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Judicialização do direito à saúde com foco em doenças tropicais negligenciadas: dimensões e desafios no Estado do Piauí, Nordeste do Brasil, 2000-2020

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a magnitude e o perfil das demandas judiciais por bens e serviços de saúde pública, verificando também a presença de demandas judiciais para doenças tropicais negligenciadas (DTNs) no Estado do Piauí entre 2000-2020. Estudo transversal descritivo a partir de bases de dados do Tribunal de Justiça do Piauí acerca de processos judiciais demandando bens e serviços de saúde à administração pública direta. Foram identificados inicialmente um total de 6.658 processos judiciais. Após análise de elegibilidade, 1.384 processos (20,8%) foram analisados, verificando-se aumento da demanda a partir de 2017. Ressalta-se as características: origem na capital Teresina (614; 44,4%), 40 a 59 anos de idade (372; 26,9%), sexo feminino (761; 55,0%), agricultores (123; 8,9%), assistência jurídica pública (1.063; 76,8%), julgados procedentes (594; 42,9%). Cinco (5; 0,4%) demandas judiciais para DTNs, uma leishmaniose visceral solicitando transporte, procedente; quatro para hanseníase (dois medicamentos, um concedido, outro extinto sem resolução do mérito, uma consulta e um exame, ambos concedidos). A judicialização do direito à saúde é expressiva e crescente no estado do Piauí. A baixa demanda relacionada a DTNs pode traduzir limitação de acesso não apenas à saúde, mas ao Poder Judiciário.

Palavras-chave:
Judicialização da saúde; Doenças negligenciadas; Políticas públicas de saúde

Abstract

This article aims to analyse the magnitude and profile of legal demands for public health goods and services, also verifying the presence of legal demands for neglected tropical diseases (NTDs) in the State of Piauí between 2000-2020. Cross-sectional descriptive study based on the databases of the Court of Justice of Piauí on lawsuits demanding from the Direct Public Administration, goods and health services. A total of 6,658 lawsuits were initially identified. After eligibility analysis, 1,384 cases (20.8%) were analysed, with an increase in demand from 2017. We highlight the characteristics: origin in the capital Teresina (614; 44.4%), 40 to 59 years of age (372; 26.9%), female (761; 55.0%), farmers (123; 8.9%), public legal assistance (1,063; 76.8%), upheld (594; 42.9%). Five (5; 0.4%) lawsuits for NTDs, one visceral leishmaniasis requesting transportation, with granting, four for leprosy (two medicines, one granted, other extinguished without resolution of the merit, one consultation and one exam granted). The judicialization of the right to health is expressive and growing in the State of Piauí. The low demand related to NTDs may translate into limited access not only to health care, but also to the judiciary.

Key words:
Judicialization of health; Neglected diseases; Public health policies

Introdução

A saúde está amparada na Constituição Federal (CF) do Brasil de 1988, hoje vigente, como um dever do Estado por intermédio de políticas públicas sociais e econômicas traduzidas em ações integrais, equânimes e igualitárias, visando, além da redução de riscos e agravos, a promoção, a proteção e a recuperação11 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988.,22 Brasil. Lei nº 8.080/1990. [acessado 2022 jun 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm
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. Desde meados dos anos 1990, quando a sociedade demandou, judicialmente, medicamentos antirretrovirais para a infecção por HIV/Aids33 Verbicaro LP, Santos ACV. A necessidade de parâmetros para a efetivação do direito à saúde: a judicialização do acesso ao hormônio do crescimento no estado do Pará. R Dir Sanit 2017; 17(3):185-211., o judiciário brasileiro passou a receber crescente demanda pleiteando bens e serviços em saúde contra União, estados e municípios. Somente de 2008 a 2017, registrou-se aumento de 130% nessas demandas judiciais no Brasil44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf.

Isso indica que a sociedade tem buscado o Poder Judiciário para a efetivação do direito à saúde, fenômeno denominado “judicialização do direito à saúde pública”55 Pery MRA. Doenças negligenciadas: garantia e defesa do direito fundamental a redução do risco no Brasil. Rev Jur MP Tocantins 2009; 2(3):83-108. [acesso 2022 abr 7]. Disponível em: https://athenas.mpto.mp.br/athenas/FileUploadController/get_public_file/9bcb541b921c0d6bb1ee442b42b78407/
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, que neste trabalho é concebido em uma perspectiva político-jurídica. Trata-se de um processo multifacetado, decorrente de variadas causas. Ele expõe as limitações na capacidade estatal, motivando a procura por soluções eficazes66 Andrade N, Nunes C, Albuquerque F, Araujo C, Ferreira AF, Reis AS, Ramos Jr. AN. Limites e possibilidades para desenvolvimento de pesquisas em saúde pública no judiciário. Rev Saude Publica 2022; 56:76.,77 Pepe VLE, Figueiredo T A, Simas L, Osorio-de-Castro CGS, Ventura M. A judicialização da saúde e os novos desafios da gestão da assistência farmacêutica. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2405-2414.. É um fenômeno peculiar que se manifesta, de forma singular, a depender das características sociais do território ocupado, a ponto de não permitir conceitos generalizados e afirmações em âmbito nacional88 Marques SB. Judicialização do direito à saúde. R Dir Sanit 2008; 9(2):65-72.,99 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Judicialização e saúde: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília: CNJ; 2021.. Tornou-se pauta de acalorados debates entre os poderes Judiciário e Executivo, gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), pesquisadores das ciências jurídicas, sociais e, sobretudo, da saúde coletiva44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf,66 Andrade N, Nunes C, Albuquerque F, Araujo C, Ferreira AF, Reis AS, Ramos Jr. AN. Limites e possibilidades para desenvolvimento de pesquisas em saúde pública no judiciário. Rev Saude Publica 2022; 56:76.,77 Pepe VLE, Figueiredo T A, Simas L, Osorio-de-Castro CGS, Ventura M. A judicialização da saúde e os novos desafios da gestão da assistência farmacêutica. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2405-2414.,1010 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2021. Brasília: CNJ; 2021.

