Acessibilidade / Reportar erro

Variáveis climáticas, condições de vida e saúde da população: a leptospirose no município do Rio de Janeiro de 1996 a 2009

Climate variables, living conditions and the health of the population: leptospirosis in the city of Rio de Janeiro from 1996 to 2009

Resumos

Os eventos climáticos extremos têm fortes repercussões na saúde das pessoas, especialmente quando produz doenças ou mesmo quando provoca vítimas por acidentes. A população do Rio de Janeiro é vulnerável diante das variabilidades climáticas, principalmente pelo seu aspecto socioeconômico, pois o município tem topografia e clima que favorecem esta vulnerabilidade. Este artigo discute a evolução da leptospirose no Município do Rio de Janeiro, pelas trinta e duas Regiões administrativas, no período de 1996 a 2009, testando a hipótese de que as variações climáticas acarretam um aumento no número de casos da doença.Os dados meteorológicos utilizados foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia e pela Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aero-Portuária Os dados referentes à morbimortalidade da leptospirose foram coletados da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil/RJ. Neste trabalho, concluiu-se que há correlação entre a incidência da leptospirose e a pluviometria. No entanto, ao final, é enfatizado que a oscilação do número de casos não é determinada apenas pelo índice pluviométrico, outros fatores influenciam nessa dinâmica, tais como: saneamento, assim como fatores ambientais e sociais.

variações climáticas; leptospirose; saneamento; população; ocupação urbana; vulnerabilidade


Extreme climate events have major repercussions on the health of the population, especially when they cause disease or even result in victims due to accidents. The population of Rio de Janeiro is vulnerable to climate variations, mainly due to the socio-economic factors, as the city has a topography and climate that enhance this vulnerability. This article discusses the evolution of leptospirosis in the thirty-two administrative regions of the city of Rio de Janeiro from 1996 through 2009, testing the hypothesis that climate variations lead to an increase in the number of cases of the disease. The meteorological data examined were provided by the National Meteorology Institute and the Brazilian Airport Infrastructure Company. Data on the morbidity and mortality of leptospirosis was collected from Rio de Janeiro's Municipal Health and Civil Defense Department. In this work, it was concluded that there is a direct correlation between the incidence of leptospirosis and rainfall. However, in the final analysis, it must be emphasized that the oscillation of the number of cases is not only determined by rainfall, since other factors influence this dynamic, such as sanitation, in addition to environmental and social factors.

climate change; leptospirosis; sanitation; population; urban settlement; vulnerability


ARTIGO ARTICLE

Variáveis climáticas, condições de vida e saúde da população: a leptospirose no município do Rio de Janeiro de 1996 a 2009

Climate variables, living conditions and the health of the population: leptospirosis in the city of Rio de Janeiro from 1996 to 2009

Teresa Vieira dos Santos de Oliveira; Diana Pinheiro Marinho; Cristina Costa Neto; Débora Cynamon Kligerman

Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil 4036/703, Manguinhos. 21040-361 Rio de Janeiro RJ. tevis@ensp.fiocruz.br

RESUMO

Os eventos climáticos extremos têm fortes repercussões na saúde das pessoas, especialmente quando produz doenças ou mesmo quando provoca vítimas por acidentes. A população do Rio de Janeiro é vulnerável diante das variabilidades climáticas, principalmente pelo seu aspecto socioeconômico, pois o município tem topografia e clima que favorecem esta vulnerabilidade. Este artigo discute a evolução da leptospirose no Município do Rio de Janeiro, pelas trinta e duas Regiões administrativas, no período de 1996 a 2009, testando a hipótese de que as variações climáticas acarretam um aumento no número de casos da doença.Os dados meteorológicos utilizados foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia e pela Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aero-Portuária Os dados referentes à morbimortalidade da leptospirose foram coletados da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil/RJ. Neste trabalho, concluiu-se que há correlação entre a incidência da leptospirose e a pluviometria. No entanto, ao final, é enfatizado que a oscilação do número de casos não é determinada apenas pelo índice pluviométrico, outros fatores influenciam nessa dinâmica, tais como: saneamento, assim como fatores ambientais e sociais.

