Introdução
O leite materno é um fluido biológico complexo que possui quantidades adequadas de componentes essenciais para a saúde, crescimento e desenvolvimento da criança, tais como nutrientes1, fatores imunológicos, tróficos2,3, hormônios4,5 e bactérias importantes para modulação da microbiota intestinal do recém-nascido6. A amamentação fornece, a curto e longo prazo, vantagens econômicas e ambientais em relação à saúde das crianças, mulheres e sociedade7.
O aleitamento materno é recomendado em regime exclusivo, como única fonte de nutrientes nos seis primeiros meses de vida. Após esse período, recomenda-se a introdução alimentar, porém tendo ainda como base o aleitamento que deve ser mantido por dois anos ou mais da criança8.
Diversos estudos sugerem que a composição nutricional do leite materno pode ser modificada por diferentes fatores como a idade materna9, o estilo de vida, a ingestão alimentar materna10, o estágio da lactação, o tipo de parto11, as desordens maternas (hipertensão arterial e diabetes mellitus)12,13, entre outros.
Além desses fatores, o excesso de peso da mulher tem sido considerado uma condição capaz de modificar a composição nutricional do leite materno14. No entanto, ainda não há um consenso entre os estudos que buscaram avaliar essa associação2,3.
Portanto, a presente revisão sistemática tem como objetivo identificar a associação entre o excesso de peso e a composição nutricional do leite materno.
Métodos
Foi realizada revisão sistemática da literatura que consistiu na busca de artigos científicos que avaliaram a associação entre o excesso de peso e a composição nutricional do leite materno. Os artigos foram selecionados através das seguintes bases de dados: PubMed, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), EMBASE, Web of Science e SCOPUS.
Para estratégia de busca foram empregados os descritores “Milk Human” and “Obesity” or “Overweight” or “Body Mass Index”. A busca dos artigos foi realizada entre 18 de maio e 04 de junho de 2018 por dois pesquisadores de forma independente. As listas de referências dos artigos selecionados também foram examinadas para identificar publicações elegíveis.
Foram selecionadas para leitura na íntegra todas as publicações potencialmente elegíveis. A extração de dados e classificação final quanto à inclusão na revisão foram realizadas de forma independente, sendo os resultados comparados e as discordâncias solucionadas por consenso entre os dois revisores.
Os artigos foram considerados sobre os seguintes critérios de inclusão: estudos observacionais que avaliaram a associação entre o excesso de peso e a composição nutricional do leite materno (carboidrato e/ou gordura e/ou proteína e/ou frações dos macronutrientes e/ou energia).
Não houve delimitação de período de publicação ou restrição por idioma. Foram excluídos os artigos realizados com ratos, com desfechos díspares ao estabelecido para esta revisão, que avaliaram alterações na microbiota, na composição hormonal e artigos que foram realizados com mães de bebês pré-termo ou com qualquer tipo de malformação.
Na tabela de extração dos dados foram registrados: ano de publicação, tipo de estudo, país de origem, tamanho da amostra, perdas, idade das participantes, grupos étnicos, indicadores de avaliação antropométrica, critérios de elegibilidade, critérios de exclusão, conteúdo nutricional analisado, método utilizado para avaliar a composição nutricional do leite materno, período que o leite foi avaliado, tipo de leite avaliado (colostro, transição, maduro), fatores de confusão controlados na análise e principais resultados.
Foi utilizado o checklist baseado na diretriz Preferred Reporting Items for Systematic Reviews (PRISMA) que auxilia os autores a aperfeiçoarem os relatos de revisões sistemáticas. O resumo dos estágios do processo de seleção dos artigos presentes nesta revisão sistemática está disposto no fluxograma abaixo (Figura 1).
Resultados
Segundo a estratégia estabelecida, a busca bibliográfica resultou em 435 artigos após remoção das duplicatas. Desse total, 12 artigos foram selecionados para leitura dos resumos e nove foram inseridos para compor a presente revisão sistemática. Não foram acrescidos artigos advindos das listas de referências dos artigos lidos.
