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Atividade in vitro de extratos brutos de duas espécies vegetais do cerrado sobre leveduras do gênero Candida

In vitro activity of crude extracts of two plant species in the Cerrado on yeast of the Candida SPP variety

Resumos

Objetivou-se conhecer a atividade de Lafoensia pacari e a de Brossimum gaudichaudii, sobre leveduras do gênero Candida isoladas da mucosa vaginal. As leveduras foram isoladas a partir de esfregaço de mucosa vaginal de mulheres com ou sem sintomatologia. Realizou-se os testes de susceptibilidade em duplicata para 34 linhagens de Candida frente aos extratos brutos das espécies vegetais, nas concentrações de 50, 100 e 200 mg.mL-1. Consideraram-se como ativos os extratos que produziram halos de inibição com média a partir de 10 mm. Evidenciou-se atividade antifúngica de B. gaudichaudii na concentração de 200 mg.mL-1, enquanto que a de L. pacari mostrou-se ativo a 50 mg.mL-1. A atividade dos extratos vegetais estudados destacou-se em relação à Nistatina creme (100.000UI/4g) utilizada como controle.

etnobotânica; sociedade; tratamento alternativo; candida


This work aims to evaluate the activity of Lafoensia Pacari and Brossimum gaudichaudii on yeast of the Candida variety isolated from vaginal mucus. The yeasts were obtained from swabs of women with or without symptoms. Susceptibility testing in duplicate was carried out for 34 strains of Candida compared to crude extracts of plant species at concentrations of 50, 100 and 200 mg.mL-1. Extracts that produced inhibition zones with an average of over 10 mm were considered to be active. Antifungal activity of B. gaudichaudii at a concentration of 200-mg.mL-1 was proven, while that of L. pacari was found to be active at 50 mg.mL-1. The activity of plant extracts was revealed compared to Nystatin cream (100.000UI/4g) used for control purposes.

ethnobotany; society; alternative treatment; candida


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Atividade in vitro de extratos brutos de duas espécies vegetais do cerrado sobre leveduras do gênero Candida

In vitro activity of crude extracts of two plant species in the Cerrado on yeast of the Candida SPP variety

Sônia Maria Ferreira Queiroz e Silva; Sandra Maria Botelho Pinheiro; Maria Vilian Ferreira Queiroz; Maria Cristina Pranchevicius; José Gerley Díaz Castro; Michele Cezimbra Perim; Solange Cristina Carreiro

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Fundação Universidade Federal do Tocantins. ALC Nº14, Avenida NS 15, Bloco BALA, Sala 19, Plano Diretor Norte. 77001-090 Palmas TO. propesq@uft.edu.br

RESUMO

Objetivou-se conhecer a atividade de Lafoensia pacari e a de Brossimum gaudichaudii, sobre leveduras do gênero Candida isoladas da mucosa vaginal. As leveduras foram isoladas a partir de esfregaço de mucosa vaginal de mulheres com ou sem sintomatologia. Realizou-se os testes de susceptibilidade em duplicata para 34 linhagens de Candida frente aos extratos brutos das espécies vegetais, nas concentrações de 50, 100 e 200 mg.mL-1. Consideraram-se como ativos os extratos que produziram halos de inibição com média a partir de 10 mm. Evidenciou-se atividade antifúngica de B. gaudichaudii na concentração de 200 mg.mL-1, enquanto que a de L. pacari mostrou-se ativo a 50 mg.mL-1. A atividade dos extratos vegetais estudados destacou-se em relação à Nistatina creme (100.000UI/4g) utilizada como controle.

Palavras-chave: etnobotânica, sociedade, tratamento alternativo, candida

ABSTRACT

This work aims to evaluate the activity of Lafoensia Pacari and Brossimum gaudichaudii on yeast of the Candida variety isolated from vaginal mucus. The yeasts were obtained from swabs of women with or without symptoms. Susceptibility testing in duplicate was carried out for 34 strains of Candida compared to crude extracts of plant species at concentrations of 50, 100 and 200 mg.mL-1. Extracts that produced inhibition zones with an average of over 10 mm were considered to be active. Antifungal activity of B. gaudichaudii at a concentration of 200-mg.mL-1 was proven, while that of L. pacari was found to be active at 50 mg.mL-1. The activity of plant extracts was revealed compared to Nystatin cream (100.000UI/4g) used for control purposes.

