Acessibilidade / Reportar erro

Mulheres, prisões e liberdade: experiências de egressas do sistema prisional no Rio Grande do Sul, Brasil

Resumo

O presente artigo analisa as vulnerabilidades e as perspectivas de reestruturação da vida de mulheres que vivenciaram a maternidade no cárcere. Estudo qualitativo com análise temática dos relatos de mulheres egressas do sistema prisional, que vivenciaram a gestação e o parto em uma penitenciária feminina de uma capital do sul do Brasil. Foram identificadas três categorias temáticas: “Entre a ruptura e a liberdade”, categoria com foco na descrição dos momentos antecedentes à data limítrofe para a permanência da criança junto com a mãe no cárcere, fato que produz grande expectativa, pela possibilidade de a mulher conseguir sair da prisão junto com seu filho; “A liberdade é logo ali”, categoria que narra o contexto de saída da prisão e os primeiros contatos sociais fora desse ambiente; e “Presas no cotidiano”, categoria que aborda as dificuldades decorrentes de exclusão social que as mulheres já estavam enfrentando antes do aprisionamento, ou seja, ter as condições mínimas para manterem-se afastadas da dinâmica do crime. A saída do sistema prisional não significa necessariamente liberdade. As encruzilhadas identitárias seguem acompanhando as mulheres e seus filhos, de tal modo que após a saída do cárcere, a vulnerabilidade manifesta-se do mesmo modo ou mais cruelmente do que antes.

Palavras-chave:
Mulheres; Prisões; Isolamento Social; Vulnerabilidade em Saúde

Abstract

This article analyzes vulnerabilities and prospects of restructuring the lives of women who experienced maternity in prison. This qualitative study was performed with a thematic analysis of the reports of women released from the prison system who experienced pregnancy and delivery in a female penitentiary in a Southern Brazilian capital. Three thematic categories were identified: “Between rupture and freedom”, a category focused on the description of moments before the borderline date for the child’s stay with the mother in prison, which produces great expectations due to the possibility of women managing to get out of prison along with their child; “Freedom is right there”, which narrates leaving prison and the first social contacts outside this environment; and “Inmate in daily life”, which addresses the difficulties resulting from social exclusion that women were already facing before imprisonment, that is, having the minimum conditions to keep away from the crime dynamics. Leaving the prison system does not necessarily mean freedom. The “identity crossroads” keep following women and their children even after leaving prison. Therefore, vulnerability manifests itself in the same way or more cruelly than before.

Key words:
Women; Prisons; Social Isolation; Health Vulnerability

Introdução

A situação de mulheres que vivenciam experiências de maternidade na prisão têm sido permanente foco de análise na área dos direitos humanos, a fim de que critérios mínimos de proteção à sua dignidade, à de seus filhos e à de suas famílias sejam respeitados. Análises acerca dessa condição, com crescente interlocução entre o setor saúde e o sistema de justiça, têm feito emergir questionamentos acerca da legalidade da prisão de mulheres em situação de gestação e puerpério11 Leal MC, Ayres BVS, Pereira APE, Sánches AR, Larouze B. Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2061-2070.

2 United Nations (UN). United Nations rules for the treatment of women prisoners and non-custodial measures for women offenders (the Bangkok Rules) [Internet]. 2010 [cited 2019 mar 7]. Available from: http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/BangkokRules.pdf.
http://www.ohchr.org/Documents/Professio...
-33 Diuana V, Ventura M, Simas L, Larouzé B, Corrêa M. Direitos reprodutivos das mulheres no sistema penitenciário: tensões e desafios na transformação da realidade. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2041-2050..

As consequências negativas do encarceramento dessas mulheres atingem invariavelmente a vida dos seus filhos e de outros familiares, além de também repercutirem na sua trajetória de vida em liberdade. Pesquisa brasileira44 Schultz ALV, Dotta RM, Stock BS, Dias MTG. Limites e desafios para o acesso das mulheres privadas de liberdade e egressas do sistema prisional nas Redes de Atenção à Saúde. Physis 2020; 30(3):e300325. sobre o tema destaca um contexto de mulheres que se encontram sem rede de apoio para assegurar atendimentos às suas necessidades mais urgentes e as de seus filhos após o cumprimento da pena de reclusão. Outro ponto é a deficiência no acesso e referenciamento das egressas nos serviços de saúde e socioassistenciais, o que culmina em produção de vulnerabilidades sociais, com descontinuidade de tratamentos em saúde e, em última instância, para o fenômeno do reencarceramento da população egressa do sistema prisional. Como pano de fundo, identifica-se nessa situação, a operacionalidade de discursos que imputam a essas pessoas descrédito social por serem mulheres, na maioria negras, e por pertenceram ao estrato economicamente pobre da população. A estigmatização, que a experiência na prisão lhes atribui, amplia tal descrédito, ocasionando profundas e permanentes desigualdades sociais55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208..

