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Cuidados paliativos em pacientes com HIV/AIDS: princípios da bioética adotados por enfermeiros

Palliative care for HIV/AIDS patients: bioethical principles adopted by nurses

Resumos

Neste estudo, objetivou-se investigar os princípios da Bioética considerados pelos enfermeiros inseridos na pesquisa ao assistir o paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos. Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, realizado com doze enfermeiros em um Hospital público da cidade de João Pessoa (PB). Para a coleta dos dados, utilizou-se um formulário. O material empírico foi analisado qualitativamente, por meio da técnica de análise de conteúdo. Da análise qualitativa, emergiram as categorias: Respeito à autonomia do paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos; e, Valorização dos princípios da beneficência, não maleficência e justiça na prática dos cuidados paliativos ao paciente com HIV/Aids. Os resultados mostraram que os participantes da pesquisa reconhecem a importância dos princípios da Bioética na assistência ao paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos. O trabalho traz uma reflexão e suscita a realização de novos estudos que possam contribuir para melhorar a qualidade de vidas desses pacientes com uma prática pautada em princípios éticos.

Bioética; Enfermagem; Aids; Cuidados paliativos


This study sought to investigate the principles of bioethics considered by nurses involved in research while caring for patients with HIV/Aids under palliative care. An exploratory study, with a qualitative approach, was conducted with twelve nurses in a public hospital in the municipality of João Pessoa in the State of Paraíba. A form was used for data collection and the empirical material was analyzed qualitatively using the content analysis technique. The following categories emerged from the qualitative analysis: Respect for the autonomy of HIV/Aids patients under palliative care; and Enhancement of the principles of charity, non-malevolence and justice in providing palliative care to HIV/Aids patients. The results revealed that the participants acknowledge the importance of bioethical principles while caring for patients with HIV/Aids under palliative care. The work provides a reflection on and elicits the pursuance of further studies which can contribute to improve the quality of life of these patients with care based on ethical principles.

Bioethics; Nursing; Aids; Palliative care


ARTIGO ARTICLE

Cuidados paliativos em pacientes com HIV/AIDS: princípios da bioética adotados por enfermeiros

Palliative care for HIV/AIDS patients: bioethical principles adopted by nurses

Monica Ferreira de VasconcelosI; Solange Fátima Geraldo da CostaI; Maria Emília Limeira LopesI; Fátima Maria da Silva AbrãoII; Patricia Serpa de Souza BatistaI; Regina Celia OliveiraII

INúcleo de Estudo e Pesquisa em Bioética, Hospital Universitário Lauro Wanderley, Universidade Federal da Paraíba. Campus I, Cidade universitária. 58.050-000 João Pessoa PB. vaskoncelos.vaskoncelos@hotmail.com

IIFaculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, Universidade de Pernambuco

RESUMO

Neste estudo, objetivou-se investigar os princípios da Bioética considerados pelos enfermeiros inseridos na pesquisa ao assistir o paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos. Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, realizado com doze enfermeiros em um Hospital público da cidade de João Pessoa (PB). Para a coleta dos dados, utilizou-se um formulário. O material empírico foi analisado qualitativamente, por meio da técnica de análise de conteúdo. Da análise qualitativa, emergiram as categorias: Respeito à autonomia do paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos; e, Valorização dos princípios da beneficência, não maleficência e justiça na prática dos cuidados paliativos ao paciente com HIV/Aids. Os resultados mostraram que os participantes da pesquisa reconhecem a importância dos princípios da Bioética na assistência ao paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos. O trabalho traz uma reflexão e suscita a realização de novos estudos que possam contribuir para melhorar a qualidade de vidas desses pacientes com uma prática pautada em princípios éticos.

Palavras-chave: Bioética, Enfermagem, Aids, Cuidados paliativos

ABSTRACT

This study sought to investigate the principles of bioethics considered by nurses involved in research while caring for patients with HIV/Aids under palliative care. An exploratory study, with a qualitative approach, was conducted with twelve nurses in a public hospital in the municipality of João Pessoa in the State of Paraíba. A form was used for data collection and the empirical material was analyzed qualitatively using the content analysis technique. The following categories emerged from the qualitative analysis: Respect for the autonomy of HIV/Aids patients under palliative care; and Enhancement of the principles of charity, non-malevolence and justice in providing palliative care to HIV/Aids patients. The results revealed that the participants acknowledge the importance of bioethical principles while caring for patients with HIV/Aids under palliative care. The work provides a reflection on and elicits the pursuance of further studies which can contribute to improve the quality of life of these patients with care based on ethical principles.

