Introdução
A Hipertensão Arterial (HA) se destaca, no Brasil e no mundo, como um grave problema de saúde pública em virtude dos baixos níveis de controle, apesar de ser facilmente tratável e controlável a partir de ações da Atenção Primária à Saúde (APS), tais como: captação, diagnóstico e tratamento precoces, consulta de acompanhamento mensal estruturado, com práticas definidas, humanizadas e focadas no trabalho em equipe1.
As baixas taxas de controle, de adesão ao tratamento1-7 e a pouca satisfação com a consulta realizada na APS8, têm motivado pesquisadores a buscarem formas de reverter este quadro. Para alcançar este intento, iniciativas, como o uso de protocolos, vêm sendo adotadas como instrumento para transformação de atitude e da prática adotada no processo do cuidar. Os protocolos expressam a junção de documentos ou diretrizes, que formalizam a relação entre o profissional de saúde/instituição e o usuário; estabelecem critérios de diagnóstico; padronizam o atendimento; orientam a conduta e indicam mecanismos para o monitoramento clínico1.
A construção dos protocolos voltados para a HAS ocorre de acordo com a necessidade identificada: para diagnóstico, acompanhamento, padronização de tratamento, motivar a adesão ao tratamento medicamentoso, propor formas de enfrentamento, de controle e redução de suas complicações9-11, com a utilização e os mecanismos que favoreçam a consulta de acompanhamento ambulatorial e domiciliar dos portadores de hipertensão12-15.
A utilização de protocolos tem apresentado efeito positivo no acompanhamento do usuário e sua adesão ao tratamento, perceptível na redução dos valores da pressão quando há adesão ao protocolo e suas propostas: prescrição do tratamento, atendimento, visita de acompanhamento9,16.
Geralmente os protocolos estão voltados para uma categoria profissional específica, e percebendo-se a inexistência de protocolos voltados para equipe multiprofissional, foi construído e validado o protocolo para consulta e acompanhamento de hipertensos assistidos na APS (Figura 1) como forma de corroborar com a melhoria da assistência ao usuário com HA no tocante à consulta, acompanhamento e registro, avaliados por experts como muito importante, uma vez que foram contemplados os aspectos biopsicossociais, investigação de sinais de alterações das cifras pressóricas, presença de complicações e realização de exames1.
O processo de validação garante a fidedignidade de um instrumento, o que possibilita sua utilização por pesquisadores, acadêmicos, gestores e profissionais de forma confiável e válida. A reprodutibilidade representa a precisão com que o instrumento se aplica ao fenômeno, determinando o quanto se assemelha os resultados quando aplicados diversas vezes4.
Objetivou-se validar o protocolo para consulta e acompanhamento do usuário com HA atendido na APS.
Método
Trata-se de um estudo metodológico para validação do “protocolo para consulta e acompanhamento do usuário com HA assistido na APS1, por meio da avaliação da reprodutibilidade deste instrumento”. A amostra foi constituída de 160 usuários de dois municípios (80 de cada), com HA, alocados por conveniência. Os municípios escolhidos foram Patos – PB e Santa Terezinha – PB, localizados no Sertão Paraibano, caracterizados como de médio e pequeno porte. Foram critérios de inclusão para a amostra: indivíduos de 20 anos ou mais, cadastrados no programa de hipertensão, acompanhados e atendidos nas Unidades de Saúde da Família (USF), que fazem parte da área de abrangência selecionada. Foram excluídos usuários que tinham apenas diabetes.
A aplicação do protocolo (Figuras 1 e 2) foi realizada por dois enfermeiros: a própria pesquisadora (examinador 1 - E1) e outra do município (examinador 2 - E2), formando assim uma dupla para cada localidade, em dois momentos distintos, tempo 1 (Teste – T1) e tempo 2 (Reteste – T2), entre os quais foi estabelecido intervalo mínimo de sete dias, cumprido conforme a disponibilidade e condição de retorno do usuário para o serviço. O período da coleta de dados foi de janeiro a agosto de 2016, com a utilização de dois dias por semana em cada município (agenda de atendimento ao hipertenso e diabético). Para garantir que não houvesse interferência nas medidas antropométricas, foram utilizados o tensiômetro e a balança das unidades de saúde, calibrados previamente.

