Introdução
O acesso universal aos serviços de saúde, além de ser uma garantia constitucional, é também um desafio compartilhado por todos os entes da federação - União, estados e municípios. Nas últimas décadas, a consolidação do direito à saúde no Brasil aconteceu de forma concomitante ao processo de descentralização das políticas públicas1. Inúmeros desafios surgiram com o passar do tempo, principalmentedecorrentes da excessiva fragmentação do desenho federativo formado hoje por 5.570 entes municipais autônomos, sendo que 68% desses possuem menos de 20 mil habitantes2. Além disso, a literatura aponta que a maioria dos municípios vive em uma situação de precariedade técnica, financeira e administrativa que gera, consequentemente, restritas capacidades de atender todas as demandas de saúde da população, principalmente no que tange ao acesso aos serviços de média e alta densidade tecnológica3,4.
Tendo em vista essa realidade e as dificuldades de materializar o processo de descentralização de forma plena em muitos municípios, um conjunto de esforços foram feitos pelo Ministério da Saúde, principalmente a partir dos anos 1990, para consolidar o processo de regionalização das políticas de saúde5-9. As estratégias governamentais voltaram-se para a consolidação de instâncias regionalizadas de gestão do sistema de saúde, como a organização das Coordenadorias Intergestoras Regionais, a criação das Regiões de Saúde, a consolidação dos consórcios intermunicipais e o estabelecimento da Programação Pactuada Integrada e dos contratos organizativos de ação pública9-18.
Mendes et al.8 e Medeiros et al.5, entendem que o processo de regionalização deve ser compreendido como um modo de organização das ações e dos serviços de saúde em uma região, a fim de assegurar a integralidade da atenção para todos os usuários, possibilitara racionalidade dos gastos efetuados, bem como a otimização dos recursos e a equidade. Santos e Campos7 apontam a necessidade de regionalizar a gestão da saúde dentro de um processo complementar ao de descentralização municipal. Nesse caso, o principal argumento proposto pelos autores refere-se à existência de um considerável quantitativo de pequenos municípios que são incapazes de garantir o acesso aosserviços de média e alta densidade tecnológica à população. Desse modo, a regionalização das demandas e dos serviços de saúde seria uma estratégia para garantir o direito à saúde para todos os cidadãos.
Nesse contexto, o surgimento dos consórcios intermunicipais de saúde (CIS) passou a ser considerado uma alternativa de organização regional das demandas e dos serviços, a partir de uma proposta de cooperação interfederativa16. O estudo de Silva et al.13 aponta que os consórcios de saúde, por incluírem diversos municípios dentro de uma mesma região, organizam a demanda por consultas especializadas e por serviços de média e alta complexidade, beneficiando, sobretudo, os municípios de menor porte. Outros trabalhos enfatizam como essas organizações possibilitam a economia na compra de medicamentos19,20, de que forma contribuem no acesso aos serviços de média complexidade13,21, quais elementos oriundos dos consórcios são facilitadores no processo de desenvolvimento de ações que envolvam cooperação intergovernamental15,22,23, qual a satisfação dos usuários dos serviços de saúde24 e, por fim, qual a percepção dos gestores que compõem o consórcio sobre os problemas de saúde ambiental16.
Abrúcio et al.25 afirmam que os consórcios intermunicipais representam um mecanismo de cooperação que extrapola os limites territoriais e administrativos dos municípios. Todavia, a formação dessas organizações é uma escolha autônoma dos municípios, não precisando, necessariamente, obedecer à divisão territorial da Região de Saúde ou da Comissão Intergestora Regional (CIR) da respectiva unidade federativa estadual, nem mesmo coincidir com outra divisão política-institucional do território definida previamente. Dessa forma, a organização autônoma dos consórcios pode contribuir para a fragmentação do sistema de saúde, em que os esforços não se orientam pelo mesmo objetivo, indo na contramão das estratégias de coordenação e cooperação das esferas de gestão de políticas de saúde, ressaltada pela literatura sobre políticas públicas26,27. A partir de uma revisão de literatura sobre a produção brasileira sobre o tema, Flexa e Barbastefano28 indicam que os consórcios de saúde possibilitam aos municípios ganhos de escala na compra de medicamentos, colaboram com a racionalidade de processos e despesas, além de permitirema realização de projetos regionais conjuntos. Conforme os autores consultados28, tais requisitos seriam inviáveis de serem atingidos de forma isolada pelos municípios.