Palavras-chave: variações climáticas, leptospirose, saneamento, população, ocupação urbana, vulnerabilidade

ABSTRACT

Extreme climate events have major repercussions on the health of the population, especially when they cause disease or even result in victims due to accidents. The population of Rio de Janeiro is vulnerable to climate variations, mainly due to the socio-economic factors, as the city has a topography and climate that enhance this vulnerability. This article discusses the evolution of leptospirosis in the thirty-two administrative regions of the city of Rio de Janeiro from 1996 through 2009, testing the hypothesis that climate variations lead to an increase in the number of cases of the disease. The meteorological data examined were provided by the National Meteorology Institute and the Brazilian Airport Infrastructure Company. Data on the morbidity and mortality of leptospirosis was collected from Rio de Janeiro's Municipal Health and Civil Defense Department. In this work, it was concluded that there is a direct correlation between the incidence of leptospirosis and rainfall. However, in the final analysis, it must be emphasized that the oscillation of the number of cases is not only determined by rainfall, since other factors influence this dynamic, such as sanitation, in addition to environmental and social factors.

Keywords: climate change, leptospirosis, sanitation, population, urban settlement, vulnerability

Introdução

As mudanças climáticas podem contribuir para o aumento e a migração de vetores de epidemias e doenças; a redução da produtividade; o aumento dos gastos e de cuidados com a saúde. Também podem levar a eventos climáticos extremos como: os temporais, as inundações e as secas. Estes fatores têm importantes impactos na saúde das coletividades, quer no aparecimento de surtos de doenças transmissíveis, quer provocando vítimas por acidentes1.

Ainda, de acordo com esse autor, as doenças infecciosas endêmicas são responsáveis por uma elevada morbimortalidade, ou seja, são responsáveis por uma alta proporção de casos e óbitos no cenário mundial, a qual depende da vulnerabilidade socioambiental das populações.

Neste sentido, vale destacar que estudos que utilizam métodos estatísticos de correlação entre o clima e a saúde, demonstram que é de extrema importância novas pesquisas sobre o assunto.

O clima é um fator que pode gerar condições que facilitam o desenvolvimento de microorganismos, e a frequente exposição da população à contaminação ambiental durante as fortes chuvas e enchentes, são considerados fatores que contribuem com maior magnitude na ocorrência das epidemias de leptospirose e de outras doenças de veiculação hídrica2-4. Além disso, a alta densidade demográfica contribui para o aspecto explosivo das epidemias geradas em ambientes submetidos às condições ambientais propícias, como a falta de saneamento básico nos grandes centros urbanos, principalmente nas comunidades mais carentes.

A leptospirose é exemplo de uma doença que apresenta surto em função das inundações, e que vem assolando as populações nos mais diversos estados do Brasil. É uma zoonose que tem ainda apresentado certa incidência no Município do Rio de Janeiro acarretando morte em até40% dos casos mais graves3,4.

Este artigo tem como objetivo discutir a evolução da leptospirose no Município do Rio de Janeiro, no período de 1996 a 2009, testando a hipótese de que as variações climáticas acarretam um aumento no número de casos da doença.

Leptospirose

A leptospirose é uma zoonose cujo agente etiológico é uma bactéria do gênero Leptospira. O qual, de acordo com a classificação taxonômica, possui duas espécies: a L. interrogans e a L. biflexa.

De acordo com Possas5, o homem é um hospedeiro acidental e terminal dentro da cadeia de transmissão. A responsabilidade pela maior parte da transmissão é dos roedores, estes são os principais reservatórios da doença. A proliferação da leptospirose ocorre em cidades onde a coleta de lixo é insatisfatória e a rede pluvial e de esgotos não recebem tratamento adequado.

Sua incidência tem aumentado e já é considerada uma epidemia emergente, principalmente em países tropicais6. Atualmente há registro de aumento na incidência da doença também em países em desenvolvimento7-10.

