Introdução
O termo “atenção básica” ou “atenção básica à saúde” tem seu uso a poucos países como o Brasil. No mundo, desde a Conferência de Alma-Ata de 1978, no Cazaquistão, o termo “atenção primária à saúde” (“cuidados primários de saúde”, em Portugal; “atención primária de salud” em espanhol, e “primary health care” em inglês) é utilizado para designar o cuidado no primeiro nível de atenção, que pode ser definido tal como Starfield1 como aquele que se caracteriza por quatro atributos essenciais: acesso de primeiro contato, longitudinalidade, coordenação do cuidado e integralidade. Diferencia-se ainda quando além desses, estão presentes também outros três atributos, denominados, atributos derivados: orientação familiar, comunitária e competência cultural.
No Brasil, a então chamada “atenção básica em saúde” contemplou ao longo das décadas qualquer serviço ambulatorial prestado em postos e centros de saúde. Por exemplo, historicamente, o IBGE desde a década de 1970 foi o primeiro órgão a sistematizar nacionalmente uma análise dos estabelecimentos de saúde sem internação (denominação dada por este órgão aos postos e centros de saúde com cuidado ambulatorial) em seu inquérito administrativo intitulado “Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária - AMS”2. O Brasil se destaca no cenário mundial por oferecer um dos maiores sistemas públicos de cobertura universal do mundo, reconhecido por diversos autores3 e baseado na atenção primária à saúde. No país, a oferta de ações, serviços e procedimentos é desenvolvida por uma rede de unidades de atenção primária à saúde (postos e centros de saúde, unidades de saúde familiar) de responsabilidade majoritariamente municipal. Nessa modalidade de prestação de serviços existiam até abril/2020, 47 mil estabelecimentos de saúde em praticamente todos os 5.570 municípios e Distrito Federal4. A relevância e capilaridade dessa rede de APS demonstrou sua importância ao acolher no 1º semestre de 2020 as pessoas com sintomas leves de síndrome gripal, no contexto da pandemia do novo coronavírus COVID-195. Segundo o IBGE6 em sua PNAD COVID-19, dos 24 milhões de brasileiros com sintomas de síndrome gripal em maio/2020, 84,3% não buscaram unidade de saúde. Dentre esses que não procuraram unidade de saúde e ficaram em casa, mais de 500 mil receberam visita de algum profissional de equipe de saúde da família ou agente comunitário de saúde. Portanto, a APS ampliou em parte o acesso da população ao cuidado, apoiando a operacionalização das ações de vigilância em saúde dos casos leves e seus contatos, minimizando o afluxo de pacientes aos serviços de urgência e emergência, contribuindo para minimizar o colapso do SUS durante a pandemia.
Na Revista Ciência & Saúde Coletiva, em 1998, Hartz e Pouvourville7, depois Hartz8, em 1999, em 2002, Bodstein9 e também Costa e Pinto10 foram os primeiros autores a abordar, debater e investigar a questão das experiências de avaliação em saúde (inicialmente como avaliação de programas) e da projeção da atenção básica na agenda da saúde pública brasileira, respectivamente em 1999 e 2002. Posteriormente, dezenas de estudos foram publicados pela Revista descrevendo, analisando e avaliando experiências locais, regionais e internacionais na área da atenção primária à saúde. A proposta desse texto é refletir, através de uma revisão da literatura as contribuições desses autores e as temáticas predominantes abordadas pelos mesmos na contribuição para a Saúde Coletiva brasileira, sem pretender esgotar o debate.
Metodologia
Buscamos responder às seguintes perguntas: (i) como os autores da Revista Ciência & Saúde Coletiva abordaram a temática da avaliação em saúde desde 1996, partindo do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), do Programa de Saúde da Família (PSF), para a atenção básica, para a Estratégia de Saúde da Família até chegar à atenção primária à saúde?, (ii) atenção básica e atenção primária à saúde foram analisadas como sinônimos, conceitos construídos ou em construção nos artigos sobre avaliação em saúde publicados pela Revista Ciência & Saúde Coletiva nos últimos 25 anos?, (iii) a criação da Secretaria Nacional de Atenção Primária à Saúde (SAPS) pelo Ministério da Saúde do Brasil em 2019, à luz das questões anteriores, definem uma mudança no paradigma para a avaliação em saúde nos últimos 25 anos ou trata-se apenas de mudança semântica na publicação dos artigos posteriores?
O conjunto de estudos analisados foi identificado através de pesquisa bibliográfica integrativa, de forma a sistematizar e seguir a mesma metodologia de Assis et al.11.
Critérios de busca
Utilizamos como única fonte a base de dados da Revista Ciência & Saúde Coletiva no SciELO, para o período completo de suas edições até seus 25 anos, ou seja, o período de setembro/1996 até abril/2020, considerando quaisquer dos índices indexados nos idiomas português ou inglês, com as chaves de busca “E” ou “AND” e as seguintes combinações de palavras-chave: “avaliação e atenção primária”, “Atenção Primária à Saúde e avaliação de serviços de saúde”, “Atenção Primária à Saúde e qualidade da assistência à saúde”, “avaliação da atenção básica”, “serviços básicos de saúde”, “avaliação e cuidados de saúde primários”, “avaliação em Saúde e Saúde da Família”, “Avaliação e Saúde da Família”, “Avaliação e agentes comunitários de saúde”, “Avaliação e Programa de Saúde da Família”.