11 Oliveira MRM, Delduque MC, Sousa MF, Mendonça AVM. Judicialização da saúde: para onde caminham as produções científicas? Saude Debate 2015; 39(105):525-535.
-1212 Batistella PMF, Aroni P, Fagundes AL, Haddad MCFL. Ações judiciais em saúde: revisão integrativa. Rev Bras Enferm 2019; 72(3):809-817..

Há várias interpretações sobre a judicialização da saúde. É possível que ela surja como um instrumento que contribui para humanizar e amenizar situações em que o sistema público se comporta como ausente e/ou falho no que diz respeito à execução de ações dos serviços públicos55 Pery MRA. Doenças negligenciadas: garantia e defesa do direito fundamental a redução do risco no Brasil. Rev Jur MP Tocantins 2009; 2(3):83-108. [acesso 2022 abr 7]. Disponível em: https://athenas.mpto.mp.br/athenas/FileUploadController/get_public_file/9bcb541b921c0d6bb1ee442b42b78407/
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. Ao mesmo tempo, pode ser interpretada como pressão para elaboração e implementação de políticas e programas eficazes e sustentáveis1313 Biehl J, Socal MP, Amon JJ. The judicialization of health and the quest for State accountability: evidence from 1,262 lawsuits for access to medicines in Southern Brazil. Health Hum Rights 2016; 18(1):209-220.,1414 Barroso LR. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar; 2009.. Em outra perspectiva, a significativa elevação de ações judiciais em matéria de saúde pública pode ser compreendida como interferência e ativismo do sistema jurídico em atribuição do sistema político, sendo prejudicial à governança do Estado por acarretar gastos inopinados e elevados. Em outro cenário, estudos têm evidenciado que a maioria das ações judiciais buscam medicamentos de alto custo e é impetrada de forma individual, por interesse das elites, infringindo os princípios do SUS e aumentando a desigualdade social1515 Chieffi AL, Barata RB. "Judicialization" of public health policy for distribution of medicines. Cad Saude Publica 2009; 25(8):1839-1849.

16 Ferraz OLM. Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil. Rev Direito GV 2019; 15(3):e1934.
-1717 Dias ER, Silva Junior GB. Evidence-based medicine in judicial decisions concerning right to healthcare. Einstein (Sao Paulo) 2016; 14(1):1-5..

Em que pese as divergências acerca do valor da judicialização da saúde, é evidente que ela surge como um fenômeno causador de inquietudes, pois ao mesmo tempo que se aumenta o número de processos contra o poder público, cresce a controvérsia sobre suas consequências1010 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2021. Brasília: CNJ; 2021.,1313 Biehl J, Socal MP, Amon JJ. The judicialization of health and the quest for State accountability: evidence from 1,262 lawsuits for access to medicines in Southern Brazil. Health Hum Rights 2016; 18(1):209-220..

Embora a judicialização da saúde esteja presente nas diferentes regiões do Brasil, tem maior frequência nas regiões Sul e Sudeste1111 Oliveira MRM, Delduque MC, Sousa MF, Mendonça AVM. Judicialização da saúde: para onde caminham as produções científicas? Saude Debate 2015; 39(105):525-535.,1616 Ferraz OLM. Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil. Rev Direito GV 2019; 15(3):e1934.. Esse fato talvez explique a limitação de estudos de abrangência nacional de abordagem quantitativa, qualitativa ou mista44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf,1010 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2021. Brasília: CNJ; 2021.,1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014..

As análises do tipo de pedido em ações judiciais evidenciam que a maioria dos processos judiciais de saúde está voltada ao pleito de medicamentos de alto custo1515 Chieffi AL, Barata RB. "Judicialization" of public health policy for distribution of medicines. Cad Saude Publica 2009; 25(8):1839-1849.,1616 Ferraz OLM. Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil. Rev Direito GV 2019; 15(3):e1934., o que chama atenção em um país endêmico para parte considerável das doenças tropicais negligenciadas (DTNs), com tratamentos bem mais baratos1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014.. As DTNs são definidas como um grupo diverso de 20 doenças infecciosas causadas por protozoários, helmintos, bactérias, vírus, fungos, parasitas e acidentes com animais peçonhentos1919 World Health Organization (WHO). Neglected tropical diseases. 2022 [acessado 2022 jul 23]. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical -diseases#tab=tab_1
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, acometem em torno de um bilhão de pessoas no mundo em contextos de desigualdade social e pobreza2020 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: MS; 2018; p. 99-141.. Dissemina-se e perpetua-se em meios em que há precária estrutura sanitária, de moradia e alimentação, além da dificuldade em se acessar o sistema de saúde. A maior prevalência é observada em 149 países - no geral periféricos, de clima tropical e subtropical -, concentrada em países da África, da Ásia e das Américas2121 World Health Organization (WHO). Ending the neglect to attain the Sustainable Development Goals: a road map for neglected tropical diseases 2021-2030. Geneva: WHO; 2020..

