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Unidades de Saúde Familiar e Clínicas da Família – essência e semelhanças

Family Healthcare Units in Portugal and Family Clinics in Rio de Janeiro – their essence and similarities

Resumo

O desenvolvimento, desde 2009, das Clínicas da Família (CF) no Rio de Janeiro tem paralelismos com as Unidades de Saúde Familiar (USF) implementadas em Portugal desde 2006. Neste ensaio, os autores assinalam o encontro em Portugal, em outubro de 2009, com gestores do Ministério da Saúde e da Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde do Rio de Janeiro, e destacam alguns aspetos essenciais tais como: a organização em equipes multiprofissionais com caráter estrutural permanente; as características das equipes; o seu desenvolvimento (“teambulding”); a organização e a autonomia técnica; os laços emocionais entre os elementos de cada equipe; os instrumentos formais de regulação da autonomia; a responsabilização e a prestação de contas/contratualização; os dispositivos de monitorização e de avaliação; o sistema de lideranças; fatores motivacionais dos profissionais e das equipes; as USF e as CF como organizações aprendentes. Estes aspectos podem resumir-se em “3P”: propósitos, orientação para objetivos de saúde e de bem estar; pessoas, que são a razão das organizações de saúde; processos, continuamente questionados, avaliados e aperfeiçoados.

Atenção Primária à Saúde; Unidades de Saúde Familiar; Clínicas da família

Abstract

The authors address parallel developments in Family Healthcare Units (USF) in Portugal (since 2006) and in primary care Family Clinics (CF) in Rio de Janeiro (since 2009). In this essay, they highlight the meeting that took place in Portugal with Brazilian Health Ministry and Rio de Janeiro Department of Health members in October 2009. Being directly involved (since May 2016) in the development of USF in the Lisbon Region, and having visited, in November 2016, several CF in Rio de Janeiro, they analyze aspects such as: organization in permanent structural multi-professional teams; main common characteristics of the teams; teambuilding processes; organization and technical autonomy; instruments to regulate autonomy; responsibility and accountability – contracting processes; monitoring and evaluation; leadership system; motivational factors for professionals and for the team as a whole; learning organizations. All these aspects converge to a “3P” framework: “purposes” – organizing and orienting multi-professional teams towards health gains and the wellbeing of the individuals and the population; “people” – both those who are beneficiaries of health care services, as well as the health care professionals; “processes” – that must be permanently questioned, evaluated and enhanced.

Primary health care; Family healthcare units; Family clinics

Introdução

Em outubro de 2009 tivemos oportunidade de trocar ideias com Gerson Penna, então Secretário de Estado de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde do Brasil, e Daniel Soranz, então Subsecretário de Atenção Primária, Vigilância e Promoção de Saúde do Município do Rio de Janeiro, quando estes tiveram a amabilidade de visitar a Unidade de Saúde Familiar (USF) Marginal, em São João do Estoril (Cascais), em Portugal11. Reis T. Gerson Penna, Secretário de Vigilância em Saúde, do Brasil: “É bom ver que a estratégia das USF tem conhecido sucesso em Portugal” (entrevista). Jornal Médico de Família; outubro de 2009..

Apesar das diferenças de contextos, surpreendemo-nos então com a convergência de perspetivas, de esperanças e até de estratégias para o desenvolvimento da atenção primária à saúde (APS) nos dois países. Era possível identificar muito em comum entre as Unidades de Saúde Familiar (USF) em Portugal e as Clínicas da Família (CF) em implementação no Rio de Janeiro. É realmente o renascer da esperança aprender que temos coisas em comum, referia Gerson Penna. De fato, estávamos perante algo que semeia amor e afeto dentro da própria equipe de profissionais e na relação desses profissionais com as pessoas que eles cuidam, deixou escrito Gerson Penna, em 2009, no livro de visitas da USF Marginal (Cascais-Portugal).

Os autores deste artigo estão atualmente envolvidos no desenvolvimento das USF na Região de Lisboa e Vale do Tejo (Equipe ERA-LVT), desde maio de 2016. Dois deles visitaram algumas CF no Rio de Janeiro em novembro de 2016. Este ensaio baseia-se nestas experiências.

Atualmente, existem em Portugal 460 USF, que cobrem cerca de 56% da população de Portugal continental. No Rio de Janeiro, 120 Cínicas da Família e 122 Centros Municipais de Saúde asseguram uma cobertura de cerca de 65% da população carioca.

Os conceitos e os aspetos organizacionais subjacentes quer às USF quer às CF são relativamente simples, mas existe evidência de terem impactos relevantes nos resultados, em termos de eficácia, eficiência e qualidade, bem como na satisfação dos usuários e dos profissionais.

