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Justiça organizacional e doença cardiometabólica: uma revisão sistemática

Resumo

Os efeitos da justiça organizacional sobre a saúde dos trabalhadores têm sido investigados em diversas áreas de trabalho. Entretanto, a sistematização da informação disponível sobre os efeitos relacionados às doenças cardiovasculares (DCV) e à diabetes é escassa. O objetivo deste artigo é revisar sistematicamente a associação entre justiça organizacional e DCV e metabólica em trabalhadores adultos. A estratégia de busca incluiu os termos justiça organizacional, doença coronariana, doença cerebrovascular, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e DCV. As bases de dados investigadas foram MEDLINE, EMBASE e LILACS. A qualidade dos estudos foi avaliada pelo instrumento desenvolvido pelo National Institute of Health. Foram identificados 1.959 títulos. Após avaliação, foram selecionados oito estudos. Os indivíduos com percepção de justiça organizacional alta apresentaram menor risco de DCV e metabólica. Baixa justiça organizacional tem repercussões para a saúde cardiovascular e metabólica dos trabalhadores. A elaboração de estratégias para promover justiça organizacional deve ser priorizada para assim mitigar seus impactos para os trabalhadores e as instituições.

Palavras-chave:
Justiça organizacional; Saúde do trabalhador; Doenças cardiovasculares; Hipertensão; Diabetes mellitus

Abstract

The effects of organizational justice on workers’ health have been investigated in several areas of work. However, the systematization of available information on the effects related to cardiovascular diseases (CVD) and diabetes is scarce. This article aims to systematically review the association between organizational justice and CVD and metabolic disease in adult workers. The search strategy included the terms organizational justice, coronary heart disease, cerebrovascular disease, systemic arterial hypertension, diabetes mellitus and CVD. This study investigated the following databases: MEDLINE, EMBASE, and LILACS. The quality of the studies was assessed using the instrument developed by the National Institute of Health. Results: This study identified 1,959 titles. After evaluation, eight studies were selected. Individuals with a high perception of organizational justice showed a lower risk of CVD and metabolic disease, whereas low organizational justice presented repercussions for the cardiovascular and metabolic health of workers. The development of strategies to promote organizational justice must be prioritized and thus mitigate its impacts on workers and institutions.

Key words:
Organizational justice; Occupational health; Cardiovascular diseases; Hypertension; Diabetes mellitus

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) foram responsáveis por 31% de todos os óbitos globalmente, sendo um problema de grande relevância para a saúde pública. Entre elas, a doença arterial coronariana e a doença cerebrovascular foram, respectivamente, a primeira e a terceira causas de morte no mundo, de acordo com o Global Burden of Disease Study de 2017. Os níveis elevados de pressão arterial e de glicose sérica são importantes fatores de risco para DCV, sendo associados à mortalidade e à incapacidade prematuras11 World Health Organization (WHO). Cardiovascular diseases (CVDs). 2017. [acessado 2020 dez 20]. Disponível em: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/cardiovascular-diseases-(cvds)
https://www.who.int/en/news-room/fact-sh...
,22 GBD 2017 Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national age-sex-specific mortality for 282 causes of death in 195 countries and territories, 1980-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet 2018 10; 392(10159):1736-1788..

As DCV são de origem multifatorial. Sendo cerca de 75% da incidência de doença arterial coronariana explicada pelos fatores de risco: dieta inadequada, sedentarismo, colesterol elevado, excesso de peso e pressão arterial aumentada. Assim, há uma parcela considerável de fatores que ainda não têm seu papel completamente esclarecido na fisiopatologia desse grupo de doenças. Diversos fatores vêm sendo pesquisados, como fatores hormonais, mediadores inflamatórios, antecedentes perinatais, fatores socioeconômicos e estresse psicossocial33 Beaglehole R, Magnus P. The search for new risk factors for coronary heart disease: occupational therapy for epidemiologists? Int J Epidemiol 2002; 31(6): 117-1122.. Os mecanismos fisiológicos pelos quais o estresse psicossocial estaria associado à DCV seriam: o aumento do tônus do sistema nervoso simpático e o estímulo do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (Figura 1). A ativação excessiva e prolongada de eixos neuroendócrinos, com liberação de adrenalina e cortisol, pode levar a desequilíbrio do tônus autonômico, produção de citocinas inflamatórias e modificações do metabolismo energético do organismo e desencadear DCV44 McEwen BS. Stress, adaptation, and disease: allostasis and allostatic load. Ann N Y Acad Sci 1998; 840:33-44.,55 Jarczok MN, Jarczok M, Mauss D, Koenig J, Li J, Herr RM, Thayer JF. Autonomic nervous system activity and workplace stressors - a systematic review. Neurosci Biobehav Rev 2013; 37(8):1810-1823..

Figura 1
Mecanismos fisiopatológicos ligando o estresse a DCV.