A Tabela 1 apresenta as principais características dos nove artigos incluídos, em ordem crescente do período de publicação do estudo. Embora não tenha sido delimitado período de publicação, os artigos selecionados foram publicados entre os anos de 2005 e 2017.
Tabela 1 Características dos estudos selecionados sobre o impacto do excesso de peso na composição nutricional do leite materno, 2005-2017.
Autor | Ano | Tipo de estudo | País | Amostra n total e n por grupo | Perdas de seguimento | Idade (anos) | Grupos étnicos | Indicadores de avaliação antropométrica | Média do índice de massa corporal pré-gestacional (Kg/m2) | Critério de elegibilidade | Critério de exclusão |
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Marín et al.15 | 2005 | Transversal | Argentina | 46 21 eutróficas, 16 sobrepeso, 9 obesas |
Não houve perda | 16-39 | NI | Peso, altura, IMC | NI | Mulheres que deram à luz a bebês saudáveis a termo (38-42 semanas de idade gestacional) | NI |
Storck Lindholm et al.19 | 2013 | Coorte/ intervenção | Suécia | 82 41 eutróficas, 41 obesas, das quais 29 fizeram parte do grupo de intervenção |
Não houve perda | Eutróficas: 32.07 ± 4.11 Obesas sem intervenção: 30.5 ± 5.71 Obesas com intervenção: 32.17 ± 3.71 |
NI | IMC pré-gestacional e durante gestação (32 e 36 semanas) | Eutróficas: 22 ± 1.81 Obesas sem intervenção: 35 ± 3.81 Obesas com intervenção: 36 ± 5.01 |
NI | Parto prematuro (< 37 semanas), gestação múltipla e/ou bebês com grandes malformações |
Mäkelä et al.16 | 2013 | Transversal | Finlândia | 163 49 eutróficas, 51 excesso de peso |
Não houve perda | Eutróficas: 29.7 (3.6)1 Excesso de peso: 31.0(5.0)1 |
NI | IMC pré-gestacional | Eutróficas: 20.9 (2.1)1 Excesso de peso: 29.7 (3.3)1 |
NI | NI |
Linderborg et al.17 | 2014 | Transversal | Finlândia | 40 Eutróficas com escolhas alimentares recomendadas Eutróficas com escolhas alimentares não recomendadas Excesso de peso com escolhas alimentares recomendadas Excesso de peso com escolhas alimentares não recomendadas |
Não houve perda | 30.01 ± 3.961 | NI | IMC pré-gestacional | Eutróficas com escolhas alimentares adequadas: 20.81 ± 1.691 Eutróficas com escolhas alimentares não adequadas: 21.41 ± 2.311 Excesso de peso com escolhas alimentares adequadas: 29.79 ± 2.851 Excesso de peso com escolhas alimentares não adequadas: 31.22 ± 4.251 |
NI | NI |
Fujimori et al.2 | 2015 | Transversal | Brasil | 68 25 eutróficas, 24 sobrepeso, 19 obesas |
Não houve perda | Eutróficas: 25.0 (18-37)2 Sobrepeso: 24.1 (18-37)2 Obesas: 26.8 (21-38)2 |
NI | IMC pré-gestacional | Eutróficas: 21,4 (18,4 - 24,4)2 Sobrepeso: 26,6 (25,2 - 28,6)2 Obesas: 34,7 (30,1 - 47,9)2 |
Mulheres com seios sem fissuras nos mamilos ou mastite; que estavam amamentando exclusivamente seus bebês | Gestações múltiplas, malformação fetal e nascimentos antes da 37a semana gestacional |
Panagos et al.18 | 2016 | Coorte | EUA | 42 21 eutróficas, 21 obesas |
Não houve perda para avaliação da composição nutricional do leite | Eutróficas: 31 ± 3.71 Obesas: 30 ± 5.71 |
Multiétnico (Hispânicas, caucasianas, americanas africanas, asiáticas) | Peso, altura e IMC pré-gestacional | Eutróficas: 22 (1.9)1 Obesas: 35 (4.0)1 |