No Brasil, a região Nordeste é uma das mais endêmicas2222 Martins-Melo FR, Carneiro M, Ramos Jr. Ver, Heukelbach J, Ribeiro ALP, Werneck GL. The burden of neglected tropical diseases in Brazil, 1990-2016: a subnational analysis from the Global Burden of Disease Study 2016. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12(6):e0006559., sendo o Piauí um estado que retrata essa situação2323 Araújo OD, Ferreira AF, Araújo TME, Silva LCL, Lopes WMPS, Neri EAR, CardosverJA, Costa JM, Moura EH, Bezerra SMG, Macêdo MS, Ramos Ver. AN. Leprosy-related mortality in the state of Piauí, Brazil: time trends and spatial patterns, 2000-2015. Cad Saude Publica 2020; 36(9):e00093919.,2424 Brito SP S, Ferreira AF, Lima M S, RamoverJr AN. Mortalidade por doenças tropicais negligenciadas no Piauí, Nordeste do Brasil: tendência temporal e padrões espaciais, 2001-2018. Epidemiol Serv Saude 2022; 31(1):e2021732., com elevada mortalidade por DTNs, em especial por doença de Chagas, entre grupos de maior vulnerabilidade, concentrando-se em regiões do interior do estado2424 Brito SP S, Ferreira AF, Lima M S, RamoverJr AN. Mortalidade por doenças tropicais negligenciadas no Piauí, Nordeste do Brasil: tendência temporal e padrões espaciais, 2001-2018. Epidemiol Serv Saude 2022; 31(1):e2021732., mas também por hanseníase2323 Araújo OD, Ferreira AF, Araújo TME, Silva LCL, Lopes WMPS, Neri EAR, CardosverJA, Costa JM, Moura EH, Bezerra SMG, Macêdo MS, Ramos Ver. AN. Leprosy-related mortality in the state of Piauí, Brazil: time trends and spatial patterns, 2000-2015. Cad Saude Publica 2020; 36(9):e00093919., entre outras DTNs.

No Piauí, a judicialização do direito à saúde é a uma temática pouco explorada. A despeito das iniciativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf,99 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Judicialização e saúde: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília: CNJ; 2021., ainda não há dados da magnitude do fenômeno, tampouco das singularidades processuais, e dos elementos que caracterizam as ações mais litigadas no Piauí66 Andrade N, Nunes C, Albuquerque F, Araujo C, Ferreira AF, Reis AS, Ramos Jr. AN. Limites e possibilidades para desenvolvimento de pesquisas em saúde pública no judiciário. Rev Saude Publica 2022; 56:76.,1010 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2021. Brasília: CNJ; 2021.. Além disso, desconhece-se a existência de judicialização com demandas para medicamentos e outros cuidados voltados à atenção à saúde para DTNs.

Diante do exposto, o presente estudo pretende analisar a magnitude e o perfil das demandas judiciais por bens e serviços de saúde pública em geral e especificamente para DTNs no estado do Piauí, Nordeste do Brasil, no período 2000-2020.

Métodos

Local de estudo

O estado do Piauí é o terceiro maior da região Nordeste do Brasil, com população estimada de 3.289.290 de habitantes em 2021, área de 251.755,485 Km2 e densidade demográfica de 13,06 habitantes/Km2, distribuídos em 224 municípios (Figura 1[A]). O índice de desenvolvimento humano (IDH) em 2010 foi de 0,646, com rendimento mensal domiciliar per capita, em 2020, de R$ 859,002525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Brasil em síntese. 2022. [acessado 2022 abr 10]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/
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Figura 1
[A] Local do estudo: estado do Piauí; macrorregiões de saúde e municípios. [B] Bases de dados do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí incluídas na pesquisa, 2021.

O estudo incluiu a análise de processos constantes no Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), com dados de todas as comarcas do estado. Requereu-se na ouvidoria do TJPI informações sobre a quantidade de comarcas existentes no estado do Piauí, bem como sobre quais municípios cada comarca atende. Por despacho, a Corregedoria Geral da justiça do Piauí informou que a resposta estava disponível na Lei de Organização Judiciária do Estado do Piauí nº 3.716/1979, disposta no website do TJPI. São 56 comarcas que, em várias situações, atendem a mais de um município2626 Poder Judiciário do Estado do Piauí. Estrutura Organizacional. TJ-PI. 2018. [acessado 2022 abr 10]. Disponível em: https://www.tjpi.jus.br/intranet/tjpi/EstruturaOrganizacional#!/comarcasInterior
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Desenho de estudo

Estudo transversal, de natureza descritiva, com recorte temporal de 2000-2020. A unidade de análise foi baseada em processos judiciais gerais e mandados de segurança originários de 1ª e 2ª instâncias, demandando bens ou serviços relacionados à saúde, com recorte adicional para DTNs (dados obtidos a partir de descrições dos processos). Foram consideradas as ações judiciais contra municípios piauienses, o estado e a União, juntos ou separados, a partir das bases de dados do TJPI.

