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Intersetorialidade e saúde nas políticas estaduais de segurança pública e de prevenção à violência no Brasil

Intersectorality and health in state public security and violence prevention policies in Brazil

Resumo

O presente estudo tem como objetivo compreender de que forma os Planos Estaduais de Segurança Pública (PSP) incorporam a perspectiva da prevenção da violência e da intersetorialidade, com especial atenção para o papel do setor Saúde. Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou as técnicas de análise documental e de conteúdo, tendo como material empírico os PSP implementados ou em fase de formulação. Foram identificados 14 PSP. Todos os planos incorporam as concepções de prevenção da violência, intersetorialidade e participação do setor saúde. A concepção de prevenção da violência decorre do conceito de segurança cidadã, mas ações específicas de prevenção são mencionadas de forma genérica. A incorporação da intersetorialidade é heterogênea e insuficiente, na medida em que a participação dos setores na fase de planejamento não é a regra. A participação do setor saúde nem sempre é ativa, ou seja, desde a fase de planejamento das ações, as quais, na maioria das vezes, são pontuais e assistenciais. O setor saúde assume, ainda, um papel secundário, sem que suas experiências e potencialidades sejam reconhecidas. Concepções de prevenção da violência, intersetorialidade e participação do setor saúde, estão presentes nos planos de forma incipiente. Ressalta-se a importância de novos estudos.

Palavras-chave:
Prevenção da violência; Violência e saúde; Segurança pública; Intersetorialidade

Abstract

The scope of this study is to understand how State Public Security Plans (PSP) incorporate the perspective of violence prevention and intersectorality, with special attention to the role of the health sector. It is a qualitative study that used the techniques of document and content analysis, having the PSP either implemented or in the formulation stage as empirical material. A total of 14 PSP were identified. All plans incorporate the concepts of violence prevention, intersectorality and participation of the health sector. The concept of violence prevention stems from the concept of citizen security, but specific prevention actions are mentioned in a generic way. The incorporation of intersectorality is heterogeneous and insufficient, to the extent that the participation of sectors in the planning phase is not the rule. The participation of the health sector is not always active, that is, from the planning phase of the actions, which, most of the time, are timely and care-based. The health sector also assumes a secondary role, without its experience and potential being recognized. Conceptions of violence prevention, intersectorality and participation of the health sector are present in the plans in an incipient way. The importance of new studies is emphasized.

Key words:
Prevention of violence; Violence and health; Public security; Intersectorality

Introdução

Em 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a violência como um dos principais problemas de saúde pública no mundo, impulsionando o debate a respeito do seu impacto sobre os sistemas de saúde dos países bem como sobre os efeitos negativos na saúde das populações, os quais acarretam custos diretos e indiretos de assistência11 Minayo MCDS. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10:S7-S18.

2 Minayo MCDS, Souza ERD. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Cien Saude Colet 1999; 4(1):7-23.
-33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464..

No Brasil, de acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, em 2017 a taxa de mortalidade por homicídio (TMH) chegou a 31,6 por 100 mil habitantes, a mais alta em uma trajetória crescente desde 2007. Adicionalmente, é importante ressaltar que as maiores TMH no país foram encontradas entre os jovens do sexo masculino na faixa etária de 15 a 29 anos, perfazendo uma taxa de 130,4 por 100 mil neste grupo44 Cerqueira D, Bueno S, Lima RS, Neme C, Ferreira H, Alves PP, Marques D, Reis M, Cypriano O, Sobral I, Pacheco D, Lins G, Armstrong K. Atlas da violência. Brasília: Ipea; 2019..

O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, publicado pela OMS em 200255 Krug EG, Mercy JA, Dahlberg LL, Zwi AB. The world report on violence and health. Lancet 2002; 360(9339):1083-1088.., contribuiu para o avanço das discussões sobre a gravidade desse problema, sobretudo a partir da ampliação do debate sobre a necessidade de ações para a prevenção da violência, chamando a atenção sobre o papel da saúde pública nestes esforços. Entretanto, estudos que analisaram algumas das estratégias para a prevenção da violência, apontaram para os desafios postos para a construção, implementação e avaliação de ações, programas ou políticas com essa finalidade66 Douglas K, Bell CC. Youth Homicide Prevention. Psychiatr Clin North Am 2011; 34(1):205-216.,77 Matjasko JL, Bacon S. Evidence for global violence prevention during adolescence and emerging adulthood. In: Carroll L, Perez MM, Taylor RT. The Evidence for Violence Prevention Across the Lifespan and Around the World. Washington, D.C.: National Academies Press; 2014., sobretudo no que diz respeito à ausência de mecanismos de coordenação do trabalho intersetorial de prevenção, entendido como fundamental no enfrentamento à violência, dada a complexidade do problema22 Minayo MCDS, Souza ERD. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Cien Saude Colet 1999; 4(1):7-23.,33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464.,88 World Health Organization (WHO). Preventing youth violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015..

Segundo Junqueira e Inojosa99 Junqueira LAP, Inojosa RM. Desenvolvimento social e intersetorialidade: a cidade solidária. São Paulo: FUNDAP; 1997., a intersetorialidade é entendida como a “articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas, visando o desenvolvimento social, superando a exclusão social”(p.27). De acordo com Peres33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464., no campo da saúde existe certo consenso estabelecido sobre a necessidade de prevenir a violência, chamando a atenção para a importância de ações intersetoriais que sejam capazes de concentrar os esforços dos diferentes setores da administração pública. Neste sentido, a prática da intersetorialidade se daria por meio do diálogo e de ações complementares entre setores diversos, buscando o estabelecimento de parcerias entre diferentes instituições no sentido de trabalharem juntos para o alcance de objetivos e metas comuns, a fim de superar a fragmentação e a especialização1010 Azevedo ED, Pelicioni MCF, Westphal MF. Práticas intersetoriais nas políticas públicas de promoção de saúde. Physis 2012; 22(4):1333-1356..

No Brasil, merecem destaque duas políticas intersetoriais do setor Saúde que visam prevenir a violência1111 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Cirn Saude Colet 2018; 23(6):2007-2016.. A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Assistência à Saúde. (2001). Portaria nº 737, de 16 de maio de 2001. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União; 2001. prevê o desenvolvimento de um conjunto de ações articuladas e sistematizadas, definindo propósitos e diretrizes orientadoras para a implementação de planos nacionais, regionais e locais. A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), por sua vez, recomenda estratégias para organização das ações de promoção da saúde nas três esferas de gestão do SUS e em iniciativas intersetoriais, além de reconhecer como imperativa a participação social e dos movimentos populares1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: Anexo I da Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017, que consolida as normas sobre as políticas nacionais de saúde do SUS. Diário Oficial da União; 2017..

No Brasil, as políticas de segurança pública se configuram historicamente como repressivas e punitivas, baseadas na atuação de órgãos de controle e na busca da diminuição da criminalidade. Essa perspectiva começa a mudar no final dos anos 1990 quando o crime e a violência passam a ser compreendidos como fenômenos inseridos em uma rede multicausal, determinados pela interseção de fatores individuais e familiares, no nível das comunidades, das instituições e das estruturas socioeconômicas. As Políticas de Segurança Pública passaram, então, a reconhecer a importância da intersetorialidade no combate à violência e ao crime1414 Soares LE. A Política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas. Rev Estud Av 2007; 21(61):77-97.. A partir dos anos 2000, desenvolve-se a ideia de segurança cidadã, a qual parte da natureza multicausal da violência, defendendo a atuação tanto no espectro do controle como na esfera da prevenção, por meio de políticas integradas no âmbito local, que promovam a convivência segura, pacífica, com respeito aos direitos humanos1515 Madeira LM, Rodrigues AB. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev Administr Publica-RAP 2015; 49(1):3-21.. Com o advento dos planos nacionais de segurança pública, os fenômenos do crime, da violência, da desordem e do desrespeito aos direitos humanos foram tomados como resultantes de múltiplos determinantes e causas, compreendendo, dessa maneira, que não cabe apenas ao sistema de justiça criminal a responsabilidade para enfrentá-los. Assim, condições socioeconômicas e demográficas, fatores de risco, políticas sociais, estratégias de prevenção, programas de valorização dos policiais, entre outras medidas foram mobilizadas1616 Lima RS, Pröglhöf PN. (Re)Estruturação da Segurança Pública no Brasil. In: Mingardi G, organizador. Política de Segurança: os desafios de uma reforma. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2013. p. 31-42.. Há, neste sentido, uma convergência entre os campos da Saúde e da Segurança pública22 Minayo MCDS, Souza ERD. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Cien Saude Colet 1999; 4(1):7-23.,33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464.,1111 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Cirn Saude Colet 2018; 23(6):2007-2016..