Recrutadas no Centro Médico Tufts Visite entre 34 e 40 semanas de idade gestacional. As mulheres que planejavam oferecer leite materno como a principal forma de nutrição para seus bebês e estavam dispostas a fornecer uma amostra de leite materno em uma visita de estudo entre 4 a 10 semanas pós-parto | Parto antes de 35 semanas de idade gestacional, gestação múltipla, uso de tabaco, restrição de crescimento intrauterino, anomalias fetais, natimorto. |
De Luca et al.4 |
2016 | Transversal | França | 100 50 eutróficas, 50 obesas |
Não houve perda | Eutróficas 30.1 ± 4.21 Obesas 30.2 ± 4.71 |
NI | Peso, altura e IMC | Eutróficas: 21,6 ± 1,41 Obesas: 34,3 ± 3,91 |
Amamentação contínua até 1 mês | Doença crônica ou gestacional preexistente, tabagismo durante a gravidez, gravidez gemelar, prematuridade, baixo peso ao nascer ou hospitalização no período neonatal |
Young et al.3 | 2017 | Coorte | Estados Unidos | 48 26 eutróficas, 22 excesso de peso |
Não houve perda | Eutróficas 30.8 ± 2.61 Obesas 30.3 ± 3.91 |
NI | IMC pré-gestacional | Eutróficas: 21,4 ± 2.01 Obesas: 30,4 ± 4.21 |
Idade materna de 21 a 36 anos, com IMC pré-gestacional de 17,0 a 39,9 kg/m2, feto único, planejando amamentar exclusivamente durante pelo menos quatro meses, saudáveis, parto no hospital do estudo | Mulheres com doenças médicas crônicas que exigem tratamento, como doença cardiopulmonar, reumatológica ou renal ou diabetes pré-existente, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia ou parto prematuro |
Hahn et al.20 | 2017 | Transversal | Coreia do Sul | 80 20 eutróficas entre os 20 anos, 20 eutróficas entre os 30 anos, 20 Sobrepeso entre os 20 anos e 20 Sobrepeso entre os 30 anos |
NI | Eutróficas > 20 e < 30 Obesas > 30 |
NI | IMC | NI | Mães que amamentavam exclusivamente, deram à luz a um bebê saudável, sem quaisquer doenças da mama incluindo doenças inflamatórias, começaram a lactar desde o primeiro dia do parto e de crianças com peso normal ao nascer, perímetro cefálico e altura de nascimento | Mães com alguma doença incluindo diabetes mellitus gestacional e doenças hipertensivas |
1Dados de média;
2Dados de mediana; NI= Não informado.
Em relação ao tipo de desenho, seis estudos foram seccionais e três foram coorte. Quanto ao local dos estudos, observou-se que um foi realizado na Ásia, dois na América do Sul, quatro na Europa e dois na América do Norte.
Em relação a avaliação antropométrica das mulheres, apenas um estudo mediu o peso e a estatura para o cálculo do índice de massa corporal (IMC), dois estudos utilizaram dados autorreferidos e seis, não informaram o método utilizado para o cálculo do IMC. Quanto ao momento da avaliação antropométrica, seis estudos avaliaram o IMC no período pré-gestacional e os demais não pontuaram o momento que foi realizada a avaliação antropométrica.
A Tabela 2 apresenta as principais características do leite, fatores de confusão controlados e principais resultados. Quanto ao tipo de leite materno analisado (colostro, maduro e/ou transição), um estudo observou apenas o colostro, seis analisaram apenas o leite maduro e dois avaliaram diferentes fases da lactação. Não houve um padrão em relação ao método utilizado para avaliação da composição de macronutrientes, apresentando padrão apenas para análise de ácidos graxos.
Tabela 2 Características das análises, fatores de confusão e principais resultados encontrados, 2005-2017.
