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Qualidade de vida de professores de educação básica do município de Florianópolis, SC, Brasil

Quality of life of elementary education teachers in Florianópolis, State of Santa Catarina

Resumos

Este estudo investigou a percepção de qualidade de vida e a contribuição dos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente para a qualidade de vida geral de professores de educação básica do município de Florianópolis (SC). A amostra foi formada por 349 professores das redes estadual e municipal de ensino que responderam a um questionário com dados sociodemográficos e ao Whoqol-bref. A média de qualidade de vida geral foi de 63,75 pontos. O domínio meio ambiente apresentou menor escore médio (53,93 pontos) e o domínio relações sociais o maior (73,1 pontos). Os domínios meio ambiente e físico apresentaram maior associação com a qualidade de vida geral. Os professores da rede estadual de ensino apresentaram menores escores de qualidade de vida geral (p = 0,001), os quais estiveram correlacionados com maior tempo de magistério (p = 0,008) e maior carga de trabalho semanal (p = 0,013). Redução da carga horária, programas de promoção da saúde no decorrer da carreira e medidas ergonômicas no ambiente escolar são necessárias.

Qualidade de vida; Saúde do trabalhador; Condições de trabalho; Educação; Saúde escolar


This study sought to investigate the perception of quality of life and the importance of the physical, psychological, social relationships and environmental domains for overall quality of life for elementary education teachers in Florianópolis in the State of Santa Catarina. The sample was composed of 349 teachers of the (state and municipal) public school system who filled out a questionnaire with socio-demographic information and the WHOQOL-BREF questionnaire. The average overall quality of life was 63.75 points. The environmental domain had the lowest average score (53.93 points) while the social relationship domain had the highest score (73.1 points). The environment and physical domains showed higher association with average overall quality of life. Teachers who worked in the state education system had the lowest average overall quality of life score (p = 0.001). Lowest scores for overall quality of life were linked to longer teaching hours (p = 0.008) and more weekly work hours (p = 0.013). Reduction of workload, health promotion programs during the career and ergonomic actions in the school environment are necessary.

Quality of life; Occupational health; Working conditions; Education; Student health


ARTIGO ARTICLE

Qualidade de vida de professores de educação básica do município de Florianópolis, SC, Brasil

Quality of life of elementary education teachers in Florianópolis, State of Santa Catarina

Érico Felden PereiraI; Clarissa Stefani TeixeiraII; Adair da Silva LopesIII

ICentro de Ciências da Saúde e do Esporte, Universidade do Estado de Santa Catarina. Rua Paschoal Simoni 358, Coqueiros. 88.080-350 Florianópolis SC. ericofelden@gmail.com

IICurso de Engenharia de Produção, Sociedade Educacional de Santa Catarina

IIICentro de Desportos, Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Este estudo investigou a percepção de qualidade de vida e a contribuição dos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente para a qualidade de vida geral de professores de educação básica do município de Florianópolis (SC). A amostra foi formada por 349 professores das redes estadual e municipal de ensino que responderam a um questionário com dados sociodemográficos e ao Whoqol-bref. A média de qualidade de vida geral foi de 63,75 pontos. O domínio meio ambiente apresentou menor escore médio (53,93 pontos) e o domínio relações sociais o maior (73,1 pontos). Os domínios meio ambiente e físico apresentaram maior associação com a qualidade de vida geral. Os professores da rede estadual de ensino apresentaram menores escores de qualidade de vida geral (p = 0,001), os quais estiveram correlacionados com maior tempo de magistério (p = 0,008) e maior carga de trabalho semanal (p = 0,013). Redução da carga horária, programas de promoção da saúde no decorrer da carreira e medidas ergonômicas no ambiente escolar são necessárias.

Palavras-chave Qualidade de vida, Saúde do trabalhador, Condições de trabalho, Educação, Saúde escolar

ABSTRACT

This study sought to investigate the perception of quality of life and the importance of the physical, psychological, social relationships and environmental domains for overall quality of life for elementary education teachers in Florianópolis in the State of Santa Catarina. The sample was composed of 349 teachers of the (state and municipal) public school system who filled out a questionnaire with socio-demographic information and the WHOQOL-BREF questionnaire. The average overall quality of life was 63.75 points. The environmental domain had the lowest average score (53.93 points) while the social relationship domain had the highest score (73.1 points). The environment and physical domains showed higher association with average overall quality of life. Teachers who worked in the state education system had the lowest average overall quality of life score (p = 0.001). Lowest scores for overall quality of life were linked to longer teaching hours (p = 0.008) and more weekly work hours (p = 0.013). Reduction of workload, health promotion programs during the career and ergonomic actions in the school environment are necessary.