Nesse contexto, desde 2000, com o primeiro Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) os estados são estimulados a elaborarem e a implementarem Planos, Programas e Ações em segurança pública, com foco na segurança cidadã1414 Soares LE. A Política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas. Rev Estud Av 2007; 21(61):77-97.

15 Madeira LM, Rodrigues AB. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev Administr Publica-RAP 2015; 49(1):3-21.

16 Lima RS, Pröglhöf PN. (Re)Estruturação da Segurança Pública no Brasil. In: Mingardi G, organizador. Política de Segurança: os desafios de uma reforma. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2013. p. 31-42.
-1717 Mesquita Neto P. Ensaios sobre Segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, FAPESP; 2011.. O PNSP de 2003, em particular, foi inspirado na experiência do Sistema Único de Saúde (SUS), apresentando um entendimento de que a segurança pública é uma matéria de Estado e que deve estar organizada em um Sistema Único com competências definidas para as esferas Federal, Estadual e Municipal1414 Soares LE. A Política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas. Rev Estud Av 2007; 21(61):77-97.,1818 Spaniol MI, Moraes Junior MC, Rodrigues CRG. Como tem sido planejada a segurança pública no Brasil? Análise dos planos e programas nacionais de segurança implantados no período pós-redemocratização. Rev Bras Segur Publica 2020; 14(2):100-127.. O paradigma da segurança cidadã se aproxima da abordagem da Saúde Pública na medida em que ambos reconhecem as causas sociais da violência, a importância do desenvolvimento de ações intersetoriais e a necessidade da adoção de medidas preventivas22 Minayo MCDS, Souza ERD. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Cien Saude Colet 1999; 4(1):7-23.,33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464.,1111 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Cirn Saude Colet 2018; 23(6):2007-2016.,1515 Madeira LM, Rodrigues AB. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev Administr Publica-RAP 2015; 49(1):3-21.,1717 Mesquita Neto P. Ensaios sobre Segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, FAPESP; 2011.. Segundo Mesquita Neto1717 Mesquita Neto P. Ensaios sobre Segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, FAPESP; 2011., a noção de prevenção encontrada nas formulações de políticas de segurança cidadã é inspirada na noção proveniente do setor Saúde que se baseia no modelo da História Natural das Doenças e propõe três níveis de prevenção: primária, secundária e terciária.

A recomendação para a adoção de uma política de segurança cidadã, feita pela Organização das Nações Unidas, se refletiu no desenvolvimento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci)1919 Brasil. Lei nº 11.530, de 24 de outubro 2007. Institui o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 24 out., no segundo Governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O Pronasci é focado na prevenção e pautado em ações intersetoriais, sendo considerado um amadurecimento das ideias e sugestões inseridas nos planos nacionais que o antecederam. Ele seria executado pela União, por meio da articulação dos órgãos federais, em cooperação com os estados, Distrito Federal e municípios, com ampla participação das comunidades, mediante programas, projetos e ações. Criado pela Lei nº 11.530/2007, o Programa destinava-se a articular ações de segurança pública para a prevenção, controle e repressão da criminalidade, estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas1818 Spaniol MI, Moraes Junior MC, Rodrigues CRG. Como tem sido planejada a segurança pública no Brasil? Análise dos planos e programas nacionais de segurança implantados no período pós-redemocratização. Rev Bras Segur Publica 2020; 14(2):100-127.. Essas medidas, após a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), foram intensificadas com a Política Nacional de Segurança Pública e o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2018-2028 (PNSPDS). No PNSPDS as políticas públicas de segurança não se restringem aos integrantes do SUSP, pois devem considerar um contexto social amplo, com abrangência de outras áreas do serviço público, como educação, saúde, lazer, cultura, respeitadas as atribuições e finalidades de cada área do serviço público. O PNSPDS tem também como uma de suas diretrizes o fortalecimento das ações de prevenção e resolução pacífica de conflitos, priorizando políticas de redução da letalidade violenta, com ênfase nos grupos vulneráveis2020 Brasil. Ministério da Segurança Pública. Plano e Política nacional de Segurança Pública e Defesa Social. SUSP - Sistema Único de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Segurança Pública; 2018..

Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo compreender de que forma os Planos Estaduais de Segurança incorporam a perspectiva da prevenção da violência e a dimensão intersetorial em sua formulação, buscando identificar os setores envolvidos e os mecanismos de articulação utilizados, com especial atenção para a definição do papel atribuído ao setor Saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou as técnicas de análise documental2121 Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2001. e análise de conteúdo2222 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. tendo como material empírico os planos estaduais de segurança pública (PSP) atualmente implementados ou aqueles que se encontram em fase de formulação, mas com documentação disponível. Para identificação dos planos, foram seguidos os seguintes passos: 1) Consulta aos sites das 26 Secretarias Estaduais de Segurança Pública (SSP) e da Secretaria de Segurança do Distrito Federal; 2) Busca por meio do Google utilizando os seguintes unitermos, seguidos pelo nome do Estado: Plano de segurança; Política de Segurança; Plano de prevenção à violência; Plano estadual de segurança; Plano de segurança pública; Plano estadual de segurança pública; 3) Ligações telefônicas para as SSP que não disponibilizavam informações em suas páginas oficiais, no caso em que as buscas por meio do Google não resultaram na identificação dos documentos. Foram identificados e analisados 14 PSP (Quadro 1). As experiências dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que tiveram grande repercussão, seja pelo modelo adotado, seja pelos resultados que lhes são atribuídos, não foram incluídas por não estarem formalizadas e disponíveis como PSP formalmente consolidados.

Quadro 1
Planos Estaduais de Segurança Pública.

Entre os planos identificados, 9 estavam disponíveis nos sites institucionais; 5 foram encontrados por meio da busca no Google e nenhum foi enviado após solicitação telefônica. Em relação aos estados não listados, 3 planos estão em elaboração (MS, PA e RJ).

Análise

A análise foi feita em dois momentos: 1) Leitura vertical exaustiva, quando cada plano foi lido por três pesquisadores, de forma independente. Essa leitura visou uma compreensão da estrutura geral do plano, além de identificar categorias analíticas pertinentes. Grupos de discussão entre os pesquisadores foram realizados para validar as categorias identificadas. As categorias são: concepção sobre intersetorialidade, concepção sobre prevenção e participação do setor saúde. 2) Leitura transversal, buscando estabelecer uma comparação entre os planos em torno das categorias identificadas. Os planos foram então classificados em cada um dos três aspectos, em pleno, intermediário e incipiente.

A prevenção expressa a adoção de uma atuação com vistas a evitar a ocorrência e reincidência de eventos violentos e crimes, atuando em suas causas, determinantes ou fatores de risco. Com vistas a caracterizar de que forma essa perspectiva foi adotada os planos foram inicialmente classificados como tendo ou não mencionado a existência dos níveis primário (medidas que antecedem as situações de violência e que pretendem evitar a sua ocorrência; engloba, por exemplo, políticas sociais-estruturais), secundário (medidas que têm como objetivo evitar o agravamento ou a consolidação de situações de violência; voltam-se, neste sentido, à população exposta ao risco e vítimas de violência, englobando, por exemplo, programas para jovens em situação de violência, em cumprimento de medida-socioeducativa em meio-aberto, ou mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo) e terciário (medidas que têm como objetivo evitar o dano maior e recuperar pessoas envolvidas em situação de violência em situação de aprisionamento, englobando, por exemplo, ações para reduzir a reincidência criminal e recuperação penal) de prevenção ou de prevenção social da violência. Foi considerada ainda a participação da sociedade civil nas ações de prevenção, a articulação entre prevenção e repressão e a identificação de grupos e territórios vulneráveis para guiar as ações. Além disso, os planos foram classificados como definindo ou não ações preventivas específicas a serem executadas. Os planos que apresentam de forma explícita de três níveis (primário, secundário, terciário) ou prevenção social e indiquem ações concretas de prevenção foram denominados plenos (Grupo Prevenção 1 - GP1). Os planos que trazem a noção de prevenção, mas sem a proposição efetiva de projetos ou ações neste sentido, foram classificados como intermediários (Grupo Prevenção 2 - GP2).