A trajetória das políticas de saúde criou, ao longo do tempo, um conjunto de instâncias gestoras com poder de decisão e alocação de recursos17. Com esse grande número de estruturas gestoras e entes federados atuando no desenvolvimento das políticas públicas, autores como Abrúcio e Segatto26 e Grin e Abrúcio27 ressaltam a importância de se pensar estratégias que orientem a cooperação e coordenação federativas entre essas instâncias. Sem construir estratégias de ação nesse sentido, o trabalho realizado de forma isolada por tais estruturas e níveis de governo tenderia a produzir comportamentos predatórios entre as partes, excessos de custos, sobreposição de atividades, vazios assistenciais dentro de um território e, também, competição por recursos. Por isso, articular as esferas de gestão em torno de um pacto pela saúde de âmbito regional tem sido um desafio para as políticas públicas de saúde.
Nesse sentido, esse estudo tem como objetivo investigar como os consórcios públicos intermunicipais de saúde atuam no Brasil a partir das teorias que versam sobre o processo de regionalização da saúde10-12,22 e cooperação interfederativa25-27. Para tanto, será realizado uma análise de convênios celebrados entre os consórcios de todo o Brasil e a União, no período de 1996-2016. O recorte analítico utilizado justifica-se pelo fato de todos os trabalhossobre consórcios de saúde (CIS) serem “estudos de caso”28, carecendo de uma análise mais abrangentesobre o tema. Com isso, esse estudo pretende ampliar o entendimento sobre essas estruturas a partir de um enfoque nacional.
Metodologia
Este artigo foi desenvolvido em âmbito do doutorado em Sociologia daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trata-se de uma pesquisa cujas fontes foram documentais e se encontram disponíveis em arquivos públicos. Foram observados e respeitados os aspectos da integridade em pesquisa, ou seja, essa publicação pressupõe a veracidade e idoneidade dos dados apresentados.
O estudo pode ser caracterizado como uma pesquisa qualitativa com coleta de dados do tipo documental29. Essa técnica tem por objetivo compreender as informações contidas nos documentos originais, por intermédio de procedimentos de sistematização e categorização30. Para tanto, foram acessados, em setembro de 2017, os convênios celebrados entre a União e os consórcios públicos no Brasil, disponíveis no Portal da Transparência de Recursos Federais da União, no período de 1996 a 2016. Após a coleta das informações organizou-se o material em uma planilha e se examinou o conteúdo das propostas, atentando-se para os objetivos apresentados pelos consórcios para a celebração dos respectivos convênios.
Ao total, foram celebrados 384 convênios entre a União e os consórcios públicos no período de 1996-2016. Desses, 122 eram voltados à área da saúde, que interessaram à presente pesquisa. A partir da coleta dos documentos que compunham os convênios celebrados, realizou-se análise do conteúdo com base na proposta metodológica de Bardin30, que destaca a materialidade linguística do texto. Esse tipo de análise espera compreender o pensamento dos sujeitos envolvidos no processo que se quer analisar, através do conteúdo expresso no texto, em uma concepção mais transparente de linguagem. Os documentos analisados são peças-chave do processo de transferência de recursos, visto que apresentavam os objetivos e justificativas para a celebração de convênios entre os consórcios e a União.
