Programa Pesquisa para o SUS: a contribuição para gestão e serviços de saúde na Paraíba, Brasil

Research program for the Brazilian Unified Health System (SUS): the contribution to health management and services in Paraiba State, Brazil

ARTIGO ARTICLE

Programa Pesquisa para o SUS: a contribuição para gestão e serviços de saúde na Paraíba, Brasil

Research program for the Brazilian Unified Health System (SUS): the contribution to health management and services in Paraiba State, Brazil

Suely Deysny de Matos Celino^I; Gabriela Maria Cavalcanti Costa^I; Inácia Sátiro Xavier de França^I; Ednaldo Cavalcante de Araújo^II

^IUniversidade Estadual da Paraíba. Rua Baraúnas 351, Bairro Universitário. 58429-500 Campina Grande PB. [e-mail]

^IIDepartamento de Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO

O Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde – PPSUS apresenta o intuito, entre outros, de financiar pesquisas em temas prioritários para a saúde da população brasileira. O objetivo deste estudo de abordagem qualitativa foi compreender a percepção dos pesquisadores sobre a contribuição das pesquisas financiadas pelos editais PPSUS no Estado da Paraíba, para a resolução dos problemas prioritários de saúde da população paraibana, para a redução das desigualdades regionais na área da saúde e para o fortalecimento da gestão do SUS. Realizaram-se levantamento documental nos editais e relatórios finais de pesquisas e, entrevista semiestruturada com 28 coordenadores desses estudos. Utilizou-se estratégia de triangulação de dados e estes foram submetidos à análise de conteúdo, que convergiram para as categorias: resolução dos problemas de saúde; redução das desigualdades regionais; contribuição para a gestão. A Paraíba necessita de ajustes para que o PPSUS possa se efetivar em completude, como a garantia de que o conhecimento gerado possa se concretizar em políticas e ações de saúde, visto que as pesquisas financiadas respondem às necessidades de saúde da população e dificuldades de gestão do SUS.

Palavras-chave: Ciência, Política de pesquisa em saúde, Programas governamentais, Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

The shared management in health of the Research Program for the Unified Health System (PPSUS) has the purpose of funding research in priority areas for the health of the Brazilian population. The scope of this qualitative study is to understand the researchers' perception of the contribution of research funded by the PPSUS invitations to bid in the State of Paraiba, for resolving the priority health problems of the Paraiba population, for reducing regional inequalities in health and for bolstering the management of SUS. A documentary survey of the bids and final reports of research and a semi-structured interview with 28 coordinators of these studies was conducted. Triangulation strategy of data was used and subsequently subjected to content analysis, which converged with the categories: solving the health problems; reducing regional inequalities; contribution to management. Paraiba state needs adjustments such that the PPSUS can be fully implemented, ensuring that the knowledge generated can be converted into health policies and actions, since the research funded respond to the health needs of the population and difficulties in SUS management.

Key words: Science, Health research policy, Government programs, Unified Health System

Introdução

O incremento do desenvolvimento científico e tecnológico dentre as competências do Sistema Único de Saúde – SUS foi incluído na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 200¹. Mas somente em 2004 foi aprovada a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde – PNCTIS, parte integrante da Política Nacional de Saúde, formulada no âmbito do SUS, devendo ser pautada em seus princípios constitucionais da universalidade, integralidade e equidade, para que, por meio da produção de conhecimentos e tecnologias, possa contribuir para a redução das desigualdades sociais em saúde².

Para a superação dessas desigualdades regionais, a Política busca a articulação entre ações do governo federal, dos estados e dos municípios. Para tanto, o Ministério da Saúde, por intermédio do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, vem desenvolvendo atividades de fomento descentralizado à pesquisa em todos os estados brasileiros, por meio do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde – PPSUS, com o propósito de financiar pesquisas em temas prioritários para a saúde da população brasileira; contribuir com o aprimoramento do Sistema Único de Saúde e; promover o desenvolvimento científico e tecnológico em saúde em todos os estados da federação³.