A intersetorialidade expressa o envolvimento de outros setores e da sociedade civil, através de sua presença nos planos, e a existência de mecanismos concretos de articulação institucionalizados. No que se refere à articulação entre setores e com a sociedade civil, foram classificados considerando o momento em que ocorrem, ou seja, na fase de planejamento ou apenas no momento de execução de ações previstas. Os mecanismos de articulação institucionalizados foram classificados como intersetorial, ou seja, aqueles que envolvem setores de fora do sistema de justiça e segurança, ou intrasetorial, quando envolvem apenas setores do sistema de justiça e segurança. Com base nessas categoriais os planos foram classificados em três grupos, considerando o grau de incorporação da perspectiva intersetorial: Grupo Intersetorialidade 1 (GI1) - Plena, quando articulação entre setores e com a sociedade civil se dá desde a fase de planejamento, há referência a mecanismos de articulação institucionalizado intersetorial; Grupo Intersetorialidade 2 (GI2) - Intermediária, quando articulação entre setores ou com a sociedade civil se dá apenas no momento da execução e há referência a mecanismos de articulação institucionalizado intersetorial; e Grupo Intersetorialidade 3 (GI3) - Incipiente: mencionam outros setores de forma genérica sem que seja descrita a participação na fase de planejamento, ações desenvolvidas ou mecanismo de articulação institucionalizados intersetoriais. Esses planos podem ou não prever mecanismos institucionalizados intrasetoriais.

Em relação ao papel do setor saúde buscamos identificar a existência de menção ao setor, em que momento se dá a participação (planejamento ou execução) e a existência de ações preventivas específicas previstas no plano. Os planos foram inicialmente classificados considerando o tipo de participação do setor como sendo ativa (desde o planejamento) ou passiva (apenas na execução). Em seguida foram classificados como plenos ou intermediários, considerando a existência ou não de ações preventivas específicas ao setor. Os planos então foram classificados nos seguintes grupos: Plenos-ativos (Grupo Saúde 1.1 - GS1.1), Plenos passivos (Grupos Saúde 1.2 - GS1.2) e Intermediário-passivo (Grupo Saúde 2 - GS2).

Resultados e discussão

No Quadro 2 apresentamos a sistematização dos aspectos relacionados às concepções de prevenção da violência presentes nos planos, assim como a previsão de ações preventivas.

Quadro 2
Concepções sobre prevenção e ações preventivas nos Planos Estaduais de Segurança Pública.

Em todos os planos analisados a prevenção da violência surge atrelada ao conceito de segurança cidadã1717 Mesquita Neto P. Ensaios sobre Segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, FAPESP; 2011.,2323 Freire MD. Paradigmas de segurança no Brasil: da ditadura aos nossos dias. Rev Bras Segur Publica 2009; 3(2):49-58.. Neste sentido, preconizam a articulação da repressão qualificada com medidas de proteção aos direitos humanos e adotam perspectiva de prevenção social2424 Concha-Eastman A, Malo M. Da repressão à prevenção da violência: desafio para a sociedade civil e para o setor saúde. Cien Saude Colet 2006; 11:1179-1187.. Há que se notar que a segurança pública no Brasil, no domínio do governo federal, apenas a partir dos anos 2000 adotou a concepção de segurança cidadã, que prioriza a prevenção, a participação da sociedade e a integração com políticas sociais1414 Soares LE. A Política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas. Rev Estud Av 2007; 21(61):77-97.,1515 Madeira LM, Rodrigues AB. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev Administr Publica-RAP 2015; 49(1):3-21.,2323 Freire MD. Paradigmas de segurança no Brasil: da ditadura aos nossos dias. Rev Bras Segur Publica 2009; 3(2):49-58.. Pesquisadores como Soares1414 Soares LE. A Política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas. Rev Estud Av 2007; 21(61):77-97.,2525 Soares LE. Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Companhias das Letras; 2000. e Adorno2626 Adorno S. Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. In: Miceli S, organizador O que ler na ciência social brasileira 1970-2002. Volume IV. São Paulo: NEV/USP; 2002. p. 267-307. indicam que o que prevalecia em termos da segurança pública no Brasil era uma tensa dicotomia entre propostas repressivas/punitivas e demandas por políticas preventivas, que garantissem os direitos humanos. Dois passos importantes na direção da superação dessa dicotomia foram a implementação da PNRMAV pelo Ministério da Saúde, a qual incorpora a violência na agenda política do setor saúde, priorizando as medidas preventivas1111 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Cirn Saude Colet 2018; 23(6):2007-2016.,1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Assistência à Saúde. (2001). Portaria nº 737, de 16 de maio de 2001. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União; 2001. e o lançamento do Pronasci1919 Brasil. Lei nº 11.530, de 24 de outubro 2007. Institui o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 24 out. pelo Ministério da Justiça em 2007, que promoveu a realização de projetos de prevenção social em parceria com os municípios em articulação com medidas de repressão qualificada. Embora isso não signifique que esta concepção esteja inteiramente sendo colocada em prática, sinaliza que o paradigma atualmente direciona as políticas estaduais de segurança pública.

A adoção desta perspectiva parte do reconhecimento que a violência e os crimes são fenômenos que resultam da ação de múltiplas causas, devendo ser prevenidos e contidos por meio de políticas sociais de acesso ao emprego e à renda, da melhoria da infraestrutura urbana e por meio de políticas de habitação, de saúde e de educação, ao lazer, ao esporte e à cultura1515 Madeira LM, Rodrigues AB. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev Administr Publica-RAP 2015; 49(1):3-21.

16 Lima RS, Pröglhöf PN. (Re)Estruturação da Segurança Pública no Brasil. In: Mingardi G, organizador. Política de Segurança: os desafios de uma reforma. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2013. p. 31-42.
-1717 Mesquita Neto P. Ensaios sobre Segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, FAPESP; 2011.,2323 Freire MD. Paradigmas de segurança no Brasil: da ditadura aos nossos dias. Rev Bras Segur Publica 2009; 3(2):49-58.,2424 Concha-Eastman A, Malo M. Da repressão à prevenção da violência: desafio para a sociedade civil e para o setor saúde. Cien Saude Colet 2006; 11:1179-1187.. Esta concepção, presente em todos os planos, complexifica o campo da segurança pública, como podemos perceber no Plano de SC, e o aproxima do campo da Saúde na forma de compreensão do problema e das respostas a serem formuladas pelo setor público11 Minayo MCDS. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10:S7-S18.

2 Minayo MCDS, Souza ERD. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Cien Saude Colet 1999; 4(1):7-23.
-33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464.,1111 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Cirn Saude Colet 2018; 23(6):2007-2016.:

A segurança pública é um fenômeno social complexo com múltiplas causalidades. O crime em si é um ato que atenta contra o ordenamento jurídico, enquanto a criminalidade representa o aumento desses acontecimentos, decorrentes de diversos fatores, tais como: ambiente social desajustado, formação de grandes conglomerados urbanos sem estrutura adequada, ocupação desordenada do solo, ausência ou ineficiência de políticas sociais e assistenciais, desagregação familiar, deficiência da estrutura educacional e policial, falta de empregos e oportunidades, deficiências do sistema prisional, cooptação pelo crime organizado, falhas nas legislações e na aplicação das leis, sensação de impunidade, dentre outras2727 Santa Catarina. Secretária de Estado da Segurança Pública de Santa Catarina. Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social - Santa Catarina: Segurança Integrada para paz social [Internet]. 2018 [acessado 26 ago 2019]. Disponível em: https://www.ssp.sc.gov.br/Plano_Estadual.pdf.
https://www.ssp.sc.gov.br/Plano_Estadual...
(p.18).