Figura 2 Recomendações de preenchimento do protocolo de consulta e acompanhamento de pacientes hipertensos.
O processo de coleta de dados se deu com a realização de duas consultas, utilizando-se o protocolo (Figura 1), realizadas pelos E1 e E2 no mesmo turno, em horários e ambientes distintos, seguindo o procedimento de acolhimento adotado em cada município. Um enfermeiro não assistia à consulta/aplicação do outro para evitar influência na condução da investigação. Na realização T2 repetiu-se o mesmo procedimento do T1. O preenchimento do protocolo se deu com a mensuração da pressão, das medidas antropométricas e com o registro das respostas dos participantes do estudo às condições apresentadas, utilizando-se sim e não (autorreferidas).
O banco de dados foi organizado e analisado utilizando o pacote estatístico SPSS versão 20.0. A análise dos dados foi realizada a partir do T1 e T2, o que possibilitou a comparação entre as respostas intra (E1 x E1; E2 x E2) e interexaminadores (E1 x E2) nos dois tempos. A análise dos dados se deu por estatística descritiva. Para a exploratória se utilizou proporção e média. Na análise da concordância dos itens, aplicou-se o Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI) para as variáveis contínuas, adotando-se a classificação de Fleiss onde < 0,40 é pobre, ≥ 0,40 – 0,75 é satisfatório ou bom e ≥ 0,75 é excelente17, e o Coeficiente Kappa (κ) para as categóricas considerando-se a classificação de Landis & Koch, onde valores > 0,80 a concordância é excelente; de 0,60 a 0,80 é boa, de 0,40 a < 0,60 é regular e < 0,40 é ruim18. Adotou-se um nível de significância de 95% (p < 0,05).
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Universitário Onofre Lopes. Todos os participantes do estudo assinaram Termo de Consentimento Livre Esclarecido antes de sua inclusão na amostra.
Resultados
O instrumento é composto de sete dimensões e 50 itens distribuídos em: I - caracterização do paciente (nome, sexo, data de nascimento, data do diagnóstico, PA do diagnóstico, altura, IMC, ocupação, escolaridade e comorbidade); II - Indicadores de saúde (PA, peso, cintura, quadril, circunferência abdominal, atividade física, dieta com baixo teor de sal, dieta com baixo teor de gordura, fumo, álcool, insônia, interrupção de tratamento); III - Indicadores psicossociais (estresse, baixa autoestima, depressão, ansiedade, apoio familiar, empregado, lazer); IV – Sinais de cifras pressóricas elevadas (cefaleia, alterações visuais, déficit neurológico, dor precordial, dispneia); V - Ocorrências de complicações (Internação, Acidente Vascular Encefálico (AVE), Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), angina, insuficiência cardíaca, neuropatia, aterosclerose, arritmias, doença vascular periférica); VI – Solicitação de exames (colesterol HDL e LDL, triglicerídeos, ureia, creatinina, potássio, ECG) e VII – Condutas (Figuras 1 e 2).
Os municípios de Patos-PB e Santa Terezinha-PB apresentam realidades distintas de funcionamento e processo de trabalho. Em Patos-PB o acolhimento do usuário ocorre na recepção, onde se dá a marcação de consulta e o encaminhamento do usuário para o profissional solicitado, porém sem a utilização do prontuário. Esta situação leva a perda de informações importantes para o seguimento de agravo. No município de Santa Terezinha-PB o acolhimento do usuário também se dava na recepção, todavia o usuário, portando o prontuário, era encaminhado para a sala do técnico de enfermagem, onde eram aferidas as medidas antropométricas, e de lá para a consulta com o enfermeiro ou o médico.
A amostra do estudo foi composta de 114 (71,3%) mulheres e 46 (28,8%) homens, com média de idade de 57,3 anos (DP = 13,8), a maioria com escolaridade inferior a 4 anos de estudo (92%), renda familiar de até dois salários mínimos (86,3%) e níveis pressóricos controlados (61,3%). O intervalo entre a primeira (T1) e a segunda (T2) consulta foi, em média, de 28,1 dias (DP ± 13,1), com duração média de 11,4 minutos (DP ± 2’,13’’).
