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Fatores sociodemográficos e atividade física de lazer entre homens e mulheres de Duque de Caxias/RJ

Socio-demographic factors and leisure-time physical activity among men and women of Duque de Caxias / RJ

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar prevalência, atividades praticadas no tempo destinado ao lazer (AFL) e suas variáveis associadas, entre gêneros, em Duque de Caxias/Rio de Janeiro, Brasil. Material e métodos: Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, composto por 1246 adultos. Durante as visitas domiciliares foram aplicados questionários avaliando a prática de AFL, fatores sociodemográficos e medidas antropométricas. RESULTADOS: A inatividade física foi elevada (70%) (p-valor <0,001) sendo os homens mais ativos (43,3%) que as mulheres (20%) (p-valor < 0,0001). Homens praticaram significativamente mais AFL competitivas e do universo masculino. Tomar conta de crianças foi um fator que aumentou a chance dos homens se engajarem em AFL (OR=2,75, p-valor=0,034), enquanto que entre as mulheres, aquelas que dispendiam menos tempo em atividades domésticas (OR=0,99, p-valor=0,016), não fumavam (OR=2,63, p-valor=0,039) e que apresentavam maior acúmulo de gordura abdominal (OR=2,72, p-valor=0,023), tinham mais chance de praticarem AFL. CONCLUSÃO Conclui-se que homens repetiram modelo de escolhas de AFL consideradas masculinas. Fatores sócio-demográficos e medidas antropométricas se associaram com AFL de forma diferente entre gêneros.

Atividade física de lazer; Gênero; Atividade física doméstica; Obesidade abdominal; Estudos populacionais


OBJECTIVES: To evaluate the prevalence and associated variables in leisure-time physical activity (LTPA), by gender, in Duque de Caxias/Rio de Janeiro, Brazil. Methods: This is a population-based cross-sectional study with 1,246 adults. During home visits, questionnaires were applied on LTPA, socio-demographic factors and anthropometric examinations were performed. RESULTS: Physical inactivity was high (70%) (p-value <0001) and men were more active (43.3%) than women (20%) (p-value <0.0001). Men practiced significantly more competitive and male-associated LTPA. Taking care of children was a factor that increased the likelihood of men engaging in LTPA (OR = 2.75, p-value = 0.034), whereas among women, those who spent less time on domestic activities (OR = 0.99, p-value = 0.016), did not smoke (OR = 2.63, p-value = 0.039) and had greater accumulation of abdominal fat (OR = 2.72, p -value = 0.023), practiced LTPA. CONCLUSION: Men chose LTPAs considered masculine. Socio-demographic and anthropometric measures had different associations with LTPA between the genders.

Leisure-time physical activity; Gender; Household physical activities; Abdominal obesity; Population studies


ARTIGO ARTICLE

Fatores sociodemográficos e atividade física de lazer entre homens e mulheres de Duque de Caxias/RJ

Socio-demographic factors and leisure-time physical activity among men and women of Duque de Caxias / RJ

Suzana Patrícia de Sá SilvaI; Gilza Sandre-PereiraII; Rosana Salles-CostaII

IPrograma de Pós-Graduação em Nutrição, Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Carlos Chagas Filho 373 Edifício do Centro de Ciências da Saúde, Bloco J, 2º andar. 21.941-902 Rio de Janeiro RJ. supat_sa@hotmail.com

IIDepartamento de Nutrição Social e Aplicada, Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar prevalência, atividades praticadas no tempo destinado ao lazer (AFL) e suas variáveis associadas, entre gêneros, em Duque de Caxias/Rio de Janeiro, Brasil. Material e métodos: Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, composto por 1246 adultos. Durante as visitas domiciliares foram aplicados questionários avaliando a prática de AFL, fatores sociodemográficos e medidas antropométricas.

RESULTADOS: A inatividade física foi elevada (70%) (p-valor <0,001) sendo os homens mais ativos (43,3%) que as mulheres (20%) (p-valor < 0,0001). Homens praticaram significativamente mais AFL competitivas e do universo masculino. Tomar conta de crianças foi um fator que aumentou a chance dos homens se engajarem em AFL (OR=2,75, p-valor=0,034), enquanto que entre as mulheres, aquelas que dispendiam menos tempo em atividades domésticas (OR=0,99, p-valor=0,016), não fumavam (OR=2,63, p-valor=0,039) e que apresentavam maior acúmulo de gordura abdominal (OR=2,72, p-valor=0,023), tinham mais chance de praticarem AFL.