Dez, dos 14 planos analisados (Quadro 2), sistematizam as ações de prevenção explicitamente em torno dos três níveis (primário, secundário e terciário). Essa forma de classificar as ações preventivas fundamenta-se no modelo da História Natural das Doenças, que considera, dentre outros, a evolução dos processos mórbidos no tempo, desde o período de latência, a fase clínica, o surgimento de complicações e sequelas e o óbito33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464.. No campo da prevenção das violências, Krug et al.55 Krug EG, Mercy JA, Dahlberg LL, Zwi AB. The world report on violence and health. Lancet 2002; 360(9339):1083-1088.. propõem a classificação das ações preventivas segundo características do público-alvo como medidas universais, que se aplicam a toda população independente do risco, medidas selecionadas, que se aplicam a grupos de pessoas sob maior risco de envolvimento com a violência como vítimas ou perpetradores, e medidas indicadas, que se aplicam a pessoas já em situação de violência como mulheres em situação de violência doméstica ou adolescentes em conflito com a lei33 Peres MFT. Prevenção, atenção e controle de violências interpessoais comunitárias. In: JS Paim, N Almeida Filho, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 437-464.. Não há, em nenhum dos planos, a adoção desta forma de classificação.

Dez (10) planos propõem ações concretas que correspondem aos três níveis de prevenção. Os planos desses estados foram classificados como estando no Grupo pleno (GP1): Pacto por um Ceará Pacífico (CE); Segurança Pública com Cidadania (DF); Estado Presente em Defesa da Vida (ES); Programa de Prevenção Social à Criminalidade (MG); Pacto pela Vida (PE); Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social 2018-2018 Santa Catarina (SC); Todos pela segurança - Plano Participativo de Segurança Pública do Estado do Piauí 2018 (PI); RS Seguro: Programa Transversal e Estruturante de Segurança Pública e Defesa Social (RS); Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social 2019-2029 (TO).

Nos planos analisados, a prevenção primária implica a adoção de políticas amplas para melhoria da qualidade de vida, por meio da redução da pobreza e da desigualdade socioeconômica, do acesso aos serviços sociais públicos de educação e saúde, infraestrutura urbana, saneamento básico, mobilidade urbana, promoção do acesso às práticas esportivas, culturais e de lazer. Aproxima-se, portanto, da ideia de uma prevenção social da violência e do crime, presente na concepção de Segurança Cidadã1717 Mesquita Neto P. Ensaios sobre Segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, FAPESP; 2011.,2323 Freire MD. Paradigmas de segurança no Brasil: da ditadura aos nossos dias. Rev Bras Segur Publica 2009; 3(2):49-58.,2424 Concha-Eastman A, Malo M. Da repressão à prevenção da violência: desafio para a sociedade civil e para o setor saúde. Cien Saude Colet 2006; 11:1179-1187. e da ideia de prevenção primária presente na PNRMMAV1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Assistência à Saúde. (2001). Portaria nº 737, de 16 de maio de 2001. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União; 2001.. Outro entendimento de prevenção primária é encontrado no PSP-RS, o qual concebe a prevenção como um “escudo” por meio de: educação, segurança, Bombeiros, Defesa Civil, cultura, esporte e lazer, saúde, proteção social, geração de emprego e renda, infraestrutura urbana e habitação. O foco das ações está nos adolescentes e jovens, objetivando: “oferecer alternativas e oportunidades (atrativas)”2828 Rio Grande do Sul. Secretária de Segurança Pública. Programa RS Seguro: programa transversal e estruturante de segurança pública e defesa social [Internet]. 2019 [acessado 10 set 2019]. Disponível em: https://ssp.rs.gov.br/rs-seguro.
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(p.21).

Alguns planos apresentam compreensão de prevenção do crime e da violência que envolve amplas esferas dos governos e da sociedade, ainda que não proponham instrumentos para concretizar inteiramente esta compreensão. Por exemplo, o plano da Paraíba tenciona o fortalecimento das ações de proteção aos grupos vulneráveis para enfrentamento dos crimes homofóbicos, raciais, étnicos e de intolerância religiosa2929 Paraíba. Secretaria da Segurança e da Defesa Social. Programa Paraíba Unida pela Paz [Internet]. 2019 [acessado 3 nov 2019]. Disponível em: https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secretaria-da-seguranca-e-defesa-social/pbunidapelapaz.
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. Tenciona, também, “a articulação com instituições públicas ou privadas, planejamento e execução de políticas transversais e programas voltados para prevenção primária em localidades socialmente vulneráveis, especialmente aqueles voltados para inclusão social de crianças e adolescentes, nas áreas de educação, esporte e lazer e saúde”2929 Paraíba. Secretaria da Segurança e da Defesa Social. Programa Paraíba Unida pela Paz [Internet]. 2019 [acessado 3 nov 2019]. Disponível em: https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secretaria-da-seguranca-e-defesa-social/pbunidapelapaz.
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(p.2).

Não obstante as diretrizes previstas no sentido da prevenção social, os planos avaliados não deixam de propor instrumentos de repressão qualificada do crime e da violência. Prevenção e repressão, assim, são consideradas abordagens complementares, e não opostas3030 Peres MFT. Prevenção e controle: oposição ou complementaridade para a redução da violência. Cien Cultura 2002; 54(1):54-55.. Segundo Sherman et al.3131 Sherman LW, Gottfredson DC, MacKenzie DL, Eck J, Reuter P, Bushway SD. Preventing Crime: What works, what doesn´t, war is promising. US Congress; 1997., essa complementariedade parte do pressuposto de que todas as medidas que visam enfrentar a violência são, no limite, preventivas, sejam elas punitivas ou estruturais. Neste sentido, medidas preventivas e punitivas representam extremos de um contínuo de ações que visam reduzir e controlar os níveis de violência3232 U. S. Department of Justice. The Title V Incentive Grants for Local Delinquency Prevention Programs. Office of juvenile justice and delinquency prevention; 2000.. Assim, repressão e prevenção são tratadas em uma perspectiva de complementaridade em todos os planos, a exemplo dos Estados do Piauí e de Pernambuco:

Desse modo, transforma a relação entre direitos humanos e eficiência policial, não apenas em mera compatibilidade, mas na necessária complementaridade. No mesmo sentido, as ações sociais preventivas e a ação policial são entendidas como complementares na política de segurança3333 Piauí. Secretaria de Segurança Pública do Piauí. Todos pela Segurança: plano participativo de segurança pública do estado do Piauí [Internet]. 2018 [acessado 15 nov 2019]. Disponível em: http://www.ssp.pi.gov.br/download/201806/SSP08_a7bbeba3c8.pdf.
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(p.18).

Os programas do Plano Estadual de Segurança Pública referentes à prevenção e repressão qualificada são complementares e simultâneos. De um lado, a prevenção da violência atua para evitar que o crime aconteça e de outro a repressão qualificada atua após o cometimento do crime, qualificando o atendimento à vítima, otimizando os recursos de policiamento ostensivo e de investigação policial a fim de ofertar à população um atendimento mais eficiente e eficaz3434 Pernambuco. Fórum Estadual de Segurança Pública. Pacto Pela Vida: Plano Estadual de Segurança Pública [Internet]. Recife, Pernambuco; 2007 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC VCM 034 Anexo 04.pdf.(p.116).

