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O SUS é universal, mas vivemos de cotas

The Brazilian Unified Health System (SUS) is universal, but quotas are the norm

Resumos

No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), as ações e serviços de saúde constituem um direito social que deve ser assegurado pelo Estado e gerido sob responsabilidade das três esferas autônomas de governo. Isto é, a universalidade do direito à saúde sem distinções, restrições e a qualquer custo. O artigo ressalta a construção da integralidade em saúde em um Sistema hierarquizado com princípios doutrinários de universalidade, equidade e atenção integral. Estudo de casos múltiplos holísticos de abordagem qualitativa fundamentado nos pressupostos da Sociologia Compreensiva do Cotidiano, originado de uma tese de doutorado. Objetivou compreender a construção das práticas de integralidade em saúde no trabalho cotidiano das equipes Saúde da Família e de gestores de municípios do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Os sujeitos do estudo foram profissionais de equipes Saúde da Família, equipes de apoio e gestores em um total de 48 participantes. Buscando-se desvendar a construção da integralidade, os resultados apresentam que "o SUS é universal, mas vivemos de cotas". Nesse sentido, a regulação é fundamental para ordenar, orientar, definir, otimizar a utilização dos recursos disponíveis para a atenção à saúde e, ainda, garantir o acesso da população a ações e serviços em tempo oportuno e de forma equânime.

Sistema Único de Saúde; Assistência Integral à Saúde; Universalidade; Programa Saúde da Família; Sociologia do cotidiano


In the context of the Unified Health System (SUS), health actions and services constitute a social right to be guaranteed by the State and managed under the responsibility of three autonomous spheres of government. This is a holistic multiple case study with a qualitative approach based on the assumptions of Comprehensive Everyday Sociology, which originated from a PhD thesis. It sought to understand the construction of comprehensive health practices in the daily work of family health teams and managers of the cities in Vale do Jequitinhonha - Minas Gerais, Brazil. The individuals studied were professionals from the Family Health Teams, support staff and managers with a total of 48 participants. In order to reveal the construction of the whole, the data show that "SUS is universal, but quotas are the norm." Bearing in mind its limitations, it is difficult to ensure that SUS is a right for all. Thus, regulation is essential to order, guide, define and optimize the use of resources available for comprehensive care and also guarantee public access to actions and services in a timely and equitable manner.

Unified Health System (SUS); Comprehensive Health Care; Universality; Family Health Program; Everyday sociology


ARTIGO ARTICLE

O SUS é universal, mas vivemos de cotas

The Brazilian Unified Health System (SUS) is universal, but quotas are the norm

Selma Maria da Fonseca ViegasI; Cláudia Maria de Mattos PennaII

IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. R. Eurita 462/102, Santa Teresa. 31.010-210 Belo Horizonte MG. selmamfv@yahoo.com.br

IIEscola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), as ações e serviços de saúde constituem um direito social que deve ser assegurado pelo Estado e gerido sob responsabilidade das três esferas autônomas de governo. Isto é, a universalidade do direito à saúde sem distinções, restrições e a qualquer custo. O artigo ressalta a construção da integralidade em saúde em um Sistema hierarquizado com princípios doutrinários de universalidade, equidade e atenção integral. Estudo de casos múltiplos holísticos de abordagem qualitativa fundamentado nos pressupostos da Sociologia Compreensiva do Cotidiano, originado de uma tese de doutorado. Objetivou compreender a construção das práticas de integralidade em saúde no trabalho cotidiano das equipes Saúde da Família e de gestores de municípios do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Os sujeitos do estudo foram profissionais de equipes Saúde da Família, equipes de apoio e gestores em um total de 48 participantes. Buscando-se desvendar a construção da integralidade, os resultados apresentam que "o SUS é universal, mas vivemos de cotas". Nesse sentido, a regulação é fundamental para ordenar, orientar, definir, otimizar a utilização dos recursos disponíveis para a atenção à saúde e, ainda, garantir o acesso da população a ações e serviços em tempo oportuno e de forma equânime.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde, Assistência Integral à Saúde, Universalidade, Programa Saúde da Família, Sociologia do cotidiano

ABSTRACT

In the context of the Unified Health System (SUS), health actions and services constitute a social right to be guaranteed by the State and managed under the responsibility of three autonomous spheres of government. This is a holistic multiple case study with a qualitative approach based on the assumptions of Comprehensive Everyday Sociology, which originated from a PhD thesis. It sought to understand the construction of comprehensive health practices in the daily work of family health teams and managers of the cities in Vale do Jequitinhonha - Minas Gerais, Brazil. The individuals studied were professionals from the Family Health Teams, support staff and managers with a total of 48 participants. In order to reveal the construction of the whole, the data show that "SUS is universal, but quotas are the norm." Bearing in mind its limitations, it is difficult to ensure that SUS is a right for all. Thus, regulation is essential to order, guide, define and optimize the use of resources available for comprehensive care and also guarantee public access to actions and services in a timely and equitable manner.