Key words Quality of life, Occupational health, Working conditions, Education, Student health

Introdução

A qualidade de vida, em termos gerais, pode ser considerada como a satisfação com a vida. Designa uma construção social e cultural importante e apresenta uma organização complexa, diferindo de pessoa para pessoa de acordo com seu ambiente/contexto e mesmo entre duas pessoas inseridas em um contexto similar1. Os professores formam uma categoria profissional exposta a grandes riscos psicossociais, devido à difícil organização escolar e por se depararem diariamente com situações que desequilibram suas expectativas e causam esgotamento mental2.

Embora os estudos sobre a saúde e a qualidade de vida dos professores ainda sejam recentes e restritos3, importantes investigações têm sido realizadas e mostram associações das condições de trabalho com diversas morbidades como burnout, disfonias, transtornos mentais, problemas físicos e psicossomáticos4-8, que podem levar ao abandono da escola pública e mesmo da profissão docente9.

Em recente levantamento a respeito da síndrome burnout em diferentes ocupações verificou-se prevalências de exaustão emocional superiores em professores com relação a outras profissões10. Além de algumas características como a constante necessidade de uso da voz, das cargas altas de trabalho e da crescente violência nas escolas, autores como Fernandes e Rocha11 abordam que os baixos salários, comuns em professores de educação básica, limitam o acesso a serviços de saúde, práticas de lazer e transportes de qualidade e isso tem repercussões importantes no aumento do estresse e da redução da qualidade de vida.

Considerando o exposto e destacando que, além das características específicas de cada profissional, o meio no geral no qual vivem as pessoas possui especial importância na sua percepção de qualidade, este estudo objetivou investigar a percepção de qualidade de vida e a contribuição dos diferentes domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) para a qualidade de vida geral de professores de educação básica do município de Florianópolis (SC)12.

Método

A pesquisa foi realizada com professores de educação básica do município de Florianópolis (SC), Brasil. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis é a capital brasileira com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (0,875) e possui, aproximadamente, 400 mil habitantes12. De colonização marcadamente europeia, principalmente portuguesa e alemã, sua economia é alicerçada no comércio, serviços públicos, indústrias de vestuário, de informática e turismo13.

O cálculo amostral foi realizado a partir da proposta de Rodrigues14 e se baseou nos dados fornecidos pelas Secretarias de Educação Estadual e Municipal de um total de 3188 professores considerando um erro de 5% e um p de 50%. A amostra do estudo foi formada por 349 professores, selecionados de forma aleatória e distribuídos proporcionalmente de acordo com a localização geográfica das escolas no município (parte insular, parte continental e periferia). A seleção das escolas foi realizada por sorteio e foram investigadas 18. A coleta de dados foi realizada no decorrer do segundo semestre letivo do ano de 2007.

Após autorização das direções foram entregues questionários aos professores sendo que esses foram recolhidos em visitas posteriores às escolas. Para completar o número de professores necessário foram distribuídos, aproximadamente, 600 questionários. Após as visitas e as solicitações individuais aos professores, aqueles que não devolveram os questionários preenchidos foram considerados como recusa que esteve em torno de 40%. Dos questionários recebidos, seis foram excluídos por preenchimento inadequado de questões fundamentais para a análise.

O instrumento para coleta de dados continha, além da avaliação da qualidade de vida, informações gerais de trabalho e características da amostra como sexo, idade, estado civil, tempo de magistério, exercício de outra função remunerada, atuação em cargos de direção/supervisão e carga horária semanal.

Para análise geral da percepção de qualidade de vida dos professores utilizou-se o Whoqol-bref, que é um instrumento criado pelo World Health Organization Quality of Life, traduzido e validado para o Brasil15. A Organização Mundial da Saúde desenvolveu o Whoqol buscando um instrumento que avaliasse a qualidade de vida de forma global e que pudesse ser utilizado por diferentes culturas, considerando que o conceito de qualidade de vida é subjetivo, multidimensional e inclui elementos de avaliação tanto positivos quanto negativos16. O Whoqol-bref 15 é composto por duas questões gerais (uma referente à qualidade de vida e outra à saúde) e mais vinte e quatro questões relativas aos quatro domínios avaliados (físico, psicológico, social e meio ambiente). A avaliação do instrumento é realizada por meio de uma sintaxe própria e os escores finais podem ser transformados em uma escala de zero a 100. A análise das duas questões gerais do Whoqol-bref sobre a percepção da qualidade de vida e da saúde revelou o escore de qualidade de vida geral dos professores.