Etapas da pesquisa

Estruturou-se o estudo em duas etapas distintas e sucessivas. A primeira foi de construção do banco de dados da pesquisa. A segunda, de análise e interpretação das informações para criação de novos conhecimentos.

A primeira etapa ocorreu por meio do preenchimento de formulário próprio, contido no website do TJPI, por meio do qual se solicitou, com fundamento na Lei de Acesso à Informação (LAI) (12.527/2011), a numeração dos processos indexados como “demandas de saúde pública”. O TJPI respondeu de forma favorável à pesquisa. A equipe de pesquisa teve acesso ao banco de dados, onde constavam: os números dos processos de saúde pública; o nome do sistema para acessar os mesmos; a classe processual; e o assunto do processo.

Na segunda etapa, de posse do referido banco de dados com os números processuais, realizou-se consulta individualizada na base de dados dos sistemas do TJPI denominados PJE1G e PJE2G. Para a coleta de dados, construiu-se um formulário eletrônico específico, a partir do qual, ao final, gerou-se uma planilha. Nesse estudo, foram incluídos todos os processos constantes na base PJE1G, que trata de judicialização da saúde pública, além de mandados de segurança originárias em 1ª e 2ª instâncias (Figura 1[B]).

Foram critérios de exclusão: 1) demandas em segredo de justiça; 2) recursos de 2ª instância constantes nas bases eTJPI e THEMISWEBRECURSAL; processos da base THEMISWEB (dificuldade de acesso); 3) processos físicos digitalizados de forma parcial, com limitação de acesso a variáveis; 4) processos de 2ª instância da base de dados PJE2G que não eram mandados de segurança; 5) processos que não tinham a administração pública direta figurando como demandados; 6) que por outro motivo não puderam ser acessados; 7) litispendência processual; 8) demandas que não se tratavam de judicialização do direito à saúde pública.

As variáveis do estudo foram selecionadas tomando-se como referência o Manual de indicadores de avaliação e monitoramento das demandas jurídicas por medicamentos2727 Pepe VLE, Ventura M, Osório-de-Castro C, organizadoreas. Manual de indicadores de avaliação e monitoramento das demandas judiciais de medicamentos. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011., classificadas em: 1) jurídicas - unidade jurisdicional, data de distribuição da ação, tipo de processo, pedido de gratuidade da justiça, pedido de liminar, tutela antecipada, tutela de urgência ou evidência, inaudita altera pars, nome do profissional médico, processo administrativo prévio, polo passivo, presença de prescrição médica alternativa na contestação, presença de parecer não médico na contestação, deferimento da gratuidade da justiça, nomeação do perito judicial, julgamento em 1ª instância, apelação do autor, apelação do réu, estimativa de custos do serviço, valor da inicial, presença de parecer de apoio técnico ao magistrado ou judiciário; 2) sociodemográficas - sexo, estado civil, idade, profissão, renda, escolaridade, local de residência; 3) médico-sanitária - patologia, Classificação Internacional de Doenças (CID) 10, fármaco, tratamento médico-hospitalar, nome do fabricante do medicamento, aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), presença na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), gravidade da patologia, tempo de uso, país de origem do bem requerido, catalogação do procedimento na tabela de procedimento do SUS, especialidade do médico prescritor, origem da prescrição, presença de prescrição médica na petição inicial, presença de parecer técnico não médico na inicial.

Durante a revisão dos processos, procedeu-se à localização daqueles que se tratavam de demandas em função de DTNs. Os dados foram organizados em banco de dados, com análise descritiva baseada em frequências simples e relativas. Na análise relativa a diferenças entre grupos, utilizou-se o teste exato de Fisher, tendo em vista que o número de observações foi inferior ou igual a cinco, sendo considerado significativo o valor de p < 0,05.

Obtenção de dados nos sistemas jurídicos

Utilizou-se a base de dados PJE1G por ser um sistema com foco em demandas de 1º grau e conter as principais variáveis de interesse da pesquisa, bem como por ser de fácil acesso a partir de cadastro de um número da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ativo no sistema.

Contudo, alguns processos fornecidos pelo TJPI como acessíveis via PJE1G só estavam disponíveis via Portal do Advogado do Piauí, ferramenta em que o advogado acessa informações dos processos aos quais estiver vinculado e demais processos que não correm em segredo de justiça dos 1º e 2º graus do Piauí (https://www.tjpi.jus.br/portaladvogado/publico/faq).

A pesquisa buscou acessar processos constantes na base THEMISWEB e THEMISWEBBJECC, contudo não retornavam informações de modo a responder as variáveis do estudo. Coletar dados para este estudo demandou o acesso ao processo na íntegra.

Os processos separados pela base de dados ETJPI tratavam de recursos de 2ª instância gerados por consequências das decisões de 1ª instância. Em vista disso, nos processos de 1ª grau já se encontravam as variáveis de interesse da pesquisa.