A partir da análise de conteúdo sobre os consórcios públicos intermunicipais foram elaboradas duas categorias de resultados: 1) descrição geral dos convênios celebrados no Brasil e 2) conteúdo dos convênios celebrados pelos consórcios públicos intermunicipais (CIS). Nessa última parte serão analisadas as propostas apresentadas pelos consórcios à luz do debate sobre regionalização da saúde e coordenação de políticas públicas.
Resultados e discussão
O Portal da Transparência da União31 oferece detalhes dos convênios estabelecidos entre os CIS e a União tais como: objetivo, datas, valores e as cidades que são abrangidas pelo consórcio conveniado. A partir dessa análise, foi possível compreender de forma mais aprofundada que ações são realizadas pelos consórcios de saúde no Brasil.
Descrição geral dos convênios celebrados no Brasil
Nessa categoria serão analisados dados relacionados com a evolução da celebração de convênio entre União e consórcios intermunicipais no Brasil entre 1996-2016, no geral e em relação à área da saúde especificamente.
A Figura 1 apresenta a distribuição do número de convênios firmados com consórcios intermunicipais de todas as áreas de políticas públicas ao longo do tempo. Verifica-se que o número de convênios estabelecidos entre os consórcios e a União aumentou significativamente, principalmente nos anos de 2010 e 2011. Todavia, houve uma distribuição irregular ao longo da série histórica.

Fonte: Elaborado a partir do Portal da Transparência da União, 2017.
Figura 1 Evolução do número de convênios celebrados entre União e consórcios intermunicipais no Brasil, 1996-2016.
A Figura 2 apresenta a distribuição percentual dos convênios celebrados entre os consórcios e a União conforme as áreas de políticas públicas. Identifica-se que, dos 384 convênios celebrados no período de 1996 a 2016, a maioria deles, 31,77% (n = 122) visava promover ações na área da saúde. É possível evidenciar um conjunto bastante diversificado de áreas em que os consórcios estabelecem convênios com a União, embora exista uma concentração desses instrumentos nas áreas da saúde e de desenvolvimento rural.

Fonte: Elaborado a partir do Portal da Transparência da União, 2017.
Figura 2 Convênios celebrados pelos consórcios com a União conforme o percentual e a área temática, Brasil, 1996-2016.
No tocante à proeminência da área da saúde dentre os convênios firmados, Machado e Andrade32 e Rocha23 apontam que a provisão de serviços de saúde passou, ao longo das últimas décadas, a ser competência municipal e, nesse sentido, a sensibilidade do eleitorado para a qualidade da provisão dos serviços prestados é bastante alta. Segundo os autores, este fato faz com que os prefeitos de uma dada região superem os seus conflitos partidários e busquem alternativas para a resolução das demandas. Assim, os consórcios seriam uma ferramenta paragarantir o acesso aos serviços de saúde.
A Figura 3 apresenta o número de convênios voltados à área da saúde por estado da federação. A maioria dos convênios foi firmada por consórcios situados em estados das regiões Sul e Sudeste. A Região Nordeste apresentou apenas um convênio celebrado na área da saúde e a Região Norte apresentou quatro convênios ao longo dessa série histórica.

Fonte: Elaborado a partir do Portal da Transparência da União, 2017.
Figura 3 Número de convênios da área da saúde estabelecidos entre consórcios e a União por estado da federação, 1996-2016.