Sendo assim, esse Programa tem como objetivo contribuir para o fortalecimento do esforço nacional em ciência, tecnologia e inovação em saúde, definida na PNCTIS, por meio de parcerias entre instituições públicas de fomento à pesquisa em saúde e da capacidade de gestão de ciência e tecnologia nos estados⁴, envolvendo parcerias entre a esfera federal, por intermédio do Ministério da Saúde, e a esfera estadual, pelas Fundações de Amparo à Pesquisa – FAP⁵. Por meio dessa iniciativa, os estados brasileiros definem prioridades de saúde em nível local, através de debates acerca de indicadores de morbi-mortalidade, além da identificação de problemas relacionados à organização e funcionamento do sistema local de saúde⁶.

Especificamente, na Paraíba, os agentes executores desse programa têm sido a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba – FAPESQ, e a Secretaria de Saúde do Estado. Essa parceria já viabilizou a execução de 35 projetos, nos editais publicados em 2004 e 2006, apoiando atividades de pesquisa, pela garantia de recursos financeiros que somam um montante de R$ 990.000,00⁷, visando promover o desenvolvimento científico, tecnológico e/ou de inovação da área de saúde, em temas prioritários para o Estado.

A partir dessas considerações, alguns questionamentos foram elaborados acerca das pesquisas financiadas pelos editais PPSUS na Paraíba: quais as linhas de pesquisa prioritárias? Como as pesquisas têm contribuído para a resolução dos problemas? Como elas reduzem as desigualdades? Como fortalecem a gestão do sistema de saúde local?

Na tentativa de buscar respostas para tais questões, despertou-se a necessidade de compreender a percepção dos pesquisadores sobre a contribuição das pesquisas financiadas pelos editais PPSUS na Paraíba para a resolução dos problemas prioritários de saúde da população, para a redução das desigualdades regionais na área de saúde e para o fortalecimento da gestão do SUS na Paraíba.

Caminho metodológico

O estudo é de natureza exploratória, com abordagem qualitativa, sendo os sujeitos selecionados dentre os 35 pesquisadores que outrora tiveram projetos de pesquisa contemplados com financiamento dos editais PPSUS na Paraíba, nos anos 2004 (24 pesquisadores) e 2006 (11 pesquisadores). Foi utilizada a amostra proposital, definida pelos seguintes critérios de inclusão: pesquisas financiadas e concluídas pelos editais PPSUS 2004 e 2006; pesquisas que os coordenadores aceitaram em participar desse estudo; acesso aos relatórios finais enviados à FAPESQ. Dessa forma, 28 coordenadores de pesquisa atenderam aos critérios definidos, sendo 17 contemplados no edital 2004 e 11 no edital 2006.

A coleta de dados foi constituída de três etapas, sendo a primeira empreendida sob os editais PPSUS 2004 e 2006; a segunda, a partir do levantamento documental nos relatórios finais das pesquisas financiadas por esses editais, disponibilizados pela FAPESQ; e a terceira, por meio de entrevista semidirigida realizada com os coordenadores dos projetos.

Os materiais referentes aos editais e aos relatórios de pesquisa não foram analisados isoladamente, sendo associados às entrevistas gravadas e transcritas dos respectivos coordenadores das pesquisas, pela estratégia de triangulação, que pode ser utilizada em diversas situações, incluindo a utilização de uma variedade de técnicas de coleta de dados que acompanha o trabalho de investigação⁸.

Para a análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, que busca oferecer um significado aos dados, pela frequência recorrente de termos nos discursos⁹, optando-se pela modalidade de análise temática. Os dados foram então, agregados em categorias que evocaram temas relacionados ao PPSUS na Paraíba, objetivo do estudo, reconhecendo que questões políticas, organizacionais e operacionais pairavam no cenário.

Na análise dos resultados da investigação, elencaram-se as seguintes categorias: resolução dos problemas de saúde; redução das desigualdades regionais; contribuição para a gestão.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética. Para cumprimento das exigências preceituadas pelo Conselho Nacional de Saúde, na Resolução 196/96¹⁰, os documentos consultados e as entrevistas foram transcritos e identificados por letras minúsculas e maiúsculas, respectivamente, em ordem alfabética, seguidas dos números 04 ou 06, indicando o ano de edital, garantido assim, o anonimato, a privacidade, e o sigilo da identidade dos atores envolvidos na pesquisa.

