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Vigilância do óbito como indicador da qualidade da atenção à saúde da mulher e da criança

Resumo

Objetivamos avaliar a implementação de uma rede regional de vigilância do óbito, refletindo sobre desafios e potencialidades de atuação enquanto observatório da violência contra a mulher. A pesquisa envolveu nove municípios de uma região de saúde da Zona da Mata de Minas Gerais. Acompanhamos reuniões do comitê regional de vigilância do óbito e realizamos entrevistas semiestruturadas com seus profissionais e com gestores municipais de saúde. Também analisamos informações sobre investigações realizadas e, para um município, analisamos de forma integrada notificações de óbito e de casos de violência contra a mulher. Os resultados apontam dificuldades como: falta de reconhecimento da atividade de vigilância do óbito; sobrecarga de trabalho; comunicação falha entre instituições e precariedade de recursos, infraestrutura e capacitação profissional. Também foram relatados avanços: maior interação entre municípios, crescimento das investigações e conscientização da importância da vigilância do óbito entre os/as trabalhadores/as. Identificamos, com as investigações dos óbitos, casos de violência doméstica, obstétrica e institucional. A vivência enquanto comitê regional amplia o fortalecimento da vigilância dos óbitos e da rede de atenção às mulheres em situação de violência.

Entrevista; Sistemas de informação; Vigilância em Saúde

Abstract

The study aimed to evaluate the implementation of a regional death surveillance network, reflecting on challenges and potentialities of performance as observatory of violence against women. The research involved nine municipalities of a health region set at the Zona da Mata, Minas Gerais, Brazil. We followed the meetings of the regional death surveillance committee and conducted semi-structured interviews with professional members of the committee and municipal health managers. Furthermore, we analyzed information concerning investigations conducted and, in one municipality, we analyzed the notifications of deaths and cases of violence against women. The results point to some difficulties: lack of recognition of the death surveillance activity; work overload; failure in communication between institutions and poor resources, infrastructure and professional training. There were also improvements, namely: greater interaction between municipalities; increased investigations and greater awareness of the importance of death surveillance among workers. We identified cases of domestic, obstetric and institutional violence through the investigation of deaths. The experience as a regional committee reinforces the strategy of strengthening death surveillance and the network of care for women in situation of violence.

Interview; Information systems; Health Surveillance

Introdução

No Brasil, somente dez anos após a promulgação da Constituição de 1988 ações mais efetivas no campo da saúde da mulher começam a ser implementadas, mas estavam concentradas na assistência ao pré-natal, parto e nascimentos. A partir de 2004, a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde reconheceu a existência de lacunas no âmbito das políticas públicas para saúde sexual e reprodutiva de mulheres. O Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres passam a desenvolver ações conjuntas, sendo destaques: Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal; Política Nacional dos Direitos Sexuais e Reprodutivos; normatização da atenção humanizada ao abortamento legal; notificação compulsória nos serviços de saúde dos casos de violência; anticoncepção de emergência; enfrentamento à feminização das doenças sexualmente transmissíveis e Aids e políticas direcionadas especificamente para a atenção à saúde das mulheres lésbicas e afrodescendentes.

Destacamos, ainda, a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), publicada em 2006, que dentre outras questões, estimula ações intersetoriais buscando parcerias que propiciem o desenvolvimento integral das ações de promoção da saúde; fortalecimento da participação social como fundamental na consecução de resultados de promoção da saúde, em especial a equidade e o empoderamento individual e comunitário; promoção de mudanças na cultura organizacional com vistas à adoção de práticas horizontais de gestão e estabelecimento de “redes de compromisso e corresponsabilidade quanto à qualidade de vida da população em que todos sejam partícipes no cuidado com a saúde”11. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: MS; 2006..

Uma das ações específicas que constitui a PNPS é a “Prevenção da violência e estímulo à cultura de paz”, onde consta, dentre outros objetivos, a ampliação da rede de prevenção da violência e promoção da saúde; a sensibilização e a capacitação dos gestores e profissionais da saúde na identificação e encaminhamento adequado de situações de violência intrafamiliar e sexual; a implementação da ficha de notificação de violência interpessoal e o monitoramento e a avaliação do desenvolvimento dos Planos Estaduais e Municipais de Prevenção da Violência mediante a realização de coleta, sistematização, análise e disseminação de informações11. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: MS; 2006..