CONCLUSÃO Conclui-se que homens repetiram modelo de escolhas de AFL consideradas masculinas. Fatores sócio-demográficos e medidas antropométricas se associaram com AFL de forma diferente entre gêneros.

Palavras-chaves: Atividade física de lazer, Gênero, Atividade física doméstica, Obesidade abdominal, Estudos populacionais

ABSTRACT

OBJECTIVES: To evaluate the prevalence and associated variables in leisure-time physical activity (LTPA), by gender, in Duque de Caxias/Rio de Janeiro, Brazil. Methods: This is a population-based cross-sectional study with 1,246 adults. During home visits, questionnaires were applied on LTPA, socio-demographic factors and anthropometric examinations were performed.

RESULTS: Physical inactivity was high (70%) (p-value <0001) and men were more active (43.3%) than women (20%) (p-value <0.0001). Men practiced significantly more competitive and male-associated LTPA. Taking care of children was a factor that increased the likelihood of men engaging in LTPA (OR = 2.75, p-value = 0.034), whereas among women, those who spent less time on domestic activities (OR = 0.99, p-value = 0.016), did not smoke (OR = 2.63, p-value = 0.039) and had greater accumulation of abdominal fat (OR = 2.72, p -value = 0.023), practiced LTPA.

CONCLUSION: Men chose LTPAs considered masculine. Socio-demographic and anthropometric measures had different associations with LTPA between the genders.

Key words: Leisure-time physical activity, Gender, Household physical activities, Abdominal obesity, Population studies

Introdução

As alterações no estilo de vida, observadas nos últimos anos, desencadearam um aumento da inatividade física1, tornando-se um problema sério em vários lugares do mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos2, mais comum em classes sociais com pessoas menos instruídas, vivendo abaixo da linha de pobreza e em famílias com menor rendimento3.

Estudos internacionais4-6 e nacionais7-9 revelam que a inatividade física é mais prevalente entre as mulheres quando comparado com os homens e aquelas que pertencem a grupos de menor status socioeconômico teriam maior probabilidade de não praticarem atividades físicas, devido a limitações à prática de exercícios em espaços públicos10.

A fim de se entender porque as mulheres são mais inativas em relação aos homens, o conceito de gênero pode ser útil. Este termo, pertencente ao campo das ciências sociais, tem por objetivo estudar as construções sociais sobre os papéis atribuídos pelas sociedades aos homens e às mulheres, como eles se relacionam e suas relações de poder11.

E, quando avaliada por meio da dimensão de gênero, a prática de atividade física desde o seu processo histórico, tem refletido as mesmas construções sociais atribuídas a homens e mulheres. Às mulheres, devido ao seu papel reprodutor, consideradas como frágeis11, as atividades físicas recomendadas por profissionais de saúde eram restritas àquelas que enaltecessem sua graça, suavidade e beleza, tais como a dança e a ginástica12. Já aos homens, que deveriam se opor a tudo que fosse feminino11, as atividades consideradas pertinentes eram as de maior impacto, agressivas, e mais rudes e competitivas como as lutas, os jogos de combate e as competições em equipe12.

Na verdade, este modelo, ainda possui um forte impacto nas escolhas de determinadas modalidades esportivas tanto pelos homens quanto pelas mulheres, que ao optarem por atividades que não são indicadas ao seu gênero, enfrentam um grande preconceito por parte da sociedade e da própria família12, o que pode influenciar nos modelos de incentivo à prática de exercícios físicos para a promoção da saúde e para a prevenção de doenças pelas instituições governamentais de saúde, principalmente no âmbito nacional.

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a prevalência e as atividades mais praticadas no tempo destinado ao lazer entre os gêneros bem como os principais motivos associados com a prática de atividade física de lazer (AFL) em uma população residente em Campos Elíseos, considerada uma das populações mais pobres do município de Duque de Caxias, área metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil.

Material e Métodos

Amostragem

Os dados que possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho baseiam-se no estudo "Avaliação do estado nutricional, hábitos alimentares e insegurança alimentar no município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro: desenvolvimento de um instrumento simplificado para avaliação de consumo alimentar saudável", realizado no período de maio a dezembro de 2005.