Resultados e discussão

Caracterização dos sujeitos

A idade dos sujeitos variou entre 35 e 60 anos, com uma média de 46,07 anos, o que indica uma população madura de pesquisadores na área de saúde. No que se refere ao sexo, 11 (39,28%) eram do sexo masculino e 17 (60,72%) do feminino, contrariando pesquisa realizada por Santos et al.¹¹ sobre o perfil dos pesquisadores brasileiros em saúde pública, em que se observou similaridade entre os gêneros .

Quanto à formação básica, aponta-se a presença mais significante do profissional farmacêutico (05), seguida da formação médica (05) e do cirurgião dentista (04), aparecendo ainda pesquisadores da área de nutrição (03), psicologia (03), biologia (02), enfermagem (02), química (01), fisioterapia (01), engenharia de alimentos (01) e antropologia (01).

Em relação à instituição a qual estavam vinculados, 19 (67,85%) eram da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, 05 (17,85%) eram da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB e 04 (14,3%) estavam vinculados à Universidade Federal de Campina Grande - UFCG.

No que tange à titulação, apenas 05 (18,52%) são mestres e os demais (81,48%) doutores. Do total de mestres, três deles já estão inseridos em programas de doutorado. Vale ressaltar que o edital de 2004 exigia titulação mínima de mestres e o edital 2006 de doutores. O financiamento de pesquisas de professores doutores justifica-se uma vez que o doutoramento tem como objetivo a formação de pesquisadores, que buscam o aprofundamento em determinado campo do saber, ao passo que o mestrado direciona-se primordialmente para o ensino, destinado para aqueles que têm o objetivo maior de lecionar¹².

Caracterização das pesquisas

As pesquisas foram classificadas pelos próprios coordenadores, em relatórios enviados à FAPESQ. Sendo assim, no que se refere à natureza, 21 (75%) foram consideradas básicas e apenas 06 (21,43%) aplicadas. Apenas um (01) estudo foi considerado pelo coordenador como de natureza tecnológica, por obter conhecimentos através da tecnologia de processos, no caso em questão, para a fabricação de um medicamento.

Quanto à classificação dos resultados dos estudos, os coordenadores podiam indicar uma opção e o retrato foi: sistemas de pesquisa em saúde (01), gestão e planejamento em saúde (01), políticas públicas e saúde (01), controle e participação social (02), biotecnologia (03), processo saúde-doença (10) e avaliação de políticas de saúde, programas e serviços (10). Essa classificação é orientada pelas Diretrizes Técnicas do PPSUS, que sugerem, além dessas opções, resultados de pesquisas que culminem em: regulação em saúde, trabalho em saúde, recursos humanos em saúde, insumos, informação e comunicação em saúde, bioética, avaliação de tecnologias em saúde, biossegurança e economia da saúde⁴.

No que tange à linha temática, no edital de 2004 todos os temas especificados foram contemplados com projetos. Dessa forma, os 17 coordenadores aprovados nesse edital abordaram os seguintes temas: saúde indígena (02), qualificação da atenção à saúde (03), gestão descentralizada do SUS (04), saúde mental (01), produção, qualidade e acesso de insumos estratégicos (03), saúde da mulher (01) e controle de doenças infecciosas e não-infecciosas (03).

Esse quadro de linhas temáticas pode estar refletindo o perfil epidemiológico do estado, visto que foram selecionados a partir de oficina de prioridades de pesquisa, como é o caso das doenças infecciosas, que havia preocupação naquele ano em reduzir a morbi-mortalidade por essas causas, visto que, em 2003, ano que antecedeu o edital, estavam entre as causas mais frequentes de internação hospitalar¹³.

Já no edital de 2006, as 11 pesquisas financiadas abordavam os temas: informação em saúde e epidemiologia (01), saúde dos portadores de necessidades especiais (01), saúde da mulher (01), alimentação e nutrição (01), saúde do idoso (01), atenção básica (03), saúde, meio ambiente e doenças infecciosas (03). Interessante destacar é que os temas contemplados nesse edital já refletem algumas das prioridades pactuadas entre gestores no Pacto pela Vida, como saúde do idoso, atenção básica, doenças emergentes e endemias, alimentação e nutrição, que foram abordadas nesse documento no contexto da promoção da saúde¹⁴.