Para análise das diferenças entre médias dos escores de qualidade de vida entre as categorias analisadas foram o teste "t" de Student e a Análise de Variância (ANOVA) complementada pelo teste post-hoc de Tukey. Os escores de qualidade vida foram correlacionais entre si e com outras variáveis por meio do teste de correlação de Spearman. Para identificar a contribuição dos domínios para a qualidade de vida geral utilizou-se uma análise de regressão linear múltipla. A normalidade dos escores de qualidade de vida e do resíduo do modelo de regressão linear foram analisados por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov indicando distribuição normal. Para todas as análises foi considerado um nível de significância de 5%.

Resultados

A idade média do grupo de professores investigado foi de 39,2(8,95) anos sendo a maior parte (83,4%) formada por mulheres. Aproximadamente 70% da amostra estava na faixa etária de 30 a 49 anos; 40% dos professores já lecionavam há mais de 7 anos e 30% há 20 ou mais anos. A maioria (72,8%) trabalhava 40 ou mais horas semanais na escola. O escore médio de qualidade de vida geral foi de 63,75 pontos e os domínios "relações sociais" (73,10 pontos) e "meio ambiente" (53,93 pontos) apresentaram, respectivamente, o melhor e o pior escore médio (Tabela 1).

Na Tabela 2 foram apresentadas as frequências de respostas das duas questões gerais do Whoqol-bref. Nos limites inferiores "muito ruim" e "ruim" as percepções de saúde e qualidade de vida apresentam diferenças, sendo que 7,5% dos professores classificaram sua qualidade de vida como "muito ruim" ou "ruim" ao passo que 1 a cada 4 professores afirmou estar insatisfeito ou muito insatisfeito com sua saúde. Tanto em relação à qualidade de vida geral quanto à satisfação com a saúde a maior parte dos professores percebeu como "boa" a sua condição. Apesar dos escores destas duas perguntas terem sido estatisticamente significativas (p < 0,001), ambas apresentaram boa correlação (r = 0,515; p < 0,001) revelando associação significativa e positiva entre as questões.

Considerando as demais questões do Whoqol-bref as maiores médias individuais (escala Likert de cinco pontos) foram relacionadas à: espiritualidade/religião/crenças pessoais com uma media de 4,25(0,72); mobilidade com média de 4,15(0,83) e relações pessoais com média de 4,03(0,87) pontos. Por outro lado, as questões que apresentam menores escores individuais foram: ambiente físico, poluição, ruído, trânsito, clima com média de 2,90(0,90); participação em, e oportunidades de recreação/lazer com média de 2,77(0,86) e recursos financeiros com escore médio de 2,64(0,80) (Tabela 3).

Na Tabela 4 foram apresentados os resultados das análises de correlação entre os domínios e a qualidade de vida geral e os da regressão linear para a identificação da contribuição de cada domínio para a qualidade de vida geral. Todos os domínios apresentam correlação significativa e positiva com a qualidade de vida geral com destaque para o domínio físico que apresentou maior correlação (r = 0,644). No geral, os domínios explicam 44,7% da qualidade de vida geral e os domínios físico e meio ambiente apresentaram maior relação com a qualidade de vida geral na análise de regressão linear.

No Gráfico 1 foram ilustradas as correlações negativas observadas entre a qualidade de vida geral de acordo com o tempo de magistério e a carga de trabalho semanal. Além disso, foi verificada diferença significativa do escore de qualidade de vida entre as redes municipal e estadual de ensino (p = 0,001); enquanto os professores da rede estadual apresentaram escore médio de 60,86(19,60) pontos os professores do estado apresentaram média de 67,55(17,92) pontos. Não foi identificada correlação estatisticamente entre o escore geral de qualidade de vida com a idade dos professores (p = 0,349). Também não foram observadas diferenças entre as médias do escore de qualidade de vida considerando as variáveis sexo (p = 0,586), exercício de outra profissão remunerada (p = 0,698) e entre aqueles professores que atuam em sala de aula e em cargos de direção/supervisão (p = 0,660).


Discussão

Neste estudo foram investigados indicadores de qualidade de vida de uma amostra representativa da população de professores de educação básica das redes municipal e estadual de Florianópolis (SC). A maior parte (mais de 80% da amostra) foi formada por mulheres, confirmando que a escola é um espaço de trabalho com predomínio feminino, diferentemente da maioria das profissões. As mulheres, em geral, possuem uma dupla rotina laboral, no trabalho formal e em casa com a família, apresentam mais distúrbios psiquiátricos e determinados tipos de patologias como infecções, dores e problemas vocais17.