Na base de dados PJE2 também constam recursos de 2ª instância, contudo é uma via onde era possível o acesso a mandados de segurança de tramitação originária analisados neste estudo (Figura 1[B]).

Limitações do estudo

As limitações estão relacionadas às bases de dados utilizadas, que foram construídas com foco nas necessidades operacionais do campo do direito, o que dificulta o tratamento de dados para pesquisa científica. Outra limitação potencial foi a não utilização de processos de 2ª instância, que podem trazer informações sobre possíveis reformas das decisões judiciais de 1º grau, porém a não utilização dos dados de 2ª instância trazem pouco impacto, posto que as variáveis do estudo foram preenchidas com dados dos processos de 1º grau.

Aspectos éticos

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará-CEP/UFC/PROPESQ e dispensado de parecer por se tratar de pesquisa que utiliza informações de acesso público nos termos da Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Os dados exclusivamente usados na pesquisa, zelando pelo anonimato dos integrantes da relação processual.

Resultados

Composição da base de dados para análise

Após tratamento primário, a base de dados continha 4.982 processos de saúde fornecidos, por meio de planilha qualificada segundo “Nome do sistema: PJE1G, PJE2, THEMISWEB, ETJPI, THEMISWEBBJECC, classe processual e assunto”. Os números dos processos foram fornecidos inicialmente para o período de janeiro de 2000 a setembro de 2019. Posteriormente, decidiu-se integrar por completo os processos referentes ao ano de 2019, assim como os de 2020, após solicitação formal junto ao TJPI, gerando um adicional de 1.676 processos. Dessa forma, para o período completo de 2000 a 2020, retornou do TJPI um total de 6.658 processos classificados como demandas de saúde em face da Administração Pública Direta (APD) (Figura 2[A]).

Figura 2
[A] Total de processos de saúde por base de dados e processos selecionados para a pesquisa. [B] Número de processos selecionados para a pesquisa por ano, Piauí, Nordeste do Brasil, 2000 a 2020.

Do total de 6.658 processos, 626 (9,4%) foram descartados por duplicidade, restando 6.032 (90,5%) sem repetições. Optou-se por analisar processos constantes na base de dados PJE1G e mandados de segurança de 1ª e 2ª instâncias (os de 2ª instância constantes originariamente na base de dados do PJE2G), totalizando 2.910 (48,2%), submetidos a análise quanto à aderência aos critérios de inclusão e exclusão. Por fim, alcançou-se o total de 1.384 (47,6%) processos-alvo de análise do estudo, coletados na íntegra a partir da base de dados PJE1G e PJE2G (mandados de segurança) (Figura 2[A]).

Padrões temporais da judicialização do direito à saúde no Piauí

Dos 1.384 processos catalogados no período de 2000-2003, nenhum era relacionado à judicialização da saúde. Em 2004, registra-se o primeiro processo, mas com um período posterior sem registros (2005-2008). A partir de 2009, há evidência consistente de processos em todos os anos, ampliando-se significativamente a partir de 2017. Em 2019 foram 382 processos, e em 2020, durante a pandemia por COVID-19, um total de 240. Um aumento de 1.320% em comparação ao período de 2000-2016. Dos processos de DTNs encontrados, em relação aos de hanseníase, um era de 2016, um de 2017, um de 2018 e outro de 2020, já o processo relativo à leishmaniose era de 2020 (Figura 2[B]).

Perfil sociodemográfico das demandas judiciais de saúde

A comarca de Teresina apresentou 614 (44,4%) processos, seguido da comarca da cidade de Parnaíba (159; 11,5%). Os processos encontrados que tinham como objeto demandas relativas às DTNs incluíam apenas quatro demandas relativas à hanseníase, nas comarcas da capital Teresina (dois processos), de Floriano (um processo) e Piripiri (um processo). Em relação ao perfil dessas demandas: sexo masculino (quatro), agricultor (dois), renda entre meio e um salário-mínimo (três), solicitação de medicamentos (dois) (sendo que um dos medicamentos era a talidomida, utilizado para tratamento de reações na hanseníase), consulta (um) e exame complementar (um). Houve apenas uma demanda para leishmaniose visceral, de demandante residente em Bom Jesus do Piauí, do sexo masculino, solteiro, de faixa etária de 0-15 anos, representado por advocacia pública e com solicitação de transporte para tratamento em Teresina (tabelas 1, 2 e 3).

Tabela 1
Distribuição pela unidade judiciária de processos de judicialização do direito à saúde de 2000 a 2020.
Tabela 2
Caracterização socioeconômica e jurídicas dos processos de judicialização da saúde, Piauí, Brasil, 2000-2020.
Tabela 3
Caracterização médico-sanitária dos processos de judicialização da saúde, Piauí, Brasil, 2000-2020.

No quadro geral, a maioria das ações tem mulheres como demandantes (761; 55,0%). Maior número de processos com pessoas do estado civil “solteiro” (551; 39,8%). Processos com menores de idade representados totalizaram 270 (19,5%). Predomínio na faixa etária de 40 a 59 anos (372; 26,9%), de renda entre meio a um salário-mínimo (313; 22,6%). A maioria dos processos não informava a profissão do(a) autor(a) (360; 26,0%) (Tabela 2). Entre os registrados, 154 eram aposentados (11,1%).