Keywords: ethnobotany, society, alternative treatment, candida

Introdução

A História de plantas medicinais mostra que elas fazem parte da evolução humana sendo utilizadas como os primeiros recursos terapêuticos pelos povos. O registro desta história é de aproximadamente 10 mil anos antes de Cristo. As primitivas civilizações perceberam, desde cedo, a existência de plantas comestíveis e de outras, não comestíveis, dotadas de poderes que ao serem consumidas, produziam sensações agradáveis e aliviavam as dores1,2.

O conhecimento sobre plantas medicinais simboliza muitas vezes o único recurso terapêutico de inúmeras comunidades e grupos étnicos. Ainda hoje são comercializadas em feiras livres, mercados populares e encontradas em quintais residenciais. Uma vez que as plantas medicinais são classificadas como produtos naturais, a lei permite que sejam comercializadas livremente, além de poderem ser cultivadas por aqueles que disponham de condições básicas necessárias ao plantio. Seu uso pela população mundial tem sido muito significativo nos últimos tempos. Atualmente, dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que cerca de 80% da população mundial fez o uso de algum tipo de erva na busca de alívio de alguma sintomatologia dolorosa ou desagradável. Desse total, pelo menos 30% deu-se por indicação médica. Dessa forma, a OMS recomenda esta prática popular como forma de baixar os custos dos programas de saúde pública3-5.

O resgate de uso tradicional de plantas é conhecido como estudo etnobotânico e foi empregado pela primeira vez em 1895 por Harshberger. Esses estudos representam a área da pesquisa destinada à investigação das relações entre povos e plantas, destacando-se dentre essas relações, o estudo das práticas medicinais, envolvendo vegetais utilizados na medicina popular. Esse tipo de pesquisa muitas vezes tem proporcionado a produção de medicamentos com custos inferiores e, consequentemente, mais acessíveis à população que possam ser utilizados como parte do atendimento das necessidades primárias de saúde. Por isso, a etnobotânica trabalha em estreita cumplicidade com a etnofarmacologia, que consiste na exploração científica interdisciplinar de agentes biologicamente ativos, Portanto, o resgate e a revalorização crescente da fitoterapia no Brasil atual exigem cuidados para que muitas plantas de importância medicinal não desapareçam das matas, da caatinga e do cerrado, antes mesmo que os cientistas descubram suas propriedades3,4,6.

O Cerrado é considerado como o mais antigo dos biomas, com cerca de 35 milhões de anos, de clima tropical, relevo pouco ondulado e tipicamente marcado pela imensidão territorial com dois milhões de km2. É um bioma estratégico que possibilita uma relação com o pantanal, a floresta amazônica e a caatinga em virtude de sua ligação direta, como também é responsável por garantir o equilíbrio ecológico e a diversidade biológica destes biomas. Sendo caracterizado pela diversidade de espécies vegetais nativas, das adaptadas procedentes de outras regiões, de polinização de animais, pela resistência conjunta desses elementos e também pela diversidade química dessas espécies, ou seja, no cerrado existem valiosos componentes bioativos que podem ser considerados essenciais na defesa contra patógenos como também para a sobrevivência de suas espécies frequentemente expostas a variáveis condições de temperatura7-9.

Diversos vegetais têm sido utilizados com fins profiláticos e curativos de infecções. Atualmente muitos trabalhos vêm sendo realizados em busca de espécies com potencial antifúngico. Dentre estes se destacam os ensaios com plantas aromáticas por seus óleos essenciais serem reconhecidos empiricamente e pelas propriedades antimicrobianas demonstradas contra uma variedade de microrganismos. Neste sentido Heyder e Silva10 testaram o óleo volátil de Cymbopogon citratus (Poaceae) sobre Candida krusei e Candida parapapisilosi, e Chiapetta et al.11 testaram o extrato etanólico da folha de Lippia sidoides (Verbenaceae) frente a cepas de Candida sp isoladas do meio vaginal. A efetividade antifúngica dos produtos destas espécies foi demonstrada através da inibição do crescimento das linhagens testadas.

A busca de propriedades antifúngicas da vegetação do cerrado com testagem de extratos brutos e/ou frações foram realizadas12 com a espécie Lafoensia pacari (Lithraceae) e com a Anacardium ocidentale (Anacardiaceae) sobre linhagens do gênero Candida13. Nos respectivos estudos houve atividade antifúngica nas leveduras avaliadas. Kioto14 testou a Eugenia dysenterica (Myrtaceae) e a Annona crassiflora (Annonaceae) sobre leveduras do gênero Candida e Cryptococus, e cujos extratos inibiram o crescimento destes patógenos, avaliou ainda a atividade da espécie Hiptis suaveolens (Lamiaceae) que inibiu o crescimento de Candida albicans.