A Tabela 1 retrata a reprodutibilidade intra e interexaminador dos itens do protocolo, considerando os tempos 1 e 2. A única dimensão que não teve sua reprodutibilidade testada foi a I - Caracterização do paciente, haja vista seus dados não sofrerem variações de resposta entre examinadores. A concordância intra e interexaminador variou de boa (K > 0,65 a K < 0,80) a ótima (K > 0,81). Os itens fumo e álcool, dimensão indicadores de saúde, apresentaram coeficiente K > 0,94, reprodutibilidade perfeita, caracterizando condições que não sofrem variações em curto intervalo de tempo.
Tabela 1 Coeficiente Kappa (K), variáveis dicotômicas, 2016.
Variável | Intraexaminador | Interexaminador | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
E1 (T1 x T2) | E2 (T1 x T2) | T1 (E1 x E2) | T2 (E1 x E2) | |||||
K (IC95%) | %C | K (IC95%) | %C | K (IC95%) | %C | K (IC95%) | %C | |
Atividade Física | 0,87 (0,79;0,95) | 93,7 | 0,85 (0,76;0,93) | 92,6 | 0,95 (0,90;0,10) | 97,6 | 0,96 (0,09;1,01) | 98,7 |
Dieta Hipossódica | 0,92 (0,84;1,00) | 96,9 | 0,86 (0,77;0,96) | 95,0 | 0,95 (0,90;1,01) | 98,1 | 0,90 (0,82;0,98) | 96,3 |
Dieta Hipolipídica | 0,91 (0,84;0,98) | 96,3 | 0,88 (0,79;0.96) | 95,0 | 0,97 (0,93;1,01) | 98,8 | 0,94 (0,88;1,00) | 97,5 |
Fumo | 1,0 (1) | 100 | 0,95 (0,89;1,03) | 98,8 | 1,0 (1) | 100 | 0,95 (0,89;1,02) | 98,8 |
Álcool | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 |
Insônia | 0,92 (0,85;0,98) | 96,2 | 0,91 (0,84;0,98) | 96,3 | 0,94 (0,89;1,00) | 97,5 | 0,94 (0,89;1,00) | 97,4 |
Interrupção Tratamento |
0,86 (0,75;0,97) | 96,3 | 0,88 (0,78;0,98) | 96,9 | 0,95 (0,90;1,02) | 98,7 | 0,93 (0,84;1,01) | 98,2 |
Estresse | 0,90 (0,83;0,97) | 95,0 | 0,90 (0,83;0,97) | 95,0 | 0,89 (0,81;0,96) | 94,4 | 0,94 (0,88;0,99) | 96,9 |
Depressão | 0,88 (0,79;0,97) | 96,3 | 0,90 (0,81;0,99) | 96,9 | 0,90 (0,82;0,99) | 96,9 | 0,96 (0,90;0,99) | 98,6 |
Ansiedade | 0,89 (0,79;0,99) | 96,3 | 0,88 (0,79;0,97) | 95,6 | 0,82 (0,72;0,93) | 93,8 | 0,91 (0,83;0,99) | 96,9 |
Baixa Autoestima | 0,86 (0,76;0,96) | 95,6 | 0,90 (0,82;0,99) | 96,9 | 0,90 (0,82;0,99) | 96,9 | 0,98 (0,94;1,02) | 99,4 |
Empregado | 0,99 (0,96;1,01) | 99,4 | 0,98 (0,95;1,02) | 99,4 | 0,99 (0,96;1,01) | 99,4 | 0,98 (0,95;1,02) | 99,4 |
Lazer | 0,88 (0,79;0,97) | 95,6 | 0,83 (0,78;0,88) | 93,8 | 0,84 (0,74;0,93) | 93,8 | 0,98 (0,95;1,11) | 99,4 |
Apoio Familiar | 0,89 (0,76;1,01) | 98,1 | 0,93 (0,82;1,03) | 98,8 | 0,92 (0,81;1,03) | 99,4 | 0,96 (0,89;1,04) | 98,8 |