Ainda, de acordo com o Ministério da Saúde11, o número de casos de leptospirose em humanos, em todo o mundo, não está bem documentado. É muito provável que possa variar de 0,1 a 1 por 100 mil habitantes por ano, em climas temperados e de 10 ou mais por 100 mil habitantes por ano, nos trópicos. Durante surtos e em grupos de risco, 100 ou 100 mil podem ser infectados.

No Brasil ela apresenta uma ligação muito direta com as condições climáticas, estando estreitamente relacionada à alta pluviosidade e ao calor. Ocorre em grande parte do território nacional e reflete diretamente o ritmo sazonal do clima, sendo mais evidente na estação de verão e início do outono.

Segundo Confalonieri1 e Mendonça12, o espraiamento das águas e a ocorrência de inundações durante e após os episódios pluviais, aumentam a incidência de leptospirose na maior parte do Brasil.

No Brasil, do ano de 1996 a 2008, foram notificados e confirmados 45.028 casos de leptospirose, tendo 4.653 óbitos. Houve uma variação no ano de 1996, quando somente no Município do Rio de Janeiro foram notificados 1.790 casos com 49 óbitos. Este evento ocorreu logo após o município ter sido assolado por forte chuva, o que provocou inundações em vários pontos da cidade. Esta pode ser considerada uma das maiores epidemias do mundo1.

O Município do Rio de Janeiro, cidade com mais de seis milhões de habitantes, com características de ocupação urbana e condições inadequadas de moradia por parte da população, amplia as possibilidades e a intensidade do contato entre: o agente transmissor da leptospirose, os reservatórios e os indivíduos suscetíveis.

Há vários estudos que demonstram a importância, na saúde pública, da leptospirose epidêmica de verão em grandes centros urbanos no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, associada às chuvas torrenciais com inundações13-15.

De acordo com Confalonieri e Marinho16, estes fatos conferem à referida cidade uma vulnerabilidade importante, no que diz respeito aos eventos meteorológicos extremos na saúde da população. Segundo os autores, constitui elemento de destaque na análise de riscos para a saúde.

Métodos

A primeira etapa da pesquisa caracterizou-se por uma fundamentação teórica do objeto de estudo, visando à elaboração de uma base teórico-metodológica que desse suporte à análise da precipitação pluviométrica e à leptospirose nas escalas a serem observadas, aliadas aos dados socioeconômicos.

Nesta fase foi desenvolvida uma estrutura de conceitos baseados em estudos anteriores, que foram realizados em três cidades para o desenho da vulnerabilidade aos efeitos do clima, que incluem a cidade do Rio de Janeiro17.

Justifica-se a escolha do período estudado iniciar-se em 1996, por ter sido este o ano de maior incidência da doença no Município. A segunda etapa foi de coleta dos dados meteorológicos e de morbimortalide, junto às instituições responsáveis pelos referidos dados.

Os dados meteorológicos, fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), foram: dias de chuva (número de dias do mês que choveu), índice pluviométrico (mm), temperaturas máxima (ºC) e mínima (ºC), e umidade do ar (%), sendo estes o resultado dos dados coletados das estações localizadas no Município do Rio de Janeiro (MRJ) a partir de 1997. Os índices pluviométricos referentes ao ano de 1996, são da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), coletados por meio da estação localizada em Jacarepaguá.

Os dados referentes à morbimortalidade da leptospirose foram coletados da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC/RJ), são número de casos e de óbitos da doença no MRJ no período de 1996 a 2009.

Foi escolhido como unidade geográfica de estudo as trinta e duas Regiões Administrativas do Município que são compostas por 160 bairros e sub-bairros. Foi excluída a Região Administrativa (RA) de Paquetá, uma vez que não havia representatividade nos dados disponíveis e a mesma não está localizada no centro urbano do MRJ.

Para este artigo serão informados apenas dados preliminares que foram analisados até o momento.