Neste artigo abordam-se aspetos essenciais destas unidades e de suas equipes, tais como: (i) estrutura baseada em equipes multiprofissionais; (ii) dimensão das equipes e diversidade de competências (skill mix), bem como as possibilidades de entreajuda e de intersubstituição; (iii) construção e ciclo de vida de uma equipe (teambuilding); (iv) importância da autonomia organizacional e técnica; (v) instrumentos para regular a autonomia; (vi) desenvolvimento de laços e ligações destas equipes com as restantes unidades e serviços de saúde e com os serviços e parceiros da comunidade; (vii) responsabilização e prestação de contas (processos de contratualização); (viii) monitorização e avaliação; (ix) liderança e co-liderança em equipe; (x) fatores motivacionais dos profissionais e da equipe como um todo; (xi) as USF e as CF como organizações aprendentes.

Embora os autores conheçam sobretudo a experiência das USF em Portugal, procuraram, sempre que possível, estabelecer comparações com as CF do município do Rio de Janeiro no Brasil, que se inspiraram no novo modelo português da APS, na busca por melhores resultados de saúde.

Organização por equipes com caráter estrutural permanente

Os alicerces principais das USF portuguesas impulsionadas a partir de 2006 encontram-se em experiências feitas entre 1996 e 2004. Estas experiências foram os “Projetos Alfa” e os “Grupos RRE (regime remuneratório experimental)”22. Pereira ML. Processos de mudança e dinâmica de equipe em medicina familiar: a experiência Fernão Ferro Mais. In: Alves MV, Ramos V, organizadores. Medicina Geral e Familiar – Da Memória. Lisboa: MVA Invent; 2003. p. 162-173.

3. Rochaix L. Performance-Tied Payment Systems for Physicians. In: Saltman R, Figueras J, Sakellarides, editors. Critical Challenges for Health Care Reform in Europe. Philadelphia: Open University Press Buckingham; 1998. p. 196-127.

4. Nogueira R. Lições recolhidas com o regime remuneratório experimental. In: Alves MV, Ramos V, organizadores. Medicina Geral e Familiar – Da Memória. Lisboa: MVA Invent; 2003. p. 68-77.

5. Hipólito F, Conceição C, Ramos V, Aguiar P, Lerberghe WV, Ferrinho P. Quem aderiu ao regime remuneratório experimental e porquê? Rev Port Clin Geral 2002; 18:89-96.

6. Portugal. Direção-Geral da Saúde (DGS). Regime Remuneratório Experimental dos Médicos de Clínica Geral – RRE. Lisboa: DGS; 2004. Relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação.
-77. Conceição C, Fronteira I, Hipólito F, Lerberghe WV, Ferrinho P. Os Grupos Alfa e a adesão ao Regime Remuneratório Experimental. Rev Port Clin Geral 2005; 21:45-59..

Os Projetos Alfa ensaiaram a mudança de base, que foi a de permitir a criação voluntária, em alguns centros de saúde, de equipes multiprofissionais constituídas por 5 a 10 médicos, 5 a 10 enfermeiros e apoio de secretariado. Estas equipes saiam do controle direto do modelo hierárquico tradicional de comando-controle. Podiam organizar-se autonomamente, mas responsabilizavam-se por cumprir um conjunto de requisitos de qualidade e atingir objetivos e resultados definidos. Inicialmente foram vistos como corpos estranhos no edifício institucional tradicional e suscitaram múltiplas reações e resistências.

Os Grupos RRE ficaram restritos a um total de 19, mantiveram-se até ao impulso da reforma da APS ocorrido em 2005-2006. Foram, na sua maioria, evoluções de Projetos Alfa. Os Grupos RRE permitiram testar no terreno um modelo retributivo misto, variável e associado quer à carga previsível do trabalho previsto em função do número e da idade dos usuários inscritos na lista de cada médico, quer à qualidade dos cuidados (processo e alguns resultados intermédios)22. Pereira ML. Processos de mudança e dinâmica de equipe em medicina familiar: a experiência Fernão Ferro Mais. In: Alves MV, Ramos V, organizadores. Medicina Geral e Familiar – Da Memória. Lisboa: MVA Invent; 2003. p. 162-173.

3. Rochaix L. Performance-Tied Payment Systems for Physicians. In: Saltman R, Figueras J, Sakellarides, editors. Critical Challenges for Health Care Reform in Europe. Philadelphia: Open University Press Buckingham; 1998. p. 196-127.

4. Nogueira R. Lições recolhidas com o regime remuneratório experimental. In: Alves MV, Ramos V, organizadores. Medicina Geral e Familiar – Da Memória. Lisboa: MVA Invent; 2003. p. 68-77.

5. Hipólito F, Conceição C, Ramos V, Aguiar P, Lerberghe WV, Ferrinho P. Quem aderiu ao regime remuneratório experimental e porquê? Rev Port Clin Geral 2002; 18:89-96.

6. Portugal. Direção-Geral da Saúde (DGS). Regime Remuneratório Experimental dos Médicos de Clínica Geral – RRE. Lisboa: DGS; 2004. Relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação.
-77. Conceição C, Fronteira I, Hipólito F, Lerberghe WV, Ferrinho P. Os Grupos Alfa e a adesão ao Regime Remuneratório Experimental. Rev Port Clin Geral 2005; 21:45-59..