Cefaleia | 0,87 (0,79;0,95) | 93,8 | 0,81 (0,71;0,90) | 95,6 | 0,91 (0,84;0,98) | 95,6 | 1 (0,88;1,10) | 95,0 |
Alterações visuais | 0,89 (0,80;0,97) | 95,6 | 0,87 (0,79;0,96) | 95,0 | 0,94 (0,88;1,00) | 97,5 | 0,95 (0,92;0,98) | 98,1 |
Déficit neurológico | 0,66 (0,52;0,79) | 92,5 | 0,75 (0,64;0,87) | 90,0 | 0,85 (0,76;0,94) | 93,8 | 0,94 (0,88;01,00) | 97,5 |
Dor precordial | 0,80 (0,69;0,91) | 92,5 | 0,84 (0,74;0,94) | 94,4 | 0,88 (0,80;0,97) | 95,6 | 0,97 (0,92;1,01) | 98,8 |
Dispneia | 0,85 (0,73;0,97) | 96,3 | 0,90 (0,79;1,00) | 97,5 | 0,87 (0,75;0,98) | 96,9 | 0,93 (0,84;1,01) | 96,9 |
Internação | 0,92 (0,83;1,00) | 97,5 | 1,0 (1) | 100 | 0,92 (0,83;1,00) | 97,5 | 0,96 (0,93;0,99) | 99,4 |
IAM | 0,92 (0,76;1,08) | 99,4 | 0,92 (0,76;1,08) | 99,4 | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 |
AVE | 0,96 (0,87;1,04) | 99,4 | 1,0 (1) | 99,4 | 0,96 (0,87;1,04) | 99,4 | 1,0 (1) | 100 |
Angina | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 | 0,92 (0,76;1,08) | 99,4 | 0,92 (0,76;1,08) | 99,4 |
Ins. Cardíaca | 1,0 (1) | 100 | 0,79 (0,77;0,81) | 98,1 | 1,0 (1) | 100 | 0,79 (0,77;0,81) | 98,1 |
Nefropatias | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 | 1,0 (1) | 100 |
Aterosclerose | 1,0 (1) | 100 | 0,95 (0,85;1,05) | 100 | 0,95 (0,86;1,05) | 100 | 1,0 (1) | 100 |
Arritmias | 1,0 (10 | 100 | 0,93 (0,82;1,03) | 98,1 | 0,89 (0,77;1,01) | 98,1 | 0,86 (0,75;0,97) | 97,5 |
DVP | 0,89 (0,78;1,00) | 97,5 | 0,84 (0,71;0,96) | 96,3 | 0,87 (0,75;0,98) | 96,9 | 0,92 (0,82;1,01) | 98,1 |
Colesterol | 0,94 (0,88;0,99) | 96,9 | 0,94 (0,88;0,99) | 96,9 | 0,95 (0,90;1,00) | 97,5 | 0,95 (0,90;1,00) | 97,5 |
Triglicerídeos | 0,94 (0,88;0,99) | 96,9 | 0,92 (0,86;0,99) | 96,3 | 0,94 (0,88;1,00) | 96,9 | 0,95 (0,90;1,00) | 97,5 |
Creatinina | 0,96 (0,92;1,00) | 97,5 | 0,95 (0,90;1,00) | 96,9 | 0,94 (0,88;0,99) | 96,9 | 0,95 (0,90;1,00) | 97,5 |
Ureia | 0,95 (0,90;1,00) | 98,1 | 0,94 (0,88;0,99) | 97,5 | 0,94 (0,88;0,99) | 96,9 | 0,95 (0,90;1,00) | 97,5 |
Potássio | 0,67 (0,65;0,70) | 95,6 | 0,87 (0,69;1,05) | 98,8 | 0,52 (0,49;0,54) | 93,8 | 0,81 (0,79;0,84) | 98,1 |
ECG | 0,92 (0,86;0,98) | 97,5 | 0,94 (0,86;1,01) | 98,1 | 0,88 (0,79;0,97) | 96,3 | 0,94 (0,86;1,01) | 98,1 |
(*)Todas as variáveis apresentaram p < 0,001; E = Examinador, sendo 1 (primeiro enfermeiro (pesquisador) e 2 (segundo enfermeiro (funcionário da ESF); T = Tempo, sendo 1 (primeiro momento) e 2 (segundo momento).