Utilizaram-se estatísticas descritivas e gráficos para expressar a relação do número de casos de leptospirose com as variáveis climáticas no MRJ, segmentado em RA. Fez-se ainda, uma correlação para identificar as associações entre as diferentes variáveis e o numero de casos de leptospirose. Os gráficos foram elaborados através do software Microsoft Excel e SPSS.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Fiocruz. Neste trabalho não há qualquer conflito de interesse.

Resultados e discussão

Correlação entre os elementos meteorológicos e os casos de leptospirose

Algumas cidades como Recife e Salvador (2009); Angra dos Reis, Ilha Grande e Niterói (2010), Petrópolis, Teresópolis, Friburgo e Belo Horizonte (2011, 2012) têm apresentado casos de vítimas fatais decorrentes de eventos hidrometeorológicos extremos ocorridos no Brasil.

De acordo com Mendonça12, deve-se levar em conta que existem aspectos favoráveis à incidência de leptospirose, além dos condicionantes socioeconômicos, uma vez que as condições ambientais das regiões de clima tropical e subtropical favorecem a incidência da doença devido à temperatura elevada e aos períodos com altos índices pluviométricos.

Segundo pesquisas realizadas por Barcellos e Sabroza14, com o intuito de verificar o contexto ambiental do surto de leptospirose no Município do Rio de Janeiro, foi possível verificar altos índices desta em regiões sujeitas à inundação e em torno das zonas de acumulação de lixo.

A Figura 1 está dividida por RA e retrata as áreas com maior possibilidade de alagamento no MRJ. Observa-se que as áreas mais sujeitas a inundações são as que possuem maior presença de população de baixa renda, tendo sido estes os locais de maior incidência de casos de leptospirose no período estudado.


Para este estudo os 269 casos da categoria ignorados, no período analisado, foram descartados, porque segundo a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro - Serviço de Vigilância Epidemiológica (SMSDC/RJ - SVE) estes casos são computados como de dengue clássica.

De acordo com dados da SMSDC/RJ - SVE, no período de 1996 a 2009, foram confirmados 2.756 casos de leptospirose no MRJ, dos quais 249 foram a óbito. No ano de 1996, ocorreu um surto da doença em estudo, com uma notificação de 2.564 casos, dos quais 1.605 foram confirmados com 48 óbitos. Verificou-se no mês de fevereiro do referido ano que o MRJ foi assolado por uma forte tempestade em que num único dia choveu o proporcionalmente acumulado para um mês. Na RA de Jacarepaguá, que engloba os bairros do Anil, Gardênia Azul, Curicica, Freguesia, Pechincha, Taquara, Tanque, Praça Seca e Vila Valqueire, ocorreu o maior número de casos confirmados, 582 deles com 8 óbitos. Este é considerado o maior surto que se tem conhecimento no MRJ.

Em outros anos foi verificado um ligeiro aumento nos números de casos confirmados, sem a mesma expressão daquele ano. Observa-se que no período estudado, destacaram-se os anos de: 1997 (120 casos), 1998 (217 casos), 1999 (92 casos), 2000 (70 casos), 2005 (78 casos), 2007 (81 casos) e 2009 (86 casos), nos demais houve registros de casos, porém com menor representatividade.

De acordo com Tassinari18, em relação ao período epidêmico no primeiro semestre de 1996, o maior foco localizou-se em Jacarepaguá, concentrando-se os casos na favela Rio das Pedras e outro de menor intensidade na área da Tijuca.

A Figura 2 ilustra as RA que apresentaram maior e menor número de casos ocorridos ao longo dos 14 anos, período utilizado pela pesquisa. A RA de Jacarepaguá continua liderando com uma média de 49,3 casos por ano. As outras RA não apresentam casos com tanta representatividade, esclarecendo que a RA do Complexo do Alemão não teve notificações ao longo do período estudado.


Verificou-se que no ano de 1998 os índices pluviométricos acusaram um aumento nos meses de janeiro e fevereiro e outubro e dezembro, coincidentemente houve uma elevação no número de casos nos respectivos períodos.