A partir de 2005 surgiu oportunidade e vontade política para generalizar a todo o território continental de Portugal a reorganização da APS em equipes multiprofissionais com cerca de 15 a 30 elementos cada, com carácter estrutural permanente. Isto é, deu-se início à substituição em larga escala do modelo hierárquico tradicional por um modelo em rede de equipes, enquadrado por um novo tipo de hierarquia. É uma mudança organizacional aparentemente paradoxal que combina uma hierarquia enquadradora com uma pluriarquia executora, ambas norteadas pela centragem nas pessoas e nas famílias e orientadas para obter resultados e ganhos em saúde88. Portugal. Ministério da Saúde (MCSP). Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Linhas de Acção Prioritárias para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários. Lisboa: MCSP; 2006.

9. Gomes P. Reforma dos Cuidados de Saúde Primários – Uma Mudança Cultural em Curso. Revista Missão Cuidados de Saúde Primários 2008; outubro: 9-13.
-1010. Pisco L. Reforma da Atenção Primária em Portugal em duplo movimento: unidades assistenciais autónomas de saúde familiar e gestão em agrupamentos de Centros de Saúde. Cien Saude Colet 2011; 16(6):2841-2852.. Esta mudança antecedeu o Relatório Mundial da Saúde de 2008, da Organização Mundial da Saúde, intitulado “Cuidados de Saúde Primários – Agora mais do que nunca”, o qual menciona a experiência portuguesa como uma realização positiva a ter em conta1111. Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Mundial da Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários – Agora mais do que nunca. Genebra: OMS; 2008..

Dimensão das equipes, diversidade de competências (skill mix) e possibilidades de entreajuda e de intersubstituição

A experiência portuguesa das USF com autonomia organizativa e técnica, evidencia haver uma dimensão crítica que parece otimizar e maximizar o desempenho das equipes. Esta dimensão ótima varia de acordo com cada contexto local, com as necessidades da população e com os recursos aí disponíveis e tende a situar-se no intervalo entre 15 e 30 elementos. Tal corresponde, na grande maioria das equipes, a uma variação entre 5 e 10 médicos especialistas em medicina de família, mais os elementos das restantes profissões. Aquém desta dimensão a equipe fica empobrecida em diversidade humana, técnico-científica e de perspetivas e interações profissionais. Carece de diversidade de competências e fica fragilizada quanto à capacidade de entreajuda e de intersubstituição. Nas equipes maiores tendem a surgir fenómenos de fragmentação com subgrupos disfuncionais e, por vezes, ocorre a desintegração da equipe. Embora sejam excecionais, a Equipe Regional de Apoio à APS na Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, à qual os autores pertencem, tem lidado com situações deste tipo.

Curiosamente, as CF do Rio de Janeiro agregam em média, cinco ou mais equipes de saúde da família (ESF), o que, de certo modo, está em consonância com a dimensão crítica atrás referida. Quanto à diversidade de competências, esta é maior nas CF do Rio do que nas USF portuguesas, uma vez que aquelas chegam a abranger oito profissões diferentes. Em Portugal, as USF podem recorrer a algumas destas competências através do apoio de outros profissionais organizados em Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP). Existem alguns aspetos comuns entre as URAP e os NASF (Núcleos de Apoio à Saúde da Família) no Brasil. Em ambos os casos, tanto as URAP como os NASF organizam e disponibilizam um leque variado de meios e de competências profissionais em apoio de um conjunto de USF ou de CF, numa dada área geográfica.

Construção, desenvolvimento e ciclo de vida de uma equipe (teambuilding)

As pessoas são a componente decisiva de uma organização e o modo como estão organizadas, bem como os princípios, os valores e as regras que as regem, e influenciam os seus resultados.

As primeiras quatro centenas de USF constituídas entre 2006 e 2015 em Portugal foram equipes de constituição voluntária, auto-organizadas, nas quais os profissionais se escolheram entre si. Este processo aproveitou o universo dos profissionais mais ousados e propensos à mudança. Atualmente, com o ingresso anual de várias centenas de novos especialistas em medicina geral e familiar e de outros profissionais e com a substituição de profissionais que se vão aposentando, está a surgir um novo impulso e novas dinâmicas de constituição de equipes. Tem havido experiências em que os profissionais não se conheciam anteriormente e cujos processos de entrosamento e de descoberta pessoal têm sido estimulantes e entusiasmantes nestas novas equipes. Porém, a construção de uma equipe deve ser sempre um processo intencional, proativo, participado, que exige consciência do que se está a fazer.