Tratou-se de estudo transversal, de base populacional, realizado com a aplicação de entrevistas aos moradores do distrito de Campos Elíseos, pertencente ao município de Duque de Caxias, localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Segundo o ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil ocupa a 70ª posição (IDH=0,80)13 e o município selecionado foi classificado pelo IDH Municipal (IDH-M) na posição 52ª (IDH-M=0,75) no ranking dos municípios do estado Rio de Janeiro14. Em 2003, Duque de Caxias foi considerado o sétimo município com maior índice de pobreza extrema (14,5%) no estado do Rio de Janeiro15, sendo o distrito Campos Elíseos um dos mais pobres do município16.

O estudo investigou uma amostra probabilística em conglomerados com três estágios de seleção: setor censitário, domicílio e indivíduos. Para determinar o tamanho da amostra, partiu-se da prevalência de 14,5% de pobreza extrema, de forma que uma amostra composta com 1.200 domicílios asseguraria níveis de precisão iguais a 5%. No primeiro estágio, foram determinados, por meio da seleção sistemática, 75 setores censitários dos 322 setores do referido distrito; no segundo estágio, foram selecionados sistematicamente 15 domicílios em cada um dos 75 setores, totalizando amostra com 1.125 domicílios. O terceiro estágio constituiu no sorteio, sendo atribuído número um, para os domicílios que apresentavam pelo menos uma criança ou um adolescente, e dois para domicílios cuja composição familiar era de indivíduos adultos (idade igual ou superior a 19 anos).

Com o objetivo de aumentar a representatividade da amostra e a precisão das estimativas, foi realizada antes da seleção dos setores, a classificação destes por renda média mensal do responsável pelo domicílio, o que corresponde a uma estratificação implícita dos setores por renda. Mais detalhes sobre este projeto encontram-se em Salles-Costa et al.17.

Foram obtidas informações de 1.085 domicílios, totalizando perdas de 3,6% referentes a 29 domicílios (recusas, não localização do domicílio ou do chefe da família após três visitas). Da população amostrada, composta por 1275 adultos, 29 (2,2%) foram excluídos devido a respostas inconsistentes ou incompletas, de modo que a amostra final foi composta por 1.246 adultos, sendo 59,5% mulheres e 40,5% homens.

A coleta de dados constou de visita domiciliar, com entrevista e exame antropométrico. Todos os entrevistadores passaram por treinamento e os questionários utilizados por um pré-teste e um estudo piloto no local onde se desenvolveu a pesquisa17. Os questionários foram digitados por dois bolsistas, e com dupla digitação dos dados.

No momento da entrevista, os participantes foram informados sobre todos os procedimentos realizados (entrevista e avaliação antropométrica), sendo apresentado o termo de consentimento para ser assinado, garantindo o anonimato dos resultados obtidos bem como a recusa da realização dos mesmos. O presente projeto foi aprovado pelo comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Variáveis de estudo

AFL foi definida como qualquer atividade física praticada para melhorar a saúde e/ou a condição física, ou realizada com o objetivo estético ou de lazer, nos três meses anteriores à aplicação do questionário, como recomendado por Salles-Costa et al.18, sendo avaliada por meio de duas perguntas: na primeira os indivíduos deveriam informar se praticavam ou não AFL, e na segunda, entre os indivíduos praticantes de AFL (resposta afirmativa na pergunta anterior) avaliou-se, qual(is) a(s) atividade(s) praticada(s) da relação indicada (bicicleta, musculação, corrida, futebol, hidroginástica, lutas, ginásticas, caminhada, handball, dança, esteira, vôlei, natação, basquete). Para efeitos de análises foram considerados inativos fisicamente os indivíduos que responderam não praticar nenhum tipo de AFL e como ativos fisicamente aqueles que praticavam pelo menos uma AFL.

Para a avaliação das variáveis sócio-demográficas foi aplicado um questionário contendo as seguintes informações: idade (anos); escolaridade (classificada em: analfabetos e ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo, ensino médio e universitário); renda familiar mensal per capita (total de rendimentos da família dividido pelo número de moradores que dependiam desta, expressa em reais e em tercis de renda (para este dado utilizou-se a resposta referida pelo chefe da família ou pelo responsável que permanecia mais tempo em casa e cuidava da alimentação); tempo (em minutos) dispendido em atividade doméstica (lavar roupa, passar, lavar louça e lavar carro); assistência (ou não) de crianças menores de três anos e hábito de fumar (não fumante e fumante).