Key words: Unified Health System (SUS), Comprehensive Health Care, Universality, Family Health Program, Everyday sociology

Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto do reconhecimento do direito à saúde no Brasil. Como instituição de caráter federativo, determina o dever de todos os municípios, dos estados e da União de atuar para a promoção, a prevenção, a recuperação e a reabilitação da saúde, com autonomia de cada esfera de governo para a gestão descentralizada do Sistema nos limites de seu território. Com características de unicidade, descentralização e também de "atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais"1,2, a criação do SUS objetivou alterar a situação de desigualdade na assistência à saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, ofertando serviços na atenção primária, secundária e terciária. Dessa forma, as ações e serviços públicos de saúde passaram a integrar "uma rede regionalizada e hierarquizada", organizada de acordo com as diretrizes da descentralização, atendimento integral e participação da comunidade1.

Na Constituição da República de 1988, a saúde é conceituada como resultado das condições de vida das pessoas. Não é adquirida apenas com assistência médica, mas principalmente pelo acesso das pessoas a emprego, salário justo, educação, habitação, saneamento, transporte, alimentação, cultura, lazer e a um sistema de saúde digno e de qualidade1. Essa definição envolve reconhecer o ser humano como ser integral e a saúde como qualidade de vida. Nesse sentido, a atenção à saúde se dá com responsabilização, com a incorporação ao ato terapêutico da valorização do outro, respeitando sua visão de mundo, seu contexto social e sua dignidade. Cuidar para qualidade de vida, é, portanto, ser cúmplice das estratégias de promoção, prevenção, cura e reabilitação. E, assim, esses segmentos compõem um dispositivo maior que é a integralidade.

Essa completude para se ter saúde está longe de ser alcançada, ou nunca se completar, porque "inviabiliza sua realização como horizonte normativo, pois as normas associadas à saúde, ao se deslocarem os horizontes, precisarão ser reconstruídas constantemente"3. Por outro lado, essa definição de saúde é um horizonte para os Serviços de Saúde por estimular a priorização das ações para responder a esse direito social instituído e que deve ser garantido pelo Estado, conforme o princípio da universalidade.

Decerto que o SUS é uma política das mais importantes para a construção de um país socialmente justo. Porém, "é difícil se pensar em um Sistema de Saúde universal e equitativo em um país, como o Brasil, onde a muitos faltam condições de sobrevivência. Todavia, se é difícil ter o SUS legal cabalmente implantado nas atuais condições sociais do país, não é menos difícil reverter esse quadro sem uma política de saúde baseada nos princípios de universalidade e equidade. Nesse sentido, o SUS necessário, para que tenhamos uma sociedade mais justa, está definido em seus princípios legais. Por sua vez, o SUS possível hoje é aquele que se encontra no funcionamento quotidiano dos serviços de saúde. Apesar dos significativos avanços desde o início dos anos 1990, o SUS possível ainda está longe do SUS necessário"4.

A construção da integralidade surge como base para superar contradições e vencer desafios na consolidação do SUS. A garantia de assistência integral à saúde como direito e dever dos cidadãos, profissionais e gestores, implica em sujeitos ativos. A integralidade pressupõe acesso a bens e serviços, formulação, gestão e controle participativo de políticas públicas, interação usuário/profissional sem perder a perspectiva daquilo que é comum a todos e deve ser universal: o direito de viver e ser tratado com respeito à integridade e à dignidade da condição humana em situações de saúde, doença e morte.

Ao analisar a dimensão da integralidade, são expostos dois planos de significação: um macro que inclui o conjunto de serviços ofertados pelos Sistemas públicos de saúde aos cidadãos e um micro, englobando a articulação entre ações preventivas e assistenciais ou como um modo ampliado de apreensão das necessidades das pessoas5. Pode também ser analisada como sendo uma ação social resultante da permanente interação dos atores na relação demanda e oferta, em planos distintos de atenção à saúde. O plano individual – em que se constroem a integralidade no ato da atenção individual e o sistêmico – que garante a assistência nas ações da rede de serviços, nos quais os aspectos subjetivos e objetivos sejam considerados6.

Dessa forma, a relação entre a equipe Saúde da Família e a população adscrita deve estar fundamentada na construção de vínculo. Essa equipe passa a ser referência para a população usuária7, que busca diariamente implantar mudanças na atenção a saúde, face às propostas de um modelo assistencial centrado no usuário. Entretanto, esse é um modelo que convive com uma prática ainda fragmentada, centrada em produção de atos e intervenções de natureza médico-curativa, predominando a desarticulação e as inúmeras queixas dos usuários. Para a superação desse cenário, impõe-se um novo referencial, assentado no compromisso ético com a vida, com a promoção e a recuperação da saúde, visando a garantia do acesso aos cuidados necessários, o vínculo, a corresponsabilização para com o usuário, a integralidade da assistência e o monitoramento contínuo dos resultados alcançados.