Key words: Bioethics, Nursing, Aids, Palliative care

Introdução

Os cuidados paliativos são definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como cuidados ativos e totais do paciente cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. Trata-se de uma abordagem de cuidado diferenciada, que propõe a melhora da qualidade de vida do paciente e de seus familiares, através da avaliação e do tratamento adequados para aliviar a dor e os sintomas e proporcionar suporte psicossocial e espiritual1.

Tais cuidados englobam um amplo programa interdisciplinar de assistência aos pacientes com doenças avançadas, buscando aliviar seus sintomas mais estressantes. Esses cuidados não devem ser considerados apenas como uma alternativa após a ineficácia do tratamento curativo, mas um conjunto de cuidados prestados ao paciente, desde o início de sua terapêutica, utilizando-se de uma abordagem especializada para ajudar a pessoa a viver melhor e favorecer todo e qualquer tratamento que promova qualidade de vida até o momento de sua morte2.

Essa modalidade de assistência pode ser facilmente adaptada aos cuidados das pessoas portadoras de Aids, por se reconhecer que muitos aspectos dos cuidados paliativos são aplicáveis a partir do diagnóstico e durante todo o curso da doença, em conjunção com outros tratamentos, visando melhorar a qualidade de vida desses pacientes, com equilíbrio entre os aspectos físicos, psíquicos, sociais e espirituais.

Mesmo na era da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART), a HIV/Aids continua a ser uma doença grave, progressiva, incurável e que, potencialmente, causa risco de vida. Os pacientes com HIV/Aids avançada continuam a viver não somente com um risco de morrer da doença, mas também de comorbidades significativas como hepatite viral, tuberculose, sífilis, anemia, depressão, hipertensão arterial, alergias a medicamentos, nefropatias, diabetes, entre outras3.

Vale salientar que os cuidados paliativos ofertados ao paciente com HIV/Aids adotam os mesmos fundamentos básicos sugeridos pela OMS, em que se destacam a afirmação da vida e o reconhecimento da morte como um processo natural; a promoção do alívio da dor e outros sintomas; a integração entre as necessidades espirituais e psicológicas no cuidado dispensado ao paciente em fase de terminal; a implementação de suporte aos familiares durante o processo da doença, da morte e do luto4.

Essa modalidade de cuidado destaca a importância da abordagem multidisciplinar e interdisciplinar no tratamento do paciente fora dos recursos de cura, para proporcionar uma assistência harmônica e convergente a esse indivíduo e à sua família. Assim, é indispensável para a proposta de cuidados paliativos resgatar os valores éticos e humanos, visto que a doença e seu tratamento abrangem dimensões biopsicossociais e espirituais5,6.

O enfermeiro, como membro da equipe multidisciplinar, desempenha um papel fundamental na promoção de cuidados paliativos para o paciente com HIV/Aids - o de minimizar o seu sofrimento e lhe favorecer uma melhor qualidade de vida e aos seus familiares, respaldados na filosofia desses cuidados e em princípios éticos. Esses princípios fundamentam a prática dos cuidados paliativos e valorizam a autonomia do paciente como um dos pontos basilares à busca da excelência dos cuidados prestados pela Enfermagem. Acrescentam que os mencionados princípios inserem-se em um dos principais fundamentos da Bioética: o respeito à dignidade humana7.

O campo de reflexão da Bioética, como ética da vida, são temas relacionados ao nascer, ao viver e ao morrer e está balizada em quatro princípios: beneficência, autonomia, justiça e não maleficência. Tais princípios lhe dão fundamentação para lidar com as novas descobertas da Ciência e suas aplicações, consideradas como ameaças, quando não reais, imaginadas, para a sobrevivência da humanidade, e não têm um caráter absoluto nem prioridade um sobre o outro, mas servem como regras gerais para orientar a tomada de decisão frente aos problemas éticos e para ordenar os argumentos nas discussões de casos geradores de conflitos8.