O trabalho em equipe permite partilhar vivências, otimiza o trabalho de cada elemento e do todo e ajuda a prevenir ou a reduzir a incidência de burnout. Favorece a formação e incentiva a atualização científica dos profissionais através de reuniões de índole técnico-científica, bem como de outros projetos. Facilita e multiplica competências e conhecimentos. Cria um patrimônio comum do qual todos retiram ganhos pessoais e profissionais. Os maiores ganhadores são os destinatários finais – os cidadãos e as famílias a quem a equipe presta cuidados.

A equipe / unidade é reconhecida pelos seus membros e pelos observadores externos como tendo identidade própria. Os seus membros têm papéis definidos e as tarefas que a equipe realiza têm consequências que afetam as pessoas dentro e fora desta. Cada equipe constrói uma cultura própria, um conjunto harmonizado de modos de ver, de reagir, de sentir, de pensar, de ser, de estar e de agir, na relação com os outros e com o mundo. Este processo pode designar-se como crescimento e desenvolvimento da equipe e deve recorrer a métodos e técnicas de teambuilding, na designação anglo-saxónica.

Uma equipe, tal como um “ser vivo” nasce, cresce, desenvolve-se, evolui e pode adoecer ao longo da vida. Neste caso, pode precisar de ajuda terapêutica. Também é importante distinguir um grupo de uma equipe. Para que um grupo se transforme numa equipe de saúde da família deve passar por um processo de transformação e desenvolvimento, assente em três pilares principais:

  • Propósitos – construir uma visão e sentido de missão e finalidade; adotar objetivos claros e orientação e pensamento estratégicos, partilhados por todos;

  • Pessoas – aproveitar ao máximo a diversidade de talentos, de saberes e competências; desenvolver relações interpessoais de respeito e entreajuda com comunicação clara e sincera entre todos; estimular um sistema de coliderança aceite por todos, onde a ligação emocional entre os elementos da equipe é um elemento central (Quadro 1);

    Quadro 1
    “Metáfora da banda de jazz” – (Reflexão inédita de V. Ramos a propósito do concerto “Tuba Project” – Lucian Ban, Bruce Williams, Alex Harding, Derrek Phillips e Bob Stewart (tuba) – Lisboa, Museu do Oriente, 29 de julho de 2011).

  • Processos – definir, questionar e aperfeiçoar continuamente os processos assistenciais e de apoio e os respetivos procedimentos e práticas.

Predizer o comportamento de uma equipe é tão difícil quanto antecipar comportamentos humanos. Por isso, utilizar modelos como, por exemplo, o de Tuckman, pode ajudar a compreender dificuldades e a lidar com obstáculos e com desafios ao longo do percurso de vida da equipe (Quadro 2). Este modelo simplifica o ciclo vital de uma equipe. Porém, na realidade, este é um processo não linear. Pode haver sobreposições de fases, as quais não se excluem mutuamente. Num dado momento podem estar presentes várias fases, embora com predomínio de uma delas. As proporções relativas de todas podem ir variando. Uma equipe saudável pode estar sempre a renascer, a refazer-se, a (re)começar. Pode viver sempre um pouco de “lua de mel”, por exemplo quando entra um novo elemento ou quando chegam internos, residentes, estagiários, alunos de enfermagem, medicina ou outros.

Quadro 2
Modelo de Tuckman do ciclo de vida de uma equipe – particularidades de cada fase.

Numa boa equipe o todo é superior (mais e melhor) do que a soma das partes, o que mostra que as pessoas trabalham bem juntas. Em algumas equipes/grupos disfuncionais a performance coletiva pode ficar aquém do que se poderia esperar do somatório das qualidades individuais dos elementos da equipe.

Autonomia organizacional e técnica

Em Portugal, um dos aspetos distintivos das USF relativamente a outras equipes de instituições do Serviço Nacional de Saúde português é o de terem autonomia organizacional e técnica. Isto é, a equipe contratualiza e compromete-se com o órgão de administração competente a respeitar um quadro de valores e de princípios e a atingir um conjunto de objetivos e de metas previamente definidos. Porém, o “como fazer” é decidido pela equipe. Isto é, a equipe decide o modo de organizar os seus recursos, a distribuição dos diferentes tipos de cuidados ao longo dos dias, semanas e meses, o ajustamento regular de horários e atividades consoante a variação das necessidades de cuidados da população (fazer face a um surto de gripe, por exemplo). No entanto, as equipes e cada profissional devem ter sempre em conta guidelines e normas de orientação técnico-científica de boas práticas e qualidade, ajustadas caso a caso à singularidade de cada pessoa, família e situação.

Cada USF portuguesa tem um órgão deliberativo que é o Conselho Geral, onde cada profissional tem um voto. Existe um coordenador que, como a palavra indica, “co-ordena” a equipe. Isto é, garante a harmonia funcional da equipe com a participação de todos, em vez de a dirigir. Existe também um Conselho Técnico constituído por um médico de família, um enfermeiro de família e, por vezes, um secretário clínico. Este Conselho Técnico tem por função estimular e apoiar processos de desenvolvimento contínuo da qualidade de cuidados numa perspetiva de governança clínica e de saúde. A missão deste conselho é garantir o envolvimento e a participação de todos os elementos da equipe no delineamento e na execução de processos e de procedimentos e práticas mais adequados para responder e resolver os problemas e as necessidades de saúde das pessoas, famílias e comunidade ao seu cuidado. Dinamiza também atividades de desenvolvimento profissional contínuo, participação em projetos de investigação, entre outros aspetos de caráter técnico-científico.