A participação da sociedade civil nas ações de prevenção é mencionada em todos os planos. Estratégias de policiamento de proximidade, como o policiamento comunitário, são previstas no sentido de envolver as comunidades na prevenção. No país, a introdução de programas “comunitários” em segurança pública, no final dos anos 1980, teve tanto a ver com o momento da redemocratização e reconstrução da esfera pública, quanto com a necessidade de reforma das organizações policiais, historicamente repressivas e refratárias aos setores populares3535 Souza LG. Depois do 13º tiro: segurança cidadã, democracia e os impasses do policiamento comunitário no Brasil [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.. Um exemplo da adoção deste modelo pode ser encontrado no PSP-SC:

Fortalecer a cidadania, a accountability, a filosofia de Polícia Comunitária e a participação ativa da sociedade mediante a valorização da integração de políticas públicas preventivas, envolvendo os cidadãos tanto na identificação das causas, como no apoio à resolução de problemas locais2727 Santa Catarina. Secretária de Estado da Segurança Pública de Santa Catarina. Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social - Santa Catarina: Segurança Integrada para paz social [Internet]. 2018 [acessado 26 ago 2019]. Disponível em: https://www.ssp.sc.gov.br/Plano_Estadual.pdf.
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(p.107).

Nos planos, a prevenção secundária é aquela voltada aos casos em que a violência já ocorreu e o objetivo é evitar episódios novos e mais graves. Partindo do diagnóstico de que a violência não afeta de igual forma todos os grupos da sociedade, todos planos identificam “grupos e territórios vulneráveis”. Um exemplo é encontrado no PSP-MG3636 Minas Gerais. Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. Política de Prevenção Social à Criminalidade 2019 [Internet]. 2019 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: http://www.seguranca.mg.gov.br/images/seds_docs/Prevencao/Portflio%20-%20Preveno %20Social%20%20Criminalidade%202017.pdf.
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, no qual a prevenção é focada em adolescentes, jovens e moradores de territórios com maior concentração de crimes de homicídio e outras violências; pessoas em cumprimento de alternativas penais; egressos do sistema prisional e seus familiares. O PSP-ES prevê projetos de prevenção da violência envolvendo atividades culturais e esportivas para crianças e adolescentes em territórios prioritários, com alta vulnerabilidade socioeconômica e índices de violência letal3737 Espírito Santo. Secretária de Segurança Pública e Defesa Social. Plano Estadual de Segurança Pública - 2015-2018 [Internet]. 2015 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: https://sesp.es.gov.br/Media/sesp/Gest%C3%A3o%20estrat%C3%A9gica/PLANO%20DE%20SEGURAN%C3%87A%202015-2018_vers%C3%A3o1.pdf.
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Territórios vulneráveis, portanto, seriam espaços privilegiados para a articulação de diferentes programas e ações preventivas desenvolvidos e implementados por diversos setores da administração pública e da sociedade civil. Todavia, conforme aponta Koga3838 Koga D. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez Editora; 2003., esta articulação no território é insuficiente para a efetivação de ações integradas, além de desconsiderar a heterogeneidade dos espaços sociais. Ademais, Wacquant3939 Wacquant L. Revisiting territories of relegation: Class, ethnicity and state in the making of advanced marginality. Urban Studies 2016; 53(6):1077-1088. indica problemas inerentes à própria ideia de “territórios vulneráveis” e à formulação de políticas públicas que têm como foco tais territórios, a exemplo do acirramento da estigmatização e do reforço de representações negativas e pejorativas dos espaços e seus moradores, especialmente quando as intervenções estão calcadas em ações policiais de cunho repressivo e ostensivo. Outro ponto nesta direção relaciona-se ao que pode ser chamado de “securitização” das políticas sociais4040 Ceará. Governo do Ceará. Ceará Pacífico - Matriz de Acompanhamento [Internet]. 2015 [acessado 25 ago 2019]. Disponível em: https://www.ceara.gov.br/ceara-pacifico/.
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, isto é, um processo em que estas passariam a ser atreladas aos indicadores de segurança pública e ao objetivo de prevenir a violência, desconsiderando-se que se tratam de políticas que respondem a direitos básicos de todos os cidadãos, independente de qualquer critério, como os níveis de violência nos territórios.

A prevenção terciária é, de modo geral, aplicada à população carcerária, egressos do sistema prisional e familiares. As medidas enfocam atividades produtivas de ensino e pretendem oferecer assistência psicológica, de ressocialização e reabilitação2424 Concha-Eastman A, Malo M. Da repressão à prevenção da violência: desafio para a sociedade civil e para o setor saúde. Cien Saude Colet 2006; 11:1179-1187.. Algumas políticas dão preferência às penas alternativas, para além da privação da liberdade. As intervenções ocorrem em parceria com as Secretarias de Educação, Assistência Social, Saúde, e Direitos Humanos, a exemplo dos PSP-PE3434 Pernambuco. Fórum Estadual de Segurança Pública. Pacto Pela Vida: Plano Estadual de Segurança Pública [Internet]. Recife, Pernambuco; 2007 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC VCM 034 Anexo 04.pdf. e PSP-MG3636 Minas Gerais. Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. Política de Prevenção Social à Criminalidade 2019 [Internet]. 2019 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: http://www.seguranca.mg.gov.br/images/seds_docs/Prevencao/Portflio%20-%20Preveno %20Social%20%20Criminalidade%202017.pdf.
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Todos os planos analisados reconhecem a importância da prevenção para o enfrentamento da violência. A incorporação da prevenção nos planos, entretanto, nem sempre se dá de forma plena, ou seja, através da previsão de ações e programas concretos definidos com a finalidade explicitamente preventiva. Embora esse achado aponte para uma incorporação ainda insuficiente do modelo preventivo, é de se destacar que todos reforçam, ao menos no plano discursivo, a importância da prevenção, que se mostra um complemento necessário às estratégias repressivas para contenção da criminalidade e das violências. Esta perspectiva complementar tem como uma de suas consequências a afirmação da intersetorialidade como condição necessária à formulação e implementação dos planos de segurança1717 Mesquita Neto P. Ensaios sobre Segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, FAPESP; 2011.,2424 Concha-Eastman A, Malo M. Da repressão à prevenção da violência: desafio para a sociedade civil e para o setor saúde. Cien Saude Colet 2006; 11:1179-1187., como pode ser percebido nos trechos abaixo, referentes aos PSP-CE4040 Ceará. Governo do Ceará. Ceará Pacífico - Matriz de Acompanhamento [Internet]. 2015 [acessado 25 ago 2019]. Disponível em: https://www.ceara.gov.br/ceara-pacifico/.
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, PSP-MA4141 Maranhão. Secretaria de Estado da Segurança Pública. Planejamento Estratégico da Secretaria de Estado da Segurança do Maranhão - 2015-2019 [Internet]. 2015 [acessado 26 out 2019]. Disponível em: https://www.ssp.ma.gov.br/wp-content/uploads/2018/04/Planejamento-Estrat%C3%A9gico-SSP-MA-2015-2019.pdf.
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e PSP-PE3434 Pernambuco. Fórum Estadual de Segurança Pública. Pacto Pela Vida: Plano Estadual de Segurança Pública [Internet]. Recife, Pernambuco; 2007 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC VCM 034 Anexo 04.pdf.:

[O PSP-CE objetiva a] implementação de ações intersetoriais e interinstitucionais que proporcionarão a construção de uma Cultura de Paz no Ceará. Essas ações englobam os aspectos da segurança pública no sentido estrito, mas não se resumem a eles e estendem-se a iniciativas voltadas à melhoria do contexto urbano, ao acolhimento às populações mais vulneráveis e ao enfrentamento à violência como um todo a partir da atuação articulada, integrada e compartilhada dos órgãos e entidades públicas estaduais, municipais e federais, e da sociedade civil4040 Ceará. Governo do Ceará. Ceará Pacífico - Matriz de Acompanhamento [Internet]. 2015 [acessado 25 ago 2019]. Disponível em: https://www.ceara.gov.br/ceara-pacifico/.
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(p.5).

[O PSP-MA objetiva] Implantar o Pacto pela Paz, programa que consiste em articular as políticas de prevenção e repressão do crime por meio de uma ação conjunta entre governo e comunidade, que se traduz em uma política pública transversal e integrada construída de forma pactuada com a sociedade, em articulação permanente com o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Assembleia Legislativa, os municípios e a União4141 Maranhão. Secretaria de Estado da Segurança Pública. Planejamento Estratégico da Secretaria de Estado da Segurança do Maranhão - 2015-2019 [Internet]. 2015 [acessado 26 out 2019]. Disponível em: https://www.ssp.ma.gov.br/wp-content/uploads/2018/04/Planejamento-Estrat%C3%A9gico-SSP-MA-2015-2019.pdf.
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(p.16).