Embora o termo “avaliação” não estivesse associado aos termos “serviços básicos de saúde”, “atenção primária à saúde e pagamento por desempenho”, “atenção primária à saúde e pesquisa em serviços de saúde”, “atenção primária à saúde e internações por condições sensíveis à atenção básica/primária”, “Programa de Saúde da Família”, “Agente comunitário de saúde”, “agentes comunitários”, optamos por incluí-lo na busca inicial para uma leitura abrangente e captura de todos os resumos, tendo em vista, que a área da avaliação de programas, com o então PACS e PSF, terem sido no final das décadas de 1990/2000, analisadas sob a perspectiva descritiva e epidemiológica.
Elaboramos no Excel, um extenso banco de dados contendo variáveis descritoras de cada um dos artigos levantados para a realização da pesquisa bibliográfica, realizada e aqui analisada em duas etapas e em parte dos resultados, estratificamos a análise em dois grupos, artigos publicados até 2010 x artigos publicados depois de 2010. Isso porque depois de 2010, a revista passou a ter periodicidade mensal e gostaríamos de medir o efeito dessa mudança na publicação dos artigos.
Na 1ª etapa, encontramos relacionados na base, um total 201 artigos, para os quais foram lidos os resumos e pré-selecionamos 181, após a extração de textos duplicados e de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. No primeiro caso, incluímos os textos: (i) com foco na avaliação em saúde simultaneamente à abordagem na atenção ambulatorial/básica/atenção primária, (ii) com abordagem de programas de Saúde, atenção básica, cuidados básicos de saúde, atenção primária associados à avaliação de programas, políticas ou serviços de saúde. Já entre os critérios de exclusão, consideramos: (i) estudos de revisão de literatura, (ii) avaliações em saúde, sem foco na atenção básica/atenção primária, (iii) artigos duplicados, (iv) foco específico em análises descritivas sem associação com avaliação, (v) idiomas não acessíveis (outros além do português, inglês, espanhol e francês).
Na 2ª etapa, após analisar os resumos, eliminaram-se 115 artigos, especialmente aqueles cujas palavras-chave iniciais não estavam relacionadas simultaneamente e direta ou indiretamente ao objeto da revisão sistemática (avaliação em saúde e atenção básica/atenção primária). Portanto, a amostra final da 2ª etapa para a qual foi realizada a leitura completa dos textos foi composta por 65 artigos (Tabela 1).
Tabela 1 Revisão bibliográfica sobre avaliação e atenção primária à saúde: artigos eliminados pelo resumo e amostra final pelos critérios de inclusão e exclusão. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1996-2020.
Palavras-chave pesquisadas | N° de estudos | ||
---|---|---|---|
Pré-selecionados (N) | Eliminados pelo resumo (e) | Revisão pelos critérios gerais de inclusão (n = N - e) | |
01. Agente comunitário de saúde, agentes comunitários, agentes comunitários de saúde/Programa de Saúde da Família | 44 | 40 | 4 |
02. Atenção básica, atenção básica à saúde, atenção básica em saúde, atenção básica de saúde | 55 | 42 | 13 |
03. Cuidados de saúde primários | 7 | 4 | 3 |
04. Basic health services/primary health care | 4 | 2 | 2 |
05. Serviços básicos de saúde | 4 | 4 | 0 |
06. Atenção primária à saúde e pagamento por desempenho | 1 | 0 | 1 |
07. Atenção primária à saúde e pesquisa em serviços de saúde | 1 | 0 | 1 |
08. Atenção primária à saúde e internações por condições sensíveis à atenção básica/primária | 4 | 0 | 4 |
09. Avaliação da atenção básica | 4 | 0 | 4 |
10. Avaliação de desempenho ou avaliação de desempenho de serviços básicos de saúde | 1 | 0 | 1 |
11. Avaliação e agentes comunitários de saúde/Avaliação e Programa de Saúde da Família | 7 | 5 | 2 |
12. Avaliação e atenção primária | 25 | 12 | 13 |
13. Avaliação e cuidados de saúde primários/avaliação e cuidados primários/avaliação e cuidados primários de saúde | 4 | 0 | 4 |
14. Avaliação e Saúde da Família/Avaliação em Saúde e Saúde da Família | 16 | 7 | 9 |
15. Avaliação da qualidade dos cuidados/da assistência à saúde e atenção primária | 4 | 0 | 4 |
Total | 181 | 116 | 65 |
Fonte: Elaboração própria.