Em outros países, a realidade não é diferente. Pesquisa norte-americana identificou poucas oportunidades a mulheres em liberdade após conflito com a lei/prisão no que se refere à inclusão social e prestação de serviços para melhorar a saúde e o bem-estar. As análises apontaram falta de articulação entre os diferentes serviços assistenciais, acarretando necessidades de saúde mental não atendidas, restrições financeiras, capacidade organizacional limitada, preconceito implícito e suporte cultural deficiente66 Smith S, Wickliffe J, Rivera-Newberry I, Redmond M, Kelly PJ, Ramaswamy M. A Systematic Evaluation of Barriers and Facilitators to the Provision of Services for Justice-Involved Women. J Community Health 2020; 45(6):1252-1258.. Uma análise de literatura científica e de registros de agências australianas, implicadas na situação dessas mulheres, evidenciou que o estigma associado a ter estado na prisão é uma barreira à transição para a comunidade, incluindo encontrar emprego e habitação77 Breuer E, Remond M, Lighton S, Passalaqua J, Galouzis J, Stewart KA, Sullivan E. The needs and experiences of mothers while in prison and post-release: a rapid review and thematic synthesis. Health Justice 2021; 9(1):31..

O presente artigo, ancorado no referencial da vulnerabilidade e dos direitos humanos55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208., reflete sobre essas experiências, em especial sobre a saí da da prisão e o retorno das mulheres a seu território de vida. A escolha do referencial derivou da necessidade de assumir uma análise de vulnerabilidade que revelasse aspectos individuais, sociais e programáticos implicados nas trajetórias femininas após a prisão55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208.. O referencial lançou luz sobre as condições vivenciadas por mulheres egressas do sistema prisional que as expõem, juntamente com seus filhos, a precárias condições de saúde, ao não acesso a direitos sociais, e a poucas possibilidades de êxito em seus projetos para uma vida que lhes propicie a participação cidadã na sociedade. Considerando essas questões, este artigo reúne conhecimentos e reflexões guiados pelo seguinte objetivo: analisar as vulnerabilidades e as perspectivas de reestruturação da vida de mulheres que vivenciaram a maternidade no cárcere.

Método

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de cunho qualitativo. O cenário do estudo foi o domicílio das mulheres egressas do sistema prisional. Realizaram-se entrevistas com mulheres egressas que estiveram em situação de prisão na unidade materno infantil de uma penitenciária feminina do sul do Brasil. Como critério de inclusão no estudo considerou-se: mulheres que vivenciaram gestação e parto no sistema prisional, mapeadas pela secretaria de saúde de um estado do sul do Brasil. Como critério de exclusão considerou-se: mulheres que estavam impedidas, por qualquer motivo, de receber a visita da pesquisadora para entrevista.

A coleta de dados foi realizada no período de setembro a dezembro de 2018, através de entrevistas em profundidade com participantes egressas do sistema prisional. No período previsto para coleta de dados, foram localizadas, conforme o mapeamento da Secretaria Estadual de Saúde, dez mulheres egressas do sistema prisional. Obteve-se contato telefônico com oito delas, para convidá-las a participar da pesquisa. Uma não aceitou participar, totalizando assim sete entrevistadas.

O instrumento de coleta de dados foi composto de questões que abordavam caracterização sociodemográfica e de questões disparadoras sobre a experiência de saída da prisão, após a vivência da maternidade no cárcere. Esse instrumento foi elaborado pelas pesquisadoras, após revisão da literatura e levantamento de pontos referentes à maternidade na especificidade do aprisionamento.

As entrevistas foram integralmente gravadas e transcritas. Os dados e as informações obtidas foram tratados segundo a técnica de análise de conteúdo temática proposta por Minayo88 Minayo MCS, Deslandes SF, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 34ª ed. São Paulo: Vozes; 2015.. Constituem as fases desse tipo de abordagem: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados. Na fase de pré-análise, foi realizada a leitura flutuante das entrevistas, a fim de se obter maior contato com o conteúdo. Na se quência, efetivaram-se a captação dos núcleos de sentido, o agrupamento por afinidade de ideias em comum e a elaboração de um recorte das respostas em relação à questão central da pesquisa (Figura 1). Foi realizada codificação cromática dos achados e categorização dos conceitos gerais que orientaram a análise. Por meio de leitura exaustiva, levantaram-se questionamentos teóricos, a fim de melhor identificar a relevância do conteúdo.

Figura 1
Núcleos de sentido e categorias temáticas da pesquisa sobre vulnerabilidades e perspectivas de vida de mulheres que vivenciaram a maternidade no cárcere.

O referencial analítico que embasou a discussão dos achados de pesquisa foi o da vulnerabilidade e direitos humanos55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208.. Trata-se de uma abordagem que permite analisar situações de vulnerabilidade em saúde, constituídas em cenários políticos e sociais marcados por violações de direitos humanos. A perspectiva macroestrutural é tomada como importante constructo no estudo de eventos desfavoráveis nas trajetórias das pessoas, os quais dificultam a superação de problemas através do empenho individual.