Categorias temáticas

Resolução dos problemas de saúde

A resolução dos problemas de saúde, qual seja, o enfrentamento dos principais problemas de saúde de uma população, por meio da compreensão e intervenção na esfera de seus determinantes e condicionantes constitui um dos elementos fundamentais na construção de uma sociedade democrática¹⁵. Dessa forma, e considerando o conceito amplo de saúde, a pesquisa em saúde deve ser guiada de maneira a promover o avanço científico e tecnológico, voltado para o desenvolvimento humano e sustentável³.

A maioria dos coordenadores das pesquisas em estudo, ao serem questionados sobre qual a contribuição destas para a resolução dos problemas prioritários de saúde da população paraibana, referiu pouca ou nenhuma contribuição nesse aspecto. No relatório das pesquisas, também, não se verificaram informações a esse respeito.

Basicamente a gente não contribui para a resolução, a gente contribuiu para levantar problemas somente. A04

De nenhuma maneira, minha pesquisa não contribui pra isso, certo. Minha pesquisa aponta as falhas desse sistema. A06

O PPSUS sugere contribuição das pesquisas para resolução dos problemas de saúde da população. O que se verifica é que nas pesquisas consideradas avaliativas, seja da qualidade do atendimento, como foi o caso do sujeito A04, seja do sistema, no caso de A06, os pesquisadores não percebem que, ao mesmo tempo em que se apontam falhas, podem sugerir mudanças para a melhoria do serviço prestado à população e, assim, contribuir de alguma forma para a resolução de seus problemas de saúde, principalmente se considerarem o conceito amplo de saúde.

Houve pesquisadores que elencaram sobre a contribuição de suas pesquisas para a resolução dos problemas de saúde da população paraibana, apontando para a orientação de ações, mesmo que indiretas, de promoção da saúde, apesar dessa preocupação não ter sido descrita no relatório.

Alertar e esclarecer a população acerca da fragilidade do controle de qualidade dos chás comercializados em sachês em nosso país. G04

Olha só, a pesquisa ela tem seus dados. Com a divulgação desses dados é que ela tem como efetivamente contribuir. K06

A Carta de Otawa¹⁶ define cinco campos de ação da promoção da saúde: elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde; reforço da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades pessoais e; reorientação dos serviços de saúde.

O desenvolvimento de habilidades pessoais como ação de promoção da saúde foi citado nas falas G04 e K06, visto que se referem ao esclarecimento da população pela divulgação dos resultados para a sociedade. Ainda segundo a Carta de Otawa¹⁶, a divulgação de informação, educação para a saúde e intensificação das habilidades vitais aumentam as opções disponíveis para que a sociedade possa exercer maior controle sobre sua própria saúde e sobre o meio-ambiente, além de estar apta a fazer opções que conduzam a uma saúde melhor.

Os coordenadores também observaram a perspectiva de tratamento de baixo custo como contribuição para a resolução dos problemas de saúde da população paraibana:

Daí a importância que achamos desse estudo, descobrir novas moléculas que possam aumentar o plantel farmacêutico de combate a Leishmania. E06

Seria talvez um tratamento de baixo custo, favorecendo a população de baixa renda, já que as substâncias são extraídas de vegetais da região. F06

Os dados encontrados nos relatórios desses coordenadores são congruentes com suas falas, ao reportarem a perspectiva de tratamento acessível à população:

A procura contínua por novos agentes terapêuticos para as leishmanioses ainda é essencial. Uma alternativa pertinente seria a utilização de compostos vegetais isolados que podem fornecer novos modelos terapêuticos no tratamento de leishmanioses. e06

Uma vez comprovada a atividade inibidora dos derivados leishmanicidas, a emergência do desenvolvimento de um novo fármaco com visíveis vantagens econômicas seria prontamente aplicável, em especial ao facilitar o acesso do paciente ao medicamento. f06

Em relação à descrição de f06, verifica-se a preocupação do pesquisador com a descoberta de tratamento mais eficaz e de menor custo para o problema da leishmaniose, doença negligenciada no país que apresenta um tratamento com medicamentos de elevada toxicidade, risco de resistência e alto custo. A leishmaniose, assim como as outras doenças negligenciadas, tem sido considerada prioridade para pesquisas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, que financiou em 2004, por meio de um edital, 33 pesquisas sobre dengue. Em 2006, a partir de um rico processo de definição de prioridades de pesquisa, direcionou-se mais de R$ 20 milhões para o financiamento de projetos em malária, doença de Chagas, dengue, leishmaniose, tuberculose e hanseníase¹⁷. Esse edital foi publicado em âmbito nacional, no qual poderiam concorrer pesquisadores de todo o país, não sendo encontrada proposta de financiamento de pesquisas específicas para essa área na instância estadual.