É certo que apenas por modificação da estrutura não se garante que a relação dos profissionais com os usuários seja também realizada sob novos parâmetros de trabalho no território das tecnologias de saúde, de civilidade, de acolhimento e de construção de processos mais compromissados com os usuários, seus cuidados e cura8. Questiona-se: como superar as dicotomias presentes nas práticas cotidianas da atenção primária à saúde?

O presente artigo é um recorte de uma tese de doutorado9, que teve por objetivo compreender a construção das práticas de integralidade em saúde no trabalho cotidiano das equipes de Saúde da Família e de gestores de municípios do Vale do Jequitinhonha. Aqui se encontram os resultados de uma das categorias do estudo.

A trajetória teórico-metodológica

O estudo9 é de abordagem qualitativa, delineada pela estratégia de pesquisa Estudo de Casos Múltiplos Holísticos, fundamentado na Sociologia Compreensiva do Cotidiano.

O universo do estudo foi constituído por municípios situados no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais (MG), Brasil, um cenário que vem se transformando na prestação de assistência à saúde, devido à implantação de equipes da Estratégia Saúde da Família- ESF, a partir de 1995-199810. Os municípios inclusos são: Diamantina, Gouveia e Datas. A proposta foi a de realizar estudo de caso individual em cada um desses Municípios, constituindo-se um estudo de casos múltiplos holísticos, com unidade única de análise. Cada caso em particular consiste em um estudo "completo", no qual se procuram evidências convergentes ou divergentes com respeito aos fatos e às conclusões para o caso11.

A opção de utilizar três casos, neste estudo, baseia-se nas evidências resultantes de estudos de casos múltiplos em que é possível usar a replicação direta, e as "conclusões analíticas que independentemente surgem dos dois casos serão mais contundentes do que aquelas que surgem apenas de um caso" e se, sob circunstâncias variadas, ainda se puder chegar a "conclusões comuns a partir de ambos os casos, essas terão estendido de forma incomensurável a capacidade externa de generalização das descobertas no estudo"11.

Considerando que é no plano das práticas cotidianas, de profissionais da ESF, da equipe de apoio e de gestores, que se dá a construção da integralidade com suas várias interpretações, faz-se a opção por lançar o olhar da Sociologia Compreensiva do Cotidiano sobre o objeto de estudo, para se compreender a integralidade por meio da pluralidade de visões e experiências no cotidiano de trabalho dos profissionais. A sociologia compreensiva ocupa-se em descrever "o vivido naquilo que é, contentando-se, assim, em discernir as visões dos diferentes atores envolvidos"12. É adequada para descrever os limites e a necessidade das situações e das representações constitutivas da vida cotidiana, formada pelo sujeito e suas interações.

Os sujeitos desta pesquisa foram trabalhadores das equipes da ESF e das equipes de apoio, entre médicos, enfermeiros, auxiliares/técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde-ACS, cirurgião-dentista, auxiliar de consultório dentário, fisioterapeuta e os gestores de cada município – secretários de saúde com acúmulo de função gerencial, cuja participação foi voluntária, em um total de 48 participantes. Como critério de inclusão, estabeleceu-se uma atuação de no mínimo um ano na função ou no cargo .

A pesquisa de campo, durante um período de oito meses em 2008, teve por base um levantamento de dados primários por meio de observação direta e entrevistas a partir de um roteiro básico, contendo questões abertas e espaço destinado a comentários livres dos integrantes da equipe multiprofissional e do gestor sobre a integralidade no exercício da ESF. A observação foi realizada em ambiente de trabalho do participante – Unidade de Saúde, domicílio, comunidade. O registro dessas observações foi feito em um diário de campo elaborado após cada período de observação, identificada como "notas de observação (NO)", que foram utilizadas para corroborar a análise dos dados das entrevistas. A observação foi de natureza descritiva, focalizando o objeto de estudo proposto. Ressalta-se que os três casos foram conduzidos sucessivamente no período da observação e simultaneamente no momento das entrevistas.

A pesquisa foi desenvolvida segundo as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, a Resolução CNS 196/9613. A coleta de dados iniciou-se após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerias (COEP UFMG). O acesso ao campo de pesquisa foi obtido por meio de autorização dos prefeitos e secretários municipais de saúde, além da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes. O anonimato dos sujeitos foi garantido por meio da adoção de siglas, referentes à primeira letra que identifica cada profissão, seguida de um número de acordo com a proximidade para a realização da entrevista.

A análise de dados foi feita com base no referencial de Bardin14, utilizando-se a técnica do emprego da Análise de Conteúdo Temática, ou seja, uma análise dos "significados".