Nos anos estudados, as RA que apresentaram as maiores incidências da doença, ordenadas por número de casos, foram: Jacarepaguá, Pavuna, Santa Cruz e Portuária. Estas seguidas pelas RA da Lagoa e Campo Grande, que ficaram empatadas com 142 casos respectivamente. Ressalta-se que no ano de 1998 houve 272 casos de leptospirose com 28 óbitos apresentando uma taxa de letalidade de 10,3% nas RA citadas. Nos anos subsequentes os números de casos da doença se mantiveram sem grandes variações.

Em 2004, observou-se que no mês de fevereiro os índices pluviométricos marcaram 141,5 milímetros de chuva, e houve uma ligeira elevação nas notificações, atingindo a marca de 77 casos, com 23 óbitos, apresentando uma taxa de letalidade de 29,48%, que é considerada alta pela Organização Mundial da Saúde. Dos 77 casos 61 ocorreram nos meses de janeiro a abril (70% dos casos ocorridos no ano) com 13 óbitos, uma taxa de letalidade de 21,31%. Porém no mês de fevereiro, após as chuvas, ocorreram 25 casos com 4 óbitos. As RA que apresentaram o maior número de casos confirmados neste ano foram as de Jacarepaguá, Bangu e Campo Grande.

Nos anos de 2005 e 2006, houve um aumento no número de casos chegando ao total de 143 com 14 óbitos. Verificou-se que a RA de Madureira apresentou a maior incidência da doença seguida pelas de Méier e Jacarepaguá. Já em 2007, foram confirmados 85 casos com 11óbitos, apresentando um número maior de casos do que nos anos anteriores. Apesar da água exercer um papel primordial na transmissão da leptospirose18-21, no referido ano as chuvas foram poucas e esparsas. Reforçando, assim, que além das águas de enchente contaminada outros fatores influenciam no contágio da doença.

Outros fatores que contribuíram na incidência da leptopsirose no MRJ

Um fator preponderante para o surgimento da doença é a presença do lixo, pois ele atrai o vetor. Como exemplo, as RA: Rocinha, que tem quase 90% do lixo coletado através de caçamba com um baixo número de casos notificados, Complexo do Alemão que tem uma precária coleta de lixo, onde somente 50% são coletados pela rede pública e não apresentou nenhuma notificação e finalmente a Maré que nos 14 anos de estudo apresentou somente 6 casos confirmados e como as outras RA citadas anteriormente também sofre com a precária coleta de lixo. Para isso, têm-se como hipóteses: a subnotificação dos casos, ou os mesmos não são notificados dentro das referidas RA. Ou ainda a influência da topografia, uma vez que, as RA se encontram em áreas de alta altitude e os seus moradores, ao descartarem seus lixos, esses se acumulam na parte baixa das áreas possibilitando assim que a maioria da população ali residente não tenha contato direto com o lixo e consequentemente com o vetor.

Ao contrário das outras RA, a de Jacarepaguá tem uma topografia com áreas planas e outras de baixadas, o que favorece ao acúmulo de água em presença a algum evento extremo. Esta RA tem 90% do lixo coletado pela rede pública22, e apresenta um elevado número de caso da doença, o que corrobora com a indicação da influencia de outros fatores16.

Observou-se também que a RA da Pavuna, durante o período estudado, apresentou um elevado número de casos, 223. Apesar de ter um numero menor de domicílios, 10% do lixo produzido por estas famílias não tem um destino certo.

A Figura 3 representa a dispersão, e expressa à relação entre o percentual de domicílios atendidos por caçamba e o percentual de domicílios com lixo coletado pela rede pública. Ainda de acordo com a Figura 3 observa-se que a RA da Rocinha aparece como a menos atendida pelo serviço de limpeza, seguida pelas RA Complexo do Alemão, Portuária e Jacarezinho. Curiosamente, estas RA apresentam uma baixa incidência da doença em estudo.


As correlações do número de casos com o percentual de domicílios atendidos com lixo coletado pela rede pública, assim como o percentual de domicílios atendido pela rede geral de abastecimento de água, na RA, não foram significativas, indicando que esses serviços não estão associados, de forma isolada, ao número de casos de leptospirose.