A Bioética fundamenta-se em quatro princípios (autonomia, beneficência, não maleficência e justiça), que norteiam as discussões, as decisões, os procedimentos e as ações relacionadas a problemas morais e normativos na esfera biomédica. Seus temas de estudo vêm se ampliando e abrangem desde a engenharia genética até o controle do meio ambiente. Atualmente, seu núcleo é a ética médica, que envolve questões relacionadas ao início e ao fim da vida, destacando-se: novas técnicas de fecundação, aborto, pesquisa em seres humanos, pacientes terminais, eutanásia, distanásia, ortotanásia, entre outros temas da atualidade que envolvam conflitos éticos.

Atualmente, esses princípios vêm preconizando a junção de conhecimentos científicos e o desenvolvimento de competências bioéticas, configurando-se como requisito indispensável para o exercício eficiente e de habilidade específica no campo das ciências biotecnológicas9.

Quanto ao princípio da autonomia, diz respeito à liberdade do indivíduo, ao domínio de si, ou seja, a capacidade da razão de impor os próprias interesses às instâncias da natureza humana. Desse modo, o respeito à autonomia pressupõe que cada pessoa tem o direito de dispor de sua vida da maneira que melhor lhe agrade, optando pelo seu bem-estar no esgotar de suas forças, quando sua própria existência se tornar subjetivamente insuportável10.

O princípio da beneficência se fundamenta no preceito de fazer o bem e evitar o mal, isto é, maximizar os benefícios e minimizar os riscos potenciais. Diz respeito à obrigação moral de agir em benefício dos outros, de fazer ou promover o bem, de impedir e eliminar males ou danos que requeiram que sejam atendidos os interesses importantes e legítimos dos indivíduos11.

O princípio da não maleficência (primum non nocere) consiste em não embutir a alguém qualquer dano, ou seja, em evitar danos, e mesmo que um ato não beneficie, pode ser eticamente positivo desde que não cause dano. A omissão pode desencadear danos. Tal princípio põe em pauta uma série de indicativos que devem ser considerados nas práticas relacionadas à biociência12.

O quarto princípio a ser considerado é o da justiça. Trata-se da distribuição justa de benefícios sociais13. Comenta que se costuma acrescentar ao conceito de justiça o de equidade, que significa dar a cada pessoa o que lhe é devido, segundo suas necessidades, e considerar a ideia de que as pessoas são diferentes e que, assim sendo, as suas necessidades também são diferentes. Logo, de acordo com o princípio da justiça, o respeito ao direito de cada indivíduo deve ser considerado de forma imparcial.

Isso significa que, perante uma decisão, não seria uma conduta ética aquela que prejudicasse qualquer dos personagens envolvidos nela, seja profissional ou paciente. Nessa perspectiva, é inegável a importância da valorização de princípios da Bioética na assistência de enfermagem ao paciente portador de HIV/Aids em cuidados paliativos.

Nesse contexto, é notória a importância da Bioética para nortear os profissionais da área de Saúde, em particular, à equipe de Enfermagem, no que concerne à prática dos cuidados paliativos direcionada ao paciente com HIV/Aids.

Com base no exposto e considerando o número reduzido de publicações acerca da referida temática na literatura nacional, este estudo tem o objetivo de investigar os princípios da Bioética considerados pelos enfermeiros inseridos no estudo, ao assistirem o paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos.

Metodologia

Trata-se de um estudo exploratório, com abordagem qualitativa, realizado na Clínica de Doenças Infectocontagiosas (DIC) e no Serviço de Assistência Especializado - Materno-infantil (SAE-MI) do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na cidade de João Pessoa (PB). Participaram do estudo doze enfermeiros atuantes nas unidades hospitalares escolhidas como cenário da pesquisa. Os dados foram coletados de novembro a dezembro de 2012, por meio de um formulário contendo itens de caracterização (sexo e titulação) e pelo questionamento: Quais os princípios da bioética que você leva em consideração ao assistir o paciente com HIV/Aids?

A coleta de dados somente teve início após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HULW, através da plataforma Brasil. A pesquisadora seguiu as recomendações da Resolução 196/9614 que contempla as diretrizes regulamentadoras da pesquisa com seres humanos. Os participantes da pesquisa foram informados sobre o objetivo do estudo e seu caráter voluntário e deram sua anuência mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O material empírico obtido foi analisado qualitativamente, por meio da técnica de análise de conteúdo, na modalidade temática, proposta por Bardin, a partir das seguintes fases: a pré-análise, esta tem o objetivo de organizar as ideias iniciais, bem como elaborar indicadores que fundamentam a interpretação final; a exploração do material corresponde ao momento em que o pesquisador passa fazer várias leituras do material empírico, com a finalidade de agrupar as ideias iniciais, em que emergem as categorias, e delas, as subcategorias; e o tratamento dos resultados, etapa em que o pesquisador concretiza a inferência ou interpreta e apresenta os dados em categorias15.