Resultados e discussão

Integralidade em uma via interditada na hierarquização do Sistema

Em um sistema hierarquizado, a continuidade da assistência deve ser assegurada principalmente pelo estabelecimento de um sistema de referências, configurado na regionalização e na hierarquização e os Serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida. Isso implica na capacidade dos Serviços em oferecer, a uma determinada população, todas as modalidades de assistência, bem como o acesso a todo tipo de tecnologia disponível, possibilitando a resolutividade2,15.

O acesso da população à rede deve ser por meio dos Serviços de nível primário de atenção que devem estar qualificados para atender e resolver os principais problemas que se apresentam. Os casos mais complexos deverão ser referenciados para os demais níveis de assistência tecnológica. A rede de serviços, organizada de forma hierarquizada e regionalizada, permite o (re)conhecimento dos problemas de saúde da população da área delimitada, favorecendo ações de vigilância epidemiológica, sanitária, controle de vetores, educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade2.

A ESF é uma modalidade de assistência que pode articular ações em redes de serviços locais ou regionais, mas utiliza tecnologia insuficiente na produção de atos de saúde para dar conta da diversidade e da complexidade das demandas na Saúde. Todavia a rede de atenção à saúde pode possibilitar e permitir orientar o processo de trabalho em função de referências em níveis de maior complexidade. Nesse sentido, a integralidade da atenção significa empregar os meios necessários para a efetivação do cuidado e dispor de diferentes meios segundo o grau de complexidade da atenção à saúde – baixa, média e alta complexidade.

No entanto, a ESF encontra dificuldades na referência para a atenção secundária, como se constata nos depoimentos:

A consulta de ginecologia, ela é realizada aqui no município. Então, ou o enfermeiro ou o médico ele dá um encaminhamento pra vir aqui na Unidade marcar. Se for o caso de precisar de uma cirurgia, de um tratamento mais complexo que tiver que ir pra fora, eles encaminham e depois a Secretaria de Saúde se encarrega de marcar, aí dificulta um pouco por causa da cota de consultas que está pouca. E aí demora algum tempo... Então é urgência, você tem que se virar, porque dentro da Secretaria de Saúde urgência não é urgência, demoram bastante alguns casos, tem outros que não, que são mais rápidos. Mas, por exemplo, neurologia, não está tendo atendimento suficiente para todo o município que a cota lá no CISAJE está baixa (ACS52).

Temos pedido aos médicos para adotar a classificação de risco, para ver quais são mais urgentes ou não, porque estava chegando muito encaminhamento, às vezes, 'mãe do paciente solicita consulta, quer consulta' na justificativa. Isso não é uma classificação de risco. Então eu mandei um ofício pedindo classificação de risco pra saber qual pode passar na frente com esse critério (SMS21).

Esses relatos apresentam que o acesso à atenção secundária e a intercomunicação entre os níveis são entrecruzados por percalços que interferem na linha do cuidado na rede de atenção. A indicação de que a referência se dá por classificação de risco foi um critério adotado para se conseguir fazer a regulação obedecendo aos casos mais urgentes, a equidade da oferta das ações por critério de risco, e, também, para se adequar às cotas estabelecidas para cada município. Sobre a insuficiência de cotas do SUS, o informante explicita:

Bom, nós temos uma cota, e aí a população, às vezes, não entende isso, que o SUS trabalha com parâmetros que diz que para uma população X o número razoável, considerado aceitável, para raio X é tanto, para exame disso é tanto, tanto, tanto. Ótimo! Se fosse pra atender a população dentro do parâmetro que o SUS estipula num estalar de dedos tava na mão deles. Só que não, é uma coisa que nós precisamos investigar o que acontece, eu imagino o que acontece, eu tenho hipótese que, para a população de Gouveia não funciona dessa maneira. O parâmetro que o SUS estipula pra nós ele é extrapolado três vezes mais, ou quatro vezes mais, então não dá. E acabam ficando pessoas sem fazer o seu exame naquele mês e esperando o mês seguinte. [...] E aí nós começamos a organizar o controle de avaliação tanto pra exames como pra encaminhamentos para especialistas em Diamantina através do CISAJE ou em Belo Horizonte. Então, o controle de avaliação é que vai analisar quais são os graus de urgência dessas solicitações. Outro fato, que nós observamos é que não existia um controle sobre a contrarreferência. Então, o sujeito saía daqui, consultava com um especialista e nunca voltava com uma resposta (SMS3).

Segundo o gestor, algumas normas tiveram que ser adotadas para a regulação da assistência, uma alternativa para se conseguir responder à demanda do usuário, considerando a disponibilidade assistencial do município. A ênfase, nos três cenários do estudo, foi no redirecionamento dos usuários para as equipes da ESF, isto é, a contrarreferência, como inexistente no Sistema, mas indispensável para "o adequado seguimento das patologias de base e condições de saúde, garantindo acesso não apenas a ações curativas, mas a todas as atividades promocionais que devem ser implementadas neste nível de assistência"15.