Resultados da 1ª etapa: perfil do universo de artigos selecionados para a revisão bibliográfica (N = 181)
Uma questão importante a ser destacada é que a Revista Ciência & Saúde Coletiva desde sua primeira edição em setembro de 1996 teve um enorme crescimento na submissão de artigos, e com isso, ao longo do tempo, sua periodicidade foi mudando. Passou de dois números anuais entre 1996 e 2001, para três edições anuais entre 2002 e 2006, seguindo-se para duas edições entre 2007 e 2010, até finalmente tornar-se uma revista mensal. Isso ajuda a explicar o porquê observou-se na busca realizada para esse estudo, um maior número de artigos no período pós-2010. Mesmo assim, como veremos adiante, proporcionalmente ao número total de textos publicados, destacam-se os anos de 2006 (edição 11.3) e 2020 (edição 25.4) (Gráfico 1); o ano de 2020 foi considerado de forma parcial, isto é, até o mês de abril. Uma explicação que vemos é que esses dois anos, refletem, respectivamente os anos em que foram instituídas a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB, 1ª edição) e 2020. Esse último ano configura-se o ano seguinte à criação em 2019, de uma Secretaria Nacional de Atenção Primária à Saúde (SAPS) no âmbito do Ministério da Saúde e do novo modelo federal de financiamento das Equipes de Saúde da Família. Por outro lado, outros números especiais da Revista tiveram uma concentração de artigos publicados na temática da avaliação e atenção primária à saúde, com ênfase nos números 16.11 (2011) e 22.3 (2017).

*Dados de 2020, até o mês de abril.
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados coletados sobre o número total de artigos em https://analytics.scielo.org/w/publication/article_by_publication_year e totalizando o total de artigos selecionados dentro dos critérios estipulados pelos autores.
Gráfico 1 Distribuição dos artigos pré-selecionados e proporção de artigos em relação ao total publicado. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1996-2020 (n = 181).
Buscamos também alguns termos pré-definidos em cada um dos artigos completos (N = 181), para traçar uma análise ao longo dos 25 anos da presença ou não de cada termo e com isso podermos inferir uma aproximação objetiva para a história da publicação dos artigos na Revista no contexto de mudanças que a atenção primária à saúde vem passando no Brasil, desde a criação do então PACS e PSF na década de 1990, o papel da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a transformação do PSF em “Estratégia de Saúde da Família”, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB, 1ª edição em 2006). Por isso, escolhemos os termos “ABRASCO”, “PSF”, “atenção básica”, “ESF (Equipe de Saúde da Família)”, “ESF (Estratégia de Saúde da Família)”, “PNAB”, “APS” para uma busca específica no corpo de cada texto publicado. Curiosamente os artigos publicados no período em questão utilizaram a mesma abreviatura “ESF” ou “eSF” tanto para designar “Equipe de Saúde da Família” (forma de organizar um grupo de profissionais em unidades de saúde, como postos de saúde, centros de saúde ou unidades de saúde familiar) como “Estratégia de Saúde da Família” (enquanto modelo estruturante de atenção à saúde). A análise traz a evolução da presença de cada um dos termos pré-selecionados, com participação incipiente de artigos que mencionam a “ABRASCO” como uma das referências nos temas de “avaliação” e “atenção básica/atenção primária”. Já os termos “PSF” e “ESF (Estratégia de Saúde da Família) são aqueles que ao longo do tempo obtiveram um maior número de citações com valor máximo no período 2010-2014, quando então decrescem e são ultrapassados pelo termo “APS” entre 2019-2020. Com a criação da SAPS/MS em maio/201912 e com o novo modelo de financiamento federal para a atenção primária à Saúde - o “Previne Brasil”13 -, espera-se que esse o uso do termo “atenção primária”, “atenção primária à saúde”, passe a se consolidar e venha a obter um maior número de citações a partir de 2020 (Gráfico 2). Destacamos que em 2020, o Gráfico 2 registra no período “2019-2020” apenas os artigos publicados até o mês de abril/2020 (ou seja, 16 meses), um período bem inferior aos demais utilizados para sua elaboração (48 meses).

*A palavra-chave “APS” foi encontrada considerando também as palavras associadas “cuidados de saúde primários” e “primary health care”. **Dados de 2020, até o mês de abril.
Fonte: Elaboração própria.
Gráfico 2 Distribuição dos artigos pesquisados sem duplicados segundo palavras-chave específicas selecionadas. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1996-2020 (n = 181).
Resultados da 2ª etapa: o perfil da amostra de artigos selecionados para leitura na íntegra (N = 65)
Um subconjunto de 65 artigos foi lido na íntegra e classificado na base de dados criada segundo as variáveis: filiação institucional do 1º autor do artigo, classificação temática predominante, local do estudo, objeto/unidade de análise, tipo de amostra/censo, período de coleta de dados e fonte/material utilizado (Quadro 1).
Quadro 1 Revisão da literatura realizada segundo classificação temática predominante e variáveis selecionadas. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1996-2020 (n = 65).
