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Falar de suicido é também falar da vida e da qualidade de vida

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Marília Viana BerzinsI; Helena Akemi Wada WatanabeII

IObservatório da Longevidade Humana e Envelhecimento. mberzins@superig.com.br

IIFaculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. hwatanab@usp.br

O artigo em debate, resultado de extensa pesquisa de âmbito nacional, revela de forma repleta de sensibilidade o drama de pessoas idosas que resolveram pôr fim a suas vidas através do suicídio. Trata-se de uma importante contribuição para os estudos do envelhecimento, por oferecer ao leitor a oportunidade de aprofundar a compreensão sobre porque as pessoas idosas decidem antecipar sua morte. O texto dá visibilidade ao tema como sendo um importante tópico de saúde pública por revelar que os idosos que atentam contra a própria via são os mais suscetíveis de não serem encontrados e ajudados em tempo hábil. Gravíssima situação é o fato de que os idosos usarem meios mais letais do que as pessoas mais jovens, resultando, quase sempre, na fatalidade do ato. Será o suicídio das pessoas idosas um ato que objetiva publicizar o desespero de vidas que perderam seu significado social ou existencial?

O conteúdo deste artigo nos inquieta e nos provoca a perguntar por que temos poucas pesquisas sobre o assunto. E também, por que o assunto não é discutido nas ações de prevenção no setor da saúde. Os casos ilustrativos escolhidos pelas autoras percorrem a jornada de seis idosos suicidas. Se considerarmos que o suicídio é uma trama de comunicação, o relato nos impacta ao nos alertar para os momentos finais dos sujeitos que se suicidam. As idades são variadas. Os locais, as formas, as histórias e as circunstâncias também se diferenciam. O que se tem em comum é a desistência de viver e a comunicação revelada no ato cabal. O estudo contribui ainda para discutir o drama vivido não só pelas pessoas idosas, mas também por suas famílias ou pessoas próximas a elas na medida em que a metodologia utilizada ofereceu a oportunidade de reconstruir o caminho que os idosos que faleceram por suicídio fizeram até chegar ao ato final.

Este texto oferece-nos a oportunidade de refletir sobre a precariedade das políticas públicas que contemplam os idosos em situação de vulnerabilidade e fragilidade. Pois, ele questiona direta e indiretamente a estrutura social oferecida para absorver essas pessoas de forma digna e se os mecanismos de proteção social estariam adequados para abranger a população que envelhece aceleradamente. Os 51 casos de suicídios de idosos nos dez municípios brasileiros são representativos do fenômeno, que segundo as autoras tende a aumentar. Parece-nos que as mortes desses idosos que faleceram por suicídio reclamam, entre outras coisas, um mundo mais humano e mudanças que precisam ocorrer para isso. Por isso, entendemos que, na verdade, este texto fala da vida e que pode influenciar a nós que estamos vivos para a necessidade de transformar nosso comportamento social em relação à vida e à velhice. Assim, a pessoa idosa que se suicida quebra a dinâmica do silêncio sobre seus sofrimentos e invade o espaço público deixando de ser anônima, revelando à família, aos amigos e à sociedade mensagens e indagações contundentes e decisivas.

Para o ato de suicídio não existe uma resposta exata e definitiva, dizem-nos as autoras. Acreditamos que esta seja uma questão de múltiplas respostas uma vez que nela a vida e a morte se encontram e se separam, revelando em toda a sua essência a contradição e a ambiguidade existencial do ser humano. Para Durkheim, o suicídio é todo caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, sabedora de que devia produzir esse resultado. Mas, como lembram alguns autores, o suicídio é um processo que não termina com a morte. Ele é um gesto de comunicação que visa a ampliar a compreensão do relacionamento entre quem se mata e a sociedade que foi palco de seu ato. Que comunicação ou mensagem seria essa?

Por tudo que já foi dito, este estudo tem relevância inequívoca frente ao crescimento acelerado do número de idosos no país. Os dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, através do Censo 2010, constatam que já não somos mais o país de jovens dos anos 1970 e 1980. O nosso país está caminhando para ser, nos próximos anos, o sexto país no mundo com o maior número de pessoas idosas. Apesar desses dados, infelizmente, o envelhecimento populacional ainda não entrou na agenda das principais políticas brasileiras públicas. É inegável que evoluímos muito na construção do marco legal das políticas públicas voltadas para as pessoas idosas. Mas, ainda temos muito que avançar para efetivar os direitos conquistados. Cabe ao Estado brasileiro por meio de políticas sociais e setoriais a efetivação dos direitos fundamentais na compreensão à velhice como direito personalíssimo.

Todos os dados se encaminham para mostrar como as políticas públicas devem dar importância à manutenção dos vínculos sociais na velhice bem como à preservação de atividades de convivência, não restritas às ações de atenção à saúde. Este estudo pode servir, entre outros aspectos para mostrar a importância da previdência e da assistência social, do apoio às famílias, de serviços pró-ativos que saiam das salas das instituições e vão até onde os idosos estão. Particularmente, é preciso dar atenção aos homens idosos que são as maiores vítimas, provendo-lhes preparação para a aposentadoria, novos papéis sociais e propondo mudanças na cultura machista em que foram criados.

Enfim, mas uma vez, é preciso dizer que o artigo nos faz pensar na vida. Na vida que precisa ser vivida com qualidade. Pessoas idosas precisam ser tratadas com dignidade e respeito e investir no seu direito e no seu lugar na vida social. A discriminação, o preconceito, os estereótipos negativos da velhice precisam ser superados. O texto também nos apela para a necessidade urgente de reconstruir conceitos e criar novos paradigmas sobre a forma de envelhecer e viver a velhice. O estudo contribui para essa discussão e nos inquieta.

Sem dúvida alguma, o envelhecimento populacional brasileiro desafia o Estado, a sociedade e as famílias a encontrarem soluções viáveis e eficientes para responder as mais diversas necessidades das pessoas que envelhecem, reduzindo as desigualdades, as inequidades e investindo em ações que possam garantir a esses cidadãos viverem com dignidade e plenitude de tal forma que o suicídio não seja colocado como uma alternativa para finalizar a vida.

Enfim, o tema do suicídio requer de toda a sociedade uma atenção muito especial. O ato de suicidar pertence à vida. É um comportamento social que pode ser evitado na medida em que forem apresentadas alternativas ao ato de desespero. O suicídio é uma forma de comunicação em que as pessoas que o escolhem também expressam que são donos das suas próprias vidas. O artigo nos faz despertar para garantir voz àqueles que resolveram concluir sua passagem existencial.

Cremos que a socialização das informações tratadas no texto permitirá que elas sejam apropriadas pelos próprios idosos, pelos que atuam junto com eles no setor social ou de saúde, por suas famílias, pela sociedade e pelos gestores das políticas públicas.

  • Falar de suicido é também falar da vida e da qualidade de vida

    Talking about suicide is also talking about life and quality of life
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2012
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