Para melhor compreensão da análise dos dados, serão apresentadas as categorias geradas a partir das respostas aos questionamentos propostos para o estudo.

Resultados e Discussão

Participaram do estudo doze enfermeiros, destes onze são do sexo feminino e um do sexo masculino. No que concerne à titulação dos profissionais, apenas um enfermeiro tem o título de doutor e um com título de mestre, sendo a grande maioria composta de especialistas, fato este que se justifica pela grande dificuldade encontrada pelos profissionais para fazerem cursos em nível stricto sensu (mestrado, doutorado), visto que demanda uma carga horária considerada alta para os profissionais que estão exercendo suas atividades práticas, já que a grande maioria dos enfermeiros trabalha no mínimo quarenta horas semanais.

Da a análise do material empírico emergiram duas categorias apresentadas a seguir:

Categoria 1 - Respeito à autonomia do paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos

O respeito ao princípio da autonomia é de suma relevância na prática dos cuidados paliativos dispensados ao paciente com HIV/Aids, conforme está assinalado nestes depoimentos de enfermeiros inseridos no estudo:

Respeito a autonomia, os direitos e as necessidades do paciente com HIV/Aids. [...] (E1).

Respeito o direito do paciente de decidir sobre as ações que serão realizadas com ele. Sua observância propicia o paciente participar do seu próprio cuidado. (E2)

[...] respeito à vontade dos pacientes e familiares. (E3)

[...] respeito a autonomia [...] do paciente. Ele é capaz de decidir o que é melhor para si mesmo. (E4)

[...] o paciente deve ter suas vontades respeitadas [...] de modo que sejam atendidos seus interesses. (E5)

[...] respeito à autonomia do paciente [...] procurorespeitar a vontade e desejo do paciente. (E6)

[...]. Respeito o princípio da autonomia, [...] (E7).

Respeito o princípios da autonomia [...]. Todo ser humano tem e deve ter autonomia sobre seus direitos e vontades próprias, [...], quando em plena saúde mental. (E8)

[...] a pessoa tem o direito para decidir fazer ou não aquilo que ela ache melhor para si mesma. Seu ponto de vista deve ser respeitado. (E9)

[...] procuro reconhecer o direito de cada um a partir de suas diferenças. Todo indivíduo tem o direito de ser o autor do seu próprio destino e optar pelo caminho que quer dar à sua vida. (E12)

Os trechos dos depoimentos demonstram que esses profissionais conferem importância ao respeito à autonomia do paciente com HIV/Aids como um cidadão de direito, com vistas ao pleno exercício de sua cidadania.

O princípio da autonomia está pautado no direito à liberdade individual para tomar decisões quanto aos assuntos que afetam sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psíquica e suas relações sociais, segundo seus valores, suas expectativas, suas necessidades, suas crenças, entre outros16. É um princípio básico caracterizado pela capacidade da pessoa de atuar em sociedade e que conduz suas ações a serem condizentes com aquilo em que acredita e com o que espera de si e dos outros. Na doença, a autonomia desse indivíduo corresponde às escolhas que dizem respeito às decisões e às condutas relativas ao seu tratamento e ao processo de reestruturação de seu modo de vida. Com base nesse entendimento, o paciente deverá ter conhecimento acerca do seu estado de saúde, do tratamento, bem como dos procedimentos a que deverá submeter-se, para que possa ter melhores condições de decidir e exercer plenamente a sua autonomia no contexto da atenção à saúde17.

No contexto dos cuidados paliativos direcionados ao paciente com HIV/Aids, a comunicação é indispensável para o reconhecimento da autonomia do paciente17. Portanto, é necessário que os profissionais que assistem o doente procurem estimular o diálogo para ajudá-lo a descobrir e a escolher a melhor opção para a tomada de decisão diante de suas necessidades individuais. Mesmo que o paciente esteja em fase terminal, os profissionais devem levar em consideração a sua autonomia, desde que ele tenha consciência de suas decisões18. Caso não tenha condições de decidir sobre a própria pessoa, os profissionais devem recorrer à família do paciente, que poderá decidir sobre qual a melhor conduta a ser adotada para o seu ente querido.