n | Autores (ano) | Local do estudo | Objeto/unidade de análise | Amostra/censo | Período de coleta de dados |
---|---|---|---|---|---|
01. Avaliação normativa (diversas referências) | |||||
1 | Tomasi et al. (2011) | Alguns estados da Região Nordeste e Sul do Brasil | Atendimentos realizados em unidades de saúde | n = 26.019 atendimentos | 2008 |
2 | Cardoso et al. (2015) | Municípios do nordeste de Minas Gerais | Municípios | n = 63 municípios | 2011 |
3 | Neto et al. (2016) | Curitiba (Paraná), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), Lisboa (Portugal) | Municípios | n = 3 (série de casos) | 2015 |
4 | Salazar et al. (2017) | Município do Rio de Janeiro, e Brasil | Equipes de saúde da família | n1 = 324 (Rio) equipes; n2 = 17.200 (Brasil) | 2012 |
5 | Monteiro et al. (2017) | ACeS Amadora, ACeS Almada-Seixal (ARSLVT, Portugal) | Homens e mulheres | n = 176.293 pessoas | 2016 |
6 | Monteiro et al. (2017) | ACeS Oeste Norte x Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), Portugal | Homens e mulheres | n = 176.293 pessoas | 2016 |
7 | Soranz et al. (2017) | Município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro | Homens e mulheres | n ~3 milhões de pessoas | 2016 |
8 | Santos e Hugo (2018) | Brasil | Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família | n = 18.114 equipes de Saúde Bucal | 2013-2014 |
9 | Monteiro (2020) | Portugal | Homens e mulheres | n = 10.220.858 pessoas | 2019 |
10 | Pinto e Santos (2020) | Área de Planejamento do município do Rio de Janeiro | Adultos com 18 anos ou mais | n = 115.280 pessoas | 2014 a 2015 |
02. Análise político-institucional | |||||
11 | Biscaia e Heleno (2017) | Unidade de Saúde da Família da Marginal, Cascais, Portugal | Unidade de saúde da família | Estudo de caso | 2016 |
12 | Reis et al. (2019) | Brasil | Criação da Secretaria de Atenção Primária à Saúde no Ministério da Saúde | Estudo de caso | 2019 |
03. Análise exploratória qualitativa (Minayo, 2003) | |||||
13 | Nascimento e Nascimento (2005) | Município de Jequié, Bahia | Enfermeiras | n = 14 enfermeiras | 1999 a 2002 |
14 | Galavote et al. (2011) | Município de Vitória, Espírito Santo | Agentes comunitários de saúde | n = 14 agentes comunitários de saúde | 2005 a 2006 |
15 | Pinheiro et al. (2012) | Município de Florianópolis, Santa Catarina | Enfermeiras | n = 14 enfermeiras | 2010 |
16 | Engstrom et al. (2020) | Município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro | Alunos | n = 42 alunos egressos | 2016 |
04. Teoria da avaliação e implantação de programas (Hartz, 1997; Contandriopoulos et al, 1997) | |||||
17 | Bodstein (2002) | Brasil | Processo de descentralização do SUS e a atenção básica | estudo de caso | 2001 |
18 | Albuquerque et al. (2007) | Município de Recife, Pernambuco | Unidades básicas de saúde (n1) e unidades de saúde da família (n2) | n1 = 42; n2=84 | 2002 |
19 | Rocha e Sá (2011) | Portugal | Unidades de saúde da família (USF) | n = 11 USF (série de casos) | 2009 |
05. Triângulo de Governo de Matus (Matus, 1972) | |||||
20 | Sampaio et al. (2011) | Secretaria Estadual de Saúde de um estado do Nordeste | Secretaria Estadual de Saúde | estudo de caso | 2006 |
06. Teoria da Avaliação de Impacto em Políticas Públicas (Draibe, 2004) | |||||
21 | Roncalli e Lima (2008) | Alguns municípios da Região Nordeste com população maior que 100 mil habitantes | Crianças menores de cinco anos | n = 2.144 crianças | 2005 |
07. Teoria da complexidade dos sistemas de saúde: as quatro lógicas existentes | |||||
22 | Contandriopoulos (2006) | Brasil | Pesquisa avaliativa, avaliação normativa, tomada de decisão | Estudo de caso | 2006 |
08. Teoria da Avaliação e uso de modelo lógico (Hartz, 1997) | |||||
23 | Felisberto (2006) | Brasil | Institucionalização da avaliação em saúde e atenção básica | Estudo de caso | 2006 |
24 | Costa et al. (2011) | Município de Recife, Pernambuco | Equipes de saúde da família | n = 72 | 2010 |
09. Avaliação descritiva da situação local de situação (Testa, 1992) | |||||
25 | Gomes et al. (2009) | Município de Paula Cândido, Minas Gerais | Famílias não cobertas pelas ESF (1992) e cobertas pelas ESF (2003) | n1 = n2 = 127 famílias | 1992 / 2003 |
10. Teoria da avaliação de estrutura/processo/resultado (Donabedian, 1990) | |||||
26 | Costa e Pinto (2002) | Todos os municípios do Brasil | Municípios por porte populacional | n = 5.354 municípios | 2002 |
27 | Machado et al. (2004) | Municípios e regiões de saúde de Minas Gerais | Municípios e regiões de Minas Gerais | n ~ 800 municípios | 2003 |
28 | Facchini et al. (2006) | Municípios de Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina | Conselheiros municipais de saúde (n1), secretários municipais de saúde (n2), coordenadores de atenção básica (n3) | n1 = 41, n2 = 29, n3 = 32 | 2005 |
29 | Pereira et al. (2006) | Municípios do Amapá, Maranhão, Pará e Tocantins | Municípios com mais de 100 mil habitantes | n = 16 municípios | 2006 |
30 | Caldeira et al. (2010) | Município de Montes Claros, Minas Gerais | Crianças menores de dois anos | n = 1.200 famílias, 595 mães | 2006 |
31 | Costa et al. (2011) | Município de Teixeiras, Minas Gerais | Crianças menores de dois anos | n = 161 mães | 2006 |
32 | Serapioni e Silva (2011) | Regiões do estado do Ceará | Equipes de saúde da família, profissionais de saúde, gestores, conselheiros de saúde, acadêmicos, usuários | Estudo de caso + n1=340 usuários | 2010 |