Assim, além da notificação compulsória, todo um sistema de informação sobre violência, juntamente com estratégias de formação de profissionais, envolvem a promoção da saúde. A partir de 2010, a violência doméstica, sexual e outras, passaram a integrar a lista nacional de agravos de notificação compulsória22. Brasil. Portaria nº 2.472, de 31 de agosto de 2010. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelecer fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União, 2010; 01 set., revelando um esforço de integrar a vigilância das violências ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, conferindo a mesma prioridade de atenção.

Em 2014, os óbitos infantil e materno são incorporados à lista de agravos de notificação compulsória, com a publicação da Portaria GM no 1.27133. Brasil. Portaria no 1.271, de 6 de junho de 2014. Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2014; 09 jun., representando, também, o esforço em dar visibilidade a esses eventos. A obrigatoriedade de vigilância desses eventos pelos municípios, definida pela Portaria no 1.399/199944. Brasil. Portaria no 1.399, de 15 de dezembro de 1999. Regulamenta a NOB SUS 01/96 no que se refere às competências da União, estados, municípios e Distrito Federal, na área de epidemiologia e controle de doenças, define a sistemática de financiamento e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 16 dez., é consequência das iniciativas de operacionalização dos direitos da mulher e da criança e alcança pactuação internacional com os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2000. É reconhecido que os óbitos materno e infantil apresentam determinantes que refletem importantes desigualdades sociais, como: renda, educação saneamento, acesso oportuno à atenção à saúde de qualidade55. Laurenti R, Jorge MHPM, Gotlieb SLD. Mortalidade materna nas capitais brasileiras: algumas características e estimativa de um fator de ajuste. Rev Bras Epidemiol 2004; 10(4):449-460.. Como consequência, vários óbitos são considerados evitáveis, significando que podem ser prevenidos pela atuação oportuna e adequada dos sistemas de saúde66. Rutstein DD, Berenberg W, Chalmers TC, Child CG, Fishman AP, Perrin EB, Feldman JJ, Leaverton PE, Lane M, Sencer DJ, Evans CC. Measuring the quality of medical care. N Engl J Med 1976; 294:582-588.. Por outro lado, os óbitos fetais não receberam a mesma atenção. No Brasil e no mundo, foram poucos os investimentos em ações que pudessem impactar a evitabilidade ou mesmo conferir maior visibilidade a esse evento que continua negligenciado77. Mullan Z, Horton R. Bringing stillbirths out of the shadows. The Lancet 2011; 377(9774):1291-1292.,88. Lawn JE, Kinney MV, Black RE, Pitt C, Cousens S, Kerber K, Corbett E, Moran AC, Morrissey CS, Oestergaars MZ. Newborn survival: a multi-country analysis of a decade of change. Health Policy Plan 2012; 27(3):6-28..

No Brasil, a operacionalização da vigilância dos óbitos materno e infantil ganhou espaço específico com a criação dos comitês de prevenção. Tais instâncias constituem verdadeiros espaços de controle social e apoio à gestão e são hoje entendidos como imprescindíveis para a redução desses eventos através do conhecimento de sua magnitude e determinantes e proposição de ações para a qualificação da atenção à saúde. Vários municípios, principalmente capitais, apresentam experiências exitosas. O Estado de São Paulo foi protagonista na criação, em 1988, dos primeiros Comitês de Estudo da Morte Materna no Brasil, que, em 1995, passaram a integrar o Sistema Estadual de Vigilância Epidemiológica do Óbito Materno. Nesse Estado, a Razão da Mortalidade Materna (RMM) passou de valores superiores a 140 no início da década de 1960 para valores em torno de 50 na década de 1980. Posteriormente, ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, esse indicador apresentou queda mais lenta, sendo, contudo, em qualquer período, menores que os coeficientes para o Brasil. A análise temporal desse indicador também revela a influência da ação da vigilância do óbito a partir do aumento na detecção das mortes maternas desde 199699. Mendes JDV, Osiano VLRL. A mortalidade materna no Estado de São Paulo, Brasil. BEPA 2013; 10(114):17-29..

Com relação ao óbito infantil, as primeiras iniciativas de implementação de comitês de investigação desses eventos são de meados da década de 1990, sendo, ainda, o estado de São Paulo protagonista, com a criação do primeiro Comitê Regional de Investigação de Mortalidade Infantil, em 19991010. Venâncio SI, Paiva R. O processo de implantação dos comitês de investigação do óbito infantil no Estado de São Paulo. Rev Bras Saude Mater Infant 2010; 10(3):369-375..