Perfil jurídico das demandas judiciais de saúde

O PJE1G representou a base de dados com a grande maioria de registros dos processos (1.255; 90,7%). A natureza jurídica do requerente foi predominantemente “pessoa física” (1.327; 95,9%). Houve ampla representação jurídica dos autores a partir da advocacia pública (gratuita) (1.063; 76,8%). Constatou-se que em 1.265 (91,4%) processos a justiça gratuita foi concedida aos autores da ação. Em 1.018 processos (73,6%) as liminares às demandas foram concedidas, em 968 (69,9%), inaudita altera pars, sem ouvir a outra parte (Tabela 2).

A maioria das demandas solicitou primeiramente, de forma administrativa (1.164; 84,1%). No polo passivo das demandas, o estado do Piauí constou de forma unitária em 696 (50,3%) processos. Na maioria dos casos, não havia prescrições alternativas na contestação (960; 69,4%). O julgamento da ação foi procedente em 594 (42,9%) processos, seguido pela extinção do processo sem resolução do mérito/desistência da ação (318; 23,0%). Nessa última categoria foram incluídos os casos em que houve evolução para a morte dos autores.

Constatou-se que os demandados das ações não recorreram com recurso de apelação em 839 (60,6%) casos, o que ratifica a constatação de que a maioria das demandas foi julgada procedente em 1ª instância, mas que não significa que a sentença foi cumprida e que outros tipos de recursos não tenham sido propostos. Em 871 (62,9%) processos havia a presença de parecer do NAT-Jus, órgão responsável por auxiliar os juízes para que as decisões judiciais de saúde sejam tomadas com fundamentos científicos, e não baseada apenas na narrativa de urgência que o cidadão apresenta por estar entre a vida e a morte (Tabela 2).

Perfil médico-sanitário das demandas judiciais de saúde

As demandas por medicamentos (571; 41,3%) representaram o maior quantitativo no Piauí. Foram solicitados no total 921 medicamentos, representando 402 itens diferentes. A maioria dos autores das ações solicitou mais de um medicamento. O medicamento mais solicitado foi a enoxaparina sódica (Clexane®, Versa®), incluída em 49 processos (5,32%), anticoagulante muito utilizado para tratamento de várias doenças e que não estava contemplado em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT) nem na RENAME. Contudo, foi firmada a parceria nº 1952/2016 entre TJPI e Secretaria de Estado da Saúde do Piauí com a finalidade de incluí-lo no protocolo de dispensação voluntária estadual. Apesar da parceria, o medicamento continuou sendo judicializado, ante o desabastecimento no SUS.

Outro medicamento que se destacou nos pedidos foi o canabidiol (12; 1,30%), derivado da Cannabis, ainda não legalizado no Brasil, portanto com uso possível por meio de judicialização.

Em 847 (61,2%) processos os objetos demandados foram concedidos pelo SUS. A prescrição estava fundamentada em PCDT em 885 (63,9%) processos, com presença de prescrição médica em 1.199 (86,6%), a maior parte oriunda do setor público de saúde 851 (61,5%). O parecer de apoio técnico ao Judiciário emitido pelo NAT-Jus foi favorável na maioria das ações (629; 45,4%) (Tabela 3).

A maioria dos demandantes alegou como justificativa “risco de vida”, “lesão grave” ou “sequela” (1.172; 84,7%). Grande parte dos procedimentos demandados (cirurgias e outros) estava catalogada na tabela do SUS (633; 45,7%) (Tabela 3). A maioria das demandas tratava de bens de alto custo (454; 32,8%). Destaca-se que esse percentual foi calculado utilizando como critério a afirmação do requerente nos autos, e não as tabelas governamentais de referência caracterizadoras dos valores de medicamentos e procedimentos. Ressalta-se que as demandas apresentadas eram sobre bens, em sua maioria, aprovados pela Anvisa (566; 40,9%), porém que não constavam em lista pública oficial (444; 32,1%) e de uso por tempo prolongado (568; 41,0%) (Tabela 3).

Discussão

Constatou-se que a judicialização do direito à saúde no estado do Piauí é um fenômeno crescente, com demandas já listadas no SUS mas não obtidas por via administrativa. O presente estudo, em caráter inédito, demarca a importância de se desenvolverem estudos com as bases de dados do Judiciário para análises no campo da saúde coletiva66 Andrade N, Nunes C, Albuquerque F, Araujo C, Ferreira AF, Reis AS, Ramos Jr. AN. Limites e possibilidades para desenvolvimento de pesquisas em saúde pública no judiciário. Rev Saude Publica 2022; 56:76.. Nessa perspectiva, revelou a elevada magnitude desse processo ao longo de duas décadas, particularmente nos últimos quatro anos, com perfis demarcados do ponto de vista sociodemográfico, jurídico e médico-sanitário. Reconhece-se a limitação, para alcance via judicial, de atenção à saúde voltada para DTNs, tendo em vista a elevada detecção e a carga de mortalidade no estado2323 Araújo OD, Ferreira AF, Araújo TME, Silva LCL, Lopes WMPS, Neri EAR, CardosverJA, Costa JM, Moura EH, Bezerra SMG, Macêdo MS, Ramos Ver. AN. Leprosy-related mortality in the state of Piauí, Brazil: time trends and spatial patterns, 2000-2015. Cad Saude Publica 2020; 36(9):e00093919.,2424 Brito SP S, Ferreira AF, Lima M S, RamoverJr AN. Mortalidade por doenças tropicais negligenciadas no Piauí, Nordeste do Brasil: tendência temporal e padrões espaciais, 2001-2018. Epidemiol Serv Saude 2022; 31(1):e2021732..