Na dimensão realização de exames, apenas o potássio (K de 0,52 – 0,87) apresentou concordância de regular a excelente. Os demais itens apresentaram concordância excelente (K 0,814 – 0,975).
A reprodutibilidade das variáveis contínuas foi testada por meio do CCI (Tabela 2). Todos os itens apresentaram concordância intraexaminador excelente (CCI 0,78 – 1,0).
Tabela 2 Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI) das variáveis contínuas, 2016.
Variável | Intraexaminador | Interexaminador | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
E1 (T1 x T2) | E2 (T1x T2) | T1 (E1x E2) | T2 (E1 x E2) | |||||
CCI | IC (95%) | CCI | IC (95%) | CCI | IC (95%) | CCI | IC (95%) | |
Altura | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 |
PAS | 0,98 | 0,97 - 0,894 | 0,87 | 0,82 - 0,90 | 0,85 | 0,79 - 0,89 | 0,98 | 0,97 - 0,61 |
PAD | 0,79 | 0,71 - 0,843 | 0,80 | 0,72 - 0,85 | 0,97 | 0,96 - 0,98 | 0,98 | 0,97 - 0,98 |
Peso | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 |
Cintura | 0,99 | 0,99 - 0,99 | 1,00 | 1 - 1 | 0,99 | 0,99 - 0,99 | 1,00 | 1 - 1 |
Quadril | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 |
CA | 0,99 | 0,99 - 1,00 | 0,99 | 0,99 - 1,00 | 1,00 | 1 - 1 | 1,00 | 1 - 1 |
(*)Todas as variáveis apresentaram p < 0,001.
As médias das medidas antropométricas e das pressões, intra e interexaminador, apresentaram variação < 1, implicando em medidas com alta confiabilidade (Tabela 3).
Tabela 3 Média das variáveis contínuas no teste e reteste, 2016.
Variável | Tempo 1 | Tempo 2 | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Examinador 1 | Examinador 2 | Examinador 1 | Examinador 2 | |||||
Média | DP | Média | DP | Média | DP | Média | DP | |
Altura | 1,57 | 0,095 | 1,57 | 0,095 | 1,57 | 0,095 | 1,57 | 0,095 |
PAS | 138,34 | 19,91 | 137,50 | 19,40 | 134,16 | 17,12 | 133,50 | 16,46 |
PAD | 87,16 | 11,49 | 86,62 | 10,82 | 84,81 | 9,37 | 84,91 | 9,36 |
Peso | 69,62 | 15,02 | 69,62 | 15,01 | 69,68 | 15,07 | 69,71 | 15,07 |
Cintura | 92,19 | 13,01 | 92,39 | 12,78 | 92,48 | 12,88 | 92,51 | 12,86 |
Quadril | 101,89 | 11,52 | 101,92 | 11,53 | 102,01 | 11,53 | 102,05 | 11,55 |
CA | 96,35 | 12,27 | 96,36 | 12,35 | 96,41 | 12,37 | 96,38 | 12,43 |
Discussão
O protocolo foi construído e validado pensando em contemplar as dimensões biopsicossociais dos usuários, como estratégia de promover um cuidar integral pela equipe interprofissional. A não disponibilização de alguns membros da equipe na participação da aplicação do protocolo tem respaldo na manutenção do modelo de assistência biomédico, centrado na doença/queixa. Para Cunha14, a responsabilização pela enfermidade, e não pelo sujeito doente, gera grandes entraves na efetivação da transformação da clínica no SUS.
A gestão do cuidar ao usuário com HA transcorre de forma distinta nos dois municípios. Em Patos-PB a consulta de acompanhamento do portador de hipertensão é realizada pelo profissional médico, ocorre a cada três meses, ou antes, se houver necessidade demandada pela condição clínica do usuário, e, rotineiramente, sem registro no prontuário. O acompanhamento realizado pelo enfermeiro acontece minimamente. Esta realidade faz com que o acompanhamento, na maioria das vezes, se restrinja à prescrição medicamentosa, cuja receita tem validade de três meses, conforme portaria ministerial19,20.
