e heterogêneas. Há presença relevante de subnotificações no número de acidentes do trabalho e de doenças profissionais2. Muitas das vezes essa subnotificação ocorre por sonegação de informações pela empresa, não emissão da CAT ou até mesmo por uma atitude dos trabalhadores em esconder do-res ou desconfortos por receio de se prejudicar em sua carteira profissional, pela burocracia da Previdência ou até mesmo para evitar seu afastamento. Por fim, a amostra do presente trabalho foi composta por benefícios com nexo causal em relação ao trabalho definido e indefinido. As interpretações dos dados devem ser feitas com cuidado uma vez que somente o benefício auxíliodoença acidentário (B91) pode ser considerado DORT definido.

Conclusão

O presente estudo possibilitou conhecer o perfil do trabalhador afastado por DORT pela APS Diamantina. Os resultados mostraram que há uma tendência de crescimento dos índices de afastamento por DORT nessa instituição, refletindo a tendência no Brasil e no mundo. Isso sugere a necessidade de implantação de novas abordagens para este problema, devido ao caráter crônico e incapacitante dos DORT, sobretudo para os trabalhadores rurais, os do setor industrial e os servidores públicos.

Especificamente em relação à APS Diamantina, encoraja-se a estruturação de eventos para discussões sobre o tema, para que sejam implementadas as melhores soluções. Além disso, sugere-se a criação de parcerias com instituições públicas e privadas visando o desenvolvimento de centros de referência em saúde do trabalhador para o atendimento dessa população e a fiscalização de estabelecimentos de trabalho. Outra sugestão é a formação de convênios com instituições de saúde para investir na reabilitação desses trabalhadores.

Colaboradores

MA Alcântara trabalhou na concepção da ideia, análises e revisão crítica. BCMS Ferreira, GS Nunes trabalharam na coleta de dados e redação do artigo.

Agradecimento

À Agência da Previdência Social de Diamantina, por possibilitar o acesso a seus arquivos e disponibilizar espaço físico para realização do estudo.

Artigo apresentado em 06/08/2008

Aprovado em 06/03/2009

Versão final apresentada em 31/03/2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011

Histórico

  • Revisado
    06 Mar 2009
  • Recebido
    06 Ago 2008
  • Aceito
    31 Mar 2009
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