As ações preventivas são multidisciplinares, na medida em que buscam aumentar os fatores de proteção e diminuir os fatores de risco à violência. Deste modo, nem todas as ações estão sob a responsabilidade da pasta de Defesa Social, muitas estão sob responsabilidade de outras pastas setoriais e de esferas diferenciadas de governo e da administração. Nesse sentido, as ações de prevenção da violência se concretizam de modo intersetorial3434 Pernambuco. Fórum Estadual de Segurança Pública. Pacto Pela Vida: Plano Estadual de Segurança Pública [Internet]. Recife, Pernambuco; 2007 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC VCM 034 Anexo 04.pdf.(p.116).

No que se refere à intersetorialidade, os setores citados nos planos, em geral, são todos os órgãos da Segurança Pública (Polícias Militar e Civil, Corpos de Bombeiros Militares, polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), as Secretarias Estaduais - Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os municípios (especialmente as Guardas Municipais) e a União (Ministério da Justiça), bem como o Ministério Público, a Defensoria Pública e organismos da sociedade, como OAB, movimentos sociais, sindicatos, instituições de ensino, igrejas, imprensa e, em alguns casos, o setor privado.

Todos os planos preveem mecanismos de articulação institucionalizados (Quadro 3) como Secretarias Especiais de Gestão Integrada, Gabinetes de Gestão Integrada (GGI), Subsecretarias de Políticas de Prevenção ou de Relações Sociais no âmbito das Secretarias Estaduais de Segurança; Comitês de Governança; Diretoria de Políticas de Segurança. Para Veiga e Bronzo4242 Veiga LD, Bronzo C. Estratégias intersetoriais de gestão municipal de serviços de proteção social: a experiência de Belo Horizonte. Rev Administr Publica 2014; 48(3):595-620. e Cunill-Grau4343 Cunill-Grau N. La intersectorialidad en las nuevas políticas sociales: Un acercamiento analítico-conceptual. Gestion Politica Publica 2014; 23(1):5-46. a criação de mecanismos de coordenação e a identificação de uma autoridade política com mandato e legitimidade para promover a participação e o envolvimento efetivo dos setores é fundamental para a sustentabilidade das políticas intersetoriais. Além desses mecanismos institucionalizados de coordenação, alguns PSP, apresentam também mecanismos “não institucionalizados”, tais como fóruns, reuniões plenárias, campanhas educativas, capacitações conjuntas, celebração de parcerias e convênios, a exemplo dos PSP do DF4444 Distrito Federal. Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social. Plano Plurianual 2016-2019 - Suplemento B [Internet]. 2015 [acessado 10 out 2019]. Disponível em: http://www.seplag.df.gov.br/lei-inicial-do-ppa-2016-2019/.
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, MG3636 Minas Gerais. Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. Política de Prevenção Social à Criminalidade 2019 [Internet]. 2019 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: http://www.seguranca.mg.gov.br/images/seds_docs/Prevencao/Portflio%20-%20Preveno %20Social%20%20Criminalidade%202017.pdf.
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, SC2727 Santa Catarina. Secretária de Estado da Segurança Pública de Santa Catarina. Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social - Santa Catarina: Segurança Integrada para paz social [Internet]. 2018 [acessado 26 ago 2019]. Disponível em: https://www.ssp.sc.gov.br/Plano_Estadual.pdf.
https://www.ssp.sc.gov.br/Plano_Estadual...
e PI3333 Piauí. Secretaria de Segurança Pública do Piauí. Todos pela Segurança: plano participativo de segurança pública do estado do Piauí [Internet]. 2018 [acessado 15 nov 2019]. Disponível em: http://www.ssp.pi.gov.br/download/201806/SSP08_a7bbeba3c8.pdf.
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Quadro 3
Intersetorialidade nos Planos Estaduais de Segurança.

Outros PSP apresentam mecanismos institucionalizados de articulação, mas que ou se limitam ao âmbito dos órgãos de segurança pública (BA) ou entre a segurança pública e a comunidades (MA). O PSP-PB2929 Paraíba. Secretaria da Segurança e da Defesa Social. Programa Paraíba Unida pela Paz [Internet]. 2019 [acessado 3 nov 2019]. Disponível em: https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secretaria-da-seguranca-e-defesa-social/pbunidapelapaz.
https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secret...
menciona um Comitê de governança entre as instituições de Segurança pública e “outros setores” não especificados. Por se limitarem apenas a instituições de segurança ou não explicitarem os setores esses mecanismos não foram considerados institucionalizados. Ressaltamos que no caso do PSP-PB apenas o decreto estava disponível para análise, o que pode explicar a falta de detalhamento.

Um exemplo de mecanismo intersetorial institucionalizado pode ser encontrado no PSP-DF4444 Distrito Federal. Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social. Plano Plurianual 2016-2019 - Suplemento B [Internet]. 2015 [acessado 10 out 2019]. Disponível em: http://www.seplag.df.gov.br/lei-inicial-do-ppa-2016-2019/.
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, que instituiu a Subsecretaria de Segurança Cidadã, vinculada à Secretaria de Estado da Segurança Pública e Paz Social em 2015, como responsável pela coordenação das políticas integradas, a qual:

[...] expressa o alinhamento estratégico do setor ao dotar o novo órgão de competência para implantar, coordenar e monitorar a gestão integrada da política distrital de proteção social e prevenção à violência e à criminalidade, com o objetivo de estruturar o sistema preventivo de segurança pública do [DF]. Trata-se de um esforço concentrado de articulação social e integração das ações intragovernamental e intergovernamental voltadas para institucionalização dessa política pública no âmbito do Pacto pela Vida do [DF]4444 Distrito Federal. Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social. Plano Plurianual 2016-2019 - Suplemento B [Internet]. 2015 [acessado 10 out 2019]. Disponível em: http://www.seplag.df.gov.br/lei-inicial-do-ppa-2016-2019/.
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(p.24).

Já os mecanismos de articulação não institucionalizados preveem o estabelecimento de Protocolos de Atuação Integrada; promoção de reuniões regulares entre os órgãos envolvidos; programas de formação conjunta; Unidades de Prevenção Social nos municípios; Fóruns Comunitários; Seminários nos territórios prioritários. Os documentos também mencionam, neste sentido, os Conselhos Municipais e Estaduais de Segurança Pública como espaços que estimulam e possibilitam a participação da sociedade civil.

Todos os planos analisados preveem a participação da sociedade civil (Quadro 3), seja no planejamento (5 planos), seja na execução (13 planos). Como defende Koga3838 Koga D. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez Editora; 2003., a intersetorialidade, qualidade necessária ao processo de intervenção no campo social, pressupõe o trabalho conjunto e a promoção do diálogo entre programas, projetos e equipes técnicas com a perspectiva da inclusão social. Neste caso, “há que se fazer presente a participação dos membros da comunidade envolvida, na medida em que estes são os sujeitos do processo e aqueles que podem garantir a continuidade da proposta”3838 Koga D. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez Editora; 2003.. Essa participação passou a ser estimulada com o desenvolvimento da segurança cidadã, em especial a partir do Pronasci1919 Brasil. Lei nº 11.530, de 24 de outubro 2007. Institui o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 24 out., pois durante sua vigência aconteceu a 1º Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), em 2009, tendo como um dos seus objetivos sanar uma dívida com o processo de democratização do país, qual seja, debater o modelo de segurança pública que um país democrático deveria ter1818 Spaniol MI, Moraes Junior MC, Rodrigues CRG. Como tem sido planejada a segurança pública no Brasil? Análise dos planos e programas nacionais de segurança implantados no período pós-redemocratização. Rev Bras Segur Publica 2020; 14(2):100-127.. As formas de participação da sociedade civil nos PSP são múltiplas e nem sempre se dão de forma institucionalizada ou sistemática e permanente. O PSP-PI3333 Piauí. Secretaria de Segurança Pública do Piauí. Todos pela Segurança: plano participativo de segurança pública do estado do Piauí [Internet]. 2018 [acessado 15 nov 2019]. Disponível em: http://www.ssp.pi.gov.br/download/201806/SSP08_a7bbeba3c8.pdf.
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, por exemplo, menciona “diálogos com a comunidade diretamente interessada, a comunidade científica, representantes de entidades governamentais e de entidades sociais e profissionais de segurança pública”(p.12). Já o PSP-TO4545 Tocantins. Secretária de Segurança Pública. Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social 2019-2029 [Internet]. 2019 [acessado 15 nov 2019]. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/450425/.
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“envolveu a comunidade através de um processo de consulta pública, com engajamento social na construção e na implementação do plano”(p.31).