33 | Portela e Ribeiro (2011) | Municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes | Municípios | n = 185 municípios | 2007 |
34 | Mendes et al. (2012) | Município de Recife, Pernambuco | Usuários (n1), médicos (n2), enfermeiros (n3) | n1 = 1.180, n2 = 61, n3 = 56 | 2009 |
35 | Bulgareli et al. (2014) | Município de Marília, São Paulo | Unidades básicas de saúde (n1) e unidades de saúde da família (n2) | n1 = 6 UBS, n2 = 11 USF | 2007-2009 |
11. Teoria da Gestão Clínica em Atenção Primária à Saúde (Wagner, 2012) | |||||
36 | Janett e Yeracaris (2020) | Estados Unidos | Uso do prontuário eletrônico na atenção primária à saúde | Estudo de caso | 2019 |
12. Teoria sobre acesso e utilização dos serviços de saúde (Andersen, 1995) | |||||
37 | Bousquat et al. (2012) | Município de Santo André, São Paulo | Homens e mulheres | n = 175 pessoas | 2011 |
13. Teoria Epidemiológica, estudos agregados - ecológicos e estudos de base populacional. (Medronho et al, 2009) | |||||
38 | d’Ávila Viana et al. (2006) | Todos os municípios do Estado de São Paulo | Municípios | n = 62 municípios | 2005 |
39 | Szwarcwald et al. (2006) | Alguns municípios do estado do Rio de Janeiro, com população maior que 100 mil habitantes | Adultos com 18 anos ou mais e mães de crianças menores de 2 anos | n = 1.970 pessoas | 2005 |
40 | Ribeiro et al. (2010) | Município de Teresópolis, Rio de Janeiro | Crianças menores de cinco anos | n = 594 responsáveis pelas crianças | 2005 |
41 | Busato et al. (2011) | Município de Curitiba, Paraná | Cirurgiões-dentista | n = 191 dentistas | 2006 |
14. Teoria dos atributos da Atenção Primária à Saúde (APS) (Starfield, 2002) | |||||
42 | Elias et al. (2006) | Todos os municípios do Estado de São Paulo | Usuários (n1) e profissionais de saúde (n2), e gestores (n3) | n1 = 1.117, n2 = 600(?), n3 = 343 (?) | 2005 |
43 | Ibañez et al. (2006) | Municípios de São Paulo com população maior que 100 mil habitantes | Usuários (n1) e profissionais de saúde (n2) | n1 = 2.923; n2 = 167 prof. de saúde | 2005 |
44 | Alves Leão & Caldeira (2011) | Município de Montes Claros, Minas Gerais | Crianças menores de dois anos | n = 350 mães | 2009 |
45 | Reis et al. (2013) | Município de São Luís, Maranhão | Usuários (n1) e profissionais de saúde (n2), e gestores (n3) | n1 = 882, n2 = 80, n3 = 30 | 2010-2011 |
46 | Alencar et al. (2014) | Município de São Luís, Maranhão | Usuários (n1) e profissionais de saúde (n2), e gestores (n3) | n1 = 883, n2 = 80, n3 = 32 | 2010-2011 |
47 | Marques et al (2014). | Município de São Francisco, Minas Gerais | Crianças menores de cinco anos em comunidade quilombola | n = 76 famílias | 2011 |
48 | Araújo et al. (2014) | Município de Macaíba, Rio Grande do Norte | Idosos | n = 100 | 2012 |
49 | Mesquita Filho et al. (2014) | Município de Pouso Alegre, Minas Gerais | Crianças menores de dois anos | n = 419 cuidadores de crianças | 2009 |
50 | Quaresma e Stein (2015) | Município de Palmas. Tocantins | Crianças e adolescentes entre 12 e 18 anos | n = 469 crianças e adolescentes | 2013 |
51 | Harzheim et al. (2016) | Município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro | Adultos ≥ 18 anos, e responsáveis de crianças < 12 anos | n1 = 3.530 e n2 = 3.145 | 2014 |
52 | Pinto et al. (2017) | Bairro da Rocinha, município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro | Adultos ≥ 18 anos, e responsáveis de crianças < 12 anos | n1 = 433 e n2 = 369 | 2014 |
53 | Sellera et al. (2020) | Brasil | Institucionalização da avaliação em saúde e atenção básica | Estudo de caso | 2019 |
15. Teoria de Billings (1990), sobre Ambulatory Care Sensitive Conditions (ACSC) | |||||
54 | Rehem e Egry (2011) | Municípios do Estado de São Paulo | Homens e mulheres | n ~400 mil internações/ano | 2000 a 2007 |
55 | Pitilin et al. (2015) | Municípios de Guarapuava, Paraná | Mulheres | n = 429 internações | 2013 |
56 | Avelino et al. (2015) | Município de Alfenas, Minas Gerais | Homens e mulheres | n = 2.200 internações | 2008 a 2012 |
57 | Costa et al. (2016) | Município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul | Homens e mulheres | total de internações não especificado | 1998 a 2012 |
58 | Gonçalves et al. (2016) | Municípios do Nordeste | Homens e mulheres | n = 181.152 internações | 2012 a 2015 |
59 | Magalhães e Morais Neto (2017) | Distritos Sanitários do Município de Goiânia, Goiás. | Homens e mulheres | n = 502.908 internações | 2008 a 2013 |
60 | Morimoto e Costa (2017) | Município de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. | Homens e mulheres | n = 10 mil internações/ano | 2003 a 2012 |
61 | Pinto e Giovanella (2018) | Brasil (capitais e interiores), outras capitais selecionadas | Homens e mulheres | n = 187 milhões de internações | 2001 a 2016 |
62 | Pinto Junior et al. (2018) | Bahia | Crianças menores de cinco anos | n = 810.831 internações | 2000 a 2012 |
63 | Pinto et al. (2019) | Brasil, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis. | Homens e mulheres | n ~20 milhões de internações | 2009 a 2018 |
64 | Lôbo et al. (2019) | Municípios do Estado de São Paulo | Crianças menores de um ano. | n = 851.713 internações | 2008 a 2014 |
65 | Rocha et al. (2020) | Brasil e Portugal | Homens e mulheres | n1 = 11,6 milhões (Brasil); n2 = 1 milhão (Portugal) | 2019 |
Fonte: Elaboração dos autores, a partir da leitura íntegra dos artigos.