O estresse e suas associações com doenças cardiovasculares66 Backé E-M, Seidler A, Latza U, Rossnagel K, Schumann B. The role of psychosocial stress at work for the development of cardiovascular diseases: a systematic review. Int Arch Occup Environ Health 2012; 85(1):67-79.,77 Fishta A, Backé EM. Psychosocial stress at work and cardiovascular diseases: an overview of systematic reviews. Int Arch Occup Environ Health 2015; 88(8):997-1014. e metabólicas88 Sui H, Sun N, Zhan L, Lu X, Chen T, Mao X. Association between work-related stress and risk for type 2 diabetes: a systematic review and meta-analysis of prospective cohort studies. PLoS One 2016; 11(8):e0159978. têm sido investigados no contexto laboral. Diversos autores utilizaram modelos de estresse no trabalho para analisar as associações, entre eles: (1) o modelo demanda-controle-suporte99 Karasek R, Theorell T. Healthy work: stress, productivity and the reconstruction of working life. New York: Basic books; 1990., que avalia a demanda psicológica do trabalho, o grau de autonomia e o apoio fornecido pelos supervisores e/ou colegas; (2) o modelo esforço-recompensa1010 Siegrist J. Adverse health effects of high-effort/low-reward conditions. J Occup Health Psychol 1996; 1(1):27-41., que analisa o equilíbrio entre o esforço realizado e a percepção de recompensa em termos monetários, de reconhecimento social e oportunidades de progressão de carreira; e, mais recentemente, um terceiro vem sendo investigado, (3) o modelo de justiça organizacional1111 Greenberg J. Organizational justice: yesterday, today, and tomorrow. J Manage 1990; 16(2):399-432.,1212 Moorman R. Relationship between organizational justice and organizational citizenship behaviors: do fairness perceptions influence employee citizenship. J Appl Psychol 1991; 76(6):845-855., que, diferentemente dos dois modelos anteriores, dá ênfase a examinar aspectos coletivos das relações de trabalho1313 Miller DT. Disrespect and the experience of injustice. Annu Rev Psychol 2001; 52(1):527-553.. Esse modelo é composto por três dimensões: distributiva, procedural e interacional. A justiça distributiva está relacionada à alocação da recompensa (monetária, social ou outras) entre os trabalhadores. A justiça procedural diz respeito a como os procedimentos de tomada de decisão são realizados dentro da instituição. A justiça interacional se refere à maneira como os superiores se relacionam com seus subordinados, articula-se à percepção de ser tratado com respeito1414 Greenberg J, Colquitt J, Zappata-Phelan CP. What is organizational Justice? A historical overview. In: Greenberg J, Colquitt J, editors. Handbook of organizational justice. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates Publishers; 2005. p. 3-56..

A maioria dos estudos que investigaram as associações entre estresse no trabalho e DCV o fizeram utilizando os modelos de demanda-controle e de esforço-recompensa, enquanto ainda são poucas as pesquisas que analisaram o estresse no trabalho utilizando o modelo de justiça organizacional. Cabe destacar que a identificação de fatores de risco modificáveis para DCV é de fundamental importância para a elaboração de ações preventivas. Desse modo, a identificação de características do trabalho que promovam estresse e configurem fatores de risco para DCV é essencial para que gestores e trabalhadores possam implementar estratégias de intervenção para mitigar tais fatores e reduzir a incidência de DCV relacionada ao estresse no trabalho. Em particular, aspectos relacionados ao ambiente de trabalho e às relações entre trabalhadores e supervisores/gestores, como as dimensões da justiça organizacional.

O presente estudo se propõe a revisar sistematicamente a associação de estresse no trabalho, a partir do modelo de justiça organizacional, e desfechos cardiovasculares e metabólicos. A maior parte das revisões publicadas até este momento investiga o estresse no trabalho por meio dos modelos teóricos de demanda-controle e esforço-recompensa. Além disso, são pouco frequentes as que incluem desfechos como hipertensão e diabetes. Outro aspecto relevante é que essas revisões não costumam incluir bases de dados latino-americanas ou literatura cinzenta. Sendo assim, a realização da revisão a partir de um modelo teórico ainda pouco explorado, com escopo maior em relação aos possíveis desfechos e ampliando as bases de dados utilizadas, traz contribuição fundamental para o conhecimento existente sobre o tema estresse no trabalho e desfechos em saúde. Dessa forma, pode contribuir para que trabalhadores e gestores elaborem ações direcionadas à justiça organizacional para mitigar as repercussões na saúde do trabalhador.

Método

Este estudo foi confeccionado a partir das diretrizes metodológicas estabelecidas no guia do Centre for Reviews and Dissemination (CDR) - CDR’s guidance for undertaking reviews in healthcare1515 Akers J, Aguiar-Ibáñez R, Baba-Akbari A. Systematic reviews: CRD's guidance for undertaking reviews in health care. York: Centre for Reviews and Dissemination, University of York; 2009, da Universidade de York, e o protocolo foi redigido obedecendo às orientações contidas no Preferred reporting items for systematic review and meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement1616 Moher D, Shamseer L, Clarke M, Ghersi D, Liberati A, Petticrew M, Shekelle P, Stewart LA, PRISMA-P Group. Preferred reporting items for systematic review and meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement. Syst Rev 2015; 4(1):1., sendo registrada na base de dados PROSPERO - International Prospective Register of Systematic Reviews sob o código de identificação CRD42020215322.