Redução das desigualdades regionais

O território brasileiro é caracterizado por grandes desigualdades socioeconômicas que aparecem como um dos traços mais marcantes da sociedade e, se entendidas do ponto de vista regional, se constituem em alvo de preocupação e de políticas públicas¹⁸, devido às disparidades de desenvolvimento existentes entre as grandes macrorregiões brasileiras.

O PPSUS foi idealizado com o propósito de contribuir para a redução das desigualdades regionais no campo da ciência, tecnologia e inovação em saúde. Apesar disso, grande parte dos coordenadores de pesquisas financiadas por esse programa, ao serem questionados sobre qual a contribuição dos seus estudos para diminuir essas desigualdades, afirmou não ter focado esse aspecto.

Com relação à contribuição para as desigualdades na questão de saúde, eu acho que o resultado do trabalho poderia ajudar muito isso aí, colaboraria muito se alguma medida fosse ou tivesse sido tomada e isso eu não posso informar. J04

De jeito nenhum! Não é pesquisa que vai reduzir desigualdade. A06

Nenhum desses sujeitos fez qualquer observação a respeito desse assunto em relatório, já sendo esperado que eles também não apresentassem nenhuma contribuição na entrevista. Talvez ainda falte a consciência crítica dos pesquisadores em refletir sobre a contribuição de suas pesquisas para o desenvolvimento da sociedade como um todo, o que leva a análises equivocadas quando se afirma que pesquisa não pode reduzir desigualdade, como é o caso do sujeito A06. Essa fala mostra indício de que os conhecimentos produzidos cientificamente se apóiam muito nos interesses do próprio pesquisador que os produzem, para obter reconhecimento da comunidade científica, ficando a responsabilidade social na produção e divulgação do conhecimento, por vezes, em posição secundária¹⁹.

A superação das desigualdades regionais em ciência e tecnologia em saúde como objetivo do PPSUS atende às estratégias da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, que tem como ponto central contribuir para o desenvolvimento nacional sustentável e para a produção de conhecimentos técnicos e científicos ajustados às necessidades econômicas, sociais, culturais e políticas do país².

Houve aqueles sujeitos que, quando abordados acerca da contribuição dos seus estudos para reduzir as desigualdades regionais em saúde, apresentaram falas acerca de que as pesquisas contribuíram apenas para o grupo estudado, entendendo que estas puderam favorecer a redução das desigualdades existentes entre a população em estudo e os demais grupos populacionais, mesmo dentro da mesma região.

Os pacientes atendidos na pesquisa tiveram acesso aos meios diagnósticos e tratamento sem se submeterem às longas filas do SUS. B04

Ela pode ter colaborado indiretamente, porque as gestantes que participaram do projeto tiveram uma assistência mais de perto. J06

Não foram constatados dados sobre esse aspecto nos relatórios. Apesar disso, o que as falas anteriores indicam é que os estudos, mesmo não tendo ampla contribuição para a população da região, puderam favorecer de alguma forma o grupo estudado, seja pelo acesso a atendimento mais rápido, como referido, pelo sujeito B04, ou a assistência de melhor qualidade, como sugere J06.

Alguns sujeitos exaltaram a contribuição de seus estudos para diminuir as desigualdades regionais no campo da saúde, oferecendo, a partir da aplicação dos resultados, possibilidade de maior resolutividade dos serviços para os problemas de saúde da população.

eu acho que melhorou a questão do acesso aos serviços da média complexidade, a população tinha grande dificuldade. I04

Quando a gente aponta maneiras de como resolver, faz com que o estado como um todo cresça em termos de ter uma saúde pública resolutiva, forte, que impacte e que pense numa lógica do usuário. C06

As falas acima permitem a compreensão que as pesquisas têm procurado contribuir no sentido de apontar caminhos para a resolutividade de determinados problemas de saúde da população, apesar de esse aspecto não ter sido levantado em relatório. Os coordenadores fazem referência à resolutividade caracterizando-a por ações de saúde, condições dos serviços e do sistema de saúde, que resultem em efeito positivo para a população, ou seja, em um atendimento qualificado.