As análises mostram que o fator climático é o que mais fortemente influencia no aparecimento dos casos de leptospirose. Entre estes esta a pluviometria, que como foi citado por vários autores1,3,14,16,18 as áreas sujeitas a inundações são as mais vulneráveis.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou corroborar e compreender as relações entre as variáveis climáticas e as socioeconômicas no aumento da taxa de leptospirose no MRJ. Os resultados levam a crer que em regiões mais propensas ao alagamento, onde a densidade populacional é grande, estão mais sujeitas a aumentar o número de casos de leptospirose. Dessa forma os contrastes sociais presentes nas grandes cidades forçam os habitantes desfavorecidos a ocuparem áreas irregulares, muitas vezes sujeitas a enchentes, cujos problemas de saneamento e coleta de lixo constituem elevado risco à doença.

A superlotação, os péssimos serviços públicos oferecidos à população agrupada em uma ocupação desordenada, também fornecem um terreno fértil para a proliferação dos agentes causadores de doenças (ratos, baratas, moscas, mosquitos, etc.) aumentando a vulnerabilidade da população.

Em relação à variável climática observou-se em estudo anterior23 que as variáveis que se mostraram significativas no modelo temporal, que considerou as variáveis climáticas, foram: temperatura máxima, temperatura mínima, pluviometria e dias de chuva por mês. Sendo que as principais foram: dias de chuva (p<0,05) e temperatura máxima (p<0,05).

Conclui-se, portanto, que a pluviometria é considerada extremamente relevante no aparecimento de casos de leptospirose, mas não é o único fator determinante para o aumento do número de casos da doença.

Outros fatores também influenciam nessa dinâmica, tais como: socioeconômico, saneamento e social, que têm menor influência. Quando concomitantes com a variação pluviométrica contribuem de maneira efetiva para a elevação do índice da doença no MRJ, ficando assim, a população de baixa renda mais vulnerável à variabilidade climática e aos eventos meteorológicos extremos.

Colaboradores

TVS Oliveira foi responsável pela idealização da proposta, coleta de dados e elaboração do texto. DP Marinho foi responsável pela revisão da abordagem metodológica e elaboração do texto. C Costa Neto foi responsável pela análise dos dados e elaboração do texto. DC Kligerman foi responsável pela elaboração e revisão do texto.