Três dimensões indissociáveis de análise são valorizadas: individual, social, programática. A dimensão individual refere-se à capacidade, ao interesse e às condições que o indivíduo tem de transformar preocupações em práticas protegidas e protetoras. Essa ação depende do grau e da qualidade das informações de que o indivíduo dispõe sobre o problema e de sua capacidade de elaborar e incorporar essas informações, de modo que, efetivamente, se transformem em preocupação. A dimensão social reúne alguns aspectos do contexto social de vida dos indivíduos, os quais condicionam a obtenção de informações e as possibilidades de sua assimilação e incorporação para produzir mudanças práticas. Alguns exemplos desses aspectos são: acesso aos meios de comunicação, escolarização, disponibilidade de recursos materiais, poder de influenciar decisões políticas, possibilidade de enfrentar barreiras culturais, estar livre ou se defender de coerções violentas. Na dimensão programática, situam-se os recursos sociais - ações e programas sociais e de saúde - que os indivíduos necessitam para se prevenir de danos à sua integridade. No que tange aos direitos humanos, são observados padrões de cidadania efetivamente operantes na sociedade, os quais aumentam o grau e a qualidade dos compromissos, dos recursos e das gerências no âmbito dos programas de saúde55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208..

Considerações éticas

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAAE: 84643518.0.0000.5347), em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012 sobre pesquisa com seres humanos. Utilizou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, para garantir o anonimato, os relatos expostos no texto foram identificados com nomes de brasileiras e latino-americanas eminentes na luta pelos direitos das mulheres.

Resultados

O conteúdo empírico utilizado para a composição dos resultados da pesquisa constitui-se das narrativas das mulheres sobre suas experiências na busca pela liberdade, suas trajetórias desde a saída da prisão, suas tentativas de manutenção e reestruturação de suas vidas nos territórios onde passaram a residir.

As sete mulheres participantes deste estudo foram entrevistadas em seus domicílios. Duas encontravam-se em situação de liberdade e cinco em prisão domiciliar - estando duas delas com monitoramento eletrônico (tornozeleira). Na autodeclaração de raça/cor, cinco declararam-se negras e duas brancas. Referente à escolaridade, cinco possuíam ensino fundamental incompleto; uma, ensino médio incompleto; uma, superior incompleto. Quanto ao número de filhos, quatro possuíam três filhos ou mais; quanto ao estado civil seis declararam serem solteiras. No que tange à tipificação dos crimes, cinco foram presas por crimes ligados ao tráfico de drogas e duas, por crimes contra a vida.

A organização do material direcionada ao levantamento dos principais temas de interesse do estudo fez emergir três categorias empíricas - “Entre a ruptura e a liberdade”, “A liberdade é logo ali”, “Presas no cotidiano” - as quais são, a seguir, apresentadas.

Entre a ruptura e a liberdade

A permanência das mulheres, na prisão, na companhia de seus filhos ou filhas aparece nos relatos como um fato que as angustia, pois todas entendem que o cárcere não é um lugar adequado para a vivência das crianças. O foco dos relatos recai sobre a descrição dos momentos antecedentes à data limítrofe para a permanência da criança junto com a mãe no cárcere. Esse fato produz grande expectativa, pela possibilidade de a mulher conseguir sair da prisão junto com seu filho.

A necessidade de obter da justiça o merecimento da liberdade mostrou-se como algo que mobiliza a articulação das mulheres internadas na unidade materno infantil (da penitenciária onde cumpriam pena), despertando um sentimento coletivo para a concretização de suas expectativas. A fase de espera pela liberdade é tida como uma das que mais afetam a saúde mental das mulheres em situação de prisão, já fragilizadas pelo aprisionamento, levando-as a pensar em atitudes extremas, por exemplo, cometer atos de violência:

Carolina Maria de Jesus - Ela [a juíza] viu que eu queria mudar de vida. Se não eu não ia aceitar que a M. [filha] saísse sozinha, eu não ia mesmo. Mas foi tri bom. Bah! Me ajudaram um montão, a dona S. [psicóloga], a dona S. [assistente social] me ajudaram. Nós fizemos um abaixo-assinado, fizemos carta e demos pra juíza.

Mariele Franco - Eu tomei remédio e dei mamá pra M. [filha]. Ela dormiu e eu caí dura também. Pensei: Ah! nem vou embora. E dormi. Não quero comer e não quero nada eu falei. Quero ficar sozinha, e fiquei sozinha nesse dia.

Ivone Lara - Eu já tava naquelas, né, oito meses já sem resposta, tinha botado na minha cabeça: ou eu saio ou não saio mais! Se não saísse eu ia mandar a I. [filha] embora. Eu não aguentava mais ficar lá. Ia botar fogo, tava toda preparada.