No que diz respeito à prática dos cuidados paliativos direcionada a pacientes com HIV/Aids, o profissional de saúde deve respeitar a observância do princípio da autonomia. Por exemplo, é comum que esses pacientes não queiram que informações sobre seu estado de saúde ou o seu diagnóstico sejam revelados. Logo, o profissional deve manter sigilo com relação a essas informações, o que demonstra respeito ao poder decisório destes, à sua autonomia19.

Nesse contexto, é pertinente ressaltar que a AIDS é uma doença que confere estigma e discriminação, sendo um direito do paciente, o de não querer que seja revelado a outrem, seu diagnóstico ou quaisquer informações sobre a sua condição física. Desse modo, o profissional estará respeitando a autonomia do paciente sob cuidados paliativos e agindo eticamente em sua prática profissional.

Portanto, é inegável a importância da valorização da autonomia como um princípio basilar na prática dos cuidados paliativos. Além da autonomia, o profissional, ao assistir o paciente com HIV/AIDS sob cuidados paliativos, deve levar em consideração os princípios da beneficência, da não maleficência e da justiça.

Categoria. 2 - Valorização dos princípios da beneficência, da não maleficência e da justiça na prática dos cuidados paliativos ao paciente com HIV/Aids.

Os participantes do estudo também evidenciaram em seus relatos a importância de se valorizarem os princípios éticos da beneficência, da não maleficência e da justiça, no cuidado com o paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos, como mostram estes relatos:

[...] procuro o melhor para promover o bem estar do paciente [...] (E2).

Promovo assistência ao paciente com HIV/Aids sempre mostrando os benefícios dos procedimentos [...] atendendo suas necessidades. Garantir tratamento justo, [...] assegurando assistência integral [...] (E3).

Procuro promover assistência que beneficie o paciente, [...] e que não cause danos durante o cuidado mesmo. Respeito o paciente independente de cor, raça, religião, trato com igualdade (E4).

Presto tratamento justo, [...] assegurando assistência integral ao paciente com HIV/Aids [...] (E5).

[...] como profissional de saúde tenho o dever de [...] não causar mal e/ou danos ao paciente. (E8)

[...] procuro agir para [...] o bem do paciente e desenvolver as ações da melhor forma para ele, utilizando-se dos conhecimentos profissionais. O profissional de saúde tem o dever de não causar mal ao paciente e [...] oferecer tratamento igual para todos, sem discriminação (E9).

Procuro fazer o [...] o que é melhor para o paciente. [...], dando assistência integral, igualitária e sem discriminação. (E11)

Atendo a todos com justiça, observando as suas prioridades. [...] procuro fazer o bem acima de tudo. Preservando-os de malefício. (E10)

Essas falas refletem que os enfermeiros inseridos no estudo entendem que a prática dos cuidados paliativos ao paciente com HIV/Aids também deve pautar-se nos princípios éticos da beneficência, da não maleficência e da justiça.

Quanto ao princípio da beneficência, este tem como fundamento o conceito de fazer o bem aos outros20. Tal princípio é entendido como um ato de bondade ou gentileza, uma atuação benévola, que se apresenta como o melhor interesse do paciente, visando promover positivamente o bem e evitar ou remover o mal. Para tanto, o profissional de saúde deve levar em consideração a proporcionalidade, julgando-se a ponderação dos benefícios e dos possíveis danos, com o objetivo de maximizar os benefícios para o paciente21.

Com Base nesse entendimento, o respeito ao princípio da beneficência, possibilita ao profissional maximizar os benefícios ao paciente mediante a promoção de assistência numa perspectiva holística, isto é, que atenda as suas necessidades, físicas, psicossociais e espirituais, bem como busque minimizar os danos oriundos da assistência à sua saúde principalmente em relação aos procedimentos técnicos que envolvem o processo de cuidar Assim, torna-se visível que a beneficência é o principio norteador da assistência à saúde e que extrapola a prática técnica do cuidar.

