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Homeopatia, Universidades e SUS: resistências e aproximações

RESENHAS BOOK REVIEWS

Wania Maria Papile GalhardiI; Nelson Filice de BarrosII

IFaculdade de Medicina de Jundiaí

IIFaculdade de Ciências Médicas, Unicamp

Salles SAC. Homeopatia, Universidades e SUS: resistências e aproximações. São Paulo: Editora Hucitec; 2008. v. 1. 210p.

O livro de Salles nos remete à reflexão de um caminho para a institucionalização da homeopatia, mostra o resultado de sua pesquisa realizada como Tese de Doutorado, na qual analisa o movimento de inserção desse método no SUS e em Universidades e Faculdades do Brasil, demonstra a relação que se estabelece entre a racionalidade médica homeopática e a biomedicina sob o ponto de vista de médicos não homeopatas em seu cotidiano do exercício profissional. A autora construiu a obra em quatro capítulos.

No capítulo inicial relata o movimento histórico da Medicina Homeopática no Brasil, e aponta como tensão que motivou esse estudo a interface das duas medicinas no campo da saúde e os aspectos ideológicos, culturais e técnico-científico, envolvidos para a implantação, a consolidação, na relação entre os profissionais, e no modelo da assistência homeopática no SUS.

O segundo capítulo trata da construção da pesquisa, da justifica e escolha dos sujeitos estudados com o objetivo de conhecer, por meio de entrevistas semiestruturadas, as representações do contato e das forças de aproximação e oposição percebidas pelos médicos da clínica, gestores, docentes e/ou pesquisadores, que atuam nas instituições onde a racionalidade médica homeopática e a biomedicina convivem para: a assistência à saúde, as atividades de formação na graduação médica e/ou em curso de especialização.

No terceiro capítulo traça uma visão geral da institucionalização da homeopatia em cidades brasileiras na atualidade, do processo de implantação do atendimento homeopático nos municípios estudados e dos sujeitos entrevistados.

No quarto capítulo a autora analisa os resultados do estudo organizando-o por sujeito entrevistado e categorizando tematicamente as suas "falas".

Para os Docentes

Abrindo Portas: um gesto propositor e fatores motivadores no contexto acadêmico para a inserção da homeopatia nas Faculdades, considera as reformas curriculares, a comprovação científica da homeopatia como aproximação da academia e homeopatia, os limites da biomedicina e a aceitação da homeopatia como complementar, a intervenção homeopática como um ideal de boa prática e a identidade profissional da especialidade homeopática como pré-requisito para sua legitimação.

A resistência à homeopatia: como é construída e como se pronuncia é sentida como resistência ideológica e banalização da eficácia, com medicamentos homeopáticos ultradiluídos de difícil aceitação, e o suposto não atendimento imediato das queixas agudas pela homeopatia.

A conservação da cultura: obstáculos que se apresentam à presença da homeopatia no campo da saúde, aqui a autora aborda a repercussão da cultura hegemônica da biomedicina.

Nas repercussões da aproximação entre as duas medicinas, a impressão é do saber homeopático ser desconhecido ou não levado em conta no campo da saúde. Destaca a academia como influência para o saber homeopático enquanto espaço de prática, ensino e pesquisa.

Para os gestores do SUS -

Um "Acanhado" gesto propositor com menos política institucional e mais empreendimento pessoal ou de grupo, aqui aponta as iniciativas individuais de homeopatas ou de grupos, que de alguma maneira se propõem a atender os usuários com homeopatia.

Um apoio dos gestores à homeopatia como compromisso político e defesa dos princípios do SUS, considerados os princípios do SUS na garantia de acesso à assistência homeopática, dificultado pela escassez de médicos homeopatas e resistência a outras práticas, mas defendida pela ausência de efeitos colaterais dos medicamentos, alto custo da biomedicina e satisfação do usuário.

Como fatores que dificultam a ampliação da Assistência Homeopática, está a homeopatia como um saber contra-hegemônico, recusada pela razão científica, e apontada como descrédito no quesito da ação imediata e direta.

As formas de resistências (pontuais) foram percebidas pela autora nas palavras preconceitos e ceticismo, no destaque do modelo hospitalocêntrico e na educação médica como fator de permanência da hegemonia, nas dificuldades de organização da assistência homeopática na rede, na falta de conhecimento sobre a homeopatia, em atitudes do homeopata que reforçam a exclusão e mais a disputa de mercado de trabalho entre as duas racionalidades médicas.

Para os médicos do SUS:

Como fatores que facilitam o acolhimento da homeopatia no contexto do SUS, vem a homeopatia como ajuda para os limites da biomedicina, a valorização de uma prática voltada para o cuidado integral e o humanismo recuperado.

Como fatores que dificultam a presença da homeopatia no SUS o destaque é a falta de conhecimento acerca da homeopatia, da crença de uma medicina de ação lenta e pouco segura, da percepção das atitudes de isolamento dos homeopatas, e como conseqüência, da falta de uma política institucional para a inserção da homeopatia no SUS.