Dados do IBGE mostraram que a mortalidade infantil no Brasil passou de 69,1%, em 1980, para 13,8% em 2015, uma queda de 80,0%1111. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 2014. Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Brasília: IBGE; 2015.,1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Brasil em síntese. [acessado 2017 abr 20]. Disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-mortalidade-infantil.html.
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. Apesar dos avanços, entretanto, as metas pactuadas para os ODM, para a mortalidade materna (35 óbitos/100 mil NV) e infantil (15,7 óbitos/1.000 NV) até 2015, só foi alcança para o último, com o Brasil atingindo 54,6 óbitos maternos/100 mil nascimentos e 13,82 óbitos infantis/1.000 NV1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Brasil em síntese. [acessado 2017 abr 20]. Disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-mortalidade-infantil.html.
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Outro aspecto importante a ser observado com relação às características dos óbitos maternos, infantis e fetais, diz respeito à sua evitabilidade. Pesquisas e análises de dados apresentadas por comitês de mortalidade bem como pelos serviços de saúde têm demonstrado que, apesar das quedas nas taxas de mortalidade, sobretudo no componente pós-neonatal (no caso dos óbitos infantis), conforme apresentado anteriormente, a grande maioria continua a ocorrer por causas que seriam evitáveis por intervenções dos serviços de saúde ou por ações de promoção da saúde, como é o caso dos associados à violência doméstica, obstétrica e institucional. Além disso, o elevado número de óbitos cuja causa básica foi mal definida contribui para mascarar os dados, ocultando casos evitáveis, entre eles os associados à violência doméstica, obstétrica e institucional1313. Lansky S, França E, Leal MC. Mortalidade perinatal e evitabilidade: revisão da literatura. Rev Saude Publica 2002; 36(6):759-772.,1414. Maranhão AGK, Vasconcelos AMN, Porto D, França E. Mortalidade infantil no Brasil: tendências, componentes e causas de morte no período de 2000 a 2010. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2011: uma análise da situação de saúde e a vigilância da saúde da mulher. Brasília: MS; 2012. p. 163-182. v. 1..

Tem-se, então, que, na medida em que a Vigilância em Saúde investe em ações junto a doenças e agravos não transmissíveis e da promoção da saúde, ela se aproxima cada vez mais do comprometimento com o enfrentamento da violência contra a mulher e a criança, aprofundando de modo radical o conceito de saúde proposto na VIII Conferência Nacional de Saúde. A complexidade da noção do conceito de saúde exige a aproximação e o diálogo entre instâncias e instituições como o sistema jurídico, educacional e de assistência social na interface com a saúde, especialmente no caso das violências. Uma das formas de mediação do diálogo entre as diversas instâncias envolvidas é por meio da informação gerada através da notificação dos casos.

Entretanto, apesar dos inegáveis avanços, a heterogeneidade brasileira produz e mantém diferenças marcantes nos indicadores entre e dentre regiões, estados e municípios. Ainda, com relação aos comitês municipais, municípios pequenos e médios enfrentam desafios para sua constituição e manutenção. O relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) cujo tema ‘Monitoramento e Prevenção da Mortalidade Materna’ revelou que os comitês não se encontram em funcionamento em diversos Estados (24 oficialmente implantados, dos quais 14 atuavam efetivamente) e na maioria dos municípios brasileiros. Paraná foi o estado mais bem estruturado em termos de organização de comitês, com 22 regionais e 160 municipais, para um total de 399 municípios1515. Tribunal de Contas da União. Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo. Relatório de auditoria de natureza operacional. Brasília: TCU; 2002. [acessado 2017 Abr 04]; [cerca de 101p.]. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D6E85DD014D732761FA0597
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No município de Viçosa-MG, o Comitê Municipal de Prevenção de Óbitos Maternos, Fetais e Infantis (CMPOMFI) funciona desde 2004 em articulação com os dos dois hospitais do município, alinhando-se às prioridades da Agenda Estratégica da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e do Programa de Fortalecimento da Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). O município de Viçosa, por ser sede da região de saúde, é o município de referência em maternidade e ações de média e alta complexidade, assim, as atividades relacionadas à prevenção do óbito materno e infantil desenvolvidas no município acabam por impactar os demais oito municípios da Região de Saúde. Então, em 2014, foi proposta a criação do Comitê de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil da Região de Saúde de Viçosa (CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa), composto pelos nove municípios dessa região, todos de pequeno e médio porte. O CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa visa conferir agilidade à vigilância dos óbitos oportunizando investigações e discussões de casos, dando visibilidade aos problemas identificados e buscando soluções para os municípios com a organização da rede de atenção à saúde e melhoria da informação. Além das ações específicas relacionadas aos eventos (óbitos materno, fetal e infantil), as atividades do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa também objetivam monitorar o óbito como evento sentinela tardio da violência doméstica contra a mulher e a criança, produzindo informações para a orientação de medidas de prevenção e controle dos óbitos por causas evitáveis e enfrentamento da violência contra a mulher e a criança.