Instrumentos de regulação da autonomia

O trabalho em equipe numa USF distingue-se do trabalho numa ad hoc por ser enquadrado por um conjunto de instrumentos formais que regulam a sua autonomia:

  1. Regulamento Interno – que define o modo como a equipe garante a acessibilidade, a adequação das respostas aos diferentes tipos de necessidades de cuidados, o modelo de monitorização e avaliação de desempenho e de resultados, entre outros aspectos;

  2. Carta de Qualidade – que representa o compromisso explícito da equipe para com as pessoas, famílias e comunidade a quem serve, nas várias dimensões da qualidade dos cuidados que oferece;

  3. Plano de Ação e o correspondente relatório de atividade – nas modalidades anual e plurianual;

  4. Carta de Compromisso – que decorre de um processo de contratualização anual, o qual abrange um conjunto de indicadores de processo e de resultado e respectivas metas acordadas entre a administração e a equipe. Estes indicadores abrangem várias dimensões e são: uns de índole nacional, comuns a todas as USF do país, outros de índole regional e alguns de índole local, adaptados às características e necessidades da comunidade;

  5. Manual de Articulação – que define as normas de interligação e de cooperação de cada unidade no conjunto da organização a que pertence (agrupamento de centros de saúde – ACES) e com os restantes serviços e unidades indispensáveis à satisfação das necessidades de saúde da comunidade.

No Rio de Janeiro estão implementados procedimentos e práticas inovadoras com recurso às tecnologias de informação e comunicação que promovem a harmonização, a observação de desempenhos e de resultados e que apoiam a monitorização e a avaliação de resultados das CF e de outras unidades de APS (Rede OTICS-RIO). Contribuem para assegurar objetivos de melhoria do conhecimento, responsabilização, transparência e regulação da atividade das equipes1212. Pinto LF, Rocha CMF. Innovations in Primary Health Care: the use of communications technology and information tools to support local management. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1433-1448..

Da equipe à rede de equipes, laços sistémicos e entrosamentos com a comunidade

Numa primeira fase das suas vidas as equipes tendem, naturalmente, a virar-se sobre si próprias e a isolar-se em relação a outras equipes e instituições. Esta tendência para o isolamento pode ser antecipada e intencionalmente contrariada precocemente para que sejam desenvolvidos laços e ligações de cada equipe aos restantes serviços e equipes de APS bem como aos serviços hospitalares e aos parceiros da comunidade. Nas CF do Rio de Janeiro e no Brasil em geral, a figura dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) permite um maior e melhor entrosamento das equipes com a comunidade e melhorar a sua efetividade. Parece-nos que esta figura e conceito poderiam ser experimentados em algumas comunidades e locais em Portugal.

Responsabilidade e prestação de contas (processo de contratualização)

No caso português, a contrapartida da autonomia organizacional e técnica das USF é a sua responsabilização e a prestação de contas à administração de saúde e à sociedade. São duas faces da mesma moeda. A responsabilização concretiza-se por aspetos práticos mensuráveis e avaliáveis através de indicadores de natureza diversa, abrangendo: um denominador populacional de referência; garantia de acesso e prontidão nas respostas; disponibilidade de acolhimento e integralidade de cuidados; enumeração detalhada do leque de serviços e de cuidados que a equipe se compromete a assegurar às pessoas e famílias ao seu cuidado – “carteira de serviços”; adequação dos cuidados prestados às características e necessidades de saúde específicas de cada pessoa singular, família e grupo, em cada momento e fase da vida; respeito pelas orientações técnico-científicas e boas práticas, embora ajustadas à singularidade e circunstâncias de cada pessoa e família; preocupação com o bom uso dos recursos designadamente nos processos de prescrição correta e segura de medicamentos e recurso a meios auxiliares de diagnóstico.

A autonomia e a responsabilização são mediados por um processo de contratualização no qual os representantes das unidades, os da administração de saúde no local (ACES) e, desejavelmente, os da comunidade (o que raramente acontece) estabelecem um conjunto de compromissos, condições, metas, responsabilidades e consequências para as partes envolvidas, para um dado período de tempo, habitualmente um ano. Este processo está longe do que seria desejável, havendo muito para aperfeiçoar.