Entendendo esse conceito de forma ampla, a resolutividade e seus efeitos devem ser capazes de transformar positivamente a situação de saúde de um indivíduo ou de um grupo, presumindo a possibilidade de avaliação das ações praticadas, bem como o conhecimento e análise dos seus resultados. Nesse sentido, o objetivo passa a ser saber não só até que ponto a resolutividade está sendo alcançada na prestação de serviços, mas conhecer quais modificações estão ocorrendo nas situações-problema apresentadas, e assim, priorizar ações de saúde e estabelecer condições cada vez mais resolutivas para os serviços^19,20.

Os pesquisadores ainda acreditam que suas pesquisas têm contribuído para reduzir as desigualdades regionais em saúde, ao favorecer a qualificação de recursos humanos para a pesquisa.

Eu acho que ela colaborou para a capacitação de profissionais de recursos humanos. D04

Se a gente pensa de uma forma ampla de combate às desigualdades, seria a formação de pessoal, a gente formou mestre, formou graduados e isso realmente eu imagino que é uma forma de, talvez pequena, combater as desigualdades. E06

Mesmo esse aspecto não tendo sido abordado nos relatórios de nenhum dos sujeitos, as falas refletem o importante papel do PPSUS na Paraíba na formação de pesquisadores em saúde no estado, que consequentemente, aumentaria também a quantidade de pesquisas que possam contribuir para as necessidades de saúde da Paraíba.

Esse programa deve estar em todo o território brasileiro, em consonância com o que preconiza a Organização Mundial de Saúde, contribuindo para a superação das desigualdades regionais, pela formação de recursos humanos para a pesquisa, além da inserção dessas nas agendas das secretarias estaduais de saúde³.

A formação, a capacitação e a absorção de recursos humanos constituem uma das principais estratégias da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, que se faz essencial para desenvolver a produção do conhecimento científico e tecnológico nos programas, ações e serviços de saúde e aperfeiçoar a gestão de ciência, tecnologia e inovação em saúde².

Contribuição para a gestão

Com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da gestão da saúde e para a resolução de problemas prioritários de saúde da população brasileira, o Ministério da Saúde apoia financeiramente o desenvolvimento de pesquisas, por intermédio do PPPSUS⁴. Nesse sentido, os pesquisadores foram questionados sobre a contribuição de seus estudos para a gestão dos serviços de saúde, fornecendo algumas respostas que refletiram a pouca preocupação desses com a devolução dos resultados à gestão:

Não sei se efetivamente houve essa contribuição. J04

Eu acho que em termo de gestão, de gestão diretamente, eu não teria dados, porque a gestão trabalha muito com dados. H06

Embora os coordenadores tenham relatado em entrevista a não aplicabilidade de seus estudos para a gestão, deve-se considerar que o pesquisador tem um compromisso social com seus estudos, principalmente no que se refere a projetos financiados pelo PPSUS, que tem como objetivo contribuir com a política de saúde local. Além disso, as falas dos pesquisadores divergem com os descritos em relatórios, quando colocam que suas pesquisas trazem contribuições para a gestão:

O delineamento do quadro de saúde bucal indígena servirá para embasar e orientar o planejamento e a demanda por atenção à saúde bucal nos planos preventivo, educativo e curativo do SUS. j04

Acreditamos que o gestor possa criar ou fortalecer programas de tratamento multi e interdisciplinares que enfoquem ações educativas na promoção à saúde, voltados para a melhoria da qualidade de vida. h06

Essas ações, ou mesmo propostas expressas nos relatórios, que certamente não foram efetivadas, pois não houve articulação com a gestão para sugerir essas ações propostas no relatório, podem ter sido apresentadas apenas como formalidade exigida no formulário padrão de apresentação do seminário, e até mesmo no projeto, no qual o coordenador já teria que apontar a aplicabilidade de sua pesquisa para o Sistema Único de Saúde.