Também no capítulo quatro a autora discorre suas considerações finais sobre os temas em seu conjunto. Aponta o gesto propositor da homeopatia como acanhado, pois parte de propostas de homeopatas isolados, dependentes da simpatia do gestor, ainda sem uma política institucional para sua inclusão no sistema de saúde e agravados pelo desconhecimento dessa prática, considerando-a com limites muito estreitos de atuação.

Quando a autora trata da homeopatia e da crise da biomedicina mostra a idéia surgida nas entrevistas de que é uma medicina que recupera o humanismo da profissão e possui uma abordagem integral do indivíduo, daí à associação da potencialidade de tratar o que está por trás dos sintomas, e dos adoecimentos não orgânicos, e por ser mais voltada para a terapêutica do que para a diagnose, vem a idéia de diminuí-la às ações de baixa complexidade, mas, isto também a promove, pois possui possibilidades terapêuticas onde a biomedicina não consegue ser eficaz.

Então, Salles distinguiu uma outra imagem entre essas crises da biomedicina e a aproximação com a homeopatia, baseada na ideologia ocupacional dos agentes do campo da saúde não conseguirem cumprir a imagem de profissional liberal, leva à insatisfação e a um dilema ético. Assim, discute um outro modelo de prática que resgate os laços de confiança entre o médico e o paciente.

Ao considerar que a proximidade no campo promove simpatia, a autora percebe que tanto homeopatas como profissionais da atenção primária se consideram deslocados e desvalorizados, ocupando um espaço que também não obtém o mesmo reconhecimento que é dado à medicina especializada com prática hospitalar, acredita ser essa a razão de um apoio ativo destes profissionais aos homeopatas.

Salles também alerta os homeopatas que determinadas escolhas, para reafirmar os valores da ciência normal, associados à necessidade de demonstração científica de resultados, podem gerar conseqüências que poderão ser indesejáveis; como a homeopatia ser incorporada somente como uma tecnologia terapêutica e não como uma medicina inteira e capaz de atuar em qualquer agravo. E, afirma referindo-se a diversos autores: Cabe aos homeopatas defenderem-se desse mecanismo de absorção, que não é novo na história do domínio do modelo biomédico e já pode ser percebido pela maior facilidade da medicina norte-americana em aceitar as práticas alternativas que podem ser mais facilmente traduzidas e limitadas a produtos e serviços comercializáveis ou que possam ser usados junto com outros procedimentos convencionais (página 201).

Como análise geral das entrevistas ela aponta os limites da racionalidade científica como estímulo ao encontro com outros modelos médicos, e entende que a visão não cartesiana do homeopata, sua noção da doença como um processo dinâmico e a abordagem integral são valorizados também na Academia.

Recorrente em todo o estudo foi o desconhecimento sobre a racionalidade médica homeopática, mesmo daqueles entrevistados que em algum momento se propuseram a apoiar a inclusão da homeopatia na Academia ou no Serviço de Saúde Pública, e também daqueles que encaminham ou fazem parte de um serviço onde se assiste com homeopatia. Daí surge a reflexão sobre quantos outros profissionais que nunca estiveram próximos à homeopatia no campo da saúde, se colocariam contrários à sua implantação, também por desconhecimento, por descrédito, por ser uma racionalidade diferente da biomedicina, por falta de comprovação científica. Ou que, no seu pequeno entendimento colaboraria para a inserção de apenas mais uma técnica terapêutica, e não uma medicina com capacidade integrativa.

Todavia, Salles leva-nos a crer que os indivíduos buscam ou buscarão naturalmente outras racionalidades médicas, pelo desgaste e/ou dificuldade da biomedicina no entendimento do indivíduo adentrando no processo saúde-doença, e/ou pelos efeitos colaterais dos medicamentos por ela utilizados.

A obra fornece subsídios à reflexão a respeito da homeopatia, à medida que dialoga com os principais estudiosos na área e com protagonistas com ideologias e culturas diferentes, com experiências diversas no campo da saúde, permitindo uma construção que faz parte da história mais recente, da homeopatia no Brasil. Além disso, esclarece que o desconhecido é alvo de desconfiança, e que torná-lo conhecido é necessário, para benefício principalmente daqueles que hoje não têm acesso a esse serviço e para garantir a Universalidade e a Eqüidade de acesso à assistência homeopática.

A autora foi objetiva em suas argumentações, e conseguiu deixar claro seu otimismo e a necessidade da institucionalização da homeopatia no país. Finalmente, com o estudo dessa obra, podemos amadurecer a idéia da necessidade de consolidar o conhecimento homeopático para todos, não só profissionais, mas também para a população em geral, que em muito pode colaborar para a legitimação da homeopatia como uma racionalidade médica.

Por fim, a obra destaca a interface entre a biomedicina e a homeopatia no Sistema de Saúde Pública SUS -, e nas Universidades/Faculdades, e nos oferece possibilidades para refletir a institucionalização da homeopatia. Grande será seu auxilio, aos gestores dos serviços públicos, diretores/coordenadores de escolas médicas, pesquisadores e homeopatas em geral, principalmente aqueles que prestam atendimento no SUS. Em especial nesse momento em que temos já publicada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Set 2011
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