Nesse sentido, é oportuno destacar o estudo realizado acerca da assistência a pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil, com profissionais da área de saúde, alguns participantes reconheceram que o princípio bioético da beneficência não se limita apenas nos aspectos técnicos do processo de cuidar, mas valorizando a relação humana e ética entre o profissional de saúde e o paciente, considerando-o um ser que sente, pensa, sofre e que tem necessidade de manter uma relação de maior proximidade com o profissional22.

Estes são exemplos de modos éticos de agir em que se utiliza o princípio da beneficência ao paciente portador de HIV/AIDS em cuidados paliativos: estar presente de maneira plena, ouvindo-o atentamente; considerar suas queixas e inquietações, ajudando-o no que for necessário; promover medidas de alívio das dores físicas e do desconforto; procurar atender as suas necessidades espirituais, permitindo, por exemplo, que um ministro de sua religião se faça presente e promova o conforto espiritual que necessita, entre outros. Ao agir dessa forma, portanto, o profissional estará cuidando de forma humanizada, solidária, valorizando o princípio bioético da beneficência, bem como o da não maleficência, por abster-se também de provocar possíveis danos à saúde do paciente sob cuidados paliativos.

No tocante ao princípio da não maleficência, o profissional deve-se comprometer a julgar e evitar os danos previsíveis. Portanto, não basta que ele tenha boas intenções, é necessário evitar qualquer situação que denote riscos e averiguar se o modo de agir não está prejudicando o paciente HIV/Aids ou se, de algum modo, oferece riscos. Assim, a não maleficência assegura que sejam minorados ou evitados danos aos pacientes23. Logo, para atender a esse princípio, não basta que o profissional de saúde tenha boas intenções de não prejudicar o enfermo. É necessário que na sua prática assistencial busque evitar os danos previsíveis.

Relacionando os princípios da beneficência ao da não maleficência com o tratamento medicamentoso ao paciente com HIV/Aids, é notório que a terapêutica antiretroviral tem propiciado benefícios consideráveis ao seu usuário como aumento da sobrevida, diminuição das internações hospitalares e da ocorrência de complicações oportunistas e da mortalidade associada à patologia. Entretanto, uma das grandes dificuldades dos médicos que cuidam de doentes HIV/Aids é de prognosticá-los corretamente, decidir com segurança o momento de lhes oferecer cuidados paliativos exclusivos e discutir, por exemplo, a suspensão do tratamento antiretroviral. O que se verifica, muitas vezes, é que os doentes sofrem um processo longo de distanásia, e grande parte morre durante essa terapêutica, mesmo com a não eficácia documentada da terapia antirretroviral, que leva o enfermo a um prolongado e penoso processo de morrer11,24.

Essa dificuldade se dá, principalmente, por ser o HIV/Aids uma doença infecciosa potencialmente tratável, que apresenta períodos de melhora e piora muito rápido, com mudanças rápidas de padrões de tratamento e, consequentemente, de prognóstico, e por existirem poucos trabalhos científicos que subsidiem as decisões24. Além disso, a população em geral é jovem, o que pode favorecer a distanásia, e problemas sociais e psíquicos dificultam algumas decisões terapêuticas. E a maior consequência, entre tantas já mencionadas, é que os médicos que cuidam de pacientes com HIV/Aids são mais relutantes em encaminhá-los aos cuidados paliativos.

Diante dessa realidade, cabe à equipe multiprofissional, em especial, ao enfermeiro, por ser ele o profissional que convive diariamente com esse enfermo, reduzir possíveis danos e maximizar os benefícios. Os participantes do estudo discorrem que o enfermeiro deve tratar o paciente sempre mostrando os benefícios dos procedimentos, com a finalidade de atender às necessidades do paciente HIV/Aids em fase avançada da doença.

Vale considerar que, numa relação de cuidado, além da sua prática ativa e efetiva, do contato profissional entre paciente e enfermeiro, tem-se o contato com a própria consciência, o que traz a reflexão ética da assistência de enfermagem não apenas na aplicação de técnicas sob a visão das necessidades do paciente com HIV/Aids, mas embasados nos princípios de beneficência e da não maleficência, ou seja, não basta praticar o bem, mas também evitar que aconteça algo de ruim25. Nesse sentido, ao cuidar de pessoas com o vírus da AIDS, é importante resgatar a verdadeira essência desse cuidado, valorizando pequenos atos de solidariedade, agindo com humanização na assistência prestada, bem como evitando malefícios26.