Consta, ainda, das falas, que "o parâmetro de cotas que o SUS estipula é extrapolado três ou quatro vezes mais, então não dá", mas a população, segundo o relato abaixo, não compreende isso:

O que eu acho um pouco mais complicado em relação ao SUS, pelo que o SUS prega, é a questão dos usuários do SUS, às vezes, eles não entendem que o SUS é universal, para todos, só que o SUS vive de cotas. Às vezes, o pessoal chega lá e 'marca tal exame pra mim', mas o pessoal não entende que os municípios têm a sua quantidade de exames de acordo com o tamanho do município. Às vezes, chegam, por exemplo, 50 ou 60 exames, se o município tem direito a 40, quer dizer que os outros 10 vão ficar sem marcar. Então o que a pessoa acha, a pessoa vai pensar que assim que chega tem que marcar porque o que o governo prega é que o SUS é para todos. É para todos, mas só que o SUS tem seus limites, tem os limites daquela cota estabelecida para cada município, para cada exame. [...] É difícil manter o que o SUS prega, ser universal, que é um direito de todos. Difícil! (SMS22).

Eis o problema: "o SUS é universal mas vivemos de cotas". O SUS "tem seus limites, é difícil conseguir manter que o SUS é um direito de todos!" Nesse sentido, a regulação é fundamental para ordenar, orientar, definir, otimizar a utilização dos recursos disponíveis para a atenção à saúde e, ainda, garantir o acesso da população a ações e serviços em tempo oportuno e de forma equânime.

Mesmo com a regulação, o sistema de referências constitui-se em um desafio que se mostra na busca de vagas de faltosos de outros municípios no consórcio intermunicipal da macrorregião de Diamantina, o CISAJE (Consórcio Intermunicipal de Saúde do Alto do Jequitinhonha) para encaixar os usuários necessitados de consulta especializada. Esse desafio está explícito no relato:

Fico no telefone ligando pro CISAJE pra ver se algum município tá desistindo porque, como estamos perto, é mais fácil eles avisarem pra gente. Então eu sempre procuro antecipar e ligar pra ver se tem alguma desistência de consulta pra encaixar aqueles casos de urgência que a gente tem que dar um jeito de encaminhar esse paciente pra fora do domicílio (SMS21).

Para que os desafios do sistema de referência sejam enfrentados e as demandas atendidas, algumas ações foram empreendidas em Gouveia, antes do processo de regulação propriamente dito, que são a adequação do transporte para a macrorregião de Diamantina e para Belo Horizonte, além da casa de apoio e do funcionário para dar suporte aos usuários referenciados para a capital do Estado. Além da delegação de autoridade ao agente regulador para exercer a responsabilidade sobre a regulação, com base em dados clínicos do laudo de referência e os operacionais, isto é, o número de cotas. Esses fatos são evidenciados nos depoimentos:

Na parte de transporte, a gente teve muita dificuldade com a questão das idas de pacientes pra Belo Horizonte. Acabava que o transporte das pessoas do Vale do Jequitinhonha pra consulta era em ambulância, mas a ambulância na realidade é pra levar paciente grave. No início deste ano (2008), a gente conseguiu, com recurso próprio, comprar um Sprinter para levar nossos pacientes para Belo Horizonte. A primeira medida que foi feita nos dois primeiros meses, em 2005, foi ver uma casa de apoio em Belo Horizonte e um rapaz pra dar suporte e agilizar a referência e a contrarreferência. Porque as pessoas chegavam lá e não tinham onde tomar um banho, onde ficar e normalmente são pessoas muito simples, sem recursos nem conhecimentos (SMS3).

A primeira coisa que o SMS3 me pediu que organizasse foi o agendamento das consultas da cidade. Então a gente tá organizando todos os TFD, todos os encaminhamentos e tem muito encaminhamento abandonado. Organizar para que as pessoas possam realizar suas consultas, porque a gente até tem essas consultas, ortopedista que vem atender aqui, muitas consultas de oftalmologia. Neurologia ainda é um problema. Então, estou recebendo as contrarreferências, anotando os retornos e devolvendo para as ESF para poder fazer parte do prontuário do paciente, porque até hoje os pacientes eram encaminhados, mas você não tinha o retorno do especialista (E7).

Evidencia-se a demora para se conseguir efetuar a referência às especialidades e o grande número de encaminhamentos para Tratamento Fora do Domicílio (TFD). Além disso, o retorno do especialista não é contrarreferenciado à ESF, pois a conduta estabelecida não é mencionada no prontuário do usuário.

A sobrecarga de encaminhamentos para a atenção secundária foi atribuída, pelo gestor, à baixa resolutividade na atenção primária. Os profissionais apontaram que se refere à gestão dos recursos disponíveis e ao estrangulamento da atenção secundária por falta de profissionais especialistas e também por encaminhamentos excessivos. Esses encaminhamentos carecem de comunicação eficaz na referência e na contrarreferência para outros profissionais reforçando a lógica hegemônica e a fragmentação do cuidado/atenção (NO).