O exame antropométrico que incluiu a aferição do peso (kg), da altura (cm) e da circunferência da cintura (CC) em centímetros (duas aferições) de acordo com a padronização de Lohman et al.19. O índice de massa corporal (IMC) foi obtido pela divisão do peso pela média das duas aferições da altura, ao quadrado, sendo expresso em Kg/m2. Os indivíduos foram classificados de acordo com os seguintes pontos de corte: baixo peso (IMC < 18,5 Kg/m2), eutrófico (IMC entre 18,5 e 25 Kg/m2), sobrepeso (IMC entre 25 e 30 Kg/m2) e obeso (IMC >30 Kg/m2)20. A CC (média das duas aferições) foi classificada em CC < 80 cm para mulheres e < 94 cm para homens ou CC > 80 cm para mulheres e > 94 cm para homens, de acordo com o risco para doenças cardiovasculares, proposto pela CDC20.

Análise de dados

Estimou-se a as proporções das variáveis entre adultos ativos e inativos fisicamente, de acordo com os gêneros, bem como as atividades físicas realizadas entre os indivíduos ativos, utilizando a razão de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança ao nível de 95% (IC 95%), tendo as mulheres como categoria de referência.

Adicionalmente, para avaliar a associação das variáveis sociodemográficas e das medidas antropométricas com a AFL, entre homens e mulheres, foram utilizados modelos de regressão logística para a obtenção dos valores de razões de chance (odds ratio OR) e seus respectivos IC 95%, considerando AFL como variável dicotômica (ativos e inativos fisicamente) de desenlace, tendo os indivíduos inativos como categoria de referência. O modelo final foi ajustado pelas variáveis que apresentaram o nível de significância inferior a 5% (p-valor<0,05) na análise univariada.

Todos os procedimentos de análise incorporaram fatores de expansão calibrados. O banco de dados foi elaborado e digitado no programa CSPro 2.5 e a análise de dados realizada no programa Stata 9.021.

Resultados

Nesta população, apenas 1/3 dos adultos praticaram algum tipo de AFL (29,6%, p-valor <0,001) e os homens se revelaram, significativamente, mais ativos (43,3%) do que as mulheres (20%) (p-valor < 0,0001) de modo que a cada dois homens apenas uma mulher praticou algum tipo de AF no tempo destinado ao lazer (RP=1,9, IC 95% 1,6-2,2). Observou-se que as atividades mais referidas entre os homens foram o futebol, a corrida, a musculação e a prática de bicicleta (p-valor <0,05); entre as mulheres, a caminhada, seguida da prática de bicicleta e da ginástica foram as atividades mais referidas, apesar da ausência de diferença significativa em relação à RP quando comparadas com os homens (Tabela 1).

Quanto à associação entre os fatores sociodemográficos e as medidas antropométricas (Tabelas 2 e 3) observou-se que, entre os homens, apenas a variável referente ao cuidado de crianças com idade inferior a três anos permaneceu positivamente associada com a maior chance de prática de AFL, enquanto que aqueles com sobrepeso tinham menor chance de praticarem AFL. Entre as mulheres, aquelas que dispendiam menos tempo em atividades domésticas, que não fumavam e que apresentavam maior acúmulo de gordura abdominal (aferida pela CC) tinham, por sua vez, maior chance de serem mais ativas fisicamente no tempo destinado ao lazer.

Discussão

Poucos são os trabalhos de base populacional com informações sobre atividade física existentes no Brasil. O único inquérito nacional disponível até o presente momento com essas informações consiste na Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), realizada nas regiões Nordeste e Sudeste7. Neste trabalho, constatou-se que apenas 13% dos indivíduos adultos praticavam pelo menos 30 minutos de atividade física de lazer pelo menos uma vez por semana. No estudo realizado por Gomes et al., em uma amostra representativa do município do Rio de Janeiro, as autoras observaram que 59,8% dos homens e 77,8% das mulheres referiram não realizar AFL9.