Um processo idêntico, baseado num conjunto de indicadores e de recompensas por resultados, tem sido desenvolvido no Rio de Janeiro. Por outro lado, os autores consideram que as dinâmicas de participação e de envolvimento da comunidade têm tido, no Brasil, um desenvolvimento, formal e informal, mais intenso do que em Portugal, talvez devido a particularidades culturais dos respetivos povos e ao fato de a administração da APS estar mais descentralizada no Brasil1313. Rezende RB, Moreira MR. Relations between Representation and Involvement at the Rio de Janeiro Municipal Health Council (CMS): user sector, 2013-2014. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1409-1420.. Em Portugal, a APS é uma responsabilidade do Estado central, ainda que através de órgãos de administração regional.

Monitorização e avaliação

Aquilo que confere sentido e direção à ação de uma equipe de APS numa comunidade é ter uma missão clara, compromissos de objetivos e metas explícitos e resultados a atingir. É, sobretudo, ter a perceção de estar a criar valor para a sociedade1414. Ferreira PL, Antunes P, Portugal S. O valor dos cuidados primários: Perspectiva dos utilizadores das USF – 2009. Lisboa: Ministério da Saúde; 2010. Missão para os Cuidados de Saúde Primários.

15. Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Portugal – Raising Standards. OECD Reviews of Health Care Quality: Portugal 2015. Paris: OECD Publishing; 2015.
-1616. Portugal. Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Estudo sobre as Unidades de Saúde Familiar e as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados. Porto: ERS; 2016..

O parágrafo anterior traduz o âmago do que é a governança clínica e de saúde numa equipe de saúde da família. A origem etimológica da palavra “governação” ou “governança” leva-nos ao conceito de “pilotagem”. Podemos recorrer à metáfora da viagem de uma nave ou navio que sai de um porto de partida para atingir um de chegada, em segurança, com conforto, no mais curto espaço de tempo e com o menor gasto de recursos que for possível. Esta pilotagem requer dois processos: monitorização e avaliação. A monitorização é um processo a executar a intervalos regulares, ao longo da “viagem”. Permite corrigir a rota, introduzir alterações no processo, nos recursos e nas participações envolvidos, visando sempre o “porto de chegada” – os objetivos específicos, as metas e os resultados a atingir. A avaliação é, por sua vez, um ato menos frequente, feito anual ou plurianualmente. Pressupõe comparar os resultados atingidos com os esperados, com debate e reflexão participados. Requer a formulação de juízos de valor e que sejam retiradas lições e consequências para os ciclos seguintes.

A monitorização e a avaliação requerem o recurso a indicadores. No caso da reforma da APS em Portugal foram inicialmente formulados mais de uma centena de indicadores para as USF1717. Portugal. Ministério da Saúde (MCSP). Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Indicadores de Desempenho para as Unidades de Saúde Familiar. Lisboa: MCSP; 2006.. Destes, foram selecionados algumas dezenas. O quadro de indicadores para monitorizar e avaliar o desempenho das USF e das CF tem evoluído com um trabalho contínuo para delinear novos indicadores que sejam exequíveis e que permitam medir resultados de saúde.

Tem havido preocupação para que os indicadores em uso incidam de modo equilibrado em aspectos como: disponibilidade; acessibilidade; adequação de cuidados; produtividade / desempenho assistencial; qualidade técnico-científica; efetividade / resultados; eficiência; satisfação (usuários e profissionais).

Esta monitorização, avaliação e apoio a decisões de gestão requerem o recurso a tecnologias e informação e comunicação, os quais têm tido amplos desenvolvimentos nos últimos anos1313. Rezende RB, Moreira MR. Relations between Representation and Involvement at the Rio de Janeiro Municipal Health Council (CMS): user sector, 2013-2014. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1409-1420.,1515. Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Portugal – Raising Standards. OECD Reviews of Health Care Quality: Portugal 2015. Paris: OECD Publishing; 2015..

Coliderança em equipe

Um dos fenómenos que têm emergido nas equipes mais dinâmicas é o fato de a liderança ser, cada vez mais, um processo alargado e participado a muitos elementos. Isto é, num dado projeto ou processo, em que a cada momento, cada profissional assume-se natural e espontaneamente como um líder específico que assume responsabilidade por uma peça do “puzzle” que é o empreendimento de toda a equipe. As particularidades organizacionais que caraterizam as USF e as CF tendem a estimular e a facilitar a emergência dos talentos e o entusiasmo dos profissionais – o brio de fazer as coisas bem; a satisfação de participar e de contribuir para os bons resultados da equipe; a criação de valor para a comunidade. Deste modo, o processo de liderança alicerça-se na autoliderança de cada membro da equipe em interação com todos os seus colegas. Por sua vez, o(a) coordenador(a) tende a pautar a sua liderança por uma preocupação de atuar como um coordenador de lideranças e estimular cada profissional a assumir-se como líder de algum processo ou projeto na equipe. É um passo mais à frente da delegação de competências e da distribuição de responsabilidades.