No município de Santa Terezinha a consulta de acompanhamento se dá mensalmente, pelo enfermeiro, e a cada três meses pelo médico, oportunidade para avaliar e ajustar a medicação. O enfermeiro, ao final de cada consulta, faz a transcrição da medicação. Todas as consultas são registradas no prontuário. A forma de condução da assistência ao usuário com HA no município de Santa Terezinha favorece o acompanhamento, a vinculação do usuário com o serviço e a equipe, e o controle da pressão arterial. Um acompanhamento estruturado, o estabelecimento de práticas definidas, humanizadas e focadas no trabalho em equipe, asseguram uma melhor assistência e consequentemente um restabelecimento da saúde mais efetivo21.
A amostra deste estudo foi caracterizada por usuários adultos, cadastrados e acompanhados pela equipe da ESF, com predominância da mulher, resultado semelhante a outros estudos22-24. Adultos maduros/idosos, com baixa escolaridade e baixa renda foram mais prevalentes. Estas características são comuns à maioria dos usuários dos serviços de APS22, pois apresentam uma alta dependência do Sistema Único de Saúde6.
O protocolo, no todo, apresentou-se de fácil entendimento tanto para ser aplicado pelos examinadores como para ser respondido pelos participantes do estudo. Isso lhe garante boa reprodutibilidade, testada estatisticamente com índice κ > 0,80 intra e interexaminador em todas as dimensões. Este valor caracteriza ótima concordância, conforme classificação adotada por Landis & Koch18. Reforçando este resultado, o CCI foi > 0,95 para todas as variáveis categóricas, representando excelente concordância segundo a classificação de Fleiss17. Este resultado vislumbra sua capacidade de servir como instrumento de gestão que, segundo Cunha14, possa romper a fragmentação das categorias profissionais.
As variáveis fumo e álcool apresentaram concordância intra e interexaminador perfeita (κ > 0,95). Fato justificado porque as mesmas se destacam como variáveis de condições bem definidas, que não sofrem variações em curto intervalo de tempo. Ferreira et al.13 chamam a atenção para a variabilidade da condição no tocante ao consumo e ao tempo que está sem consumir, haja vista que os efeitos no organismo se destacam como dose-dependente e com efeito cumulativo. Situação semelhante ocorreu com as variáveis altura, peso, cintura, quadril e circunferência abdominal, cujos valores só apresentam alterações significativas em espaço de tempo mais longo. A realização de exercícios moderados e a adoção de dieta com baixo teor de gorduras e açucares, por período de 12 semanas, apresentam impacto positivo na redução das medidas25.
A variável pressão arterial manteve concordância excelente (CCI > 0,75), apesar de apresentar diferença > 0,10 inter e intraexaminador do T1 para o T2. Esta diferença se justifica pela influência de diversos fatores, dentre eles emoção, cansaço, estresse e circunstâncias cotidianas20,21. O estresse emocional tem significativo potencial excitatório na reatividade cardiovascular em usuários com HA, principalmente o estresse interpessoal26.
Na dimensão indicadores de saúde, as variáveis interrupção do tratamento, realização de dieta hipossódica e hipolipídica apresentaram diferença de concordância entre o T1 e o T2 intra e interexaminadores. Esta diferença se deu de forma positiva, representada na mudança de comportamento de alguns participantes, em resposta às orientações recebidas durante a aplicação do instrumento. As orientações constituem, juntamente com as tecnologias de saúde, ferramentas úteis para identificar os fatores que necessitam de reforços e favorecem a adesão ao tratamento não medicamentoso, cujo objetivo é reduzir a incidência das complicações a partir de mudança comportamental27,28. É reconhecida a importância do papel da equipe multiprofissional no sucesso do tratamento do usuário, uma vez que, a partir de suas ações, a equipe influencia na quebra da resistência do paciente à mudança nos hábitos de vida, condição essencial na terapêutica da hipertensão26.
Nos indicadores psicossociais, as variáveis baixa autoestima e lazer mantiveram uma concordância ótima (K > 0,80), apesar de serem variáveis determinadas por situações e momentos vivenciados pelos usuários. Cabe ao profissional identificar quais os fatores que induzem a tal situação, para desenvolver intervenções que favoreçam uma atitude positiva do usuário27.