A esperança da saída mistura-se com a angústia da ida ao local de residência após a obtenção da liberdade o que, pelas situações narradas, representaria ausência total de rede de apoio. Devido ao envolvimento com o tráfico, algumas mulheres não podem voltar para suas casas, nem para suas cidades:

Frida Kahlo - Foi bem complicado, eu não tinha para onde eu ir quando eu fosse embora. A dona S. tava procurando albergue pra mim, aquelas casas onde ficam pessoas refugiadas né, que não tinham onde ficar, mas aí graças a deus a P. [colega de cela] me ofereceu a casa dela aqui, me convidou pra vir morar com a família dela e eu vim pra cá, fui bem recebida também, graças a Deus! Lá dentro, principalmente quando eu soube dessa situação eu me sentia mais protegida, até falava pra dona S.: Bah! É melhor eu ficar aqui dentro do que lá fora. Daí ela disse: Não, não, aqui dentro não é bom pra ti, é lá fora, tu tem que ir embora.

O cárcere, tido como ambiente de cuidado, aparece reflete o desamparo sentido por algumas das mulheres, seja pelo rompimento de vínculos familiares, seja pela ameaça de envolvimento com a dinâmica do tráfico de drogas. Essas questões mobilizaram afetos entre as mulheres e possibilitaram acolhimento de umas às outras, por ocasião da saída do cárcere.

A liberdade é logo ali

Essa categoria narra o contexto de saída da prisão e os primeiros contatos sociais fora desse ambiente. Não por acaso, em quase todas as entrevistas, esse foi o momento referido com o de maior emoção, havendo manifestações de choro e alegria. As falas ilustram o fim do sofrimento vivido pelas entrevistadas, as quais imaginavam que também seria o fim do sofrimento de seus filhos.

Nessa situação, a alegria de conseguir a liberdade misturava-se com o estranhamento frente à nova realidade. O choro não expressa só felicidade, mostra também o medo de voltar a andar pelas ruas e de vivenciar, novamente, situações que as levaram para a prisão. Algumas relataram um novo começo devido à oportunidade de, pela primeira vez (depois de já terem vivido a gestação na prisão), terem a chance de sair com seus filhos e retomarem suas vidas:

Carolina Maria de Jesus - Mas assim que eu saí, eu chorava e a M. chorando junto, mas eu não olhava nem para trás.

Ivone Lara - Meu Deus! Tu vê a rua ali de pertinho, tu vê as pessoas. Tem hora que tu fica até meio estranha, sabe? Tu olhar e não ter nenhum agente perto.

Elza Soares - Guria, eu chego a me engasgar. Fazia dois anos e dois meses que eu estava presa… sem aceitar aquela cadeia. Aí eu peguei e disse assim: Ai, tô até com medo!! Totalmente novo, eu nunca criei meus filhos, quando eles eram pequeninhos.

Uma das mulheres, porém, lamentou a liberdade, pois apenas a obteve pelo fato de uma de suas filhas ter morrido no momento do parto:

Maria da Penha - Tava esperando que eu ia sair do hospital com as duas e ia ganhar igual. Preferia não ter ganhado nada, queria a minha filha comigo.

As marcas da prisão são narradas das mais diferentes formas. São comuns referências relacionadas à dificuldade de dormir e à dificuldade de assimilar o fato de não estar mais presa. Algumas mulheres narram a repetição do comportamento que manifestavam na prisão, por conta das sistemáticas repreensões recebidas:

Carolina Maria de Jesus - Eu não consegui dormir. Eu queria ir em tudo que é lugar. Aí, eu queria fazer comida, eu queria fazer tudo. Eu queria ver tudo. Eu acordei de manhã cedo gritando, parecia que eu tava na cadeia, mas não tava.

Ivone Lara - A gente acostuma com os agentes perto, acostuma de manhã bater conferência, costuma sair. Que nem quando eu fui pra casa da G., enquanto ela tava de pé eu tava de pé, quando ela saía eu sentava. Aí ela: Aí para com isso guria, tu não tá mais presa.

Algumas falas revelam o total desamparo das mulheres no momento da saída, tendo permanecido presas por longo período, veem-se repentinamente sozinhas com seus filhos. Foram relatadas situações como estar sem óculos de grau e isso dificultar a locomoção fora do ambiente prisional ou não haver um local onde pudessem passar a noite:

Mariele Franco - Aí eu comecei a arrumar as minhas coisas. Mas aí ah, mas eu não tenho como levar minhas coisas, não tenho nem pra quem ligar, não tenho nem número de telefone. Daí as gurias se reuniram e me deram a passagem. Tinha tanto tempo que eu tinha ficado lá dentro que parece que pra mim tinha modificado muita coisa; daí quando veio o ônibus, como eu uso óculos e tava sem óculos, eu olhava e eu não enxergava o número dos ônibus, o nervosismo piorava a situação. Aí eu perguntei pra uma moça: Esse ônibus é o A. [linha de ônibus]? Daí ela disse: É. E entrei com tudo. Aí a moça me ajudou com as sacolas: Ah me dá aqui que eu vou ajudando com as sacolas, eu vou ficar ali oh, tu consegue me enxergar? Daí eu disse: Tá, muito obrigada. Daí eu sentei com a T. [filha] muito nervosa, doida que o ônibus chegasse de uma vez, que não parasse nas paradas. Quando eu cheguei e uma outra moça me ajudou a descer do ônibus, levou as sacolas pra mim até a casa do meu tio. Eu cheguei no meu tio, me abracei na minha tia e chorava e chorava.