Como pode ser observado no Quadro 3, todos os PSP reconhecem a importância da intersetorialidade, preveem mecanismo de articulação institucionalizados e participação da sociedade civil. Apesar destes avanços, apenas quatro planos mencionam explicitamente a participação de diferentes setores da administração desde a fase de planejamento, tendo sido classificados como possuindo Intersetorialidade plena (GI-1). Em três PSP não há referência à incorporação de setores além do campo da segurança pública na fase de planejamento, tendo sido considerados planos com incorporação intermediária da perspectiva intersetorial (GI-2).

Todos os planos analisados reconhecem, ao menos no nível discursivo, a importância do envolvimento de diferentes setores, sejam esses do executivo estadual, do legislativo e do judiciário, de organizações da sociedade civil e dos diferentes níveis de governo, federal e municipal. Isso não significa, entretanto, que a perspectiva efetivamente intersetorial tenha sido incorporada à formulação do plano e execução de suas ações. Como afirma Andrade4646 Andrade LOM. A saúde e o dilema da intersetorialidade. São Paulo: Hucitec; 2006., a intersetorialidade é marcada pela existência de “um consenso discursivo e um dissenso prático”(p.280) e os estudos e as análises das experiências concretas de ações intersetoriais apontam uma multiplicidade de caminhos e inúmeros desafios para sua efetivação.

A intersetorialidade, pressupõe uma articulação que engloba as fases de planejamento, execução das atividades e avalição99 Junqueira LAP, Inojosa RM. Desenvolvimento social e intersetorialidade: a cidade solidária. São Paulo: FUNDAP; 1997.. No nível das práticas, entretanto, se observa a persistência de resistências em seu emprego, que se dão, sobretudo, em razão da dificuldade de sua efetivação diante das diferentes leituras acerca dos problemas sociais por parte dos setores, bem como pelas diferentes características dos atores envolvidos como formações, identidades profissionais, trajetórias, valores, entre outros, gerando, por sua vez, disputas de poder que podem dificultar o estabelecimento de um diálogo para a construção de ações intersetoriais4747 Monnerat GL, Souza RG. Política social e intersetorialidade: consensos teóricos e desafios práticos. Rev SER Soc 2009; 12(26):200-220.

48 Carmo ME, Guizardi FL. Desafios da intersetorialidade nas políticas públicas de saúde e assistência social: uma revisão do estado da arte. Physis 2017; 27(4):1265-1286.
-4949 Bichir R, Canato P. Solucionando problemas complexos? Desafios da implementação de políticas intersetoriais. In: Pires RRC, organizador. Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea; 2019.. Além destes, têm-se como desafios para a intersetorialidade as diferentes conjunturas ideológicas, políticas e econômicas que alteram os rumos das ações empreendidas pelo Estado5050 Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersetorialidade? IntersetorialidadeS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300. e a gestão administrativa que atravessa os diferentes níveis do governo, exigindo o envolvimento dos entes federados que possuem suas próprias preferências e interesses5151 Inojosa RM. Intersetorialidade e a configuração de um novo paradigma organizacional. Rev Administr Publica 1998; 32(2):35-48..

Portanto, embora a intersetorialidade venha sendo adotada por analistas de políticas públicas como uma forma de minimizar a fragmentação através da integração de saberes e práticas dos distintos setores da administração pública, e também da sociedade civil, subsistem desafios para sua implementação4747 Monnerat GL, Souza RG. Política social e intersetorialidade: consensos teóricos e desafios práticos. Rev SER Soc 2009; 12(26):200-220.,4848 Carmo ME, Guizardi FL. Desafios da intersetorialidade nas políticas públicas de saúde e assistência social: uma revisão do estado da arte. Physis 2017; 27(4):1265-1286.,5050 Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersetorialidade? IntersetorialidadeS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300.,5252 Junqueira LAP. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. Rev Adm Publica 2000; 34(n. esp.):35-45.,5353 Nascimento S. Reflexões sobre a intersetorialidade entre as políticas públicas. Serv Soc Soc 2010; 101:95-120., o que pode explicar a forma incipiente como vem sendo adotada nos planos analisados.

No Quadro 4 apresentamos a sistematização dos aspectos relacionados à participação do setor saúde na elaboração ou execução dos planos.

Quadro 4
Participação do setor saúde nos Planos Estaduais de Segurança Pública.

Todos os PSP reconhecem a saúde, enquanto direito social, assim como papel do Setor na prevenção dos conflitos sociais. Ações específicas, entretanto, pouco são citadas pelos planos analisados. Foram identificadas as seguintes modalidades de participação do setor: formulação da política; identificação e atendimento às vítimas de violência (doméstica, sexual, etc.); melhoria dos serviços de saúde em geral, sem a existência de mecanismos de articulação com a política de segurança; campanhas e palestras sobre do uso abusivo de drogas; construção e ampliação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e de Unidades de Saúde da Família; adesão ao Programa Saúde na Escola (PSE); programas de atenção à saúde física e mental dos profissionais de segurança pública e suas famílias. Cabe ressaltar que a participação do setor Saúde se dá sobretudo através de ações assistenciais, em detrimento de ações de prevenção e promoção.

Essa presença do setor alinha-se uma visão tradicional que reduz a área da saúde ao atendimento dos “efeitos da violência”, desconsiderando a concepção de saúde integral, que considera aspectos psicossociais das vítimas e agressores5454 Minayo MCS. O significado social e para a saúde da violência contra crianças e adolescentes. In: Westphal MF, organizador. Violência e criança. São Paulo: Editora EDUSP; 2002.. Políticas do Setor Saúde, que explicitamente propõem vias para a prevenção da violência e adotam a perspectiva intersetorial, como a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (MS/GM 737)1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Assistência à Saúde. (2001). Portaria nº 737, de 16 de maio de 2001. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União; 2001., a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS)1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: Anexo I da Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017, que consolida as normas sobre as políticas nacionais de saúde do SUS. Diário Oficial da União; 2017., a Política Nacional de Atenção às Urgências5555 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.863, de 29 de setembro de 2003. Institui a Política Nacional de Atenção às Urgências, a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Diário Oficial da União 2003; 6 out., assim como outras ações do Ministério da Saúde para a prevenção das violências e promoção da saúde e da cultura de paz, como a Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA)5656 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2008 e 2009. Brasília: MS; 2010., Rede de Atenção Integral para Mulheres e Adolescentes em situação de violência doméstica e sexual5757 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília: MS; 2004 a Rede Nacional de Núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde5858 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Por uma cultura da paz, a promoção da saúde e a prevenção da violência. Brasília: MS; 2009., que implantou nos estados e municípios os Núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde, não são mencionadas ou incorporadas aos planos. Em nenhum dos planos é mencionada a importância a construção de sistemas de informação integrados, e não é reconhecida a atuação do setor saúde em atividades de vigilância em Saúde.