Seguindo o esforço de efetivar a implementação e o pleno funcionamento do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa, enquanto rede regional de vigilância do óbito de mulher em idade fértil, materno, fetal e infantil, o presente estudo objetivou avaliar a implementação dessa rede, refletindo e problematizando sobre os desafios, os avanços e as potencialidades de atuação enquanto observatório da violência contra mulher.

Percurso metodológico

A opção pela construção de dados de natureza qualitativa pressupôs a intenção de se compreender o envolvimento dos profissionais integrantes do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa nas discussões e proposições do Comitê, os modos de interação e circulação da informação sobre óbito e violência e analisar as dimensões política e técnica dessas informações. Para isso, contamos com os procedimentos da pesquisa-participante, considerada uma estratégia metodológica da pesquisa social na qual há ampla interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada. Seus princípios estão orientados para a atenção às necessidades de grupos sociais em situações comuns de trabalho e estudo e têm como pressupostos a colaboração e a troca de informações, aspirando uma comunicação o mais horizontal possível entre todos os/as participantes. Assim, a dimensão dialógica, enquanto estrutura da dinâmica com os sujeitos de pesquisa, propõe acionar a realização de um processo de aprendizagem. Tal aprendizagem pode ser entendida como contribuição para a transformação social dos grupos em relação à sua situação e necessidades, para que estes possam melhorar mediante sua organização e ação política. A pesquisa participante enfatiza a socialização do saber através da participação dos sujeitos na análise e solução de seus problemas, promovendo a produção coletiva de conhecimentos. Utilizando-se da informação ordenada e classificada, podem-se determinar as raízes e as causas dos problemas e as vias de solução para os mesmos, estabelecendo relações entre problemas individuais e coletivos, funcionais e estruturais, como parte da busca de soluções conjuntas para os problemas enfrentados1616. Gajardo M. Pesquisa participante na América Latina. São Paulo: Brasiliense; 1986..

A técnica da observação participante foi utilizada no acompanhamento das reuniões do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa e do Comitê Municipal de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil de Viçosa (CMPOMFI-Viçosa). Também, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com integrantes do comitê e secretários municipais de saúde dos municípios envolvidos (Araponga, Cajuri, Canaã, Paula Candido, Porto Firme, São Miguel do Anta, Pedra do Anta, Viçosa e Teixeiras). Entrevistas semiestruturadas estão baseadas em roteiro previamente elaborado, com a função de guiar uma “conversa com finalidade”, em que o/a entrevistado/a tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada; essa ferramenta facilita criar um ambiente de diálogo e permite à pessoa entrevistada se expressar livremente sem as limitações criadas por um questionário1717. Minayo MCS. Trabalho de campo: contexto de observação, interação e descoberta. In: Minayo MCS, Delandes SF, Gomes R, organizadores. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 28ª ed. Petrópolis: Vozes; 2009. p. 61-77..

Os depoimentos foram transcritos e tratados pela análise de conteúdo temática1818. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2010.. Essa técnica viabiliza a análise do conjunto e das particularidades, a classificação das informações em categorias e a identificação de ‘núcleos de sentido’ entendidos como uma unidade de significação no conjunto de uma comunicação1818. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2010..

De forma complementar, foram analisadas as informações referentes às investigações de óbitos maternos, fetais e infantis realizadas pelos municípios e discutidas no CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa buscando melhor qualificar a análise dos dados qualitativos em relação à evitabilidade dos óbitos. Adicionalmente, foram analisados de forma integrada os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), procurando relacionar os óbitos de mulheres com a notificação de violência contra esse gênero. Essa análise só foi possível de ser realizada para o município de Viçosa e compreendeu o período entre 2010 e 2014.

O protocolo de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa.

Resultados

Entre 2015 e 2016, foram acompanhadas onze reuniões, sendo sete do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa e quatro do CMPOMFI-Viçosa. No caso do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa, devem participar o profissional indicado pela gestão em saúde, o qual, normalmente, é a referência técnica em vigilância do óbito no município. Nas reuniões, nunca estiveram presentes, ao mesmo tempo, os representantes dos nove municípios que compõem a Região de Saúde de Viçosa. De forma geral, a justificativa para não estar presente era devido à falta de tempo para participar da reunião. Apenas um dos nove municípios não participou de nenhuma reunião ocorrida no período.