Segundo o IBGE2, no ano de 2015, 2.672 municípios brasileiros (48% do total) estavam participando de algum consórcio vinculado à área da saúde. Em relação ao número de municípios consorciados por região, identificou-se uma distribuição desigual desses arranjos institucionais no território brasileiro. As regiões Sul e Sudeste contam com, respectivamente, 80% e 66,48% de seus municípios consorciados. Nessas regiões, os estados do Paraná e de Minas Gerais destacaram-se por ambos terem 92% de seus entes consorciados. Quanto às outras regiões, a Centro-Oeste apresentou 37,47% dos municípios consorciados, a Norte 11,77% e a Nordeste 27,31%2. Entretanto, o IBGE não contabiliza o número de consórcios existentes e não foram encontradas outras informações oficiais relativas a esse dado. O estudo de Teixeira33 constatou, a partir de uma análise baseada no IDHM-Renda, que os municípios consorciados do país possuem uma renda média mais alta do que os não consorciados. Além disso, o estudo mostrou que o consorciamento na área da saúde se difundiu de maneira desigual nas regiões, de acordo com critérios ainda pouco conhecidos. Dentro desse escopo, o presente estudo constatou que é heterogênea a celebração de convênios na área da saúde envolvendo os consórcios e a União, que varia de acordo com o estado e a região do país.
O convênio entre a União e o consórcio é uma transferência voluntária de recursos, o que implica necessariamente a existência de uma negociação política entre esses arranjos institucionais e as esferas de governo central. Conforme evidenciado na Figura 3, os consórcios dos estados da Região Sul e Sudeste ocupam uma posição de destaque na celebração de convênios com a União, enquanto os de outras regiões apresentam, ainda, um tímido desempenho. Em relação à explicação do porquê desse fenômeno, pode-se levantar a hipótese de que esse fato depende da estrutura institucional e da capacidade de articulação dessas organizações com o governo federal. Conforme apontam Abrúcio et al.25, a capacidade de construção de uma estrutura institucional que ordene e garanta o desenvolvimento das ações é fundamental para a manutenção das atividades dos consórcios. O estudo de Meireles34, relativo à lógica das transferências voluntárias da União aos municípios, dá suporte a essa tese na medida em que o autor aponta que elementos como pressão política, partidos políticos e barganha são determinantes no processo de obtenção de recursos voluntários da União, categoria onde se enquadram os convênios com os consórcios.
Destaca-se que os consórcios do estado do Paraná conseguiram firmar 41% (n = 50) de todos os convênios celebrados na área da saúde no período analisado. Os estudos de Rocha23 e Ferraes e Cordoni Júnior20 pontuam que alguns consórcios paranaenses têm por objetivo realizar a compra de medicamentos, enquanto outros se dedicam à gestão do Serviço de Assistência Médica de Urgência (SAMU). Além disso, os estudos indicam que a maioria desses consórcios tem por objetivo organizar as demandas por serviços de média e alta complexidade nas regiões que atuam. Os autores afirmam que há casos em que um município participa de mais de um consórcio e que há consórcios englobando municípios de outros estados da federação, como de Santa Catarina. Ou seja, a lógica de formação desses arranjos institucionais é permeada por conflitos e parcerias formalizadas pelos prefeitos que compõem essas estruturas, as quais podem, inclusive, extrapolar o território estadual. Nesse sentido, identifica-se que o processo de constituição e funcionamento dos consórcios não segue, necessariamente, o desenho institucional das Regiões de Saúde previsto pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná. Por fim, ressalta que, a despeito dessas questões, os consórcios paranaenses foram hábeis e bem sucedidos no processo de obtenção de recursos por parte do governo federal.
Observa-se na Figura 4 a distribuição temporal da celebração de convênios voltados à área da saúde, entre consórcios e União. Verifica-se que houve um aumento na celebração de convênios, embora de forma não linear e com grande variação no período 1996-2016. Conforme Linhares et al.35 a Lei dos Consórcios, promulgada em 2005, produziu um aumento significativo no número de municípios consorciados no Brasil. Todavia, identifica-se que os consórcios tiveram um desempenho heterogêneo na busca de financiamento para suas ações, materializado na celebração de convênios com a União ao longo da série histórica.
O conteúdo dos convênios celebrados pelos consórcios públicos intermunicipais com a União
Nesta seção analisam-se os objetivos dos convênios relacionados à área da saúde. Para tanto, foram classificados os tipos de ações que os consórcios pretendiam executar, conforme apresentados na Figura 5.