As leveduras do gênero Candida são fungos que ocorrem em todo o mundo, seja no solo, em plantas vivas ou mortas e convivem normalmente com o ser humano saudável em locais como pele e mucosas. Sendo uma levedura que se apresenta sob as formas de blastoconídeos, pseudo-hifas e/ou hifas verdadeiras. O processo de identificação das espécies de Candida baseia-se em aspectos morfológicos como aparência, cor e textura das colônias e em microscópicos como a produção de tubo germinativo e pseudo-hifas. Combinados com critérios bioquímicos característicos constituem-se importantes recursos para a determinação e/ou distinção entre as espécies C. albicans e C. não albicans15.

A infecção causada pelo gênero Candida é denominada candidose e acomete indivíduos em todo o mundo. Estes microrganismos apresentam-se como comensais ao homem, podendo ser oportunistas em certas ocasiões, habitam normalmente o aparelho digestivo, respiratório, mucosa vaginal, oral e tegumento cutâneo. Seu espectro é bastante extenso, variando desde manifestações banais como a colonização de mucosas, até quadros sistêmicos com a invasão de vários órgãos. O diagnóstico clínico é sugerido pela presença de sintomas clássicos como pruridos, ardência, leucorreia e confirmado pelo diagnóstico laboratorial precedido da coleta de amostras da secreção vaginal. A terapêutica indicada compreende várias classes de medicamentos antifúngicos orais e tópicos15-18.

Buscou-se como objetivo neste experimento, realizar um estudo etnobotânico para identificação de plantas medicinais tradicionalmente utilizadas para infecções vaginais em usuárias da atenção básica atendidas na Policlínica 303 Norte de Palmas (TO) e verificar a eficácia in vitro de extratos brutos de duas espécies nativas frente a leveduras isoladas da mucosa vaginal19,20.

Materiais e métodos

A população participante do presente estudo compreendeu 60 mulheres com idades entre 18 a 65 anos cadastradas na Atenção à Saúde da Mulher da Policlínica 303 Norte no município de Palmas (TO), procedentes da zona urbana. A participação foi voluntária mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. Como critério de inclusão na pesquisa utilizou-se a ausência de diabetes, de gravidez, de HIV e de não estar sob terapêutica com corticosteróides e/ou antifúngicos.

O presente estudo contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Levantamento Etnobotânico

Para o levantamento etnobotânico foram realizadas entrevistas semiestruturadas, ocorridas na pré-consulta de Enfermagem, com a aplicação de questionário21. Foram obtidas informações sobre as plantas medicinais mais utilizadas pelas usuárias, partes usadas, modo de preparo, tempo e modo de uso, qual finalidade, se ginecológico ou outros, conhecimento da(s) espécie(s), obtenção do conhecimento sobre esse tipo de tratamento e o resgate de saberes sobre o uso de plantas.

Isolamento das leveduras

As leveduras foram isoladas a partir de amostras de mucosa vaginal coletadas utilizando-se swabs estéreis, por ocasião da coleta de exame citológico.

Cada swab foi semeado em placa de Petri contendo Ágar Sabouraud-dextrose acrescido de 0,02% de Cloranfenicol. As placas foram incubadas a 37 oC em estufa bacteriológica por 48 horas. Após o período de incubação, as colônias foram purificadas por esgotamento utilizando-se o mesmo meio. Todas as linhagens foram preservadas em meio Gymp sólido coberto com óleo mineral estéril, sob refrigeração, e em Gymp líquido acrescido de glicerol estéril a -20ºC.

Caracterização morfológica

As amostras isoladas foram submetidas à caracterização morfológica através da observação dos aspectos macro e micromorfológicos. Na caracterização microscópica observou-se tamanho e forma das células, presença/ausência de brotamentos, clamidiosporos, pseudomicélio e tubo germinativo através da observação de lâminas a fresco sob microscopia óptica comum. Para a observação de tubo germinativo, colônias com 24 horas de crescimento em Ágar Sabouroud-dextrose foram semeadas em tubos de ensaio contendo 0,3 mL de soro humano suplementado com 0,5% de glicose com modificações15. Os tubos foram incubados em banho-maria a 37ºC por 1 hora. Uma gota da suspensão foi analisada entre lâmina-lamínula sob microscópio óptico comum, para verificação da formação de tubo germinativo. Foram consideradas como C. albicans as linhagens que apresentaram tubo germinativo, as demais foram consideradas como C. não albicans.