Em se tratando do CMPOMFI-Viçosa, o comitê é composto por profissionais do serviço de saúde municipal (Vigilância Epidemiológica, Estratégia Saúde da Família, Centro Estadual de Atenção Especializada-CEAE), representante da Superintendência Regional de Saúde de Ponte Nova, da Universidade Federal de Viçosa (dois), do Conselho Municipal de Saúde, da Associação Médica e representantes dos comitês hospitalares (dois). Nas reuniões, em geral, há assiduidade de todos os representantes.

As reuniões do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa tiveram como objetivo discutir casos de óbitos fetais, infantis e de mulher em idade fértil (MIF) ocorridos entre residentes em sua área de abrangência e cujas investigações hospitalar, ambulatorial e domiciliar já tivessem sido realizadas. Não foram definidos critérios para essa seleção pelo comitê, tão somente a dificuldade (qualquer) vivenciada ou percebida pelo profissional na investigação ou conclusão dos casos. Entre 2015 e 2016, ocorreram, na Região de Saúde de Viçosa, 24 óbitos de MIF, tendo sido investigados 83%, sendo um materno; 10 fetais, com 80% investigados e 13 infantis, dos quais 53,8% foram investigados. Dos óbitos fetais investigados, 100% foram considerados evitáveis e dos infantis, 57,4%, segundo a lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde1919. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. 2ª ed. Brasília: MS; 2009.. Apesar de continuar alto o número de óbitos com causa mal definida, mesmo após a investigação e discussão dos casos pelo CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa, em todos os demais casos a evitabilidade esteve relacionada à adequada atenção à mulher na gestação’ e ‘adequada atenção à mulher no parto’.

Foram realizadas 16 entrevistas, incluindo referências técnicas de vigilância do óbito (oito municípios da Região de Saúde de Viçosa) e gestores (secretários/as de saúde de cinco municípios), além da coordenadora da Estratégia Saúde da Família e a responsável pelo Serviço de Vigilância Epidemiológica, ambas do município de Viçosa, e a referência técnica de vigilância do óbito da Superintendência Regional de Saúde de Ponte Nova.

Os principais e recorrentes problemas relatados pelos/as entrevistados/as estiveram relacionados à falta de reconhecimento da atividade de vigilância do óbito pelos gestores; falta de tempo para análise, discussão e investigação dos óbitos; falha na comunicação entre instituições da rede de atenção; precariedade de recursos, infraestrutura, capacitação profissional e comprometimento dos envolvidos. Por outro lado, foram relatadas melhorias na interação entre municípios, crescimento das investigações realizadas e maior conscientização da importância da vigilância do óbito entre os/as trabalhadores/as. A partir das investigações de óbitos de mulheres em idade fértil, materno, fetal e infantil, também foi possível identificar casos de violência contra a mulher e a criança, fazendo com que a violência doméstica fizesse parte do cotidiano das discussões sobre os óbitos.

Com relação à análise integrada dos dados sobre óbito e violência contra a mulher, foram identificados 57 óbitos de mulheres em idade fértil registrados no município de Viçosa entre 2011-2014, o que representou 9,0% do total de óbitos de mulheres ocorridos no mesmo período. Dos óbitos de MIF, 19,3% foram por causas externas, sendo 63,6% por agressão e 18,1% por acidentes. Ainda sobre os óbitos por causas externas entre MIF, observamos que 71,0% das mulheres que morreram por agressão tinham registro de violência doméstica no SINAN e, em pelo menos 60,0% desses casos, a violência era reincidente.

Discussão

Na Região de Saúde de Viçosa, área integrante da Superintendência Regional de Saúde de Ponte Nova, Minas Gerais, o município de Viçosa foi protagonista na implementação de ações de prevenção do óbito materno, fetal e infantil, sendo o comitê municipal estabelecido por lei municipal em 20032020. Viçosa. Lei no 1.548, de 22 de setembro de 2003. Institui o Comitê de Mortalidade Materno Infantil Perinatal e Neonatal. Viçosa: Câmara Municipal de Viçosa. [acessado 2017 Mar 22]; [cerca de 4p.] Disponível em: http://www.vicosa.mg.leg.br/processo-legislativo/legislacao/leis-municipais/2003/LEI%20Nb0%201.548.pdf/view
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e as atividades iniciadas em 2004. Inicialmente, as ações de prevenção do óbito materno, fetal e infantil executadas pelo CMPOMFI-Viçosa articulavam serviços de saúde locais (Serviço de Vigilância em Saúde/SVS-SMS-Viçosa, Centro Estadual de Atenção Especializada-CEAE e os dois hospitais do município) e incluíam notificação, investigação, sistematização e análise de dados e comunicação das informações geradas com vistas à melhoria da qualidade das ações de atendimento à mulher e à criança.