Fonte: Elaborado a partir do Portal da Transparência da União, 2017.
Figura 5 Objetivo dos convênios estabelecidos entre consórcios de saúde e a União, por tipo, Brasil, 1996-2016.
Verifica-se que 66% dos convênios celebrados (n = 81) nessa área tiveram como objetivos a aquisição de equipamentos hospitalares, a melhoria da estrutura física dos serviços de saúde e a compra de materiais permanentes. Além disso, destaca-se o fato de que 7% (n = 9) dos convênios celebrados visavam a construção de estruturas físicas onde funcionariam serviços de saúde e outros 7% buscavam adquirir unidades móveis para os municípios consorciados.
Observa-se que alguns consórcios organizam estruturas próprias de implementação de políticas públicas, ou seja, eles constroem e mantêm serviços de saúde cujo objetivo é fornecer o atendimento direto à população. Por outro lado, identifica-se que outros consórcios atuam de modo a auxiliar os municípios na manutenção dos serviços se saúde (por exemplo, compra de materiais permanentes para os hospitais), tornando-se assim uma estrutura de apoio técnico, operacional e administrativo, sem ter a pretensão de prestar serviços de atendimento direto à população.
Os objetivos dos convênios apresentados pelos consórcios à União revelam um conjunto defragilidades dos municípios das regiões em que estão inseridos, para os quais os recursos seriam destinados. A partir da análise dos documentos que compõem os convênios celebrados se identificaram referências ao conceito de regionalização da saúde. De modo ilustrativo, cita-se o convênio celebrado no ano de 2010 por um consórcio situado no sul do estado do Paraná que conta com 20 municípios consorciados. Os documentos relativos demonstram que o consórcio buscava a construção de um prédio onde funcionaria um centro regional de especialidades médicas e a justificativa para a captação de recursos, descrita no objetivo do convênio, foi precisamente a diminuição das filas dos serviços de saúde localizados na capital, Curitiba, e a criação de um centro regional de referência a fim de regionalizar o atendimento dos serviços de média complexidade.
Por outro lado, verificou-se que alguns convênios apresentavam, na descrição do objetivo, uma arguição a respeito da importância do investimento para a região. Cita-se aqui o trecho de um convênio estabelecido por um consórcio mineiro no ano de 2012, com a seguinte justificativa:
O objetivo da execução do objeto do convênio visa a compra de equipamentos para criar condições de implantar serviços de saúde para atender a região dos municípios consorciados, cujo benefício é criar condições à população local de ser atendida na própria região, evitando o seu deslocamento para os grandes centros saturados31.
Nesse sentido, o documento demonstra uma sensibilidade do consórcio para questões cruciais relacionadas com a gestão da oferta para o atendimento da demanda no Sistema Único de Saúde.
Em outro caso, aponta-se um convênio celebrado por um consórcio situado em Rondônia, em 2011 que pretendia captar recursos federais para a aquisição de determinados aparelhos hospitalares (aparelho de radiografia e de mamografia)31. Além disso, consta nos objetivos do convênio que quem administraria tais equipamentos seria o município de referência da região e não o próprio consórcio. Assim, o consórcio estaria associado aos interesses dos municípios daquele território e seria um facilitador para o acesso aos recursos federais, mas não o prestador do serviço. Em outros casos, os objetivos dos convênios identificados referiam-se à compra de veículos como ambulâncias e UTI móveis, a fim de equipar os serviços de saúde já existentes nos municípios de referência31. Todavia, percebe-se que a concepção de serviço de saúde da maioria dos consórcios está vinculada à um modelo centrado na medicina curativa e hospitalocêntrica36, baseada na produção de atendimento de média e alta complexidade. Contrariando essa tendência, observa-se que uma minoria dos convênios (6 ao todo) apresentava como proposta a construção de academias de terceira idade, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos idosos.