A estratégia PICOS foi caracterizada por: (1) população - trabalhadores adultos; (2) fenômeno de interesse - alta justiça organizacional; (3) comparador - baixa justiça organizacional; (4) desfechos - doença cardiovascular (doença arterial coronariana, doença cerebrovascular, alterações da pressão arterial e alterações da glicemia; (5) desenho do estudo - estudos observacionais.

Os critérios de seleção incluíam trabalhadores adultos homens e mulheres, empregados em instituições públicas ou privadas de qualquer ramo produtivo. Não foram feitas restrições ao perfil do local (níveis de renda/desenvolvimento) nem ao tipo de atividade (especializada ou não especializada). O fenômeno de interesse avaliado foi a percepção de níveis elevados de justiça organizacional, mensurada preferencialmente por meio de questionários quantitativos validados. O comparador é a percepção de baixa justiça organizacional. Os desfechos foram os seguintes: DCV, doença arterial coronariana, doença cerebrovascular, hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus. Não foram excluídos artigos em função dos métodos de aferição, entretanto, essas informações serão apontadas nos resultados. Foram incluídos nos critérios de busca estudos observacionais transversais, coortes ou de caso-controle. Não foram feitas restrições em termos de tamanho da amostra ou período de acompanhamento. Nenhuma data limite foi imposta. Foram considerados os artigos publicados em inglês, português ou espanhol.

A revisão da literatura foi realizada por meio da busca nas seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), via PubMed, Excerpta Medica Database (EMBASE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Foi feita busca complementar nas listas de referências dos artigos identificados, nas revisões, meta-análises e nos capítulos de livros. A busca dentro da literatura cinzenta ficou delimitada às teses e dissertações disponíveis na plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação do Brasil.

A estratégia de busca (Apêndice, disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.JKACBN foi construída por meio do vocabulário controlado de cada base e palavras-chave, sinônimos e variações de grafia da exposição e de cada desfecho. Foram montadas cinco combinações para cada base, que incluíam a exposição (justiça organizacional) e um desfecho (doença arterial coronariana; doença cerebrovascular; hipertensão arterial sistêmica; diabetes mellitus; doença cardiovascular), utilizando os operadores “OR” e “AND”. Na tentativa de aumentar a sensibilidade, não utilizamos os filtros das bases, para evitar perder artigos por problemas de indexação. A realização da busca ocorreu de 4 de agosto de 2020 a 20 de fevereiro de 2021, nas bases MEDLINE, EMBASE e LILACS. Além das bases eletrônicas, foi feita busca adicional no catálogo de teses e dissertações da CAPES e realizada leitura das listas referências de livros e artigos relevantes. Foi feita uma atualização da busca em 28 de novembro de 2021.

Duas revisoras atuaram de maneira independente no levantamento de estudos. A partir dos critérios definidos, foram recuperadas 2.405 citações nas bases e dez a partir de buscas manuais (Figura 2). A seleção dos artigos foi efetuada com o auxílio do software Rayyan1717 Ouzzani M, Hammady H, Fedorowicz Z, Elmagarmid A. Rayyan-a web and mobile app for systematic reviews. Syst Rev 2016; 5(1):210.. foram identificadas 446 duplicatas. Após a remoção, 1.959 publicações foram avaliadas com base no título e no resumo, resultando em 19 artigos para avaliação na íntegra. Entre eles, 15 apresentavam outros modelos de estresse no trabalho que não a justiça organizacional e sete foram excluídos em função de os desfechos não corresponderem aos critérios estabelecidos. O processo de seleção utilizou a ferramenta de cegamento, que só foi desabilitada após todos os artigos serem avaliados por ambas as revisoras. Os casos de discordância foram discutidos e resolvidos por consenso. Ao final, restaram oito estudos para serem avaliados.

Figura 2
Seleção dos estudos - fluxograma PRISMA (adaptado pelos autores).

Os dados foram extraídos de maneira independente, por meio de um formulário, em que foram inseridas as informações relativas a: identificação dos estudos, ano, metodologia (desenho, duração, tamanho da amostra, taxa de participação, taxa de seguimento), características demográficas e covariáveis. Em relação à exposição e aos desfechos, foram registrados o tipo e a forma de aferição. Os achados serão descritos por meio de síntese narrativa.

A avaliação da qualidade dos estudos foi realizada com a ferramenta desenvolvida pelo National Institute of Health (NIH - Study Quality Assessment Tools)1818 National Institute of Health (NIH). National Institute of Health (NIH) quality assessment tools [Internet]. [acessado 2020 set 10]. Disponível em: https://www.nhlbi.nih.gov/health-topics/study-quality-assessment-tools
https://www.nhlbi.nih.gov/health-topics/...
para estudos de coorte e transversais. Ao final, quatro estudos foram considerados de qualidade boa e quatro de qualidade razoável. O Quadro 1 detalha os itens avaliados e a classificação final da qualidade de cada estudo selecionado para a presente revisão.

Quadro 1
Avaliação da qualidade do estudo de acordo com os critérios do Quality Assessment Tool - National Institue of Health.