Apesar da diferença na prevalência de AFL entre homens e mulheres, no Brasil, são poucos trabalhos que integram o conceito de gênero, como destacado por Salles-Costa et al.8. Neste estudo, os autores destacaram que além dos resultados revelarem a prevalência elevada de inatividade física entre mulheres, estas referiam maior chance de se engajarem em atividades individuais, que requeriam do corpo menos força física, como a dança, ginástica, caminhada e hidroginástica, enquanto que os homens referiram a prática de atividades físicas coletivas e de caráter competitivo, como futebol, corrida, musculação, lutas, bicicleta e natação. No presente trabalho, se por um lado as escolhas esportivas entre os homens ativos fisicamente, quanto à prática de AFL, reproduziram o modelo de "escolhas masculinas", como pode ser observado na Tabela 1, entre as mulheres não foi possível identificar um padrão considerado feminino, sugerindo que outros fatores interferiram nas escolhas da AFL neste grupo.

Uma hipótese para o padrão observado quanto às escolhas esportivas entre gêneros seria a condição socioeconômica desfavorável da população estudada. Campos Elíseos, local da pesquisa, é um exemplo de uma população marcada por indicadores sociais desfavoráveis, como pode ser verificado no estudo de Salles-Costa et al.17 que descreveram que apenas 26,8% das famílias referiram renda per capita acima de um salário-mínimo, correspondente a 115 dólares na época da coleta de dados (ano de 2005). A segunda hipótese se refere a baixa disponibilidade e a distância das áreas destinadas a prática de exercícios físicos em Campos Elíseos, contribuindo para dificuldades de locomoção, dado a proximidade com áreas de tráfico de drogas e de avenidas de grande movimento de automóveis. Os tipos de áreas para a prática de exercícios seria o terceiro ponto a ser destacado, uma vez que se trata de quadras ou campos de futebol, incentivando a prática de atividades consideradas masculinas em nossa sociedade, tornando as mulheres ainda mais vulneráveis a inatividade física, uma vez que a alternativa seria a prática de exercícios em academias ou clubes (praticamente inexistentes na região) que, junto ao alto valor das passagens, comprometeria a sua fonte de renda.

Aliado a estes fatores, a dupla jornada de trabalho (trabalhar fora e atividades domésticas), como observado no modelo ajustado (Tabela 3), corroborado pelos trabalhos de Eyler et al.22 e Almeida23, contribuíram para a inatividade física entre as mulheres uma vez que o tempo disponível para que elas pudessem praticar algum tipo de AFL era mínimo. Por se tratar de uma população de baixa renda, esta situação merece ser ressaltada, pois, se mulheres de maior nível socioeconômico podem delegar seus afazeres domésticos a empregadas, bem como ter acesso a eletrodomésticos que reduzem a carga de trabalho no lar, o contrário, as mulheres de menor poder aquisitivo23, como as mulheres que residem na população de estudo, tendem a acumular fatores que contribuem para a inatividade física.

Quanto às variáveis antropométricas e sociodemográficas analisadas neste trabalho, as associações encontradas com a inatividade física diferiram entre gêneros. Entre as medidas antropométricas avaliadas, o sobrepeso foi um fator associado à menor prática de exercícios entre os homens, fato também observado no estudo realizado com adultos entre 20 e 59 anos de idade, em Santa Catarina, região Sul do Brasil24. Por sua vez, mulheres que não fumavam e com maior CC, a associação com AFL foi positiva, corroborando os resultados observados nos estudos de Pitsavos4 e Dias-da-Costa25.

A associação entre CC e prática de AFL observada no modelo final merece ser destacada no presente trabalho. Considerando o trabalho de Pinheiro et al.26, que utilizou os dados do Programa Nacional de Amostra domiciliar (PNAD) de 1998, os resultados observados revelaram diferença significativa entre os gêneros quanto à procura por serviços de saúde, de modo que as mulheres tenderam a maior busca por serviços preventivos, em oposição aos homens que, por sua vez, procuraram os mesmos por motivo de doença. Desta forma, os resultados encontrados no presente trabalho corroboram para a hipótese de que as mulheres por buscarem mais os serviços de saúde, tendem a receber informações acerca dos riscos do acúmulo de gordura na região abdominal, e com isto, se engajariam mais na prática de alguma AFL, visando reverter este processo.