Claudia Ferreira da Silva - Minha saída foi boa. Finalmente eu consegui me livrar daquilo ali, sabe, consegui sair dali, graças a Deus....parece que a gente não vai conseguir sair dali... daí, eu fiquei lá na rodoviária até às seis horas, né, da manhã.... Daí como eu tinha que voltar lá no outro dia, né? Daí eu já fiquei por ali. Eu ia vim aqui em SM [local], daí eu ia voltar no outro dia de manhã. Só que daí a gente, o T. passo o cartão dele da caixa, tava fora no sistema, só abria seis horas de novo o eletrônico. Daí eu digo: Não é até melhor, vamo ficar aqui, tava tão feliz que eu nem me importei de ficar ali, né? Fiquemo na rodoviária, tudo em segurança, tem guarda, tem brigadiano, tudo...

O momento de saída da prisão indica como será o “caminhar pelo mundo”. Sair do aprisionamento é uma vitória, mas, ao mesmo tempo, o anúncio do início de uma nova luta para permanecer longe dele.

Presas no cotidiano

Sair da prisão marca a retomada da luta que as mulheres já estavam travando antes do aprisionamento, ou seja, ter condições mínimas para permanecer longe da dinâmica do crime. O aprisionamento mostra-se como um marco crítico que impõe novas barreiras a seu cotidiano. O uso da tornozeleira (monitoramento eletrônico) é a maior delas:

Carolina Maria de Jesus - A tornozeleira é assim, é 300 metros, não pode fazer nada sem ligar pra lá, só pode sair fora dos 300 metros se for pra levar tua filha no hospital ou se tu tiver quase morrendo pra ir no hospital. Aí tem que ter tudo atestado. Eu tenho ali atestado quando fui dar vacina na M. Pra me mudar pra cá, tive que mandar os papéis para eles, tive que ir no CRAS, tive que ir em vários lugares.

Claudia Ferreira dos Santos - É difícil, né? No caso, eu sou limitada. Eu só posso sair (à distância de) três quadras.

As que utilizam tornozeleira e conseguem acessar serviços através de visitas domiciliares demonstram satisfação e sentem-se acolhidas pelos serviços:

Frida Kahlo - As guria do PIM [programa “Primeira Infância Melhor”] vem aqui e ajudam bastante a gente, sabe... no que elas podem né, a gente conversa bastante com elas, daí no que elas podem ajudar elas ajudam... e o CRAS também, a C. veio aqui, conversou com a gente, conheceu a gente, também, foi bem bom conhecer ela.

Mulheres que não estão com a tornozeleira demonstram mais agilidade em acessar os serviços. Falam sobre a precariedade dos recursos oferecidos pela assistência social e colocam a igreja como um ponto de suas redes:

Mariele Franco - Assim que eu saí eu já comecei a correr né? A procurar posto. Até por causa da situação do pai, eu também já comecei a procurar posto, por causa das vacinas da T. [filha], pra mim poder começar com as consultas também. Aí como o pessoal do posto já me conhecia foi bem fácil e até hoje eu não falto uma consulta da T., nenhuma vacina eu não falto. Aí agora eu tive umas consultas, porque eu tava com umas consulta porque eu tava com dor no peito.

Frida Kahlo - Aí quando eu me aperto na matéria de alimentação, quem me ajuda é a igreja.

Há o relato de uma das mulheres que, após o aprisionamento, decide manter a vida em uma cidade do interior, contudo não consegue desviar dos efeitos do estigma gerado pela experiência na prisão:

Ivone Lara - Só que daí como eu vim pra cá é mais diferente a cidade mais pequena, as pessoas são mais preconceituosas. No dia que eu fui no pediatra, todo médico que eu vou eles me pedem, de novo, o teste do pezinho, né, que eles olham na cadernetinha lá, daí eu fui explicar pra médica aqui, a médica ficou mais curiosa em saber minha vida de presa do que cuidar da neném. Coisa que a minha outra filha nunca teve foi problema de nada… Essa cidade é uma cidade pequena, é boa de cuidar das crianças, não tem muita violência, não tem muito. Ensinar pra elas não fazer nada de errado, né, não tem, não tem que passar pelo que eu passei, a I. [filha] vai ficar marcada pelo resto da vida; nasceu num presídio e querendo ou não isso sempre vai aparecer, quando ela crescer, sempre vai perguntar, sempre vai ter essa história.

As narrativas trazem à tona a realidade, pouco visibilizada, de mulheres que saem do aprisionamento com seus filhos e filhas. É inegável a importância desse material, pois, ao se entender o que acontece com essas pessoas após a experiência prisional, especialmente quando necessitam se comprometer com a segurança de seus filhos e filhas, fornece subsídios para enfrentamento às vulnerabilidades que as fragilizam e as prejudicam na conquista de uma vida plena para a realização de seus projetos.