Resultados

No Quadro 2 estão descritas as características dos estudos selecionado para a atual revisão. Os artigos identificados nesta revisão são todos provenientes de países industrializados e de alta renda (Reino Unido, Finlândia, Japão e Estados Unidos) e foram publicados entre 2005 e 2021. As amostras eram majoritariamente compostas por homens (67% a 100%) e as médias de idade variaram entre 39 e 45 anos. Dos seis artigos, apenas quatro indicaram raça/cor e apresentavam em torno de 90% de brancos. Quanto ao desenho dos estudos, seis eram de coorte e dois eram de corte transversal. Com relação ao número de participantes, os estudos incluíram no mínimo 290 e no máximo 49.835 participantes. Os trabalhadores que participaram dos estudos eram servidores públicos, funcionários de hospitais, trabalhadores da indústria ou da construção civil. A dimensão justiça interacional foi a mais frequentemente avaliada nos estudos selecionados. Os instrumentos utilizados para investigar justiça organizacional foram: (1) o questionário de justiça auto-aplicado desenvolvido para o estudo Whitehall II; (2) o questionário de justiça organizacional de Moorman; e (3) resposta à afirmação “meu supervisor me trata de maneira justa” (escala do tipo Likert). Com relação aos resultados, os estudos de coorte encontraram associação entre nível de justiça organizacional baixo e doença cardiometabólica.

Quadro 2
Características dos estudos selecionados de acordo o desenho do estudo, população investigada, exposições e desfechos examinados.

Os artigos 1, 2, 3 e 4 derivam do estudo Whitehall II, uma coorte prospectiva do Reino Unido iniciada em 1985, ainda em andamento. Foram recrutados 10.308 indivíduos (taxa de participação de 73%), sendo 6.895 homens e 3.413 mulheres, com idade de 35 a 55 anos, funcionários públicos de 20 departamentos. Nesta coorte, a percepção de justiça no trabalho foi avaliada nas duas primeiras ondas de coleta por meio de um questionário autoaplicado, composto por cinco questões (α de Cronbach = 0,72) explorando aspectos interacionais da justiça organizacional, com respostas em uma escala do tipo Likert de quatro pontos. O escore obtido era dividido em tercis, sendo que o inferior era considerado como “baixa justiça”, seguido por “justiça intermediária” e o superior como “alta justiça”.

Artigo 1 - Justice at-work and reduced risk of coronary heart disease among employees - the-Whitehall II Study1919 Kivimäki M, Ferrie JE, Brunner E, Head J, Shipley MJ, Vahtera J, Marmot MG. Justice at work and reduced risk of coronary heart disease among employees. Arch Intern Med 2005; 165(19):2245-2251.

O objetivo do estudo, publicado em 2005, foi avaliar a justiça no trabalho como preditor de doença cardíaca coronariana. Foram analisados os dados de 6.442 indivíduos do sexo masculino sem histórico de doença coronariana até a segunda coleta. As mulheres foram excluídas da avaliação em função da incidência muito baixa de eventos durante o seguimento, que foi em média de 8,7 anos. Os desfechos avaliados foram: morte por doença arterial coronariana, primeiro infarto do miocárdio não-fatal e angina documentada. Trabalhadores que referenciaram altos níveis de justiça tiveram hazard ratio (HR) para doença arterial de 0,65, com intervalo de confiança de 95% (IC95%) de 0,47-0,89, em comparação com os que referiram níveis baixo e médio de justiça, após corrigido por idade e tipo de trabalho, sugerindo efeito protetivo. A associação se manteve após a inclusão de outras variáveis no modelo, como nível de colesterol, índice de massa corporal, tabagismo, hipertensão, consumo de álcool, níveis de atividade física (HR 0,71; IC95% 0,51-0,99). Quando houve inserção de outros fatores estressores relacionados ao trabalho ao modelo estatístico (demanda controle e esforço recompensa), a associação se manteve significativa (HR 0,69; IC95% 0,49-0,98).

Artigo 2 - Effects on blood pressure do not explain the association between organizational justice and coronary heart disease in the Whitehall II Study2020 Kivimäki M, Ferrie JE, Shipley M, Gimeno D, Elovainio M, de Vogli R, Vahtera J, Marmot MG, Head J. Effects on blood pressure do not explain the association between organizational justice and coronary heart disease in the Whitehall II Study. Psychosom Med 2008; 70(1):1-6.

Outro estudo relacionado à coorte de Whitehall II, publicado em 2008, avaliou 4.250 homens e 1.812 mulheres livres de hipertensão arterial e doença cardíaca coronariana nas duas primeiras ondas de coleta. O período médio de acompanhamento foi de 9,6 anos. Foi observada a incidência de hipertensão arterial sistêmica (pressão arterial maior ou igual a 140/90 mmHg) e de doença arterial coronariana (morte por doença arterial coronariana, primeiro infarto do miocárdio não-fatal e angina documentada). Também foram acompanhados os valores de pressão de arterial sistólica, diastólica e a variação de pressão arterial ao longo do período de seguimento. Não foi encontrada associação entre justiça organizacional e média da pressão arterial diastólica (coeficiente de correlação -0,04), alteração na pressão arterial sistólica (coeficiente de correlação -0,03) ou diastólica (coeficiente de correlação -0,04), ajustados para idade, sexo, etnia e posição socioeconômica. Níveis elevados de justiça organizacional demonstraram proteção para incidência de doença arterial coronariana (HR 0,87; IC95% 0,77-0,98) quando corrigidos por idade, sexo, etnia e posição socioeconômica. Ao fazer o ajuste adicional com medidas de pressão arterial (médias de sistólica, de diastólica e variação) e hipertensão arterial sistêmica, a associação se manteve (HR 0,87; IC95% 0,77-0,98).