Autor | Conteúdo nutricional analisado | Método utilizado para avaliar a composição do leite materno | Período que o leite foi avaliado | Momento de avaliação do leite materno (colostro, transição, maduro) | Fatores de confusão controlados na análise | Principais resultados |
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Marín et al.15 | Lipídeo (ácidos graxos) e proteína | Lipídeo total: Folch Ácidos graxos: cromatografia gasosa Proteína: Lowry et al |
1 e 3 meses | Maduro3 | NI | A proteína no leite materno não foi modificada pelo estado nutricional da mulher. Houve maior concentração de lipídeos totais, ácido linoleico, ácidos graxos poliinsaturados (ômega 6) entre as puérperas obesas. |
Storck Lindholm et al.19 | Lipídeo (ácidos graxos) | Ácidos graxos: cromatografia gasosa e líquida | 3 dias, 10 dias, 1 mês e 2 meses | Colostro1, Transição2 e Maduro3 (posterior) | NI | As concentrações de ômega 6 no leite materno foram superiores nas eutróficas no terceiro dia após o nascimento e de ômega 3 foi inferior nas obesas sem intervenção. A proporção de ômega 6/ ômega 3 foi maior no leite das obesas sem intervenção em comparação com os outros dois grupos. As mães obesas que tiveram acompanhamento dietético tiveram concentrações de ácidos graxos poliinsaturados próximas em relação às eutróficas. |
Mäkelä et al.16 | Lipídeo (ácidos graxos) | Ácidos graxos: cromatografia gasosa | 3 meses | Maduro3 | Dieta materna | As mulheres com excesso de peso tiveram uma quantidade significativamente maior de ácidos graxos saturados e menor quantidade de ômega 3 quando comparadas às puérperas eutróficas. Além disso, a proporção de ácidos graxos insaturados e saturados foi significativamente menor e a proporção de ômega 6 para ômega 3 foi maior em mulheres com excesso de peso. |
Linderborg et al.17 | Lipídeo (ácidos graxos e triglicerídeos) | Ácidos graxos: cromatografia gasosa | 3 meses | Maduro3 | NI | As puérperas eutróficas com escolhas alimentares recomendadas tinham mais ácido linolênico e menos fragmentos de diacilglicerol no leite em relação às mães eutróficas com escolhas alimentares não recomendadas |
Fujimori et al.2 | Lipídeo (colesterol, triglicerídos), glicose e proteína | Lipídeo total: Método colorimétrico enzimático Glicose: Sistema enzimático Proteína: Método colorimétrico de Biuret |
48-72 horas pós-parto | Colostro1 | Idade materna, idade gestacional no momento do parto, tabagismo, hipertensão arterial, índice de massa corporal pré-gestacional, diabetes pré-gestacional e diabetes gestacional | Foi encontrado aumento da caloria, gordura, glicose no colostro de mulheres obesas. A concentração de proteína foi similar entre os grupos |
Panagos et al.18 | Lipídeo, lactose, proteína | Lipídeo total, Lactose e Proteína: equipamento Julie Z7 Automatic MilkoScope por técnica de ultra-som Ácidos graxos: método Folch modificado, seguido de saponificação e metilação |
2 meses | Maduro3 | NI | O leite maduro de puérperas obesas conteve quantidade inferior de ômega 3, entretanto não houve associação entre o IMC pré-gestacional, densidade calórica e macronutrientes do leite materno |
De Luca et al.4 |
Proteína (aminoácidos) | Aminoácidos livres: cromatografia líquida de ultraperformance e espectrometria de massa em tandem | 1 mês | Maduro3 | NI | A quantidade de aminoácidos de cadeia ramificada foi 20% superior no leite maduro de puérperas obesas e 30% em relação a tirosina |
Young et al.3 | Lipídeo; lactose; proteína; caloria | Lipideo: crematócrito; Lactose: digestão enzimática Proteína: versão modificada do método de Bradford |
2 semanas, 1,2,3,4 meses | Transição2 e Maduro3 (Anterior e posterior) | NI | Não houve associação entre o IMC pré-gestacional e a concentração de lipídeo, lactose e proteína |
Hahn et al.20 | Lipídeo, proteína, lactose, caloria | MIRIS | 4 semanas | Maduro3 | Idade materna | A interação entre a idade materna e o IMC modificou os macronutrientes do leite de diferentes maneiras, de acordo com os diferentes subgrupos |
1Colostro: Até 5 dias após o parto;
2Transição: 6 até 15 dias após o parto;
3Maduro: > 15 dias após o parto. NI - não informado.