Para análise da micromorfologia utilizou-se a técnica de microcultivo. As linhagens foram semeadas em estrias horizontais sobre o meio Ágar fubá (HIMÉDIA) sobre lâminas de microscopia, dispostas em conjuntos estéreis. As lâminas foram incubadas em estufa a 37ºC por 24 horas. Decorrido o tempo de incubação procedeu-se a observação sob microscopia óptica comum para verificação da presença de pseudohifas19.

Avaliação da atividade dos extratos in vitro

Dentre as plantas com finalidade terapêutica para candidose vaginal citadas pelas usuárias foram selecionadas 02 espécies botânicas por serem nativas do cerrado, considerando a disponibilidade destas espécies no entorno da cidade de Palmas. As espécies selecionadas foram Lafoensia pacari (Pacari) e Brossimum gaudichaudii (Inharé).

Obtenção dos extratos brutos

Os extratos brutos foram obtidos a partir de entrecascas por maceração em etanol após secagem em estufa a 40-60ºC por 36 h segundo a metodologia proposta por Oliveira20. A preparação incluiu 500g do pó em 01L de etanol a 95% em becker tampado com filme PVC. Após 48 horas o material foi filtrado em coador de papel e posteriormente levado ao evaporador rotativo marca FISATON (modelo 803) regulado para 60 rpm e 45ºC para extração do solvente. Após 02 horas o material foi colocado em estufa até completa secagem. Os extratos brutos obtidos foram acondicionados em frascos âmbar estéreis e congelados até o momento do uso.

Obtenção do inóculo

O inóculo foi preparado pela suspensão das colônias em 02 mL de solução salina a 0,85% estéril a partir de um cultivo de 24 a 48 horas. A suspensão foi padronizada em espectrofotômetro marca BIOSPECTRO SP-22 calibrado a 625 nm, com absorbância ajustada à 0,08 a 0,10, que corresponde a 0,5 da escala de Mc Farland21.

Teste de susceptibilidade in vitro

Os testes de susceptibilidade foram realizados em duplicata através da técnica de difusão em poços, utilizando-se meio Agar-Sabouroud-Dextrose adicionado 0,02% de cloranfenicol. Os meios foram estriados com swabs estéreis umedecidos com a suspensão do inóculo. Em seguida foram perfurados 08 poços de 06 mm de diâmetro, com o auxílio de ponteira estéril. Cada poço foi preenchido com 50µl dos extratos vegetais em 03 diferentes concentrações: 200mg/mL, 100mg/mL e 50mg/mL. Para o controle positivo utilizou-se Nistatina creme vaginal 1.000 UI/4 mg genérica (Prati Donaduzzi) e para o controle negativo salina estéril (0,85%). As placas foram incubadas a 37º por 48 horas procedendo-se a primeira leitura destas placas após 24 horas e a segunda leitura com 48 horas da incubação. Considerou-se como parâmetro de atividade a presença ou a ausência de halos de inibição do crescimento formados em volta dos poços. Os halos foram medidos com o auxílio de uma régua milimetrada, sendo o resultado dado pela média aritmética da soma dos halos formados na segunda leitura em cada duplicata verdadeira

Mhalo =

Foram considerados positivos aqueles com diâmetro igual ou superior a 10 mm22-24.

Análise estatística

As análises dos dados experimentais incluíram o teste Exato de Fischer para comparar a frequência de linhagens sensíveis e resistentes entre as espécies dentro de cada uma das diluições estudadas. O teste de Linearidade foi utilizado para verificar a relação entre a concentração e a eficácia das diluições. O teste de F de ANOVA, com teste a posteriori de Tukey, foi utilizado para comparar as diferentes diluições e o controle para cada espécie vegetal considerando-se o diâmetro médio dos halos de inibição. O teste de "t" de Student para variâncias heterocedásticas foi feito para comparar as espécies dentro de cada diluição. Todos os testes foram feitos considerando 5% de probabilidade. As análises foram feitas com o auxílio dos pacotes estatísticos Epi Info, versão 2.0, 3.5.1 e Bioestat versão 5.0.