No entanto, parte da responsabilidade no estrangulamento da atenção secundária é atribuída à população,como se constata no relato:

Eu acho que a comunidade também ela é um pouquinho, é... culpada, às vezes, pela demora (de se conseguir atendimento na atenção secundária). Tem pessoas que têm hábito de ir ao médico, têm mania de doença. Não é que a gente duvide de que a pessoa esteja doente, mas você está vendo que a situação física, tá aparentemente bem, mas ela queixa tanto que o médico dá o encaminhamento. Aí aqui na Secretaria de Saúde, você não tem controle de quem está precisando... O médico colocou no encaminhamento o que o paciente questionou pra ele dentro do consultório. Se o paciente reclamou, reclamou, reclamou... ele vai colocar lá que ele está precisando. Às vezes, tem um que ele é mais recatado e ele não quer reclamar tanto, mas está precisando mais do que aquele. O que acontece, aquele que queixou, queixou, queixou, de repente, não tá tão necessitado e vai primeiro do que o que está mesmo precisando (ACS52).

A concretização da universalidade do direito a ações integrais em saúde constitui-se em um desafio para as realidades pesquisadas. Os princípios doutrinários de universalidade, equidade e integralidade remetem a uma lógica de direito e de trâmite livre na rede de atenção à saúde mediante as necessidades apresentadas pelos usuários. Porém, essa lógica, muitas vezes, vai de encontro às condições estabelecidas para a gestão e a assistência nos Serviços, dentro da realidade da atenção primária, conforme o relato:

Agora, na questão de integralidade, eu queria colocar o seguinte: se, na prática, o próprio governo conscientizasse também a população, de que o SUS é para todos, mas que ele tem os seus limites, não adianta a gente fazer uma coisa bonita e falar assim 'as pessoas conseguem consulta', é fato, mas a gente não vai deixar de falar que tem que seguir a fila do SUS. Fora esses casos de doenças gravíssimas, mais complicadas, é claro que tem prioridades, se forem casos urgentíssimos. Mas em outras questões, na questão de exames mais simples, exames rotineiros, às vezes, fazer raio X, coisas simples, mas que pra gente na região, não é fácil, tem horas que infelizmente, não tem como não se seguir a fila. A gente tem que fazer, com o pouco de conhecimento que a gente tem, com o que o médico passou no encaminhamento, a gente tem que tentar selecionar mais ou menos, para atender justamente aqueles que mais precisam. Porque é um pouco complicada essa questão de conseguir atender a todos dentro do SUS (SMS22).

Conforme ressaltado, a existência de problemas ligados ao acesso e à referência a algumas especialidades e serviços compromete e prejudica o princípio da integralidade, pois o usuário entra no Sistema, mas, muitas vezes, o acesso é dificultado pelo longo tempo de espera por consulta com especialistas e exames diagnósticos, constituindo uma via interditada para o sistema de referência e contrarreferência. Assim, a reorganização da atenção primária com vistas à universalidade do acesso a ações e serviços, à integralidade nas ações, implica também em que as demandas sejam respondidas na atenção secundária, quando se fizer necessário. Para isso, é imperativa a atuação dos profissionais da ESF no intuito de responder à maior parte dessas demandas e referenciar somente os casos específicos, além da eficácia no sistema de regulação para otimização do acesso e uso da tecnologia dura. A referência deve ser correspondida pela contrarreferência para que o usuário não se perca pelo caminho e faça um trajeto na rede de cuidados com respostas integrais e equânimes. A adequação do preenchimento da guia de referência e contrarreferência é um ato simples, porém responsável por uma atenção de qualidade e digna à necessidade do usuário.

No entanto, apesar de a via, algumas vezes, ser interditada nesse sistema de referência, as realidades estudadas trazem benefícios substanciais para a reorganização da atenção primária por meio da ESF. Um benefício é ter a equipe como referência para os problemas diários de saúde, patologias crônicas e agudas, nos casos de urgência de baixa complexidade ou no acompanhamento na oferta programada. Com essa equipe, o usuário tem caminho seguro para entrar no Sistema, ser atendido de forma integrada e ser referenciado, quando necessário, aos níveis de maior complexidade, apesar de ser declarado nos dados que "tem que seguir a fila do SUS". Outro benefício é a preocupação com a equidade na atenção "para atender justamente aqueles que mais precisam". Mesmo em uma via interditada, podem-se estipular desvios ou retornos para diminuir as dificuldades na inércia das paradas e no tempo da espera, até que essa via seja de mão dupla, livre e sinalizada para a referência e a contrarreferência num Sistema descentralizado e hierarquizado.