Em relação aos fatores de confusão controlados na análise, observou-se que três artigos realizaram ajustes nas análises.
Quanto à associação entre excesso de peso e conteúdo nutricional do leite materno, dos nove artigos selecionados, cinco encontraram que o excesso de peso da mulher alterou a concentração das frações lipídicas (redução da quantidade de ômega 316-19 e aumento da quantidade de ômega 615,16,19 e triglicerídeos17). Além da alteração que o excesso de peso acarretou nas frações lipídicas, também foi observado em três estudos aumento no conteúdo total de gordura2,15,20. Quanto à fração proteica, apenas um estudo verificou aumento em torno de 20% da concentração de aminoácidos de cadeia ramificada no leite de mulheres obesas21. Em relação ao conteúdo de carboidratos, um estudo observou concentração 2,5 vezes maior de glicose no colostro de mulheres obesas em relação às eutróficas2. Apenas um estudo não apresentou associação significativa entre os macronutrientes no leite materno e a composição corporal da mulher3.
Discussão
O excesso de peso é considerado um problema mundial que ocorre tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Essa questão precisa ser enfrentada em todas as fases da vida, particularmente em mulheres no período reprodutivo22 e gestacional23 devido às inúmeras consequências negativas que essa condição pode acarretar para o binômio maternoinfantil23.
Alguns estudos têm avaliado o possível impacto que o excesso de peso exerce na composição nutricional do leite materno2,20. Entretanto, os resultados desses artigos são divergentes principalmente no que tange o conteúdo nutricional avaliado, os métodos utilizados para avaliação da composição nutricional do leite, o tipo de leite analisado (colostro, transição e maduro), o controle de fatores de confusão na análise, entre outros.
Em relação aos lipídeos, foram observados resultados semelhantes em relação a associação entre o excesso de peso da mulher e os ácidos graxos com base no método de cromatografia gasosa nos estudos conduzidos por Marin et al.15, Mäkelä et al.16, Linderborg et al.17 e Storck Lindholm et al.19. Esses estudos observaram que nas mulheres com excesso de peso ocorreu aumento da proporção da quantidade de ômega 6 em relação ao ômega 3 bem como houve redução de ômega 3 no leite materno. Panagos et al.18 realizaram um estudo de coorte para avaliação da composição corporal de recém-nascidos e uma análise transversal para obtenção da composição nutricional do leite humano de 42 mulheres aos dois meses de vida da criança. Os autores observaram que não houve diferença na quantidade de ácidos graxos saturados, monoinsaturados e poliinsaturados do tipo ômega 6 no leite maduro de obesas utilizando o método de Folch modificado. No entanto, o resultado desse artigo foi semelhante aos demais citados em relação ao conteúdo inferior de ômega 3 no leite maduro dessas mulheres. Ressalta-se que esses achados corroboram com inúmeros estudos que já demonstraram que o excesso de peso gera um estado inflamatório marcado pelo aumento da quantidade de ômega 6 e redução de ômega 316,17,19.
Diferente dos estudos citados acima, os estudos conduzidos por Fujimori et al.2 e por Young et al.3 não observaram diferenças estatisticamente significativas na concentração de lipídeos no leite de mulheres com excesso de peso em relação às eutróficas. O estudo de Fujimori et al.2 se diferenciou dos demais em relação ao tipo de lipídeo avaliado (triglicerídeos), ao método utilizado para avaliar a composição do leite materno (colorimétrico enzimático) e ao tipo de leite (colostro). Já a coorte conduzida por Young et al.3, analisou a concentração de gordura presente no leite de transição e maduro utilizando o crematócrito, porém durante a coleta não houve extração completa do leite, o que consequentemente pode ter interferido na concentração de gordura, visto que existe diferença na quantidade de lipídeos no leite anterior e posterior24.