Alguns pesquisadores elencaram como contribuição das pesquisas em questão para a gestão dos serviços de saúde a proposição de políticas e programas:

Eu acho que a contribuição do estudo seria ajudar justamente na política de promoção da saúde. H06

É possível contribuir com a gestão elaborando estratégia de intervenção que possa ser realizada [...] Por isso os resultados devem ser enviados para o Ministério da Saúde, para o pessoal da FAPESQ, para a universidade, a prefeitura, o governo. I06

As falas, ao serem confrontadas com o documentado nos relatórios das pesquisas, apontaram congruência de informações no caso do sujeito H06:

Acreditamos que o gestor possa criar ou fortalecer programas de tratamento multi-interdisciplinares que enfoquem ações educativas na promoção à saúde, voltados para a melhoria da qualidade de vida. h06

No caso do sujeito I06, a pesquisa não foi divulgada à gestão local, conforme relatado em seu discurso, também não fica clara sua contribuição, nem na entrevista, nem no relatório.

É possível sim que o gestor possa desenvolver programas baseados nos resultados de pesquisas, desde que se apropriem dos conhecimentos produzidos nos estudos. As Fundações de Amparo à Pesquisa também têm a responsabilidade de apresentar ao Ministério da Saúde uma análise dos resultados das pesquisas, descrevendo o potencial de incorporação desses no sistema e serviços de saúde⁴.

As políticas públicas são princípios que norteiam a ação do poder público, diretrizes, regras e procedimentos para as relações entre o poder público e a sociedade, sendo explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas) que orientam ações que geralmente envolvem aplicações de recursos públicos²¹. No caso da saúde, as políticas públicas se materializam na forma de programas de atenção à saúde, que são implementados pelos gestores municipais, estaduais ou federal, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência à saúde da população.

A avaliação do sistema/serviços de saúde também foi mencionada pelos coordenadores como contribuição para a gestão, tendo como objetivo principal a produção da informação que contribua para o aprimoramento do objeto avaliado:

Eu acho que, ao avaliar esses dados, podemos perceber a imperfeição, a fragilidade ou essa insuficiência. K04

Eu acho que serviu para avaliar o serviço que estava sendo destinado àquela população. I04

O sujeito K04 descreve em relatório estratégias de ações que parece não terem sido realizadas, indo muito mais além da avaliação do sistema, colocando a importância de constituir uma estratégia de acompanhamento das políticas públicas de saúde no estado da Paraíba, principalmente aquelas voltadas à saúde mental:

Tal estratégia se materializará através de um observatório de políticas públicas em saúde, a ser instituído na UFCG. k04

No caso do sujeito I04, a fala da entrevista é congruente com o documentado em relatório:

As informações apresentadas mostram uma realidade preocupante, a qual exigirá grandes desafios para a superação, no sentindo de melhores indicadores de saúde bucal. i04

A avaliação em saúde tem como pressuposto a avaliação da eficiência, eficácia e efetividade das estruturas, processos e resultados relacionados ao risco, acesso e satisfação dos cidadãos frente aos serviços públicos de saúde na busca da resolutividade e qualidade, sendo parte fundamental no planejamento e na gestão do sistema de saúde²².

Nesse sentido, apesar de se tratarem de pesquisas avaliativas, tudo leva a crer que não contribuíram para a resolutividade dos problemas questionados ou para a melhoria da qualidade dos serviços em questão, conforme descrito nos relatórios.

Alguns coordenadores contemplaram a melhoria da qualidade dos serviços de saúde como contribuição de suas pesquisas para a gestão:

[...] planejar outras ações de acordo com as necessidades detectadas pela pesquisa. I04

A gente espera conseguir que, as pessoas com deficiência tenham acesso a um maior número e a melhores serviços de atenção de média complexidade e reabilitação. K06

Ao confrontar esses dados com os relatórios, constata-se congruência das informações, apontando as perspectivas de melhoria da prestação dos serviços a partir das informações obtidas através de suas pesquisas:

Os indicadores foram utilizados para identificação de prioridades e planejamento das ações de saúde bucal nos três polos base do Distrito Sanitário Especial Indígena da Paraíba. i04

Oferecer ferramentas para que os gestores de saúde e as entidades de defesa dos direitos das pessoas com deficiência possam conseguir uma melhora dos serviços de saúde voltados para esta população. k06

Um serviço pode ser considerado de qualidade quando se consegue o padrão mais elevado de desempenho²³, atendendo às exigências dos clientes. A qualidade em atenção à saúde envolve múltiplos aspectos, mas de forma geral, espera-se que os serviços atendam às necessidades de saúde definidas tecnicamente, contemplando o amplo espectro das suas atribuições, quais sejam, a promoção, a prevenção, a assistência e a reabilitação²⁴.