Artigo 3 - Justice at work and metabolic syndrome: the Whitehall II Study2121 Gimeno D, Tabák AG, Ferrie JE, Shipley MJ, De Vogli R, Elovainio M, Vahtera J, Marmot MG, Kivimäki M. Justice at work and metabolic syndrome: the Whitehall II study. Occup Environ Med 2010; 67(4):256-262.

Esse estudo traz as informações relativas ao seguimento de 6.123 indivíduos (4.398 homens e 1.923 mulheres) por um período médio de 18 anos. Após ajuste por sexo, etnia e tipo de trabalho, foi verificado que os participantes do sexo masculino que reportaram níveis altos de justiça apresentaram menor risco de desenvolver pressão arterial elevada (HR 0,86; IC95% 0,78-0,95). Em mulheres, essa associação não foi encontrada (HR 1,02; IC95% 0,87-1,19). Em relação ao aumento de glicemia, não foi observada associação de justiça organizacional e alteração dos níveis glicêmicos, tanto em homens (HR 1,09; IC 95% 0,87-1,36) como em mulheres (HR 0,80; IC 95% 0,54-1,19). Foi realizada uma segunda análise, removendo todos os indivíduos que tinham qualquer alteração (colesterol total elevado, diabetes, obesidade ou pressão arterial elevada) na linha de base. Desse modo, foram excluídos 3.305 participantes (50% dos homens e 42,4% das mulheres). Na nova análise, houve redução maior do risco de elevação de pressão arterial em indivíduos do sexo masculino que relataram alto nível de justiça (HR 0,79; IC 95% 0,70-0,90).

Artigo 4 - Organizational justice and long-term metabolic trajectories: a 25-year follow-up of the Whitehall II Cohort2222 Varga T V, Xu T, Kivimäki M, Mehta AJ, Rugulies R, Rod NH. Organizational justice and long-term metabolic trajectories: a 25-year follow-up of the Whitehall II Cohort. J Clin Endocrinol Metab 2022; 107(2):398-409.

Trata-se de mais uma publicação da coorte de Whitehall II, na qual foram analisados 11 biomarcadores (cintura, quadril, IMC, glicemia em jejum, insulina em jejum, triglicerídeos, colesterol total, HDL, LDL e pressão arterial sistólica e diastólica), coletados em cinco ocasiões em um período de 25 anos. A amostra de 8.182 indivíduos era composta majoritariamente por homens (68%), brancos (91%) e com alta escolaridade (47% tinham 18 anos ou mais de estudo). Foram realizados ajustes para idade, sexo, etnia, escolaridade, tipo de trabalho e renda em todas as análises. Ao longo do tempo, a população do estudo teve piora em todas as medidas antropométricas, de perfil glicêmico e pressão sistólica. Indivíduos com níveis altos de justiça tiveram características melhores ou similares em todas as coletas, porém nunca pior quando comparados a indivíduos com níveis baixos de justiça. Além disso, indivíduos com alta justiça tiveram deterioração mais lenta nas medidas de cintura, quadril e IMC. Não houve diferença na evolução dos níveis glicêmicos e de pressão sistólica entre os grupos. Em relação à pressão diastólica, houve diferença, mas é de pouca magnitude (-1.1 mmHg).

Artigo 5 - Justice at work and cardiovascular mortality: a prospective cohort study2323 Elovainio M, Leino-Arjas P, Vahtera J, Kivimäki M. Justice at work and cardiovascular mortality: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2006; 61(2):271-274.

Trata-se de um estudo de coorte prospectiva, realizado na Finlândia, que avaliou mortalidade pelas seguintes causas: doenças cardíacas isquêmicas, outras doenças cardíacas, doenças cerebrovasculares, outras doenças do sistema cardiovascular de acordo com a codificação da Classificação Internacional de Doenças (10a edição). A amostra era composta por 804 funcionários de diferentes níveis hierárquicos em uma indústria metalúrgica, que teve seguimento médio de 25,6 anos. Foi verificado que os trabalhadores que foram classificados como tendo alto nível de justiça organizacional apresentaram risco de morte 45% menor (HR 0,55; IC95% 0,34-0,88) em comparação aos outros trabalhadores, que foram classificados como tendo níveis médio e baixo de justiça no modelo estatístico ajustado por idade e sexo. Essa associação se manteve significativa (HR 0,59; IC95% 0,36-0,96) quando houve ajuste para grupo ocupacional, tabagismo, nível de atividade física, pressão arterial sistólica e índice de massa corporal, e quando outros modelos de estresse no trabalho (demanda-controle e esforço-recompensa) foram inseridos no modelo (HR 0,56; IC95% 0,34-0,92). Quando ambos os ajustes foram efetuados simultaneamente, os indivíduos com alta justiça organizacional apresentaram risco 59% menor de ter pressão arterial elevada (HR 0,61; IC95% 0,36-1,00).