No presente estudo, não houve associação entre as mulheres ativas ou inativas fisicamente quanto ao cuidado de crianças, apesar desta variável ser descrita na literatura como um fator a mais na rotina da mulher22,23, reduzindo o tempo destinado ao seu lazer. Uma possível explicação para este resultado seria a proporção elevada de mulheres com crianças, uma vez que 99,2% das mulheres avaliadas apresentavam pelo menos uma criança menor de três anos.

Apesar do percentual baixo de perdas do estudo (3,6%), uma possível limitação do presente trabalho se refere a menor proporção de homens avaliados, quando comparados com o total de mulheres, decorrente às perdas diferenciais na amostra de adultos selecionados durante a coleta de dados. Para tentar entender este fato, deve ser acrescentado que na primeira visita no domicílio, o entrevistador ordenava a relação dos indivíduos de cada família sendo o adulto considerado como chefe da família, classificado automaticamente com o 1º número de ordem, seguido do cônjuge (2º número de ordem) e das demais pessoas da família, em ordem decrescente em relação à idade (Exemplo: número de ordem 3, número de ordem 4 e etc.). Caso o adulto selecionado estivesse ausente após três visitas ao domicílio selecionado, o entrevistador realizava sua substituição pelo segundo adulto indicado pelo número de ordem no registro de controle de substitutos fornecido pelo supervisor de campo. Desta forma, durante os meses de coleta de dados, observou-se que os homens se ausentavam mais dos domicílios, mesmo após as visitas previamente agendadas, levando a substituição destes por outro adulto obedecendo ao número de ordem aleatoriamente gerado com base na etapa e rastreamento dos domicílios, como detalhado por Salles-Costa et al.17, e que na sua maioria das vezes era uma mulher.

Uma possibilidade para justificar este fato seria que homens de populações de baixa renda, como os de Campos Elíseos, se ausentam mais dos seus lares devido a sua ocupação laboral, do que as mulheres27, ocasionado perdas durante as entrevistas domiciliares. E os homens que permanecem em casa devido ao desemprego ou trabalho informal temporário, tenderiam a auxiliar nas atividades domésticas principalmente saindo de casa para passear com as crianças28, contribuindo para a maior chance de praticarem algum tipo de atividade física tais como o futebol e a bicicleta.

Outra limitação se refere ao questionário de atividade física, pois até o momento não existe no Brasil nenhum questionário de atividade física que seja validado. O trabalho de Salles-Costa et al.18, no qual este trabalho se baseou para a quantificação da AFL, obteve níveis de confiabilidade variando de discreta a moderada, semelhantes àqueles obtidos em estudos internacionais, como os de Booth et al.29 e Philippaerts e Lefevre30, sendo então possível afirmar que o questionário utilizado neste estudo apresentou bons níveis de reprodutibilidade.

Concluindo, este trabalho revelou que apenas os homens repetiram o modelo de escolhas de atividades físicas consideradas masculinas, tendo preferência por AFL coletivas e/ou competitivas. As condições sociais desfavoráveis podem ter sido um importante fator que limitou a prática de AFL entre as mulheres, devido à existência de poucos espaços públicos para a prática de exercícios, limitados a quadras e/ou campos de futebol, que incentivam um "modelo masculino" para prática esportiva.

Os resultados aqui apresentados corroboram com a importância do planejamento urbano no incentivo à prática de atividades físicas e esportivas em locais públicos, respeitando as diferenças entre homens e mulheres quanto às suas escolhas e preferências e reforçando a importância de políticas públicas voltadas para a promoção de atividades físicas que incorporem o conceito de gênero no planejamento de suas ações, aliadas as desigualdades sociais da população brasileira.

Colaboradores

SP Sá-Silva participou da concepção, análise de dados e redação do artigo. G Sandre-Pereira participou da concepção e redação do artigo. R Salles-Costa foi responsável pela elaboração do projeto, coordenação do estudo e de todas as etapas da elaboração do artigo.

Agradecimentos

Esta pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Artigo apresentado em 17/08/2009

Aprovado em 22/12/2009

Versão final aprovada em 05/01/2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2011
  • Data do Fascículo
    Nov 2011

Histórico

  • Revisado
    22 Dez 2009
  • Recebido
    17 Ago 2009
  • Aceito
    05 Jan 2010
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