As variáveis das cifras pressóricas apresentaram diferenças superiores às demais, com a concordância variando de boa a ótima (K > 0,65). Percebe-se essa variação nas respostas decorrente da dificuldade de os usuários diferenciarem cefaleia, tosse e dor precordial de outras condições às quais estes sintomas estão associados, como viroses, cansaço, esforço físico extremo, dentre outras. Orientações e esclarecimentos são fundamentais para fazer essa diferenciação e preparar o usuário para identificar as crises hipertensivas, que, como destacam Pegoraro e Oliveira29, podem acontecer em qualquer lugar, ambiente e sujeito.
As ocorrências de complicações, definidas por diagnóstico médico, são facilmente identificadas pelo usuário e, por isso, apresentaram uma ótima concordância (K > 0,80) intra e interexaminador. O não controle dos níveis pressóricos aumentam as internações por HA e doenças cardiovasculares, das quais IAM, AVE e a insuficiência cardíaca apresentam alta prevalência20,21,30.
A concordância entre realização de exames variou de boa a ótima (K > 0,65). A maior variação incidiu sobre o potássio, por ser desconhecido pelos usuários e não fazer parte da rotina dos serviços, apesar de constar nas recomendações ministeriais20,21. A segurança nas respostas foi perceptível nos exames de colesterol, triglicerídeos e ECG, solicitados rotineiramente para acompanhamento das dislipidemias. Estudos31,32 encontraram percentual significativo de usuários com os valores de lipídeos elevados.
O propósito do protocolo desenvolvido por Dantas9 é de acompanhamento, por isso deve ser observada a periodicidade de retorno do usuário e manter um agendamento compatível com as diretrizes ministeriais, cuja recomendação é ser mensal, com no mínimo três consultas médicas no ano e registro da pressão no prontuário33. Ademais, o acompanhamento, processo sistemático e contínuo, permite a captação de mudanças no quadro clínico do usuário. Para Costa et al.34, o espaçamento prolongado entre uma consulta e outra impede uma real avaliação das ações orientadas e desenvolvidas, por isso a periodicidade deve ser pensada a partir do contexto e dos recursos disponíveis.
O protocolo mostrou-se confiável e propício à sua reprodução em outras unidades de saúde que acompanham o usuário hipertenso. A manutenção dessa confiabilidade depende da identificação e resolução de interferências que ocorrem no processo de aplicação. Dentre estas estão os contaminantes situacionais, tendenciosidade no conjunto das respostas, fatores pessoais transitórios, variações de administração e clareza do instrumento17.
Quatro limitações neste estudo se tornaram evidentes. A primeira diz respeito ao tempo (longo) decorrido entre a aplicação do T1 e T2, devido os usuários terem uma rotina de retorno estabelecida e não adotarem o tempo solicitado na pesquisa. Além disso, outros pontos foram determinantes para esta situação, tais como greve e paralisações dos trabalhadores de saúde, problemas de saúde com os examinadores, ocorrência de festividades juninas por mais de 30 dias, número significativo de usuários com chikungunya. Um período longo entre os testes pode implicar em mudanças nas respostas, principalmente nas variáveis que necessitam de mensuração e/ou mudança de comportamento, mas pode-se perceber, mediante valores estatísticos (κ > 0,80 intra e interexaminador em todas as dimensões e CCI > 0,95 nas variáveis contínuas) e embasamento na literatura, que isto não prejudicou os resultados adquiridos. A segunda, ao conhecimento e entendimento dos usuários com HA das questões apresentadas, pois as respostas são autorreferidas. A terceira, à forma como se processa a gestão do cuidar ao usuário com HA, que transcorre de forma distinta nos dois municípios. A quarta, ao fato do protocolo ter sua reprodutibilidade testada apenas com enfermeiros, em virtude da não disponibilidade dos profissionais médicos e odontólogos.
Conclusão
O protocolo se apresentou com adequada confiabilidade. A concordância em todas as dimensões e na maioria dos itens se mostrou excelente, demonstrando tratar-se de um instrumento estável, em que não há necessidade de ajustes. Sendo assim, constitui-se uma tecnologia em saúde para fortalecer a gestão do cuidado ao usuário hipertenso.