A idade média da amostra (39,2 anos) foi similar a outros estudos com professores3,4,18. A faixa etária e o tempo de exercício do magistério (70% dos professores lecionam há mais de sete anos) indicam que a amostra é formada por professores com experiência e que representam bem a influência e/ou efeito do trabalho sobre sua qualidade de vida. O escore médio da qualidade de vida geral encontrado foi de 63,75 pontos (escala de zero a 100 do Whoqol-bref), o qual pode ser classificado como regular. Esse resultado foi similar ao encontrado no estudo realizado com 128 professores de ensino médio de escolas estaduais de Rio Claro18 no qual o escore médio do Whoqol-bref foi de 66 pontos.

Os resultados gerais dos domínios (Tabela 1) mostraram que o de meio ambiente, que contempla dimensões como a segurança, clima, transportes, oportunidades de adquirir novos conhecimentos e de lazer e recursos financeiros, apresentou o menor escore médio (53,93 pontos). A grande desvalorização salarial e o pouco incentivo para educação continuada são questões comuns encontradas nos estudos com professores6,7,19 e parecem estar longe do fim. Os professores em muitas realidades formam uma das categorias com menores salários e isso está diretamente relacionado à insatisfação e ao abandono do trabalho docente por outras ocupações9.

Por outro lado, o domínio relações sociais apresentou maior escore (73,10 pontos). Neste domínio são avaliadas dimensões como sentimentos positivos, espiritualidade, autoestima, aparência e concentração. A literatura7,19 aponta a importância do apoio social para a saúde do professor o que pode se constituir em um fator de proteção para a diminuição da qualidade de vida. No estudo de Reis et al.7 com professores da Rede Municipal de Ensino de Vitória da Conquista, por exemplo, foi identificado que as altas prevalências de nervosismo e cansaço mental estiveram associadas com baixo suporte social no trabalho dos docentes.

O comportamento dos domínios (menor escore no meio ambiente e maior no relações sociais) estão de acordo com o estudo realizado em Rio Claro18, remetendo a uma possível tendência do comportamento da qualidade de vida de professores de educação básica de escolas públicas. Em relação aos demais domínios, o psicológico (68,6 pontos) e o físico (65,70 pontos) apresentaram escores semelhantes na amostra de professores de Florianópolis quando comparados aos professores de Rio Claro (68,2 pontos em ambos os domínios). Os dados observados em Florianópolis apresentaram semelhanças também com o encontrado em professores de educação básica do município de Natal11, com relação aos menores escores de qualidade de vida representarem os domínios meio ambiente e físico. Ainda considerando os dados apresentados por Fernandes e Rocha11, a maior diferença parece estar no domínio relações sociais no qual os professores de Natal apresentaram pontuação de 68,70 ao passo que os de Florianópolis apresentaram pontuação de 73,10.

Os resultados das duas questões gerais do Whoqol-bref (Tabela 2) mostraram que a maior parte dos professores considerava boa ou muito boa a sua qualidade de vida (69,3%) e estavam satisfeitos/muito satisfeitos com sua saúde (55,3%). Por outro lado, os percentuais de professores insatisfeitos principalmente com a saúde (25,3%) mostraram uma situação preocupante. O percentual de insatisfação com a saúde foi três vezes maior que o de qualidade de vida. A diferença encontrada nas médias das questões gerais do Whoqol-bref (satisfação com a saúde e satisfação com a qualidade de vida) mostrou que esses dois conceitos, embora relacionados, apresentaram diferenças, confirmando os dados da literatura16,20, e indicam que esta percepção diferenciada deve ser considerada nas medidas de intervenção levando em conta que qualidade de vida pode ser considerada um conceito mais abrangente que o de saúde tendo em vista, por exemplo, questões mais ampliadas sobre o ambiente no qual as pessoas vivem e a qualidade de suas relações sociais.

A análise da importância dos domínios para a qualidade de vida geral (Tabela 3) identificou uma explicação de aproximadamente 44% na análise de regressão linear. Os domínios físico e meio ambiente foram os responsáveis pelos maiores percentuais de explicação da qualidade dos professores investigados. Esses resultados foram similares ao estudo de validação15 do Whoqol-bref realizado em amostra de 300 indivíduos em Porto Alegre.