Resultados e discussão

Isolamento e caracterização morfológica das leveduras

No intento de conhecer o perfil de positividade para o gênero Candida realizou-se isolamento e identificação preliminar das leveduras a partir de esfregaço vaginal das usuárias consideradas sintomáticas ou não ao exame clínico. Das 60 amostras de esfregaço vaginal obtidas, 50 apresentaram crescimento de leveduras, o que mostra 67% de positividade para estas. 10 linhagens perderam a viabilidade após período de estocagem e, portanto, a caracterização morfológica foi realizada com 40 linhagens.

O aspecto macroscópico mostrou colônias de coloração branca a creme, aspecto liso com ou sem brilho, características do gênero Candida. A formação de pseudo-hifas foi observada em 15 amostras, porém essa característica isoladamente não permite a diferenciação de C. albicans e C. não albicans. A presença de tubo germinativo foi observada em 25 (62,5%) dos isolados, caracterizando-os assim como C. albicans, já que a formação de tubo é característica dessa espécie. Portanto, as 25 amostras que produziram tubo germinativo foram identificadas como Candida albicans, enquanto que as 15 amostras restantes que exibiram estrutura características de pseudomicélio foram identificadas como Candida não albicans, segundo a literatura15,17,19.

Vale considerar que a prova do tubo germinativo apresenta alta especificidade, apresentando índice positivo entre 94 a 97 %. Já a prova da formação de pseudomicélio, que se baseia no princípio de que as leveduras quando incubadas num meio com baixa tensão de oxigênio, tem a capacidade de filamentar, constitui-se em parâmetro morfológico apenas para agrupar leveduras não albicans, não sendo pois determinante na distinção das respectivas espécies15,18.

A tentativa de se estabelecer a pertinência da colonização por Candida ao compartimento clínico e terapêutico da candidose vulvovaginal tem-se direcionado estudos que buscam estabelecer a importância da quantidade e da qualidade do processo de colonização para a compreensão dos aspectos de virulência da Candida, destacada com base no conhecimento das espécies. Para tanto, as investigações acerca da identificação das espécies de Candida situando a prevalência de positividade deste gênero nos isolados têm demonstrado a prevalência de C. albicans, assim como têm apontado e destacado as C. não albicans pelo surgimento de resistência aos antifúngicos16. Estes achados corroboram com os nossos dados que apontaram a C. albicans em 62,5% dos isolamentos e 38% C. não albicans.

Atividade in vitro de extratos vegetais

Com referência às atividades das espécies vegetais do cerrado selecionadas, os resultados obtidos neste estudo revelaram a atividade inibitória dos extratos de L. pacari e B. gaudichaudii, comparados com a Nistatina creme vaginal (Prati Donaduzzi - 1000 UI/4mg), sobre o crescimento de leveduras do gênero Candida. As médias dos halos de inibição estão descritas na Tabela 1.

Observa-se através do resultado da Tabela 1 que os extratos de L. pacari nas três concentrações testadas apresentaram atividade antifúngica caracterizada pela formação de halos de inibição superiores a 10 mm em 21(vinte e uma) cepas de C. albicans testadas, formando, inclusive halo de 18 mm. Percebe-se maior atividade deste extrato em relação ao controle Nistatina, cujo halo máximo foi de 11 mm. Os extratos de B. gaudichaudii tiveram efetividade na concentração de 200mg/mL, apresentando halos de inibição com diâmetro máximo de 11 mm. A espécie vegetal L. pacari, foi efetiva em todas as concentrações estudadas, diferentemente de B. gaudichaudii que o foi somente na maior concentração utilizada.

Na Tabela 2 observa-se que os extratos de L. pacari e B. gaudichaudii nas mesmas concentrações sobre espécies C. não albicans, em que se observou a atividade de L. pacari já a partir da menor concentração testada, com formação de halos na sua maioria superiores a 10 mm e na maior concentração apresentou atividade expressiva sobre todas as linhagens exibindo halos que variaram de 11 a 15 mm. Por outro lado, B. gaudichaudii demonstrou alguma atividade a partir da concentração de 100mg/mL evidenciou atividade interessante na maior concentração, cujos halos variaram em sua maioria de 11 mm a 12 mm, enquanto que a Nistatina apresentou atividade em apenas 6 (seis) das 13 (treze) cepas de C. não albicans incluídas no estudo formando halos de inibição entre 10 e 11mm.