Artigo 6 - Organizational justice and physiological coronary heart disease risk factors in Japanese employees: a cross-sectional study2424 Inoue A, Kawakami N, Eguchi H, Miyaki K, Tsutsumi A. Organizational justice and physiological coronary heart disease risk factors in japanese employees: a cross-sectional study. Int J Behav Med 2015; 22(6):775-785.

O artigo traz os resultados da linha de base da coorte J-HOPE (Japanese study of health, occupation and psychosocial factors related equity)2424 Inoue A, Kawakami N, Eguchi H, Miyaki K, Tsutsumi A. Organizational justice and physiological coronary heart disease risk factors in japanese employees: a cross-sectional study. Int J Behav Med 2015; 22(6):775-785.. Em uma amostra de 4.499 indivíduos (3.598 homens e 901 mulheres), em duas companhias de manufaturas, foram avaliadas as dimensões procedural e interacional da justiça organizacional, por meio da versão para a língua japonesa do Questionário de justiça organizacional de Moorman. Além do questionário autoadministrado, foram realizadas avaliações clínicas nas quais eram mensurados pressão arterial sistólica e diastólica, peso e altura, e coletados exames para avaliar lipídios séricos. As covariáveis analisadas foram: sexo, idade, nível educacional, empresa na qual o indivíduo trabalhava, ocupação, turno, doenças crônicas, estresse psicológico, uso de tabaco, uso de álcool. Após regressão logística múltipla, corrigindo para as variáveis citadas, não foi encontrada associação entre justiça procedural e interacional e os fatores de risco para doença cardíaca coronariana investigados entre os participantes.

Artigo 7 - The moderating effect of perceived organizational support on the relationships between organizational justice and objective measures of cardiovascular health2525 Rineer JR, Truxillo DM, Bodner TE, Hammer LB, Kraner MA. The moderating effect of perceived organizational support on the relationships between organizational justice and objective measures of cardiovascular health. Eur J Work Organ Psychol 2017; 26(3):399-410.

Trata-se de estudo de corte transversal realizado nos Estados Unidos, avaliando 290 trabalhadores da construção civil em duas instituições públicas. Foram aplicados questionários para avaliação de justiça procedural1212 Moorman R. Relationship between organizational justice and organizational citizenship behaviors: do fairness perceptions influence employee citizenship. J Appl Psychol 1991; 76(6):845-855. e justiça distributiva2626 Price J, Mueller C. Distributive justice. In: Price J, editor. Handbook of organizational measurement. Marshfield: Pitman; 1986. p. 122-127.. Foi efetuada avaliação clínica para verificar frequência cardíaca e pressão arterial sistólica e diastólica. As covariáveis avaliadas foram: idade, sexo, estado civil, ser responsável pelo cuidado de crianças ou idosos, número de horas trabalhadas por semana, tempo trabalhando na empresa, posição no trabalho (supervisor, líder, integrante de equipe ou outros) e uso de medicamentos anti-hipertensivos. O estudo não encontrou associação entre justiça distributiva e pressão arterial sistólica ou diastólica. Em relação à dimensão procedural da justiça organizacional, encontrou-se que uma pequena correlação negativa limítrofe quando acompanhada de alta percepção de suporte organizacional. Entretanto, quando o suporte organizacional era baixo, esta associação não se manteve.

Artigo 8 - Characteristics of workplace psychosocial resources and risk of diabetes: a prospective cohort study2727 Xu T, Clark AJ, Pentti J, Rugulies R, Lange T, Vahtera J, Magnusson Hanson LL, Westerlund H, Kivimäki M, Rod NH. Characteristics of workplace psychosocial resources and risk of diabetes: a prospective cohort study. Diabetes Care 2021; 45(1):59-66.

Esse artigo é referente a uma coorte em andamento na Finlândia. Os participantes são funcionários públicos de 10 prefeituras e 21 hospitais. A amostra é composta por 49.835 indivíduos, a maioria do sexo feminino (77%) e com nível educacional elevado (52%). A média de idade é 48 anos e não há descrição de raça/cor. Foram avaliadas características verticais (justiça procedural e qualidade da liderança) e horizontais (suporte entre colegas, cultura de colaboração) do trabalho e a incidência de diabetes tipo 2. Foram sete ondas de coleta, utilizando questionários validados para todas as variáveis relacionadas ao trabalho. Houve ajuste para idade, sexo, estado marital, nível educacional, tipo de contrato (permanente/temporário), comorbidades e transtornos mentais diagnosticados. O trabalho foi categorizado em quatro tipos: desfavorável, favorável vertical, favorável horizontal e favorável vertical e horizontal. Após 10,9 anos de acompanhamento, foi verificado que indivíduos que trabalham em locais com característica favorável vertical tiveram menor risco de desenvolvimento de diabetes (HR 0,87; IC95% 0,78-0,97), quando comparados a indivíduos que trabalham em locais desfavoráveis. Essa redução é ainda maior quando o trabalho é favorável vertical e horizontal (HR 0,77; IC95% 0,68-0,86).