A articulação no município de Viçosa era suficiente para subsidiar intervenções no nível local. Contudo, por Viçosa ser município sede da Região de Saúde, os óbitos e nascimentos dos demais municípios da região ocorrem prioritariamente nessa cidade, o que implicou na necessidade de aumentar a abrangência das ações, articulando serviços e profissionais de saúde de todos os municípios da região. Nesse sentido, foi instituído, em 2014, o CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa, integrando todos os nove municípios da região de forma a permitir a conformação de uma rede regional de vigilância do óbito.

A atuação dos comitês de mortalidade vem sendo apontada por diferentes autores como um espaço técnico e político importante na redução da mortalidade materna e infantil99. Mendes JDV, Osiano VLRL. A mortalidade materna no Estado de São Paulo, Brasil. BEPA 2013; 10(114):17-29.,2121. Rodrigues AV, Siqueira AAF. Uma análise da implementação dos comitês de estudos de morte materna no Brasil: um estudo de caso do Comitê do Estado de São Paulo. Cad Saude Publica 2003; 19(1):183-189.. De forma geral, as ações dos comitês implicam, inicialmente, em maior notificação desses eventos, fazendo aumentar os indicadores de morte materna e de mortalidade infantil, entretanto, esse aumento é tão somente o resultado da visibilidade a eventos que são sabidamente subnotificados, apesar dos avanços na melhoria dos registros2222. Barros FC, Matijasevich A, Requejo JH, Giugliani E, Maranhão AG, Monteiro CA, Barros AJD, Bustreo F, Merialdi M, Victora CGl. Recent trends in maternal, newborn, and child health in Brazil: progress toward Millennium Development Goals 4 and 5. Am J Public Health 2010; 100(10):1877-1889.,2323. Carreno I, Bonilha ALL, Costa JSD. Evolução temporal e distribuição espacial da morte materna. Rev Saude Publica 2014; 48(4):662-670..

Apesar dos avanços observados com a instituição dos comitês de mortalidade materna e infantil no Brasil, vários, ainda, constituem-se como mero espaço de monitoramento, conforme sinalizado pela pesquisa realizada pelo Tribunal de Contas da União1515. Tribunal de Contas da União. Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo. Relatório de auditoria de natureza operacional. Brasília: TCU; 2002. [acessado 2017 Abr 04]; [cerca de 101p.]. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D6E85DD014D732761FA0597
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. O trabalho de Rodrigues e Siqueira2121. Rodrigues AV, Siqueira AAF. Uma análise da implementação dos comitês de estudos de morte materna no Brasil: um estudo de caso do Comitê do Estado de São Paulo. Cad Saude Publica 2003; 19(1):183-189., ao analisar a história de implementação do Comitê de Estudo da Morte Materna do Estado de São Paulo, aponta a necessidade de resituar a atuação dos comitês, para além de uma estratégia apenas de Vigilância Epidemiológica, sendo imperativo o seu reposicionamento político e institucional.

De fato, os vários problemas apontados pelos/as entrevistados/as em relação à fragilidade do trabalho do CPOMFI-Região de Saúde de Viçosa explicitam que as ações de vigilância, apesar da conscientização da importância da vigilância do óbito, ainda são pouco valorizadas como instrumento de planejamento das intervenções em saúde. Tanto que há poucos investimentos materiais e/ou pessoais por parte da gestão local, que prefere investir em ações assistencialistas, seja pela enorme demanda (que de fato existe), seja pelas perspectivas teórico-políticas de compreensão das ações de saúde. Assim, perpetuam-se a morosidade na produção da informação e sua baixa qualidade, sendo que esse processo se reproduz como um ciclo indesejável e de difícil ruptura.

Têm-se, ainda, no caso de municípios de pequeno e médio portes, aspectos afetos às relações pessoais que impactam as relações de trabalho e, no caso da vigilância do óbito e da violência, podem produzir tensionamentos que imobilizam as ações. Assim, se por um lado as relações pessoais podem aproximar e facilitar a interação entre as instituições, o que é fundamental nos procedimentos de investigação (hospitalar, ambulatorial), os eventos tratados, por muitas vezes explicitarem problemas nos serviços, causam suspeição e estranhamento.