Um aspecto identificado foi a ausência de uniformidade entre portais/sistemas de dados, ainda que seja um mesmo objeto de litígio. Além disso, em conjunto com a reconhecida existência de diferentes bases de dados e a dificuldade de acesso a elas, configurou-se como ainda mais complexa a execução de um estudo dessa natureza66 Andrade N, Nunes C, Albuquerque F, Araujo C, Ferreira AF, Reis AS, Ramos Jr. AN. Limites e possibilidades para desenvolvimento de pesquisas em saúde pública no judiciário. Rev Saude Publica 2022; 56:76.,1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014.,2828 Machado MAA, Acurcio FA, Brandão CMR, Faleiros DR, Guerra AA, Cherchiglia ML, Andrade EIG. Judicialização do acesso a medicamentos no estado de Minas Gerais, versil. Rev Saude Publica 2011; 45(3):590-598.

29 Marques SB. O direito ao acesso universal a medicamentos no Brasil: diálogos entre o direito, a política e a técnica médica [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011.
-3030 Oliveira FL, Cunha LG. The indicators on the Brazilian judiciary: limitations, challenges and the use of technology. Rev Direito GV 2020; 16(1):e1948..

Em pesquisa realizada pelo CNJ, constatou-se divergência com os dados obtidos neste estudo sobre a judicialização no estado do Piauí44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf. Segundo o CNJ, de 2008 a 2017 constavam 265 processos que tratavam de judicialização da saúde pública. Contudo, o presente estudo revelou, por meio de verificação direta, que o número total de processos de 2008 a 2017 foi de 296 na base de dados do PJE1G e de mandados de segurança originários do PJE2. Essa divergência de dados também foi constatada em outros estudos66 Andrade N, Nunes C, Albuquerque F, Araujo C, Ferreira AF, Reis AS, Ramos Jr. AN. Limites e possibilidades para desenvolvimento de pesquisas em saúde pública no judiciário. Rev Saude Publica 2022; 56:76.,1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014.,3131 Nunes CFO, Ramos Jr AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet 2016; 24(2):192-199..

Verificou-se a ocorrência de padrões diferenciais de distribuição espacial relativa ao registro de processos no estado, com elevada concentração na comarca de Teresina, capital do Estado. Registra-se que nessa comarca está localizada grande parte de serviços de saúde de alta e média complexidades99 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Judicialização e saúde: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília: CNJ; 2021.,3232 Prefeitura Municipal de Teresina-PI. Plano Municipal de Saúde (2018-2021). Teresina: Fundação Municipal de Saúde; 2021., o que justifica em parte esse cenário, outra hipótese poderia se relacionar ao sistema de ampliação ou não da rede de serviços das áreas da saúde e judiciária para cidades interiorizadas, pois diferentes estudos encontraram maior ocorrência em cidades menores1313 Biehl J, Socal MP, Amon JJ. The judicialization of health and the quest for State accountability: evidence from 1,262 lawsuits for access to medicines in Southern Brazil. Health Hum Rights 2016; 18(1):209-220.,2828 Machado MAA, Acurcio FA, Brandão CMR, Faleiros DR, Guerra AA, Cherchiglia ML, Andrade EIG. Judicialização do acesso a medicamentos no estado de Minas Gerais, versil. Rev Saude Publica 2011; 45(3):590-598.,3333 Oliveira YMC, Braga BSF, Farias AD, Vasconcelos CM, Ferreira MAF. Judicialization of access to medicines: analysis of lawsuits in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00174619.. Do ponto de vista temporal, a judicialização no estado do Piauí é crescente, com aumento significativo a partir de 2017, o que demanda análises mais específicas para reconhecimento de fatores associados, particularmente os contextuais, como o impacto financeiro oriundo da Emenda Constitucional (EC) 95, de 2016, que congelou os gastos da União com despesas primárias, sobretudo investimentos na saúde e na educação, por 20 anos3434 Brasil. Emenda Constitucional nº 95/2016. [acessado 2022 jul 12]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm
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, levando à insuficiência de recursos3535 Santos L, Funcia F. EC 95 fere o direito à saúde. Centro de Estudo Estratégicos Antonio Ivo de Carvalho. 2019. [acessado em 2022 jul 12]. Disponível em: https://www.cee.fiocruz.br/?q=Emenda-Constitucional-95-fere-o-nucleo-essencial-do-direito-a-saude
https://www.cee.fiocruz.br/?q=Emenda-Con...
, bem como à pobreza e à extrema pobreza3636 Paes-Sousa R, Rasella D, Carepa-Sousa J. Política econômica e saúde pública: equilíbrio fiscal e bem-estar da população. Saude Debate 2018;4 2(Esp. 3):172-182.. Diferentes trabalhos em outras realidades do país já indicavam aumento antes desse período, em particular nas regiões Sul e Sudeste44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf,1010 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2021. Brasília: CNJ; 2021.,1616 Ferraz OLM. Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil. Rev Direito GV 2019; 15(3):e1934..