As variáveis rede de ensino, tempo de magistério e carga horária semanal estiveram especialmente associadas com a qualidade de vida dos professores investigados. A importância da carga horária de trabalho parece ser verificada, tanto em estudos nacionais, como com amostras estrangeiras. Em recente estudo com professores de educação básica no Japão21, não somente a carga de trabalho chamada pelos autores de "qualitativa" (carga horária), mas, também, a carga de trabalho "qualitativa", tais como o volume de trabalho extra em casa, exigências físicas no decorrer da atividade e pouco tempo para planejar as atividades curriculares foram as variáveis mais associadas com o aumento da fadiga prolongada. Em outro estudo com professores orientais, Ge et al.22 também confirmaram esta tendência ao observarem que o número de horas de trabalho por dia foi uma das variáveis com maior poder preditivo dos indicadores de saúde física e mental em um grupo de 977 professores chineses.

Algumas questões particulares do ensino público no estado de Santa Catarina e do município de Florianópolis podem ser apontadas como possíveis causas para a menor qualidade de vida dos professores da rede estadual como, por exemplo, maior salário inicial, menor carga horária frente ao aluno e a existência de programa de atividades físicas como yoga e ginástica postural para os professores municipais. A rede de ensino é uma variável ignorada em muitos estudos com professores, mas, de acordo com os resultados encontrados em Florianópolis, merece maior atenção, especialmente em função das políticas públicas para a melhoria das condições de trabalho e saúde de diversas categorias serem apontadas como uma necessidade na maior parte dos estudos com trabalhadores. Na literatura consultada apenas o estudo de Leucs23, realizado com professores de educação básica de Curitiba, destacou a variável rede de ensino em suas análises e, a exemplo de Florianópolis, identificou maiores prevalências de insatisfação com o ambiente e as condições de trabalho em professores da rede estadual em relação aos das redes municipal e particular de ensino.

A tendência de redução da qualidade de vida com o aumento do tempo de trabalho no magistério é uma questão preocupante e remete à necessidade de investimentos na saúde e qualidade de vida destes profissionais no decorrer de sua carreira visto que não é raro observar professores "desencantados" após alguns anos de trabalho. Esta mesma tendência foi identificada em estudo com professores de escolas públicas de Madri na Espanha24, no qual foi verificado que o tempo de exposição ao trabalho docente esteve associado a maiores prevalências de estresse e burnout. Também confirmaram os resultados de outros estudos realizados no Brasil4,7,25, os quais identificaram maiores prevalências de esgotamento mental e depressão nos professores com maior tempo de serviço no magistério. Codo4 também detectou a associação entre tempo de trabalho docente e altas prevalências de morbidades e sugeriu, inclusive, que o tempo de trabalho para aposentadoria dos professores seja questionado.

No geral, os professores investigados apresentaram escores na avaliação da qualidade de vida que podem ser classificados como regulares. A rede de ensino estadual, maior tempo de magistério e maior carga horária de trabalho semanal foram as variáveis mais associadas a baixos escores na avaliação da qualidade de vida. Os domínios meio ambiente e físico apresentaram maior importância para a percepção geral de qualidade de vida e suas dimensões devem ser observadas em intervenções e políticas públicas para o magistério. As dimensões relacionadas ao domínio relações sociais podem ser, em especial, aspectos protetores para uma boa qualidade de vida nos professores de educação básica de Florianópolis.

Recomenda-se a realização de estudos longitudinais sobre a qualidade de vida do professor, inclusive durante o ano letivo, com o intuito de analisar a importante questão da temporalidade no acometimento de distúrbios e diminuição da qualidade de vida, bem como de investigações que analisem os efeitos das condições de saúde e qualidade de vida dos professores em relação à qualidade do ensino e ao rendimento dos alunos. O design deste estudo é apontado como uma limitação da análise. Os de corte transversal estão sujeitos a superestimação de casos de doenças de longa duração e à subestimação de doenças de curta duração. Os indivíduos com longos períodos de exposição podem estar super-representados na população em relação aos que a duração é mais curta. Além disso, por não avaliar questões de temporalidade, pode apenas indicar associação entre exposição e desfecho e não apontar riscos26.

Colaboradores

EF Pereira trabalhou na elaboração do projeto e na coleta e análises dos dados; CS Teixeira trabalhou na coleta e análises dos dados e AS Lopes atuou na orientação e delimitação do projeto. Todos os autores atuaram na elaboração e redação final deste artigo.

Artigo apresentado em 13/01/2012

Aprovado em 22/02/2012

Versão final apresentada em 13/03/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2013
  • Data do Fascículo
    Jul 2013

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2012
  • Aceito
    13 Mar 2012
  • Revisado
    22 Fev 2012
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