Do total de artigo selecionados, 87,9% são artigos cujos primeiros autores possuem filiações institucionais brasileiras. Destacam-se os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que juntos possuem 53,0% do total dos textos levantados. Observamos ainda que todas as regiões estão representadas, ainda que a Região Norte, registre timidamente apenas 3,0% de autores nos estados do Amazonas e Tocantins. Entre os países estrangeiros, Portugal destaca-se com 9,1% de autores, sendo este valor superior a 11 estados brasileiros individualmente (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Maranhão, Paraná, Distrito Federal, Santa Catarina, Ceará, Paraíba, Tocantins e Amazonas). Percebe-se, com isso, o grande potencial que a Revista consolidou em Portugal na área de avaliação e cuidados de saúde primários.
Classificação temática predominante
A leitura na íntegra dos 65 artigos selecionados na amostra bibliográfica, permitiu-nos aproximar os temas principais, classificando os textos pela sua abordagem predominante na área de avaliação (Tabela 2). Do total de artigos, ao se estratificar em dois grupos, chama-nos a atenção as diferenças registradas ao longo dos últimos 25 anos na Revista Ciência & Saúde Coletiva.
Tabela 2 Revisão bibliográficas sobre avaliação e atenção primária à saúde segundo classificação temática predominante. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1996-2020 (n = 65).
Classificação temática predominante | Até 2010 | 2011-2020 | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n° de artigos | % | n° de artigos | % | n° de artigos | % | |
01. Estudos epidemiológicos (com indicadores clínicos e de gestão, podendo incluir as ICSAP) | 1 | 5,6 | 17 | 36,2 | 18 | 27,7 |
02. Pesquisas avaliativas com usuários/profissionais de saúde/gestores (muitas utilizando o instrumento PCATool) | 3 | 16,7 | 12 | 25,5 | 15 | 23,1 |
03. Pesquisas avaliativas com comparação de modelos de atenção (ESF x modelo tradicional; saúde bucal) | 4 | 22,2 | 4 | 8,5 | 8 | 12,3 |
04. Pesquisa avaliativas sobre ações/programas e/ou procedimentos específicos realizados na APS | 3 | 16,7 | 5 | 10,6 | 8 | 12,3 |
05. Discussão conceitual e/ou institucional | 1 | 5,6 | 2 | 4,3 | 3 | 4,6 |
06. Pesquisas avaliativas com estudos de caso | 0 | 0,0 | 4 | 8,5 | 4 | 6,2 |
07. Avaliação da implantação do PAB, das equipes de Saúde da Família, Saúde Bucal (inclusive avaliação econômica/financeira) | 5 | 27,8 | 1 | 2,1 | 6 | 9,2 |
08. Pesquisa exploratória sobre processos de trabalho na APS | 1 | 5,6 | 2 | 4,3 | 3 | 4,6 |
Total | 18 | 100,0 | 47 | 100,0 | 65 | 100,0 |
Fonte: Elaboração própria.
No 1º grupo de artigos, publicados até 2010, destacam as “pesquisas avaliativas com comparação de modelos de atenção (ESF x modelo tradicional; saúde bucal)” e “avaliação da implantação do PAB, das equipes de Saúde da Família, Saúde Bucal (inclusive avaliação econômica/financeira)” que juntos respondem por cerca de 50% do total de textos selecionados para análise nesse período. No 2º grupo, para os manuscritos publicados entre 2011 e 2020, as áreas “estudos epidemiológicos (com indicadores clínicos e de gestão, podendo incluir as ICSAP)”, e “pesquisas avaliativas com usuários/ profissionais de saúde/gestores (muitas, utilizando o instrumento Primary Care Assessment Tool - PCAT)”, somaram juntas 60,4% do total de artigos publicados sobre avaliação em saúde e atenção básica/atenção primária, na última década (Tabela 3).
Tabela 3 Revisão bibliográficas sobre avaliação e atenção primária à saúde segundo teoria predominante abordada no texto. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1996-2020 (n = 65).
