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Construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa

RESENHAS BOOK REVIEWS

Maria Renata Rotta Furlanetti; Nelson Filice de Barros

Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas

Charmaz K. A Construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.

O livro "A Construção da Teoria Fundamentada" tem a proposta de ser um guia prático, porém não apenas um passo-a-passo, sobre a "Grounded Theory' ou Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)1. Com 272 páginas, é dividido em oito capítulos, os quais tratam separadamente de cada etapa do método. O primeiro, em exceção, apresenta uma visão geral da Teoria, bem como o seu desenvolvimento histórico, a partir da década de 1960 quando sofisticados métodos quantitativos de pesquisa ganhavam relevância nos Estados Unidos e os sociólogos Anselm L. Strauss e Barney G. Glaser, desenvolveram estratégias metodológicas sistemáticas para análise qualitativa2. Essas estratégias foram adotadas e possibilitaram construir explicações teóricas dos processos sociais, evitando que os pesquisadores "percebessem o mundo pela lente das ideias já existentes".

A autora do livro é a socióloga Kathy Charmaz, professora na Sonoma State University – Califórnia, nos Estados Unidos, que convida o leitor a experimentar e se envolver com a TFD oferecendo diretrizes para sua construção, pois se trata de um método qualitativo de pesquisa com versatilidade, rigor e que explica os processos estudados em novos termos teóricos.

No capítulo 2 são apresentadas as formas de coleta de dados concernentes à TFD. Discutem-se técnicas como instrumentos possíveis de serem utilizados e não como receitas ou prescrições rígidas a serem seguidas para a coleta de dados, com abordagens etnográficas, entrevistas intensivas e análise textual, entre outras. As implicações do uso de cada uma delas, considerando que sua escolha influencia no resultado, deve ser permanentemente revisadas durante toda a pesquisa, a partir de dúvidas que surjam no decorrer da mesma e que possam induzir, até mesmo, a criação de novas técnicas.

Tendo coletado os dados eles devem ser, então, codificados. O terceiro capítulo descreve as duas etapas da codificação: na primeira, o pesquisador estuda rigorosamente, linha a linha os dados; na segunda seleciona no material os núcleos de sentido mais relevantes para serem testados com outros dados mais amplos e, assim, poder categorizá-los de forma incisiva e completa. Ademais o capítulo sugere formas de superar os obstáculos encontrados nesse passo, como adotar as categorias a partir do seu objetivo, comprometido com o desenvolvimento de suas ideias emergentes, para garantir qualidade dos dados obtidos, ou seja, a sua relevância e utilidade.

No capítulo quatro, a autora descreve como se deve redigir e utilizar um memorando, que consiste em extensivas anotações feitas durante todo o processo de pesquisa, para evitar que os dados sintetizados e classificados "cristalizem". Assim, o pesquisador sempre pode comparar dados, explorando ideias sobre os códigos e até direcionar uma nova coleta de dados. O memorando é uma pausa analítica que acelera a produtividade do pesquisador.

Com a revisão dos memorandos as categorias emergem dos dados, mostrando-se fidedignas ou frágeis para a análise. As categorias frágeis revelam que é necessário retornar ao campo para colher mais dados, até que elas representem com rigor os fatos analisados. Este movimento é descrito no capítulo 5 e deve acontecer até que se observe a saturação dos dados, quando o retorno a estes não apresente mais divergências significativas com as categorias. Portanto, esta etapa de revisão dos memorandos, também, chamada amostragem teórica permite obter dados mais seletivos revelando as relações que integram o processo analisado.

O capítulo 6 propõe uma reflexão dos significados que permeiam o conceito de teoria para as tradições positivistas e interpretativas das ciências sociais. A partir dos significados da "teorização", Charmaz esclarece como foram desenvolvidas as duas perspectivas da Teoria Fundamenta nos Dados: a objetivista, levada a cabo por Strauss e Corbin3-5, e a construtivista, a qual Charmaz identifica-se. O capítulo termina com três exemplos da TFD e a reconstrução de suas lógicas teóricas, versatilidade e utilidade.

No capítulo 7 a autora trata do "manuscrito da pesquisa", que consiste na reunião e ordenação de todos os memorandos para, a partir disso, construir argumentos eloquentes da teoria. Charmaz apresenta também soluções para as tensões entre as exigências formais da pesquisa social e a teorização fundamentada, refletindo sobre a profundidade da análise teórica, construída com revisões bibliográficas e as categorias que emergiram dos dados.

O livro termina no capítulo 8 com uma reflexão sobre o processo de pesquisa com a TFD, a fim de avaliar o impacto da utilização do método e sua potencialidade de fomentar o conhecimento. Conclui expondo como o uso da Teoria fornece estratégias metodológicas refinadas com potência para endossar uma teoria previamente elaborada ou criar novas propostas teóricas.

O intenso cuidado da autora com o rigor metodológico deixa ver o desafio de se empregar a TFD para criar uma nova teoria baseada nos dados, sobretudo em ambientes acadêmicos tradicionalmente positivistas. No entanto, a autora estimula jovens pesquisadores a empregar a Teoria para "deixar a sua marca na sua área com graça e estilo".

  • 1. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.
  • 2. Glaser BG, Strauss AL. The discovery of grounded theory. Chicago: Aldine; 1967.
  • 3. Corbin J, Strauss AL. Grounded theory research: procedures, canons, and evaluative criteria. Aeitschrift für Soziologie 1990; 19(6):418-427.
  • 4. Strauss A, Corbin J. Basics of qualitative research: ground theory procedures and techniques. Newbury Park, CA: Sage; 1990.
  • 5. Strauss A, Corbin J. Basics of qualitative research: ground theory procedures and techniques. 2ª Edição. Thousand Oaks, CA: Sage; 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Jan 2013
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