Discussão

Entre os três estudos que avaliaram doença arterial coronariana, dois deles pertencem à coorte de Whitehall II. Apesar de existir uma sobreposição parcial da amostra, optou-se por manter ambos os estudos, uma vez que há diferença tanto nos grupos pesquisados como nas análises realizadas. Enquanto no estudo de 20051919 Kivimäki M, Ferrie JE, Brunner E, Head J, Shipley MJ, Vahtera J, Marmot MG. Justice at work and reduced risk of coronary heart disease among employees. Arch Intern Med 2005; 165(19):2245-2251. a amostra era composta por 6.442 indivíduos do sexo masculino e teve um tempo médio de seguimento de 8,7 anos, o estudo de 20082020 Kivimäki M, Ferrie JE, Shipley M, Gimeno D, Elovainio M, de Vogli R, Vahtera J, Marmot MG, Head J. Effects on blood pressure do not explain the association between organizational justice and coronary heart disease in the Whitehall II Study. Psychosom Med 2008; 70(1):1-6. tinha um total de 6.062 pessoas (70% do sexo masculino e 30% do feminino) após 9,6 anos de acompanhamento. Os três estudos foram considerados de qualidade boa. Como pontos fortes, tinha amostra bem definida, desenho prospectivo, boa taxa de resposta e baixa quantidade de perdas. Ambas as publicações apresentaram tempo médio de seguimento em torno de dez anos, compatível com o tempo para aparecimento de DCV.

A coorte de Whitehall II, apesar do tamanho amostral considerável, pode ter limitações em relação à sua possibilidade de generalização. O grupo analisado, ainda que tenha variações socioeconômicas, é composto por funcionários públicos, trabalhadores de escritório, que podem não representar outras categorias profissionais ou regimes diferentes de contratação. Além disso, a amostra era majoritariamente de cor branca (aproximadamente 90%), urbana, de um país industrializado de alta renda. Foi realizado ajuste para as características mais relevantes, inclusive para os outros modelos de estresse no trabalho (demanda-controle e esforço-recompensa). Além disso, avaliou-se desfechos “duros”, com medidas bastante objetivas, contribuindo para não superestimar o risco. Deve ser observado que, como o início da coorte foi antes do estabelecimento do modelo mais aceito de justiça organizacional e do surgimento de questionários validados, essa utilizou um questionário próprio, desenvolvido para o estudo, avaliando apenas o componente interacional, tornando mais difícil a comparação com outros dados da literatura.

O terceiro estudo que incluiu doença arterial coronariana entre os desfechos, realizado na Finlândia2323 Elovainio M, Leino-Arjas P, Vahtera J, Kivimäki M. Justice at work and cardiovascular mortality: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2006; 61(2):271-274., apresentava qualidade moderada. Foi feito monitoramento dos óbitos no registro nacional finlandês cujas causas tivessem a codificação correspondente ao capítulo de doenças do aparelho circulatório (capítulo IX) da décima edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Entre os estudos identificados na presente revisão, esse foi o único que incluiu doença cerebrovascular. Como não discrimina as patologias, não é possível saber se há diferença do aumento de risco entre doença coronariana e acidente vascular encefálico, por exemplo. Uma das limitações foi a avaliação da exposição apenas na linha de base e por meio de pergunta única (resposta à afirmação “Meu supervisor me trata de maneira justa”). Cabe ressaltar que a coleta inicial ocorreu em 1973, quando o modelo de justiça ainda estava em sua fase inicial de desenvolvimento. Entre as fortalezas do estudo estão o desenho prospectivo e o longo tempo de seguimento (média de 25,6 anos). Foram realizados ajustes para os principais fatores de risco, como idade, sexo, tabagismo, atividade física, pressão arterial sistólica e colesterol. A amostra, composta por 804 indivíduos de uma indústria metalúrgica, apresentava diversidade de tipos de trabalho (entre especializados e não especializados).

Revisões sistemáticas publicadas previamente utilizando os modelos demanda-controle e esforço-recompensa, além do de justiça organizacional, também encontraram associação de estresse no trabalho e doença cardiovascular. Kivimaki2828 Kivimäki M, Virtanen M, Elovainio M, Kouvonen A, Väänänen A, Vahtera J. Work stress in the etiology of coronary heart disease - a meta-analysis. Scand J Work Environ Health 2006; 32(6): 431-442. identificou um excesso de risco de 50% para doença cardíaca coronariana em empregados com estresse no trabalho. Em relação ao risco de diabetes, foi publicada uma metanálise em 2016, na qual não foi observado aumento de risco em indivíduos expostos ao estresse no trabalho (demanda-controle)88 Sui H, Sun N, Zhan L, Lu X, Chen T, Mao X. Association between work-related stress and risk for type 2 diabetes: a systematic review and meta-analysis of prospective cohort studies. PLoS One 2016; 11(8):e0159978..