Fatores motivacionais

A orientação clara para objetivos e resultados, a inovação que a autonomia organizacional e técnica representa, bem como a consequente possibilidade de desenvolver um sistema de coliderança em equipe, ajudam a ativar os talentos humanos, o entusiasmo, as interações positivas entre os profissionais, a satisfação associada à entreajuda e a combinação de competências profissionais diversas e complementares. Nas equipes com dimensão e diversidade humana e profissional adequadas, com personalidade e nome próprios, onde existe sentimento de pertença, sentido de missão, objetivos específicos partilhados e perceção dos resultados atingidos, têm sido registados melhores resultados de saúde1616. Portugal. Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Estudo sobre as Unidades de Saúde Familiar e as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados. Porto: ERS; 2016.,1818. Pinto LF. Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro: a expansão da atenção primária em saúde em questão. In: IX Congresso Nacional da Rede Unida, 2010, Porto Alegre/RS. Interface (Botacu. Impresso). Botacu/SP: Fundação UNI / UNESP, 2010.

19. Harzheim E, Lima KM, Hauser L. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro – Avaliação dos primeiros três anos de Clínicas da Família. Porto Alegre. Organização Pan-Americana da Saúde, Escritório Regional para as Américas (OMS); 2013.
-2020. Soranz D, Pinto LF, Penna GO. Eixos e a Reforma dos Cuidados em Atenção Primária em Saúde (RCAPS) na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1327-1338.. Cada equipe tende a funcionar como uma “pessoa” que tem um claro e forte sentido de vida, que lhe advém de produzir valor para os outros. Isto requer a possibilidade de poder automonitorizar e autoavaliar o desempenho e os resultados obtidos. Também parecem ser decisivos o reconhecimento externo deste valor e a perceção ou perspetiva de uma recompensa justa do empenho e esforço da equipe2121. Neto PP, Faoro NT, Prado Júnior JC, Pisco LAC. Variable compensation in Primary Healthcare: a reporto n the experience in Curitiba, Rio de Janeiro, Brazil and Lisbon, Portugal. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1377-1388..

São múltiplos os fatores que influenciam a motivação dos profissionais e existe evidência de saltos qualitativos e quantitativos descritos em diversos estudos1414. Ferreira PL, Antunes P, Portugal S. O valor dos cuidados primários: Perspectiva dos utilizadores das USF – 2009. Lisboa: Ministério da Saúde; 2010. Missão para os Cuidados de Saúde Primários.

15. Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Portugal – Raising Standards. OECD Reviews of Health Care Quality: Portugal 2015. Paris: OECD Publishing; 2015.
-1616. Portugal. Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Estudo sobre as Unidades de Saúde Familiar e as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados. Porto: ERS; 2016.,1818. Pinto LF. Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro: a expansão da atenção primária em saúde em questão. In: IX Congresso Nacional da Rede Unida, 2010, Porto Alegre/RS. Interface (Botacu. Impresso). Botacu/SP: Fundação UNI / UNESP, 2010.

19. Harzheim E, Lima KM, Hauser L. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro – Avaliação dos primeiros três anos de Clínicas da Família. Porto Alegre. Organização Pan-Americana da Saúde, Escritório Regional para as Américas (OMS); 2013.
-2020. Soranz D, Pinto LF, Penna GO. Eixos e a Reforma dos Cuidados em Atenção Primária em Saúde (RCAPS) na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1327-1338..

Nas CF do Rio tem sido dada uma atenção especial à arquitetura, às condições físicas das instalações, à ambiência, à tecnologia instalada e aos procedimentos que permitam uma maior capacidade resolutiva em APS. Por sua vez, os cidadãos usuários, ao receberem cuidados em instalações bem desenhadas, agradáveis, bem cuidadas e confortáveis, passam a ver os serviços públicos de outro modo e a atribuir o devido valor à APS.

Em Portugal também tem havido preocupação com estes aspectos, mas, em geral, com menos intensidade que no caso das CF no Rio de Janeiro. O ambiente físico das unidades promove a dignidade e o respeito para com as pessoas: os usuários e os profissionais.

Outro fator crucial para a qualidade dos cuidados é a existência de um bom sistema de informação suportado por tecnologia adequada para que se possa monitorizar continuadamente o desempenho dos profissionais e permitir o planeamento de atividades e a avaliação dos cuidados prestados e dos seus resultados.

Quer as USF quer as CF possuem prontuários clínicos eletrônicos organizados por pessoa, mas também por família. No entanto, as funcionalidades de recolha e análise estatística por parte das equipes e dos profissionais têm ainda um amplo espaço para melhoria.

As USF e as CF como organizações aprendentes

A prática médica isolada tem inconvenientes e perigos diversos. Os cidadãos exigem cada vez mais acessibilidade e elevada qualidade dos cuidados. Esta qualidade pressupõe atualização científica e tecnológica permanente. Os profissionais são, individualmente, seres humanos limitados. Por isso, o trabalho profissional isolado pode ser um fator de risco para a saúde do profissional e dos cidadãos a quem presta cuidados.