Comparando a média dos halos de inibição produzidos foi possível constatar que em ambas as espécies C.albicans e C.não albicans testadas, a menor concentração de L. pacari apresentou atividade antifúngica, e ainda que B. gaudichaudii demonstrou atividade antifúngica superior a Nistatina na maior concentração, demonstrando mais efetividade nas espécies não albicans. Esses dados são relevantes na medida em que a espécie C.albicans e C. glabrata (não albicans) apresentam resistência aos antifúngicos convencionais13.

No que se refere a fitoquímica de L. pacari, a literatura científica aponta mais estudos sobre a casca e folha. Sendo que sobre a primeira, indicam a presença marcante de ácido elágico e taninos24. A amplitude dos efeitos biológicos benéficos aponta para o ácido elágico presente na casca que faz de L. pacari uma importante fonte medicinal. Mesmo havendo inúmeras e complexas substâncias químicas nessa espécie vegetal, a comparação das atividades terapêuticas do ácido elágico com o uso medicamentoso da casca de L. pacari sugerem a atuação dessa substância como principal composto químico ativo25,26 que também analisaram a presença e a sensibilidade de seus fitoconstituintes químicos.

Pires et al.27 obtiveram compostos a partir da casca, e demonstraram atividade positiva sobre C. albicans e os extratos da folha foram ativos sobre Candida albicans. A potente ação antibacteriana do extrato hidroalcoólico de L. pacari contra bactérias multirresistentes de origem hospitalar foi registrada por Melo-Filho et al.28.

Estudos realizados com extrato hidroalcoólico da L. pacari indicaram a presença de taninos, esteróides, flavonoides, terpenos e saponinas12. Outras pesquisas, também confirmaram na análise preliminar qualitativa o papel que os flavonóides desempenham na biologia vegetal, que é, por vezes, aproveitado para explorar suas atividades terapêuticas como, por exemplo, antifúngica e bactericida, antioxidante e protetora dos raios ultravioleta29.

Pozetti30 testou concentrações de 25 e 50 mg de extratos hidroalcoólicos de B. gaudichaudii em cepas de bactérias e Candida albicans, não houve atividade antimicrobiana. No mesmo estudo foram isolados substâncias químicas como as cumarinas, dentre estas o psoraleno, o bergapteno, a umbeliferona e a hidroximarmesina, O psoraleno e o bergapteno exercem ação contra o vitiligo. Outras aplicações terapêuticas são possíveis para o psoraleno e seus derivados, tais como em micoses, casos de urticária, psoríases, alopecia areata, herpes simples, algumas parasitoses humanas ou animais, além de outras dermatoses.

Conclusão

Os resultados obtidos mostraram que a espécie C. albicans foi predominante, representando 62,5% do total de isolados. Os extratos brutos da L. pacari apresentaram um largo espectro de ação nas três concentrações testadas contra ambos os grupos, C. albicans e C. não albicans; já os extratos brutos de B. gaudichaudii foram efetivos contra C. albicans apenas na concentração de 200mg/mL e contra C. não albicans nas concentrações de 100mg/mL e 200mg/mL. Esses resultados mostram-se promissores e apontam para a necessidade de estudos mais abrangentes visando à purificação das frações dos extratos obtidos a partir das espécies vegetais estudadas, além de outras espécies nativas do cerrado, e à verificação de sua eficácia contra outras linhagens do gênero Candida.

Sugere-se ainda estudos envolvendo a terapêutica antifúngica quanto à efetividade, reações adversas e toxicidade, o que poderá contribuir para a orientação de ações e estratégias de apoio e incorporação das plantas medicinais nas práticas em serviços de Atenção à Saúde da Mulher.

Colaboradores

SMFQ Silva desenvolveu o projeto de pesquisa, atuou na coleta dos dados e na redação do texto. SMB Pinheiro contribui com a correção de texto escrito e com a definição da parte farmacêutica do projeto. MVF Queiróz contribuiu com a orientação do projeto e a coleta de dados. MC Pranchevicius auxiliou na elaboração do projeto e na escrita dos resultados. JGD Castro contribuiu com a análise estatística dos dados e a redação do artigo final. MC Perim contribuiu na execução dos experimentos. SC Carreiro atuou em todas as etapas do projeto como orientadora da autora principal.

Artigo apresentado em 30/11/2011

Aprovado em 05/03/2012

Versão final apresentada em 15/03/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2011
  • Aceito
    2012
  • Revisado
    05 Mar 2012
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