Discussão

Na discussão dos resultados do presente estudo, deparamo-nos com o desafio de enquadrar, em uma produção científica, os sentimentos de mulheres que têm, sistematicamente, suas vozes silenciadas por pertencerem a segmentos populacionais socialmente estigmatizados. Almeja-se que os resultados dessa pesquisa cheguem às mais diversas instâncias: às mulheres que vivem ou já viveram em situação de cárcere; ao poder judiciário; aos gestores públicos de saúde e de serviço social; a setores implicados na proteção da cidadania das mulheres e de suas famílias.

O primeiro ponto a ser discutido, o qual dá o contorno às situações vividas por mulheres que vivenciaram o aprisionamento, é quem são elas e por que estão sujeitas a preconceitos e à exclusão social. Em novembro de 2019, assistiu-se a mobilizações em diferentes países da América Latina99 Montes R. "El violador eres tú", el himno que Chile exporta al mundo [Internet]. Santiago del Chile: El País; 2019 [acessado 2019 dez 1]. Disponible en: https://elpais.com/sociedad/2019/12/07/actualidad/1575742572_306059.html., como as grandes revoltas populares que fizeram efervescer os movimentos sociais no Chile. Nesse contexto, surgiu a manifestação de mulheres que clamaram:

O patriarcado é um juiz Que nos castiga por nascer E nosso castigo É a violência que você não vê... O estuprador é você São os pacos [policiais militarizados] Os juízes O Estado O presidente O Estado opressor é um macho estuprador.

Essas são manifestações e cantos que advêm da necessidade de denunciar as violências contra a mulher, mais especificamente a violência sexual. Nessas mesmas manifestações, identifica-se também uma denúncia contra o Estado, que aprisiona em massa e viola direitos básicos das mulheres, mantendo-as em um contexto de restritas oportunidades de emancipação e de agência de suas vidas.

Ao considerar o perfil sociodemográfico das participantes do presente estudo, verifica-se sua consonância com aquilo que outros estudos e relatórios revelam acerca das características das mulheres brasileiras que gestam nas prisões: 70% declaram-se negras; 56% são solteiras; 48% possuem de um a sete anos de estudos; 62% foram presas por terem envolvimento com o tráfico de drogas11 Leal MC, Ayres BVS, Pereira APE, Sánches AR, Larouze B. Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2061-2070.,33 Diuana V, Ventura M, Simas L, Larouzé B, Corrêa M. Direitos reprodutivos das mulheres no sistema penitenciário: tensões e desafios na transformação da realidade. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2041-2050.,1010 Santos T, Vitto RCP. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen Mulheres: Junho de 2014 [Internet]. Brasília: Ministério de Justiça; 2014 [acessado 2018 set 1]. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf.. O perfil das entrevistadas demonstra o quanto a interação entre alguns marcadores sociais de diferença - como gênero, raça e classe social - impulsiona a seletividade das pessoas que ingressam no sistema penal brasileiro1111 Borges J. O que é encarceramento em massa. Belo Horizonte: Ed. Letramento; 2018.. Akotirene1212 Akotirene C. O que é interseccionalidade. Belo Horizonte: Ed. Letramento; 2018., ajuda a entender a interseccionalidade entres tais marcadores, quando expõe a inseparabilidade estrutural do racismo, do capitalismo e do cisheteropatriarcado: “Produtores de avenidas identitárias onde mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais”.

As interseccionalidades fazem com que nem todas as mulheres estejam sujeitas ao aprisionamento. Essa afirmativa pode desencadear a seguinte ponderação: “Mas eu não cometo crimes, como vou ser presa?”. No entanto, esse questionamento é facilmente desfeito quando se pergunta: Quantos direitos lhe foram negados? Quantas vezes você se sentiu violada pelo Estado? Quantas mulheres em sua família tiveram acesso à educação, moradia, alimentação e renda?

O aprisionamento é um dos desfechos mais dramáticos na trajetória de mulheres que, muito antes desse acontecimento, já vinham percorrendo rotas de vitimização1313 Walmsley R. World Prison Population List. London: Institute for Criminal Policy Research (ICPR); 2015.. Nesse contexto, emergem as duras experiências de mulheres que vivenciaram a maternidade no cárcere e que têm a liberdade como desafio. Esse processo, analisado por Das (apud Ortega)1414 Ortega FA, editor. Veena Das: Sujetos del dolor, agentes de dignidad. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Facultad de Ciencias Humanas, Centro de Estudios Sociales (CES); 2008., consiste em um “sofrimento envenenado”, considerando que o aprisionamento é um dos maiores e mais determinantes eventos críticos de suas vidas.

Intersecções de marcadores sociais da diferença, como raça, classe, gênero impactam na vida das mulheres e resultam em situações de vulnerabilizações imbricadas em diversas esferas de suas vidas. A análise desses eventos ancorada no referencial vulnerabilidade e direitos humanos55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208. permite compreender alguns dos mais complexos processos que envolvem pessoas que vivenciaram a maternidade no sistema prisional.