Cabe ressaltar que em 2008 os ministérios da Justiça e da Saúde assinaram um Acordo de Cooperação Técnica, que objetivava o desenvolvimento de ações conjuntas e coordenadas da Estratégia Saúde da Família (ESF)5959 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.920, de 2 de dezembro de 2008. Estabelece recursos financeiros para Municípios com equipes de Saúde da Família que atuem em áreas priorizadas para o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Diário Oficial da União; 2008. e do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci)1919 Brasil. Lei nº 11.530, de 24 de outubro 2007. Institui o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 24 out., nas áreas de abrangência das equipes de saúde família5959 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.920, de 2 de dezembro de 2008. Estabelece recursos financeiros para Municípios com equipes de Saúde da Família que atuem em áreas priorizadas para o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Diário Oficial da União; 2008.. Todavia, a ESF não foi mencionada nos planos, à exceção do PSP-TO4545 Tocantins. Secretária de Segurança Pública. Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social 2019-2029 [Internet]. 2019 [acessado 15 nov 2019]. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/450425/.
https://central3.to.gov.br/arquivo/45042...
. Provavelmente isso acontece em decorrência da conclusão do período de execução do Pronasci, como determinava a Lei nº 11.530/2007, e do espaço vazio provocado em termos de um programa nacional estruturante para a segurança pública no Brasil1515 Madeira LM, Rodrigues AB. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev Administr Publica-RAP 2015; 49(1):3-21.,1818 Spaniol MI, Moraes Junior MC, Rodrigues CRG. Como tem sido planejada a segurança pública no Brasil? Análise dos planos e programas nacionais de segurança implantados no período pós-redemocratização. Rev Bras Segur Publica 2020; 14(2):100-127.. Apesar desta limitação na incorporação do setor aos planos de segurança, merece destaque que em 3 a sua participação foi classificada como plena-ativa, em razão de ter sido incorporada desde o momento do planejamento e através da execução de ações específicas. Além disso, 7 foram classificados como plenos-passivos, em função de preverem ações específicas e integradas com os demais setores governamentais, como pode ser visto no Quadro 4.

Somente os Estados de PE, DF e SC indicam a participação do setor Saúde de modo mais ativo, ou seja, através de sua presença no mecanismo institucionalizado de articulação. No PSP-PE3434 Pernambuco. Fórum Estadual de Segurança Pública. Pacto Pela Vida: Plano Estadual de Segurança Pública [Internet]. Recife, Pernambuco; 2007 [acessado 12 jun 2018]. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC VCM 034 Anexo 04.pdf., a Secretaria Estadual de Saúde participa da gestão, operacionalização apoio técnico. No PSP-DF4444 Distrito Federal. Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social. Plano Plurianual 2016-2019 - Suplemento B [Internet]. 2015 [acessado 10 out 2019]. Disponível em: http://www.seplag.df.gov.br/lei-inicial-do-ppa-2016-2019/.
http://www.seplag.df.gov.br/lei-inicial-...
, a participação do setor Saúde, por meio da Secretaria de Estado da Saúde, se dá tanto no mecanismo institucionalizado de articulação como através de projetos específicos como o Centro de Atendimento Integrado a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual, o Programa Social Bombeiro Amigo, com atividades voltadas para a saúde global do idoso, e o Programa de Aleitamento Materno, também em parceria com os Bombeiros.

No PSP-SC2727 Santa Catarina. Secretária de Estado da Segurança Pública de Santa Catarina. Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social - Santa Catarina: Segurança Integrada para paz social [Internet]. 2018 [acessado 26 ago 2019]. Disponível em: https://www.ssp.sc.gov.br/Plano_Estadual.pdf.
https://www.ssp.sc.gov.br/Plano_Estadual...
, o setor Saúde é destacado desde a apresentação, junto com educação, assistência social, justiça e cidadania. Exemplos de integração entre o setor e a segurança pública são notados nas seguintes metas: diminuir a morbimortalidade por causas externas, através de encontros, mostras, webconferências, elaboração de material informativo para os profissionais de saúde no combate à violência, ao racismo, à discriminação social (população em situação rua, população negra, população indígena, LGBT, adolescentes em conflito com a lei, população prisional) e institucional. O Plano propõe ainda ações para acompanhar e monitorar o cumprimento do repasse do incentivo financeiro federal e estadual para os Municípios, em especial aqueles que aderiram à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP).

Em relação à participação do setor saúde, percebemos, portanto, que embora todos os planos mencionem a importância do setor, nem sempre isso se traduz em uma participação ativa, ou seja, que se dá através de uma atuação na fase de planejamento e que resulta em ações específicas do setor, de forma articulada aos demais, para contribuir para a prevenção da violência. O papel do setor saúde, na maioria dos planos analisados, é restrito a uma atuação assistencial e do reforço de ações já executadas através de programas assistências preexistentes. Embora sejam mencionadas a ESF, o PSE, a rede CAPS, não há um desenvolvimento maior no sentido de explicitar de que forma tais equipamentos podem contribuir para o enfrentamento do problema em pauta para além daquilo que está previsto em termos de assistência à saúde. Não há referência à PNRMAV ou à política de promoção da saúde e nem a importância do setor para a produção de informação, através dos sistemas de informação em saúde. Há, neste sentido, uma incorporação do setor que se baseia em uma concepção de saúde puramente assistencial, não sendo incorporada, de forma efetiva, a produção específica à área, suas políticas e capacidade técnica no manejo de informações para vigilância em saúde1111 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Cirn Saude Colet 2018; 23(6):2007-2016..

Considerações finais

A temática da violência e em especial, dos homicídios, seguem demandando a atenção e participação dos diversos setores públicos e da sociedade civil, e requer em uma gestão integrada, capaz de responder com eficácia e resolver os problemas da população de um determinado território. Os nossos resultados demonstram que existem avanços, quando consideramos que a maioria dos Estados tem ou estão desenvolvendo Planos de Segurança Pública, e que todos os planos analisados utilizam a perspectiva da segurança cidadã.

É inegável o avanço no que se refere ao desenvolvimento de planos de segurança que adotam uma perspectiva intersetorial e estratégias preventivas, ao menos no plano discursivo. O mesmo pode ser dito acerca do reconhecimento do papel do setor saúde. A partir da classificação apresentada no Quadro 5, é possível compreender que apesar dos avanços indicados essa incorporação é heterogênea e insuficiente, na medida em que a participação dos setores na fase de planejamento não é a regra, ações específicas de prevenção são mencionadas de forma genérica e o setor saúde adota, ainda, um papel secundário, sem que todas as suas experiências e potencialidades sejam reconhecidas. Neste sentido, torna-se necessário aprofundar a adoção da perspectiva intersetorial, a qual deve estar presente já na fase de formulação, na forma de uma intersetorialidade plena, e com mecanismos institucionalizados de gestão intersetoriais. Ações de prevenção devem ser mais claramente definidas e pautadas nos princípios de garantia dos direitos humanos, de forma articulada e complementar às ações repressivas. O setor saúde, dada a sua experiência, as políticas existentes e expertise no que se refere às estratégias preventivas e à vigilância e ao monitoramento de agravos é um parceiro fundamental neste processo, devendo ser considerado em sua máxima potencialidade.

Quadro 5
Classificação dos planos de segurança pública conforme as categorias prevenção, intersetorialidade e participação do setor saúde.

Por fim, é importante considerar as limitações e potencialidade de nosso estudo. Incluímos apenas os planos disponibilizados em meio digital, o que pode ter resultado na exclusão de planos existentes mas não publicizados nos sites institucionais. Tentamos lidar com este problema contactando diretamente as Secretarias Estaduais de Segurança Pública, mas não obtivemos respostas. Além disso, a nossa análise se limita ao texto do plano, ou seja, não incluímos no nosso estudo avaliar se as ações previstas foram efetivamente implementadas. Da mesma forma, os planos aqui analisados não foram avaliados no que se refere aos seus resultados, o que pode ser considerada mais uma limitação do trabalho. Cabe ressaltar que não tínhamos como objetivo, deste estudo, avaliar a implementação ou os resultados dos planos analisados. Apesar dessas limitações, ressaltamos a originalidade deste trabalho, na. medida em que. Não encontramos estudos similares analisando planos de segurança com ênfase na adoção das perspectivas intersertorial, preventiva e da articulação com o setor saúde. Neste sentido, este artigo vem preencher uma lacuna no conhecimento, ainda que de forma descritiva e sem considerar as dimensões de implementação e resultados. Desse modo, mostra-se fundamental acompanhar o processo de implementação, monitorar as ações e avaliar os efeitos dos PSP no que se refere à redução nas taxas de violência e à efetiva integração intersetorial.

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Editado por

Editores chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Abr 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
  • Publicado
    02 Jun 2021
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