Teoria predominante nos artigos | Até 2010 | 2011-2020 | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n° de artigos | % | n° de artigos | % | n° de artigos | % | |
01. Avaliação normativa (diversas referências citadas no Quadro 1) | 0 | 0,0 | 10 | 20,8 | 10 | 15,4 |
02. Análise político-institucional12,24 | 0 | 0,0 | 2 | 4,2 | 2 | 3,1 |
03. Análise exploratória qualitativa25 | 1 | 5,9 | 3 | 6,3 | 4 | 6,2 |
04. Teoria da avaliação e implantação de programas26,27 | 2 | 11,8 | 1 | 2,1 | 3 | 4,6 |
05. Triângulo de Governo de Matus28 | 0 | 0,0 | 1 | 2,1 | 1 | 1,5 |
06. Teoria da Avaliação de Impacto em Políticas Públicas29 | 1 | 5,9 | 0 | 0,0 | 1 | 1,5 |
07. Teoria da complexidade dos sistemas de saúde: as quatro lógicas existentes30 | 1 | 5,9 | 0 | 0,0 | 1 | 1,5 |
08. Teoria da Avaliação e uso de modelo lógico26 | 1 | 5,9 | 1 | 2,1 | 2 | 3,1 |
09. Avaliação descritiva da situação local de situação31 | 1 | 5,9 | 0 | 0,0 | 1 | 1,5 |
10. Teoria da avaliação de estrutura/ processo/ resultado14 | 5 | 29,4 | 5 | 10,4 | 10 | 15,4 |
11. Teoria da Gestão Clínica em Atenção Primária à Saúde32 | 0 | 0,0 | 1 | 2,1 | 1 | 1,5 |
12. Teoria sobre acesso e utilização dos serviços de saúde33 | 0 | 0,0 | 1 | 2,1 | 1 | 1,5 |
13. Teoria de Billings15, sobre Ambulatory Care Sensitive Conditions (ACSC). | 0 | 0,0 | 12 | 25,0 | 12 | 18,5 |
14. Teoria dos atributos da Atenção Primária à Saúde (APS)16 | 2 | 11,8 | 10 | 20,8 | 12 | 18,5 |
15. Teoria Epidemiológica, estudos agregados - ecológicos e estudos de base populacional34 | 3 | 17,6 | 1 | 2,1 | 4 | 6,2 |
Total | 17 | 100,0 | 48 | 100,0 | 65 | 100,0 |
Fonte: Elaboração própria.
De forma semelhante, quando comparamos os dois grupos (artigos publicados até 2010 x artigos publicados entre 2011 e 2020), encontramos diferenças marcantes e, nesse caso, uma diversidade, que demonstra a riqueza conceitual e teórica pelas quais a Revista Ciência & Saúde Coletiva contemplou seus leitores ao longo dos últimos 25 anos.
No 1º grupo, artigos publicados até 2010, a “teoria donabediana de avaliação de estrutura/processo/resultado14”, com 29,4% dos manuscritos representou a categoria com maior destaque. Já no grupo de textos publicados entre 2011-2020, a teoria de Billings15, sobre Ambulatory Care Sensitive Conditions (ACSC) e a teoria dos atributos da APS de Starfield16 representaram cada uma, 18,5% do total de artigos, seguidos também empatados com 15,4% por “avaliações normativas” e “teoria de avaliação de estrutura/processo/resultados” (Tabela 3).
Do ponto de vista metodológico, a maior parte dos estudos considerou abordagem predominantemente quantitativa. Dois eixos distinguiram-se entre os períodos analisados (antes e depois de 2010), isto é, a grande pulverização de tipologias de avaliação esteve mais presente nos primeiros anos de publicação da revista.
Já o período posterior teve elevada concentração de artigos que, por um lado enfatizaram o uso de indicadores de atenção primária relacionados às internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP). Devemos lembrar que o Ministério da Saúde lançou uma consulta pública que posteriormente se tornou uma Portaria17 com a lista brasileira de condições sensíveis de atenção básica18. Seu uso e disseminação no Brasil é facilitado pelas décadas de existência do Sistema Informações Hospitalares (SIH-SUS) que agrega mensalmente as internações ocorridas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e as disponibiliza sob a forma de microdados não identificados nominalmente no site do Departamento de Informática do SUS (DATASUS).
Por outro lado, também contribuiu para a publicação dos artigos na Revista Ciência & Saúde Coletiva o uso do instrumento de avaliação dos atributos da APS proposto originalmente por Shi e Starfield19 e validado estatisticamente no Brasil pela própria Starfield (que esteve em 2002 na ENSP/Fiocruz para lançamento de seu livro seminal) e um grupo de pesquisadores da UFRGS20. Esse instrumento, inclusive foi referendado pelo Ministério da Saúde do Brasil que publicou em 2010 o Manual do chamado conjunto de instrumentos “PCATool-Brasil”21. Esse Manual pode ser considerado como um divisor de águas para a Avaliação em Saúde e Atenção Primária, na medida em que possibilitou a capilarização nacional de uma metodologia de pesquisa avaliativa, considerando a experiência de usuários, gerentes e profissionais dos serviços de saúde. Podemos destacar inclusive uma versão brasileira desse instrumento validada para Saúde Bucal, tanto para usuários como para cirurgiões-dentista22,23.
Nos estudos internacionais publicados pela Revista estão mais presentes a avaliação de indicadores de desempenho clínico-epidemiológicos, assim como as avaliações normativas, em particular, no caso de Portugal, com todo o arcabouço legal de seu Sistema Nacional de Saúde (SNS).