Identifica-se que os gestores dos consórcios estão cientes dos efeitos negativos que o processo de descentralização do atendimento à saúde provocou nos municípios brasileiros. Por conta disso, essas organizações propõem ações de regionalização do atendimento à saúdena medida em queapresentam propostas para construir estruturas regionais de provisão de serviços de saúde e para garantir oauxílio financeiro aos municípios de referência das regiões. Contudo, desafios ainda persistem. Vale destacar que não fica claro se e como tais iniciativas convergem com o trabalho das Comissões Intergestoras Regionais e as diretrizes da Programação Pactuada Integrada situadas dentro de cada estado da federação. Além disso, os consórcios de saúde não contam com instrumentos de participação, dificultando o controle social sobre suas atividades28.
O estudo de Botti et al.22 chama a atenção para o fato dos consórcios se preocuparem mais com a oferta direta de serviços do que com a construção de um sistema de saúde que busque a integralidade e coordenação assistencial. Nesse contexto, os autores afirmam que os consórcios conseguem ampliar o acesso aos serviços especializados nas regiões que atuam, contudo, persistem desafios relativos à construção de um sistema de referência e contra referência entre os serviços de saúde. O estudo de Nicoletto et al.21, realizado em um estado do Sul do Brasil, aponta que a oferta de consultas especializadas pelos consórcios não é suficiente para atender a demanda, bem como existem inúmeras falhas nos seus mecanismos de referência e contra referência. Nessa mesma linha, os autores enfatizam que os consórcios possuem potencial para ampliar a oferta de serviços, todavia, essas ações precisam ser planejadas e adequadas ao sistema de referência estipulado pelo Sistema Único de Saúde.
Portanto, a partir dessa análise, volta-se à problemática lançada por Grin e Abrúcio27 e Segatto e Abrúcio26 relativa à construção de um sistema coordenado e cooperativo de produção de políticas públicas no Brasil. Os estudos internacionais sobre o tema37-43, desenvolvidos em países como Espanha, Alemanha e Canadá, também destacam a importância de serem construídos sistemas de cooperação e coordenação intergovernamental que busquem conciliar as demandas locais com as políticas desenvolvidas pelos governos centrais a fim de garantir o acesso universal à saúde.
Cabe ainda ressaltar algumas limitações desse estudo como o fato da pesquisa estar baseada nos convênios celebrados pelos consórcios intermunicipais com a União, sem considerar os acordos firmados pelos governos estaduais. A análise limitou-se aos objetivos contidos nos documentos oficiais apresentados para o estabelecimento do convênio, não considerando a efetiva implementação dos recursos pleiteados, o que demandaria uma pesquisa in loco.
Conclusão
Este estudo buscou realizar uma descrição geral dos convênios celebrados na área da saúde entre os consórcios públicos intermunicipais e a União, demonstrando que a evolução temporal da celebração desses convênios variou muito ao longo do tempo e que os municípios das regiões Sul e Sudeste apresentaram um número maior de convênios em comparação com as outras regiões.
Quanto ao conteúdo dos convênios, constatou-se que os consórcios estão cientes das problemáticas que envolvem a descentralização das políticas de saúde e se apropriam do conceito de regionalização da saúde para fazerem a requisição de recursos junto ao Ministério da Saúde. Todavia, a análise dos dados sugere que os consórcios ainda atuam de forma autônoma e desconectada de outras instâncias de gestão, tais como as Coordenadorias Regionais de Saúde, o que pode provocar descompassos e sobreposições de atividades. Além disso, destaca-se que os consórcios carecem de mecanismos que estimulem a participação e o controle social, aspectos inerentes e fundamentais para a consolidação do SUS44,45. Por fim, ressalta-se a necessidade de se realizar mais estudos sobre o tema, principalmente enfatizando a forma como os consórcios públicos se relacionam com outras instâncias de gestão e controle social na área de saúde, bem como com outras esferas de governo.