Foi abordada a burocratização, entre outros entraves, na gestão da Saúde Pública,como se vê nos relatos:

Nós compramos um aparelho de duplex scan com o recurso do SUS, implantamos e colocamos no hospital pra funcionar em 2004 e nós já estamos em 2008 e até hoje não foi credenciado pelo Estado! Agora não me pergunte por quê, porque eu também não sei! Porque o que foi de papel e já voltou! Até na hora que o papel chega às pessoas, às vezes, aquele documento que tem data de validade, já venceu. Aí, ao invés de voltar o documento pra você, aí não, volta o processo todo de novo. Tem a falta de informação, de integração das GRS com o Estado. Eles não falam a mesma língua. Não tem pessoal capacitado (SMS1).

A queixa principal, hoje ,no município, são três pontos básicos: um está relacionado à falta do medicamento, não o da farmácia básica, mas aquele medicamento que é solicitado fora da farmácia básica que a gente precisa de repensar um recurso, uma fonte de recurso para poder suprir isso. [...] Uma segunda coisa de que o pessoal se queixa é com relação ao apoio diagnóstico, ao tempo que se leva pra poder receber, conseguir fazer um exame, principalmente de média e de alta complexidade (SMS3).

As "coisas não desburocratizam" falta informação e falta integração entre as esferas de governo. Segundo a Constituição de 19881, o SUS é definido como um Sistema descentralizado com comando único; isso necessariamente implica em delegar autonomia para que Estados e Municípios formulem e implementem as respectivas políticas de saúde. Porém o desempenho desordenado dos órgãos públicos acarreta superposição de ações, desperdício de recursos e mau desenvolvimento das ações planejadas. Há quatro anos o duplex scan está parado em Diamantina por ainda não ter sido credenciado. Os gestores são os responsáveis por fazer o Sistema funcionar adequadamente dentro das diretrizes doutrinárias e da lógica organizacional do SUS, mas, ao mesmo tempo, dependem de deliberações superiores para implantar e implementar ações e serviços.

São muitos os entraves para a integralidade e universalidade das ações em saúde nos municípios como, por exemplo, as metas estabelecidas no Pro-Hosp (Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do SUS), como se lê nos relatos:

Isso quando você não esbarra no problema hospitalar. Que aí, vamos supor: o que acontece hoje com o governo? Exemplo: o Pro-Hosp. Ele vai, assina metas tal, tal, tal, tudo com o provedor da Casa de Saúde. Só que o provedor não faz cirurgia, não atende na ponta. Então ele assume compromissos, mas que na verdade ele não vai cumprir nunca. Por exemplo, o mutirão de cirurgias que tivemos aqui. O provedor foi lá e assinou que você ia fazer cento e poucas cirurgias pra cada um dos hospitais. Tínhamos que fazer 70%, não fizemos nem 20% do que tinha que fazer. Por quê? Porque ele se esqueceu que o profissional tem que estar de acordo. Vamos supor, vai fazer uma hérnia: o cirurgião tem que estar ok; o anestesista tem que estar ok; o auxiliar tem que estar ok. Os municípios, às vezes, também não querem passar a AIH para um município maior, porque eles sustentam o hospital deles com essa AIH que tem lá. O Estado, ao mesmo tempo, fecha os olhos pra essas realidades, que tem esses hospitais de pequeno porte que não deveriam existir, porque eles não têm resolutividade. Então eles seguram um recurso financeiro lá que poderia ser implementado em um centro maior, que poderia dar mais resultado para a população dele (SMS1).

Pra quem conhece o SUS, as cirurgias, elas acontecem quase que 100% na urgência e emergência, e as eletivas, muitas são realizadas por mutirão. A gente vê uma experiência agora que existia um mutirão pra macro de Diamantina onde foram liberadas mais de 400 cirurgias e só foram feitas 36 e teve que devolver todo o resto. Porque não teve casa de saúde e principalmente o recurso humano médico que topasse fazer muitas cirurgias eletivas pelo SUS. Então ainda são coisas que a gente precisa avançar em nível de SUS, em nível do município (SMS3).

Como o município de Diamantina é uma macrorregional onde se concentram os serviços com maior complexidade tecnológica e que, por meio de pactuação intermunicipal deveria atender a população encaminhada dos outros municípios, os relatos mostram que, muitas vezes, o acesso aos serviços secundários e terciários, mesmo os planejados, na prática, não ocorre. Os motivos apresentados para não se alcançar a meta fundamentam-se nos recursos humanos, já que havia estrutura física e financeira.

Sabe-se que a pactuação de metas não é uma formalidade burocrática. Deve refletir o real interesse e o compromisso com a estruturação da vigilância em saúde nos municípios e estados16. Dessa forma, os dados mostram a ênfase que se deve dar à gestão participativa na prática cotidiana, para que as áreas da saúde, os profissionais, os prestadores de serviços e, também, os representantes dos usuários se encontrem para planejar, implementar ações com efetivos resultados na promoção, prevenção, cura e reabilitação da saúde.