Dessa forma, persiste o desafio de organizar estudos e pesquisas que contemplem, não só ações de promoção da saúde, como também estratégias de melhoria da qualidade dos serviços prestados à população. Apesar de os coordenadores terem apresentado em entrevistas e relatórios essa possibilidade, parece que não foram colocadas em prática, visto que esses resultados não foram discutidos com a gestão.

Considerações finais

Verificaram-se discursos de coordenadores de pesquisas que se expressaram negativamente no que se refere à colaboração de suas pesquisas para a resolução dos problemas de saúde da população paraibana, sendo esse aspecto também pouco apresentado em relatório. Quando referida, essa contribuição se deu através de proposição de ações de promoção da saúde e perspectiva de tratamento de baixo custo, para aqueles estudos que tratavam da descoberta de novas drogas terapêuticas para o tratamento de doenças negligenciadas. Essas ações ainda estiveram limitadas à incorporação dos resultados pela gestão.

Todo o esforço do Ministério da Saúde, através do Decit, com a efetivação do PPSUS, tem sido principalmente no sentido de tentar reduzir as desigualdades regionais de saúde através das ações de fomento, que não foi abordado em nenhum dos relatórios apresentados. Surgiram declarações de contribuições relativas apenas ao grupo estudado, além da qualificação de recursos humanos, aspecto bastante importante em se tratando da redução de desigualdades relacionadas ao número de pesquisadores em diferentes regiões e, consequentemente, à desigualdade de investimentos em pesquisas nas regiões brasileiras.

Foram constatadas falas dos pesquisadores que não relataram contribuição das suas pesquisas para o fortalecimento da gestão dos serviços de saúde. Os que o fizeram discorreram sobre ações relativas à proposição de políticas e programas, avaliação do sistema/serviços de saúde, perspectiva de desenvolvimento de novas drogas e melhoria da qualidade dos serviços. Mesmo esses, não apresentaram contribuição concreta, visto que essas ações dependeriam da divulgação desses resultados à gestão, o que parece ter acontecido somente através de Seminário de Avaliação, havendo ainda, uma imensa dificuldade para que as propostas cheguem aos serviços de saúde.

Apesar disso, entende-se que o PPSUS pode verdadeiramente contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico no país, através da redução das desigualdades regionais nesse campo, embora na Paraíba ainda necessite de alguns ajustes para que efetivamente esse programa possa se concretizar em completude, como, por exemplo, a garantia de que o conhecimento gerado possa se concretizar em políticas e ações de saúde, visto que as pesquisas financiadas no estado respondem às necessidades de saúde da população, e até mesmo às dificuldades de gestão do SUS.

Por fim, o estudo indicou a necessidade dos pesquisadores compreenderem o propósito dos editais PPSUS, participarem efetivamente dos seminários juntamente com os gestores das instâncias e, assim, fortalecer o papel da pesquisa na resolutividade dos problemas de saúde, como prática de interesse recíproco e de solidariedade, para que esse programa verdadeiramente possa colaborar com a redução das desigualdades regionais em saúde.

Colaboradores

SDM Celino, GMC Costa, ISX de França e EC de Araújo são igualmente responsáveis pela definição do objeto de estudo, da abordagem metodológica, pesquisa bibliográfica, elaboração e aplicação do instrumento, análise dos dados, redação, revisão do artigo e aprovação para publicação.

Artigo apresentado em 13/03/2011

Aprovado em 01/04/2011

Versão final apresentada em 10/04/2011

• ¹
  Brasil. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988 Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações; 2005.
• ²
  Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde 2ª Edição. Brasília: MS; 2006.
• ³
  Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Seleção de prioridades de pesquisa em saúde: guia PPSUS. 2ª Edição. Brasília: MS; 2009.
• ⁴
  Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde (PPSUS) – diretrizes técnicas. Brasília: MS; 2007.
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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Jan 2013
• Data do Fascículo
  Jan 2013

Histórico

• Recebido
  13 Mar 2011
• Aceito
  01 Abr 2011