Os resultados desta pesquisa demonstram o quanto essas mulheres são desfavorecidas em sua luta por liberdade. Como se não bastasse vivenciarem a maternidade no cárcere, elas são induzidas a exercer uma maternidade perfeita, a fim de obter apoio institucional e amparo para sair do cárcere com seus filhos. Para essas mulheres, a vulnerabilidade é influenciada, no âmbito individual, pela submissão a padrões de maternidade, depois de terem passado por um período de pré-natal de abandono e violência no contexto prisional55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208.,99 Montes R. "El violador eres tú", el himno que Chile exporta al mundo [Internet]. Santiago del Chile: El País; 2019 [acessado 2019 dez 1]. Disponible en: https://elpais.com/sociedad/2019/12/07/actualidad/1575742572_306059.html.,1515 França AMB, Silva JMO. Maternidade em situação de prisão. Rev Baiana Enferm 2015; 29(4):411-420..

Quanto à vulnerabilidade programática55 Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208., a maioria dessas mulheres esteve indevidamente em situação de prisão, sem acesso permanente à assistência à saúde adequada e sem acesso satisfatório à defensoria pública. A falta de suporte jurídico expressa a vulnerabilidade social, por estarem as sentenças jurídicas carregadas de preconceitos, estigmas, racismo e machismo - problemas estruturais que sustentam, nas dinâmicas sociais, uma lógica punitiva e excludente.

Esses resultados dialogam com as diferentes dimensões da vulnerabilidade e mostram sua indissociabilidade. O aprisionamento, por sua lógica fundamentar-se em práticas violentas e abusivas, pode ser considerado um evento crítico1616 Corrêa MCDV, Ventura M. Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições da maternidade. Physis 2017; 27(3):727-747., o qual, ao invés de ser ponto de partida para a garantia de direitos, os afasta e desvia.

Os resultados da pesquisa evidenciam que a saída da cadeia, comemorada e vivida com emoção, anuncia um recomeço, porém as falas descrevem esses momentos como permeados por sentimentos de insegurança, angústia e abandono. A liberdade chega, no entanto não vem acompanhada de suporte material e emocional, como demonstram o não oferecimento de condições de locomoção às mulheres libertadas e a ausência de contato com seus familiares.

As portas da prisão abrem-se para que a mulher, com seu filho nos braços, siga sozinha sua vida, como se o Estado que a aprisionou, não tivesse mais nenhuma responsabilidade sobre aquelas vidas. Ainda na prisão, tal responsabilidade se materializa segundo uma dinâmica que busca beneficiar o bebê, sem deixar de punir a mulher1717 Nunes LRC, Deslandes SF, Jannotti CB. Narrativas sobre as práticas de maternagem na prisão: a encruzilhada da ordem discursiva prisional e da ordem discursiva do cuidado. Cad Saude Publica 2020; 36(12):e00215719.. Realça-se aqui a participação do Estado na produção de vulnerabilidades que afetam essas mulheres e todas as pessoas que passam pela prisão, por entender que sua função é meramente punitiva.

O fato de muitas mulheres egressas do sistema prisional autodeclararem-se negras remete à questão do encarceramento em massa desse segmento e à criminalização da pobreza, considerando a desigualdade socioeconômica que afeta essa coletividade. O Brasil escravocrata renova-se, assume novos contornos e segue vulnerabilizando pessoas. A vulnerabilização, em seus diferentes aspectos (individuais, sociais e programáticos), ocorre não por acaso, mas advém de uma concepção que entende que algumas vidas valem menos88 Minayo MCS, Deslandes SF, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 34ª ed. São Paulo: Vozes; 2015.,1212 Akotirene C. O que é interseccionalidade. Belo Horizonte: Ed. Letramento; 2018..

Quando se analisam as vulnerabilidades e as perspectivas de reestruturação da vida de mulheres que vivenciaram a maternidade no cárcere, é preciso atentar para a estrutura social na qual se inserem. Percebe-se então serem poucas as perspectivas de reconstrução da vida em uma sociedade que oprime, marcada por diferenças de gênero, classe, raça, situação agravada pela passagem pelo cárcere. Igualmente, o impacto de tal experiência na saúde dessas mulheres deve ser analisado sob essa mesma perspectiva. Políticas e ações intersetoriais são imprescindíveis, assim como posturas profissionais mais sensíveis às condições de vulnerabilidade que afetam a vida dessas mulheres e de suas famílias.

Considerações finais

O presente estudo teve como objetivo analisar as vulnerabilidades e as perspectivas de reestruturação da vida de mulheres que vivenciaram a maternidade no cárcere. A limitação deste estudo deve-se à sua contextualização temporal e local; à inexistência de banco de dados com informações para acompanhamento de mulheres egressas do sistema prisional ou, quando existente, à dificuldade de acessá-lo; à pouca produção científica para embasar os achados.