Nos depoimentos, o direito à saúde e o direito à integralidade encontram-se imbricados. Esses conceitos se manifestam em conjunção e expressam a ideia conclusiva de poder: "poder ter o direito à saúde integral":

Integralidade, pra mim, eu acho assim, um direito de todos indiferente da classe social. Muita gente pensa assim, 'ah, tem funcionário mesmo que pensa dessa forma, fala assim, ah fulano que tem condição financeira boa, pra que só fica no posto, pra que procura?' Eu acho que é direito de todos, indiferente da classe social, se você tem condição de estar pagando ou não, porque o SUS é um direito de todos... (TE62)

Integralidade é um direito de todos porque o SUS é universal. Essa mensagem fica como uma provisão em direção à prioridade à saúde integral já instituída em 1988, aqui também formalizada e que faz parte de uma realidade almejada nesses contextos e, pela replicação literal dos dados, permite a inferência de que também é almejada em realidades brasileiras similares.

Algumas considerações

Pode-se inferir que, ao mesmo tempo que este estudo, em seu caráter qualitativo, limita-se a três realidades municipais do Estado de Minas Gerais, generaliza-se por representar realidades distintas de várias outras regiões de um país continental como o Brasil.

É fato que Saúde é um dever do Estado. A responsabilidade pela atenção integral é da rede assistencial de Saúde, para garantir, ao usuário, o direito ao atendimento, desde o primeiro contato com a equipe ESF, até encaminhamentos e atendimentos em Serviços de que necessite. Cabe ressaltar a importância de as equipes e os profissionais terem uma visão mais abrangente do indivíduo, visto em vários aspectos, do individual ao coletivo, dentro de suas condições de vida e suas reais necessidades em saúde para lhe ofertar ações e serviços que respondam a suas demandas.

A descentralização e a democratização das decisões na Saúde são diretrizes para garantir ao cidadão o seu direito; para a defesa de uma sociedade mais igualitária, participativa e solidária; para viabilizar um sistema público de saúde universal, equânime, integral, qualificado e sob controle social. Como em outras realidades, os três cenários demonstraram a possibilidade dessa decisão pela descentralização, pois apresentam algumas peculiaridades na estrutura dos Serviços, dos recursos humanos e materiais. A organização do Consórcio Intermunicipal de Saúde de forma regionalizada, entre municípios de menor porte com aquele de médio ou grande porte, tem sido um importante passo na garantia do acesso a outros serviços na realidade de Diamantina – sede do Consórcio – e dos demais cenários inclusos neste estudo. Essa regionalização permite uma articulação entre as diferentes Unidades e Municípios que formulam possibilidades de ações mais integrais em saúde.

Os problemas ligados ao acesso e à referência a algumas especialidades e serviços comprometem e prejudicam o princípio da integralidade. Entre os entrevistados, é unânime a opinião de que o acesso aos demais níveis de complexidade ainda é insuficiente. Para algumas especialidades e alguns exames, os usuários e os gestores encontram, ainda, forte dificuldade não só no acesso, na oferta de vagas, mas também na distância enfrentada pelos usuários enviados para Belo Horizonte e, também pelos municípios, em estruturar condições de transporte, apoio e hospedagem, quando necessárias. Assim, a reorganização da atenção primária com vistas à universalidade do acesso a serviços e ações integrais, implica também em que as demandas sejam respondidas nos demais níveis de complexidade. A referência deve ser correspondida com a contrarreferência para que o usuário não se perca pelo caminho e sim faça um trajeto na rede de cuidados com respostas integrais e equânimes.

Assim, a integralidade constitui um elemento central para a consolidação de um modelo de saúde que incorpore, de forma mais efetiva, a universalidade e a equidade no atendimento às pessoas para alcançar ações resolutivas em saúde. Esses princípios do SUS foram defendidos como um princípio único: o do direito à saúde.

Vale enfatizar que esta pesquisa é um estudo de casos múltiplos holísticos; cada um deles constituiu uma entidade única, submetida a uma análise particular e contínua. Após análise criteriosa de cada caso, os dados apresentaram resultados semelhantes conferindo-lhes a replicação literal e uma capacidade de generalização. A validade externa fundamenta-se nas convergências dos dados, ou seja, nessa replicação literal. As constatações dela decorrentes, por retratar uma situação real em seus múltiplos aspectos, permitem inferências e comparações com situações similares.

Colaboradores

SMF Viegas trabalhou na concepção, na pesquisa, na análise, na interpretação dos dados, na redação final, na revisão crítica. CMM Penna trabalhou na revisão crítica e na aprovação da versão para submissão à publicação.

Artigo apresentado em 13/11/2011

Aprovado em 10/04/2012

Versão final apresentada em 15/05/2012

  • 1
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  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Jan 2013

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2011
  • Aceito
    10 Abr 2012
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