Tempo de submissão, aprovação e publicação dos artigos
Um dos indicadores utilizados para medir a qualidade de uma revista científica na base da Web of Science (WoS) é o tempo de publicação dos artigos submetidos. Para responder a essa questão, medimos o tempo (em meses), incluindo ainda, o período de aprovação do artigo. Isto é, construímos duas variáveis: tempo entre a submissão e publicação do artigo e, tempo entre a aprovação e publicação do mesmo.
Os dados evidenciam a grande queda de ambos os indicadores ao longo dos últimos 25 anos, em particular, a partir do ano de 2011, quando a Revista Ciência & Saúde Coletiva passou a ser editada mensalmente. Contudo, ainda encontramos alguns artigos que levaram mais de 12 meses entre o tempo de submissão e publicação e entre o tempo de aprovação e publicação (Gráfico 3).
Considerações Finais
No período de 1996-2020, para os artigos publicados na Revista Ciência & Saúde Coletiva, a maior parte dos autores não distinguiu conceitualmente a “atenção básica” da “atenção primária à saúde”. Ou seja, retomando uma de nossas perguntas iniciais, a maioria dos autores considerou como sinônimos esses dois termos, pelo menos até 2015. Nesse artigo, contudo, definimos a atenção primária à saúde no Brasil como aquela que é prestada exclusivamente pelas Equipes de Saúde da Família (eSF), pois são esses os profissionais de saúde que tem por missão desenvolver os atributos de Starfield enunciados desde a primeira versão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) ainda em 200635 e que foram radicalizados como o novo modelo de financiamento federal enunciado em 2019 que previu o monitoramento e a avaliação individual de cada eSF, considerando como unidade de análise, o indivíduo. Isto é, pela primeira vez na história da saúde pública do Brasil, os dados coletados de cada pessoa - clínicos e epidemiológicos -, passaram a ser registrados para gerar indicadores de base populacional e, o Ministério da Saúde começou transferir uma parte dos recursos financeiros fundo-a-fundo para os municípios com critérios por capitação36.
Quanto à outra pergunta inicial que fizemos, a criação da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) - comandada inicialmente por um médico de família -, no âmbito do Ministério da Saúde em 2019, nosso estudo aponta que um maior número de autores da Revista começa a concentrar um maior uso do termo “atenção primária à saúde” em detrimento de “atenção básica à saúde”. O último número temático especial da Revista Ciência & Saúde Coletiva, de abril de 2020, já demonstra esse fato além da evolução do número de artigos publicados nessa direção nos últimos cinco anos.
Os limites das amostras constituem uma questão recorrente que influenciam nos resultados. Vários autores apontam possíveis vieses quanto ao fato de se ter amostra de voluntários ou de colaboradores que desejaram participar37 e não representam adequadamente a população de cada estudo. Sobre esses aspectos as pesquisas amostrais domiciliares ainda são muito tímidas no Brasil e especialmente desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que desde a década de 1980 inclui ou em suplementos especiais, ou em inquéritos específicos, como as Pesquisa Nacionais de Saúde (PNS), módulos que permitem avaliar o desempenho dos serviços de saúde no Brasil. A inovação mais recente nesse sentido, foi a inclusão de um Módulo que permite avaliar a atenção primária à saúde no Brasil, regiões e unidades da federação, com amostra probabilística domiciliar. Estamos nos referindo à PNS-2019 com o conjunto de questões do PCATool - versão reduzida usuário adulto, que foi incluída no instrumento de coleta de dados38. Nesse sentido, uma recomendação é fazer o que vários países do mundo já fazem como o Reino Unido e o Canadá que regularmente incluem em suas pesquisas domiciliares (respectivamente a Health and Lifestyle Survey e a Canadian Community Health Survey) um conjunto de questões que permitem a avaliação de seus serviços de saúde, inclusive no âmbito da atenção primária39,40.
No aniversário de 25 anos da Revista Ciência & Saúde Coletiva, fica evidenciado que o papel indutor do Ministério da Saúde na definição de políticas/consultas públicas e instrumentos de avaliação esteve fortemente associado à publicação dos artigos no período aqui estudado. Em 2020, a publicação do novo Manual do conjunto de instrumentos que compõem PCATool-Brasil pelo Ministério da Saúde41 deverá induzir a uma nova onda de estudos e pesquisas com o uso desse instrumento, ampliando o escopo inicial de avaliação dos serviços de atenção primária à saúde para avaliações de base domiciliar populacional, inaugurada pelo IBGE em sua Pesquisa Nacional de Saúde (PNS-2019). Nessa direção, considerando uma abordagem estatístico-epidemiológica, o futuro da avaliação em APS poderá caminhar para indicadores de base populacional (via prontuário eletrônico) e monitoramento de cada uma das Equipes de Saúde da Família no país, com o uso de um número de identificação única (CPF) e gestão mensal inédita de “registros duplicados”, vinculados à parte das transferências federais da APS para os municípios, definidos pelo Ministério da Saúde em 2019. Caminhando nessa direção talvez o Brasil consiga calcular na APS, indicadores intermediários e finalísticos sob a perspectiva clínica e epidemiológica, tal como os cuidados primários em saúde de Portugal, Espanha e Reino Unido o fazem há mais de 10 anos.