As USF e as CF são modelos organizacionais que permitem desenvolver uma cultura de debate de problemas organizacionais, técnicos e científicos. Esta cultura é também estimulada pela presença de estudantes e de residentes em estágios e formação em cada unidade, que contribuem para um questionamento permanente daquilo que se faz, de como se faz e para que se faz.

A dinâmica interprofissional que uma boa equipe permite, facilita e estimula a discussão de situações clínicas, a exposição e o debate interpares de práticas, de procedimentos, de incidentes críticos e de erros. Isto pode ocorrer de modo informal e ocasionalmente. Porém, é desejável existirem reuniões semanais em horário protegido, com programa e participações estruturados. No caso da medicina de família e comunidade, a prática médica a “solo”, sem o respaldo de uma equipe multiprofissional enquadradora da sua atividade, tende a ser física e psicologicamente muito pesada para o médico e com riscos para a segurança dos doentes.

As USF e as CF podem e devem fortalecer-se como organizações aprendentes que evoluem em maturidade, conhecimento e um saber fazer coletivo que é protetor para todos e fator de realização pessoal e profissional (Quadro 3).

Quadro 3
Trabalho em equipe de saúde da família – principais requisitos.

Nota final

A essência organizacional das USF e das CF pode resumir-se em “3P”: propósitos - orientação para objetivos de saúde, que dão sentido à existência e à vida das equipes; pessoas (usuários e profissionais) que são a razão e quem dá alma às organizações de saúde; processos (o como fazer) que podem e devem ser continuamente questionados, avaliados e aperfeiçoados.

As USF em Portugal e as CF do Rio de Janeiro apresentam algumas diferenças quanto ao enquadramento de gestão, aos detalhes de organização, à diversidade de competências profissionais que integram (maior nas CF do que nas USF), aos modelos retributivos (mais variáveis nas USF do que nas CF), às tecnologias instaladas e à gama de serviços que oferecem – “carteira de serviços” – (mais amplos nas CF do Rio do que nas USF). Porém, ambos os modelos configuram equipes multiprofissionais de APS com grande capacidade de impactar positivamente a saúde da população e a satisfação de usuários e dos profissionais. Os autores conhecem melhor as USF. Das CF do Rio de Janeiro têm a informação obtida por contatos pessoais, visitas realizadas ao Rio em novembro de 2016, por documentários visualizados na Internet e pela bibliografia mencionada neste artigo. Porém, aperceberam-se e estão convictos que ambos os modelos partilham uma alma comum. Alma que concede prioridade ao sistema humano e ao trabalho em equipe, que pratica abordagens centradas na pessoa e na família, em contexto de uma comunidade. Esta orientação para a comunidade é bastante mais desenvolvida nas CF do que nas USF.

Os profissionais de saúde são, na sua maioria, altamente qualificados e ciosos da sua autonomia técnico-profissional. Estes aspetos são atualmente mais marcados nas USF, em Portugal. Porém, é previsível que com o desenvolvimento da capacidade formativa da residência de MFC no Brasil e da formação em enfermagem nas CF, estas atitudes profissionais fiquem idênticas em ambos os países. O enquadramento em equipes multiprofissionais com dimensão adequada, com autonomia e capacidade de auto-organização, orientadas por uma missão com objetivos precisos, com responsabilização, com avaliação e consequências justas, afeta positivamente o seu espírito e alento e liberta-lhes o entusiasmo, os talentos, a criatividade e o brio de fazer as coisas bem.

Tanto as USF como as CF podem considerar-se modelos organizativos que promovem a emergência de lideranças naturais, descentralizadas. Estas experiências têm evidenciado que a conjunção dos vários fatores organizacionais em jogo ajuda a criar o ânimo necessário para otimizar e maximizar o esforço humano para superar obstáculos, resolver problemas e atingir melhores resultados de saúde do que nos modelos anteriores de atenção primária à saúde que ainda existem tanto em Portugal como no Brasil.

O mútuo conhecimento e a partilha de experiências entre as equipes das USF e das CF poderá ser muito vantajoso para ambas as partes2222. Lermen Junior N. Cuidados de Saúde Primários: Relação Brasil e Portugal, um exemplo de longitudinalidade. Rev Port Med Geral Fam 2013; 29:88-89..

Agradecimentos

Os autores agradecem à Dra. Rita Correia, psicóloga clínica no Agrupamento dos Centros de Saúde (ACES) de Cascais e membro da Equipe Regional de Apoio aos Cuidados de Saúde Primários da Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ERA-LVT) a leitura crítica do texto e as valiosas sugestões para o tornar mais preciso e claro, bem como à Dra. Ana Carvalho Póvoa, interna (residente) do Internato (residência) da especialidade de Medicina Geral e Familiar pela partilha e cedência de algumas ideias da sua inspirada comunicação “Pessoas, Laços & Saúde”, a qual ganhou o primeiro prémio das comunicações orais no VIII Encontro Nacional das USF, em Aveiro (Portugal), em maio de 2016.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2016
  • Revisado
    07 Dez 2016
  • Aceito
    09 Dez 2016
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