Considerando a análise da evitabilidade do óbito infantil, percebe-se que as dificuldades são semelhantes ao já identificado para municípios de grande porte e capitais, residindo na baixa qualidade da assistência ao pré-natal e ao parto, o que também são condições que impactam a mortalidade materna55. Laurenti R, Jorge MHPM, Gotlieb SLD. Mortalidade materna nas capitais brasileiras: algumas características e estimativa de um fator de ajuste. Rev Bras Epidemiol 2004; 10(4):449-460.,2424. Riquinho DL, Correia SG. Mortalidade materna: perfil sócio-demográfico e causal. Rev Bras Enferm 2006; 59(3):303-307.. Tais eventos, somados ao óbito por causas mal definidas, podem também sinalizar situações de violência contra a mulher, a exemplo da obstétrica. A inter-relação entre esses eventos (óbito materno, fetal e infantil) e a experiência da violência, pode ser um importante fator que implica na qualidade da notificação, o que por sua vez tem razões históricas e sociais que explicitam as questões de gênero que marcam as relações e produzem desigualdades na atenção à mulher e à criança em diferentes procedimentos, serviços ou cenários.

Ainda, dada a experiência do município de Viçosa na vigilância e no enfrentamento à violência contra a mulher, a possibilidade de regionalizar a análise dos óbitos integrada à notificação da violência vem permitindo a ampliação das ações de enfrentamento à violência contra a mulher. O trabalho realizado em Viçosa foi iniciado em 2009, sendo uma parceria de diferentes serviços do município e a Universidade Federal de Viçosa2525. Melo CM, Bevilacqua PD, Barletto M. Educação Permanente em Vigilância em Saúde: formação política e reorientação de práticas em serviços. In: Integração entre universidade e sistemas locais de saúde: experimentações e memórias da educação pelo trabalho. Porto Alegre: Rede UNIDA; 2017. (Atenção Básica e Educação na Saúde). [no prelo]. Com as ações implementadas, principalmente no que diz respeito à busca ativa de casos nas entidades que atendem situação de violência contra a mulher, principalmente as Polícias Civil e Militar, foi possível identificar centenas de casos de violência, enquanto no SINAN existiam apenas três casos notificados. A série histórica entre 2009 e 2013 mostra o registro sistematicamente crescente de casos, passando de 247 a 650 notificações (aumento de mais de 160%)2626. Sistema de Informação de Agravos de Notificação [programa de computador]. Viçosa: Secretaria Municipal de Saúde/Serviço de Vigilância Epidemiológica; 2017. Nos anos seguintes foram notificados: 276 (2014); 746 (2015) e 77 (2016 - até junho)2626. Sistema de Informação de Agravos de Notificação [programa de computador]. Viçosa: Secretaria Municipal de Saúde/Serviço de Vigilância Epidemiológica; 2017. A oscilação verificada nos três últimos anos se deveu por dificuldades tais como: greve da Polícia Civil e impossibilidade de acesso ao Registro de Eventos de Defesa Social (REDS), do qual eram obtidos os registros de boletins de ocorrência de casos de violência contra mulher para posterior inclusão no SINAN; também o encerramento do Programa de Educação pelo Trabalho - PET Saúde/Vigilância em Saúde da Universidade Federal de Viçosa, coordenado pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero – NIEG, em 2015, que reduziu a capacidade de atualização das notificações de casos de violência no SINAN.

Com este trabalho foi possível dar visibilidade ao evento da violência contra a mulher, na medida em que uma rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência foi implementada e vem sendo fortalecida ao longo do tempo. Contudo, para os demais municípios da Região de Saúde de Viçosa, o evento ‘violência contra a mulher’ ainda é pouco trabalhado, sendo muito reduzidas as notificações de casos. Tal situação sinaliza para a invisibilidade da violência e a dificuldade dos serviços de saúde em incorporar esse evento na rotina do trabalho de vigilância, apesar da obrigatoriedade da notificação datar de 20032727. Brasil. Lei Federal nº 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Diário Oficial da União 2003; 25 nov..

Ainda, a perspectiva de que a violência contra a mulher é um problema de saúde pública, como passou a ser reconhecida a partir do início dos anos 20002828. Saltzman LE, Green YT, Marks JS, Thacker SB. Violence against women as a public health issue. Am J Prev Med 2000; 19(4):325-329.,2929. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization; 2002., trouxe vários desafios para o setor saúde, inclusive na percepção de que tal reconhecimento poderia limitar, restringir ou, pior, fragmentar a atenção às mulheres em situação de violência.