No que diz respeito ao princípio da justiça, alguns enfermeiros enfatizaram em seus relatos sua importância para a promoção de uma assistência justa e igualitária, sem discriminação de qualquer natureza27. O princípio da justiça visa tratar os seres humanos como iguais, de acordo com suas necessidades e suas capacidades, respeitando de forma imparcial o direito de cada paciente ou tomando em consideração tanto umas quanto outras.

Cumpre assinalar que o princípio da justiça estabelece como condição basilar a equidade, que poderia ser evidenciada como a obrigação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado28. Assim como o princípio da autonomia é atribuído, de modo geral, ao paciente, e o da beneficência, ao médico e aos demais profissionais da saúde, o princípio da justiça diz respeito à coletividade. Isso se deve ao fato de ser um princípio ético de ordem social e se ocupa da justiça denominada distributiva, que regula as relações do Estado com os cidadãos29.

A justiça é conhecida como a expressão de justiça distributiva, que seria contemplar a justa e a equitativa apropriação dos benefícios auferidos pelo progresso técnico científico por toda a sociedade, de acordo com normas que respeitem a cooperação social28.

Por conseguinte, essa justiça distributiva deve estar nos cuidados de saúde em geral, promover a justa distribuição de recursos disponíveis na sociedade por todos os que deles necessitam, com o intuito de salvaguardar a justa distribuição dos meios e dos cuidados, através da imparcialidade e do acesso aos serviços médicos adequados, dignos e básicos21 .

Nesse sentido, a promoção dos cuidados paliativos a pacientes com HIV/Aids, o enfermeiro deve agir de forma eticamente justa, de modo que todos tenham acesso igualitário ao serviço de saúde e a uma assistência de qualidade, de acordo com as suas especificidades, diante do estágio em que vivencia a doença.

Cumpre assinalar que todos os princípios da bioética são de suma relevância para nortear a prática dos cuidados paliativos ao paciente com HIV/Aids, como foram destacados nos relatos dos enfermeiros participantes da investigação proposta.

Conclusão

O estudo evidenciou que os enfermeiros participantes da pesquisa reconhecem que é preciso valorizar os princípios da Bioética ao se assistir o paciente com HIV/Aids sob cuidados paliativos.

Ao demonstrar que valorizam o princípio da beneficência, e o da não maleficência, o profissional se compromete a dar uma assistência humanizada, que atenda às necessidades dos pacientes sob cuidados paliativos, procurando protegê-lo de possíveis danos durante sua hospitalização. No que se refere ao princípio da autonomia, ressalta-se a importância do diálogo, como elemento essencial para que o paciente e sua família tenham conhecimento acerca da terapêutica, a fim de que possam decidir e colaborar ativamente com as ações de cuidado e autocuidado que a envolvem.

A valorização do princípio da justiça também foi revelada nas falas dos enfermeiros participante do estudo, o que demonstra o compromisso em realizar uma assistência igualitária, de respeito à dignidade humana, tão importante no contexto desses pacientes fora das possibilidades de cura, que se encontram, em geral, em sofrimento, vivenciando o processo da hospitalização. Vale ressaltar que a postura ética desses enfermeiros está respaldada no que preconiza o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, que estabelece como um dos princípios fundamentais que o profissional de Enfermagem deve exercer suas atividades com competência com o escopo de promover a saúde do ser humano em sua totalidade, segundo os princípios da Ética e da Bioética.

Ademais, este estudo traz uma reflexão sobre essa temática, ainda pouco explorada no meio acadêmico, suscitando a realização de novos estudos que venham contribuir para melhorar a qualidade de vidas desses pacientes mediante uma prática pautada em princípios éticos.

Colaboradores

MF Vasconcelos trabalhou na análise e interpretação dos dados e na redação do artigo. SFG Costa trabalhou na revisão crítica e na aprovação da versão a ser publicada do manuscrito. PSS Batista e MEL Lopes trabalharam na análise e interpretação dos dados do artigo. FMS Abrão trabalhou na revisão crítica e na aprovação da versão a ser publicada do manuscrito. RC Oliveira trabalhou na redação do artigo.

Artigo apresentado em 30/04/2013

Aprovado em 22/05/2013

Versão final apresentada em 17/06/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2013
  • Aceito
    17 Jun 2013
  • Revisado
    22 Maio 2013
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