A avaliação de associação de justiça organizacional com alteração da pressão arterial foi descrita em cinco estudos, que apresentam alguns resultados conflitantes. De acordo com dados da coorte de Whitehall II que avaliaram os aspectos interacionais da justiça organizacional, não houve correlação entre a percepção de alta justiça e a média da pressão arterial diastólica. Em publicação subsequente, foi verificado que os homens que relatavam altos níveis de justiça tiveram um risco 14% menor de desenvolver pressão arterial elevada, após um seguimento médio de 18 anos. Os outros dois estudos que pesquisaram pressão arterial eram de desenho transversal. Na investigação conduzida no Japão2424 Inoue A, Kawakami N, Eguchi H, Miyaki K, Tsutsumi A. Organizational justice and physiological coronary heart disease risk factors in japanese employees: a cross-sectional study. Int J Behav Med 2015; 22(6):775-785. foram avaliadas as dimensões procedural e interacional, enquanto nos dos Estados Unidos2525 Rineer JR, Truxillo DM, Bodner TE, Hammer LB, Kraner MA. The moderating effect of perceived organizational support on the relationships between organizational justice and objective measures of cardiovascular health. Eur J Work Organ Psychol 2017; 26(3):399-410. foram estudadas as dimensões distributivas e procedural da justiça organizacional. Em ambos os casos, não foi encontrada associação entre hipertensão arterial e justiça. Existe uma dificuldade em comparar esses dados, uma vez que os estudos têm desenhos diferentes, não avaliaram as mesmas dimensões da justiça, tampouco utilizaram os mesmos instrumentos. É razoável supor que a associação seja de pouca magnitude e apareça apenas após muitos anos de exposição.

Dois estudos que avaliaram a relação entre justiça organizacional e diabetes mellitus não evidenciaram associação2222 Varga T V, Xu T, Kivimäki M, Mehta AJ, Rugulies R, Rod NH. Organizational justice and long-term metabolic trajectories: a 25-year follow-up of the Whitehall II Cohort. J Clin Endocrinol Metab 2022; 107(2):398-409.,2929 Gimeno D, Tabák AG, Ferrie JE, Shipley MJ, De Vogli R, Elovainio M, Vahtera J, Marmot MG, Kivimäki M. Justice at work and metabolic syndrome: the Whitehall II study. Occup Environ Med 2010; 67(4):256-262.. Foi observado que ainda são poucos os estudos disponíveis investigando a associação entre justiça organizacional e desfechos cardiometabólicos. Recentemente, foi publicada uma análise bibliométrica que buscou avaliar as tendências de pesquisas dentro do campo da justiça organizacional3030 Sheeraz MI, Ungku Ahmad UN, Ishaq MI, Sarfraz M, Md Nor K. The research on organizational justice in Scopus indexed journals: a bibliometric analysis of seven decades. Front Psychol 2021; 12; 647845.. Identificou-se um aumento progressivo do interesse, com mais da metade de todas as publicações tendo ocorrido na última década. A maior concentração ocorre nas áreas de ciências sociais, administração, psicologia e humanidades, com a medicina em quinto lugar no número de publicações. Cerca de 95% das publicações são em língua inglesa, havendo destaque para a participação de países europeus. Dentro da área da saúde, são frequentes os estudos avaliando ansiedade, depressão, alterações de sono, burnout e absenteísmo. Assim, o resultado obtido na busca de estudos para a presente revisão parece estar de acordo com o que há disponível na literatura científica.

Limitações do estudo

Uma das limitações da presente revisão sistemática diz respeito à dificuldade de fazer inferências sobre variáveis sociodemográficas como raça/cor, orientação sexual, renda e acesso a bens de consumo, uma vez que não foram investigadas na maioria dos estudos selecionados. Além disso, todos as pesquisas foram realizadas em países de alta renda, o que impossibilita comparações em países de baixa e média rendas.

Implicações práticas dos resultados

Futuros estudos devem investigar justiça organizacional e desfechos em saúde em países de baixa e média rendas, incluindo trabalhadores de diversas áreas de atuação, em diferentes regimes de contratação e com a investigação de variáveis como raça/cor, identidade de gênero e orientação sexual. Além disso, a análise das três dimensões da justiça organizacional e a utilização consistente de instrumentos validados podem fornecer informações relevantes para a elaboração de ações e políticas institucionais voltadas para aumentar os níveis de justiça organizacional.

Conclusão

Houve associação entre justiça organizacional e doenças cardiovasculares. A alta justiça organizacional foi associada a um menor risco de doença cardiovascular e de eventos fatais por essas doenças. Com relação aos níveis glicêmicos, houve dissenso entre as pesquisas. Por um lado, dois estudos da mesma coorte (Whitehall II) não encontraram associação entre justiça organizacional e níveis glicêmicos. Por outro, um estudo de coorte na Finlândia encontrou associação entre alta justiça organizacional e menor risco de apresentar diabetes tipo 2.

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Editado por

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Set 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2021
  • Aceito
    26 Maio 2022
  • Publicado
    28 Maio 2022
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