Também, a análise integrada de dados de óbito e violência contra a mulher precisa ser aprimorada e ampliada. Estudos sobre mortalidade por causas externas, por exemplo, concentram seu olhar no impacto da violência nos óbitos de homens jovens, quase sempre deixando de fora a análise detalhada das mortes violentas entre as mulheres, dificultando a discussão dos dados. Isso ocorre devido à maior parcela dos óbitos por causas externas ser composta por homens, porém, pesquisas recentes mostram que os óbitos de mulheres por causas externas devem ser mais bem estudados3030. Okabe I, Fonseca RMGS. Violência contra a mulher: contribuições e limitações do sistema de informação. Rev Esc Enferm USP 2009; 43(2):453-458.,3131. Moura EC Gomes R, Falcão MTC, Schwarz E, Neves ACM, Santos W. Desigualdades de gênero na mortalidade por causas externas no Brasil, 2010. Cien Saude Colet 2015; 20(3):779-788..

Considerações finais

Apesar da vigilância do óbito existir no município de Viçosa, desde 2003, e na Região de Saúde de Viçosa, desde 2014, ainda prevalecem altas taxas de óbito por causas mal definidas indicando a baixa qualidade da informação produzida, bem como altas taxas de óbito de MIF, materno, fetal e infantil por causas evitáveis. Consequentemente, a baixa qualidade dos dados produzidos e a morosidade na análise dos casos e na sistematização dos dados não permitem uma intervenção oportuna e consequente de forma a evitar novas ocorrências. Impede, ainda, a identificação do óbito como consequência extrema da violência doméstica eventualmente experimentada por mulheres e crianças.

Atualmente, as ações de vigilância do óbito vêm confirmando este como evento sentinela da violência doméstica contra a mulher e a criança, e a potencialidade dos comitês de prevenção dos óbitos materno, fetal e infantil atuarem como observatórios dessa violência, devendo os mesmos receber atenção especial dos gestores locais de saúde no sentido de implementá-los e mantê-los ativos.

Contudo, a baixa qualidade das informações sobre o óbito, especificamente as altas taxas por causas mal definida, dificulta a análise desse evento como sentinela de outras formas de violência, como obstétrica e institucional, impactando a compreensão ampliada da violência e o seu consequente enfrentamento. Logo, a produção efetiva de ‘informação para a ação’ (objetivo último da vigilância) encontra limites, na medida em que não influencia efetivamente intervenções nos diferentes serviços que prestam assistência à mulher e à criança e que podem efetivamente contribuir para o enfrentamento da violência e redução dos óbitos evitáveis.

Percebe-se que os principais pontos de tensão figuram, ainda, na desinformação dos gestores (secretários de saúde, que em sua grande maioria afirmaram desconhecer as atividades do comitê) e sobrecarga de trabalho dos profissionais. Mas, apesar das dificuldades, o trabalho articulando os municípios permite a troca de experiências, o que contribui para a superação das dificuldades, que, de forma geral, são comuns.

A vivência enquanto comitê regional amplia a estratégia de fortalecimento da vigilância dos óbitos e da rede de atenção às mulheres em situação de violência. Transversalmente, nota-se a necessidade de desconstrução da atenção à saúde da mulher focada nas funções reprodutoras, de discussões sobre gênero e sexualidade, da valorização dos profissionais envolvidos, além de repensar o modelo de atenção à saúde focado na prevenção e cura, buscando o desenvolvimento da promoção da saúde.

Os resultados também evidenciam que a atuação em comitê agrega profissionais com qualificação técnica, o que impacta positivamente a produção da informação. Mas ainda são tímidas as ações políticas enquanto grupo com capacidade de intervenção. Também é importante destacar o desafio de se abordar a violência contra a mulher como um fenômeno complexo, sendo que profissionais, serviços e políticas de uma área específica não poderão, isoladamente, dar conta ou serem responsabilizados pelo enfrentamento do problema com resolutibilidade que seja capaz efetivamente de interferir nas elevadas estatísticas.

Agradecimentos

À FAPEMIG, ao CNPq, ao PROEXT/SESu e ao Programa de Educação pelo Trabalho - PET Saúde/Vigilância em Saúde (Ministério da Saúde/Ministério da Educação), pelo apoio financeiro à pesquisa e concessão de bolsas de estudos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2017
  • Revisado
    26 Jun 2017
  • Aceito
    03 Ago 2017
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