Artigo apresentado em 30/03/2012

Aprovado em 27/04/2012

Versão final aprovada em 27/04/2012

  • 1. Confalonieri UEC. Variabilidade climática, vulnerabilidade social e saúde no Brasil. Terra Livre 2003;20(1):193-204.
  • 2. Pacheco AG. Estudo da influência de variáveis metrológicas no aparecimento de casos graves de leptospirose em Salvador-BA via modelos de séries temporais Rio de Janeiro; s.n; 2001.
  • 3. Magalhães GB. A Ocorrência de Chuvas e A Incidência de Leptospirose em Fortaleza-CE. HYGEIA, Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde 2009;5(9):77-87.
  • 4. Oliveira DSC. Modelo Produtivo para a Leptospirose Secretaria de Saúde do Recife e Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães. Recife: Fundação Oswaldo Cruz; 2009.
  • 5. Possas CA. Urbanização, ecologia e emergência de formas graves da leptospirose: análise comparativa de dados secundários nacionais. In: Anais do evento comemorativo do centenário do Instituto Oswaldo Cruz e da Fundação Oswaldo Cruz; 2000; Rio de Janeiro: Fiocruz; 2000.
  • 6. World Health Organization (WHO), International Leptospirosis Society (ILS). Human leptospirosis guide Geneva: WHO, ILS; 2003.
  • 7. Morgan J, Bornstein SL, Karpati AM, Bruce M, Bolin CA, Austin CC, Woods CW, Lingappa J, Langkop C, Davis B, Graham DR, Proctor M, Ashford DA, Bajani M, Bragg SL, Shutt K, Perkins BA, Tappero JW; Leptospirosis Working Group. Outbreak of leptospirosis among triathlon participants and community residents in Springfilds. Illinois, 1998. Clin Infect Dis 2002;34(12):1593-1599.
  • 8. Hall HE, Hightower JA, Diaz Rivera R, Byrne RJ, Smadel JE, Woodward TE. Evalution of antibiotic therapy in human leptospirosis. Ann Inter Med 2002;35(5):981-997.
  • 9. St John MA, King S, Bullen SE, Cherian J, Levett PN. Leptospirosis occurring in two children after fresh water immerson. West Indian Med. J 2000;49(4):3403-43.
  • 10. Bharti AR, Nally JE, Ricaldi JN, Matthias MA, Diaz MM, Lovett MA, Levett PN, Gilman RH, Willig MR, Gotuzzo E, Vinetz JM; Peru-United States Leptospirosis Consortium. Leptospirosis: a zoonotic disease of global importance. Lancet Infect Dis 2003;3(12):757-771.
  • 11. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Centro Nacional de Epidemiologia. Manual de Leptospirose 2Ş ed. rev. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 1995.
  • 12. Mendonça F. Clima, tropicalidade e saúde: uma perspectiva a partir da intensificação do aquecimento global. Rev Brasileira de Climatologia 2005;1(1):100-112.
  • 13. Benenson AS. El control de las enfermedades transmisibles en el hombre Informe oficial de la asociación estadounidense de salud pública. 15Ş ed. Washington, DC: OPS; 1992.
  • 14. Barcellos C, Sabroza P.C. The place behind the case: leptospirosis risk and associated environmental conditions in a flood-related outbreak in Rio de Janeiro. Cad Saude Publica 2001;17(Supl.):59-67.
  • 15. Roberts L, Aron JL, Confalonieri UEC. Too little, too much: how the quantity of water affects human health. In: Aron JL, Patz JA, editors. Ecosystem change and public health Baltimore: J. Hopkins Press; 2000. p. 409-430.
  • 16. Confalonieri UEC, Marinho DP. Mudança Climática Global e Saúde: perspectivas para o Brasil. Revista Multiciência. Rev Multiciência 2007;8:48-64.
  • 17. Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia. Relatório de Análise da Vulnerabilidade da População Brasileira aos eventos Climáticos, 2006. [página na Internet]. [acessado 2011 nov 23]. Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0014/14534.pdf
  • 18. Tassinari Wde S, Pellegrini Dda C, Sabroza PC, Carvalho MS. Spatial distribution of leptospirosis in the city of Rio de Janeiro, Brazil, 1996-1999. Cad Saude Publica 2004;20(6):1721-1729.
  • 19. Sherbinin A, Schiller A, Pulsipher A. The Vulnerability of Global Cities to Climate Hazards [acessado 2011 dez 14]. 2007. Disponível em: http://www.ciesin.org/documents/vulofglob_contactshtml.pdf
  • 20. De Paula EV, Mendonça FM. Condicionantes sócio-ambientais da incidência da leptospirose em Curitiba/PR Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2010.
  • 21. Tangkanakul W, Tharmaphornpil P, Plikaytis BD, Bragg S, Poonsuksombat D, Choomkasien P, Kingnate D, Ashford DA. Risk factors associated with leptospirosis in Northeastern Thailand. Am J Trop Med Hyg 2000;63(3-4):204-208.
  • 22. Oliveira TV, Costa Neto C, Marinho DP, Kligerman DC. O impacto ambiental na saúde das populações: a leptospirose no município do Rio de Janeiro de 1996 a 2009. In: Anais do 1ş Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental; 2010 Dez 6-10; Belém, Pará. Ciência e Saúde Ambiental: Teorias, Metodologias e Práxis; p. 123.
  • 23. Costa Neto C. As implicações climáticas e os eventos extremos no modelo preditivo para a leptospirose no município do Rio de Janeiro. In: Anais do 1ş Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental, 2010 Dez 6-10; Belém, Pará. Ciência e Saúde Ambiental: Teorias, metodologias e Práxis; p. 303.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2012
  • Aceito
    27 Abr 2012
  • Revisado
    27 Abr 2012
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br