Hahn et al.20, em um estudo transversal com 80 puérperas, analisaram a concentração de lipídeo presente no leite maduro utilizando o Miris que é um equipamento já validado para análise do leite materno25. Os autores observaram que a idade materna e o estado nutricional modificaram a composição de lipídeo no leite materno. Segundo os autores, as mulheres com excesso de peso e entre os 30 anos tiveram uma concentração lipídica superior em relação às eutróficas com a mesma idade. Não houve esclarecimentos por parte dos autores em relação aos achados encontrados. Argov-Argaman et al.26 tiveram como objetivo avaliar se a idade materna era um fator associado às mudanças nas concentrações de ácidos graxos no leite materno. Os autores observaram que o conteúdo lipídico foi maior entre as mulheres acima de 37 anos. Lubetzky et al.27 observaram que a concentração de lipídio no leite de transição é maior em mulheres acima de 35 anos. Todavia, ambos destacaram que o mecanismo e a plausibilidade biológica para tais achados são desconhecidos.
Em relação aos carboidratos, a lactose foi o dissacarídeo mais abordado entre os estudos possivelmente por ser a fração glicídica mais expressiva no leite materno3,20. Contudo, Fujimori et al.2 foi o único estudo que avaliou a concentração de glicose no colostro. Os autores observaram que a quantidade desse monossacarídeo foi superior entre as puérperas obesas. Todavia, os autores não elucidaram os achados encontrados. Os demais estudos não observaram diferenças na quantidade de carboidratos no leite materno de mulheres com excesso de peso3,18,20.
Em relação à proteína presente no leite materno, observou-se que o excesso de peso da mulher não modificou a quantidade desse macronutriente3,18,20. Todavia, os resultados são diferentes quando os aminoácidos são avaliados. De Luca et al.21 observaram que o leite maduro de mulheres obesas continha 20% a mais de aminoácidos de cadeia ramificada e 30% a mais de tirosina em relação ao leite materno das eutróficas. Destaca-se que o aumento da quantidade de aminoácidos de cadeia ramificada pode modificar a secreção e sensibilidade da insulina acarretando desfechos negativos para a mulher e bebê28.
Em relação à avaliação antropométrica da mulher para realização do diagnóstico nutricional, a maioria dos artigos selecionados utilizaram o peso e a estatura pré-gestacional para o cálculo do IMC. Embora esta medida seja utilizada para a realização do diagnóstico nutricional em todas as fases do curso da vida29, sabe-se que esse índice não é adequado para quantificar a gordura corporal5. Logo, para o diagnóstico do estado nutricional é importante que seja realizada, além do cálculo do IMC, a avaliação da composição corporal30.
Em relação ao controle de potenciais variáveis confundidoras, com exceção do estudo conduzido por Fujimori et al.2, Mäkelä et al.16 e Hahn et al.20, os demais estudos selecionados não se detiveram no controle de potenciais fatores associados à composição nutricional do leite materno. Esse dado deve ser levado em consideração, visto que esse desfecho pode ser modificado por outros fatores para além do estado nutricional da mulher12,13. Exemplificando o efeito que o fumo e o consumo alimentar podem acarretar sobre o perfil nutricional do leite materno, Mäkelä et al.16 observaram que o fumo diminuiu a quantidade de ômega 3 e aumentou, de ômega 6 no leite materno. Em relação ao consumo alimentar, apenas dois avaliaram a influência dessa variável sobre a quantidade lipídica no leite materno. Ressalta-se que a alimentação da puérpera é apontada por diversos estudos como um fator associado às alterações nas concentrações lipídicas e no perfil de ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa no leite materno31,32 ratificando a necessidade de ajuste dessas e de outras importantes variáveis nas análises.
Em relação às perdas de seguimento, apenas dois artigos selecionados para compor essa revisão sistemática tiveram perdas em suas amostras16,21 e a coorte conduzida por Marin et al.15 não informou o quantitativo de perdas. Portanto, as estimativas de associação podem estar comprometidas pela presença das perdas de seguimento e/ou por não terem realizado o controle de importantes fatores de confusão.
Mesmo que as estimativas dos estudos selecionados possam estar comprometidas, ainda continua sendo de suma importância a vigilância nutricional antes da ocorrência da gestação, de preferência na consulta pré-concepcional, para que a mulher inicie a gestação com peso adequado favorecendo, dentre outros inúmeros aspectos, a produção de leite com perfil nutricional adequado.