Os resultados revelam que a saída do sistema prisional não significa necessariamente liberdade. As encruzilhadas identitárias seguem acompanhando as mulheres e seus filhos, de tal modo que após a saída do cárcere, a vulnerabilidade manifesta-se do mesmo modo ou mais cruelmente do que antes.

A maneira como a sociedade se estrutura em desigualdades sociais, que geram vulnerabilização desses segmentos sociais, contribui para que as mulheres não tenham acesso a direitos humanos básicos e sigam submetidas a situações que as expõem, juntamente com seus filhos, a processos de exclusão social, empobrecimentos, criminalização e vitimização a todo o tipo de violência. Há questionamentos sobre como ações e programas em saúde podem mitigar as vulnerabilidades no cenário de vida dessas mulheres e de que modo a análise da situação social de mulheres egressas do sistema prisional pode influenciar as práticas de saúde coletiva. É importante entender que os cuidados com a saúde ocorrem no dia a dia e que o olhar sobre o contexto social revela como e por que as pessoas adoecem.

Em relação ao campo da saúde, esta pesquisa auxilia na compreensão do aprisionamento feminino e do papel dos profissionais de saúde em contextos de violência e de privação de direitos, pois há carência de estudos nacionais e internacionais sobre esse tema. Considera-se fundamental o desenvolvimento de outras investigações que visem à compreensão da vivência da maternidade no cárcere, incluindo fatores como o aporte de serviços e de profissionais de saúde e a rede de suporte no retorno da mulher à sua família. Almeja-se que o conhecimento aqui produzido instrumentalize profissionais e gestores e os leve a desenvolver e implementar estratégias de proteção e prevenção de danos à saúde de mulheres em privação de liberdade, em especial das gestantes.

Referências

  • 1
    Leal MC, Ayres BVS, Pereira APE, Sánches AR, Larouze B. Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2061-2070.
  • 2
    United Nations (UN). United Nations rules for the treatment of women prisoners and non-custodial measures for women offenders (the Bangkok Rules) [Internet]. 2010 [cited 2019 mar 7]. Available from: http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/BangkokRules.pdf
    » http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/BangkokRules.pdf
  • 3
    Diuana V, Ventura M, Simas L, Larouzé B, Corrêa M. Direitos reprodutivos das mulheres no sistema penitenciário: tensões e desafios na transformação da realidade. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2041-2050.
  • 4
    Schultz ALV, Dotta RM, Stock BS, Dias MTG. Limites e desafios para o acesso das mulheres privadas de liberdade e egressas do sistema prisional nas Redes de Atenção à Saúde. Physis 2020; 30(3):e300325.
  • 5
    Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora; 2012. p. 165-208.
  • 6
    Smith S, Wickliffe J, Rivera-Newberry I, Redmond M, Kelly PJ, Ramaswamy M. A Systematic Evaluation of Barriers and Facilitators to the Provision of Services for Justice-Involved Women. J Community Health 2020; 45(6):1252-1258.
  • 7
    Breuer E, Remond M, Lighton S, Passalaqua J, Galouzis J, Stewart KA, Sullivan E. The needs and experiences of mothers while in prison and post-release: a rapid review and thematic synthesis. Health Justice 2021; 9(1):31.
  • 8
    Minayo MCS, Deslandes SF, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 34ª ed. São Paulo: Vozes; 2015.
  • 9
    Montes R. "El violador eres tú", el himno que Chile exporta al mundo [Internet]. Santiago del Chile: El País; 2019 [acessado 2019 dez 1]. Disponible en: https://elpais.com/sociedad/2019/12/07/actualidad/1575742572_306059.html.
  • 10
    Santos T, Vitto RCP. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen Mulheres: Junho de 2014 [Internet]. Brasília: Ministério de Justiça; 2014 [acessado 2018 set 1]. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf.
  • 11
    Borges J. O que é encarceramento em massa. Belo Horizonte: Ed. Letramento; 2018.
  • 12
    Akotirene C. O que é interseccionalidade. Belo Horizonte: Ed. Letramento; 2018.
  • 13
    Walmsley R. World Prison Population List. London: Institute for Criminal Policy Research (ICPR); 2015.
  • 14
    Ortega FA, editor. Veena Das: Sujetos del dolor, agentes de dignidad. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Facultad de Ciencias Humanas, Centro de Estudios Sociales (CES); 2008.
  • 15
    França AMB, Silva JMO. Maternidade em situação de prisão. Rev Baiana Enferm 2015; 29(4):411-420.
  • 16
    Corrêa MCDV, Ventura M. Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições da maternidade. Physis 2017; 27(3):727-747.
  • 17
    Nunes LRC, Deslandes SF, Jannotti CB. Narrativas sobre as práticas de maternagem na prisão: a encruzilhada da ordem discursiva prisional e da ordem discursiva do cuidado. Cad Saude Publica 2020; 36(12):e00215719.
  • Financiamento

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Editores-chefes:

Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
  • Publicado
    16 Jul 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br