Houve maior proporção de demandantes mulheres, fato também observado por outros estudos1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014.,2828 Machado MAA, Acurcio FA, Brandão CMR, Faleiros DR, Guerra AA, Cherchiglia ML, Andrade EIG. Judicialização do acesso a medicamentos no estado de Minas Gerais, versil. Rev Saude Publica 2011; 45(3):590-598.,3131 Nunes CFO, Ramos Jr AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet 2016; 24(2):192-199.,3737 Vieira FS, Zucchi P. Distorções causadas pelas ações judiciais à política de medicamentos no Brasil. Rev Saude Publica 2007; 41(2):214-222.,3838 Biehl J, Amon JJ, Socal MP, Petryna A. Between the court and the clinic: lawsuits for medicines and the right to health in Brazil. Health Hum Rights 2012; 14(1):e36-e52.. Pela primeira vez houve presença de requerimento judicial para tratamento das DTNs, por demandantes do sexo masculino. Esse aspecto pode ter relação com a maior ocorrência da doença nessa população, bem como pela maior prevalência de complicações, como incapacidade física e reações hansênicas3939 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Indicadores e dados básicos de hanseníase nos municípios brasileiros. 2022. [acessado 2022 abr 10]. Disponível em: http://indicadoreshanseniase.aids.gov.br/
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.

Nos quatro processos de hanseníase, a maioria dos envolvidos tinha 60 anos de idade ou mais, demarcando a possibilidade de demandas por complicações da doença, conforme dados oficiais3939 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Indicadores e dados básicos de hanseníase nos municípios brasileiros. 2022. [acessado 2022 abr 10]. Disponível em: http://indicadoreshanseniase.aids.gov.br/
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. A demanda relativa à leishmaniose era de uma criança do interior do estado.

O perfil de renda das pessoas demandantes, maioria entre meio e um salário-mínimo, também condiz com a realidade da renda per capita do estado, abaixo do salário-mínimo vigente, média de R$ 837,002525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Brasil em síntese. 2022. [acessado 2022 abr 10]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/
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. Nos processos gerais houve grande proporção de demandantes agricultores, uma ocupação relevante no Piauí, inclusive nos processos relativos a DTNs, corroborando outros estudos1313 Biehl J, Socal MP, Amon JJ. The judicialization of health and the quest for State accountability: evidence from 1,262 lawsuits for access to medicines in Southern Brazil. Health Hum Rights 2016; 18(1):209-220..

Estudos empreendidos em diferentes realidades do país demonstraram predominância de demandantes representados pela advocacia privada1515 Chieffi AL, Barata RB. "Judicialization" of public health policy for distribution of medicines. Cad Saude Publica 2009; 25(8):1839-1849.,3131 Nunes CFO, Ramos Jr AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet 2016; 24(2):192-199.. De outro modo, o presente estudo constatou que grande parte dos demandantes piauienses foi representada pela advocacia pública, de forma semelhante ao verificado em outras investigações44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf,1313 Biehl J, Socal MP, Amon JJ. The judicialization of health and the quest for State accountability: evidence from 1,262 lawsuits for access to medicines in Southern Brazil. Health Hum Rights 2016; 18(1):209-220.,3333 Oliveira YMC, Braga BSF, Farias AD, Vasconcelos CM, Ferreira MAF. Judicialization of access to medicines: analysis of lawsuits in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00174619.,4040 Arruda SC. Análise sobre a judicialização da saúde no estado de mato grosso no período de 2011-2012. Cad Ibero-Am Direito Sanit 2017; 6(1):86-111., o que pode indicar que grande parte dos requerentes têm dependência do Estado para lhe representar, bem como que não há como afirmar que a judicialização da saúde é uma questão de classe, favorecendo as elites, conforme verificado por outros estudos4141 Medeiros M, Diniz D, Schwartz IVD. A tese da judicialização da saúde pelas elites: os medicamentos para mucopolissacaridose. Cien Saude Colet 2013; 18(4):1089-1098..

Houve grande concessão de liminares solicitadas nas demandas, assim como foi verificado em estudos realizados no Ceará, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte1313 Biehl J, Socal MP, Amon JJ. The judicialization of health and the quest for State accountability: evidence from 1,262 lawsuits for access to medicines in Southern Brazil. Health Hum Rights 2016; 18(1):209-220.,1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014.,3333 Oliveira YMC, Braga BSF, Farias AD, Vasconcelos CM, Ferreira MAF. Judicialization of access to medicines: analysis of lawsuits in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00174619., com o principal argumento fundamentado na CF de 1988. Em 1ª instância, o julgamento da maioria das ações se deu procedente. Entretanto, constatou-se que aproximadamente 1/4 das demandas foi extinta sem resolução do mérito, quando o juiz não acolhe nem rejeita o pedido do(a) autor(a) conforme art. 485 da lei 13.105/20154242 Brasil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. [acessado 2022 jul 12]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
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, podendo ingressar novamente com ação judicial. No presente estudo, constatou-se decisão sem resolução do mérito em razão da desistência do autor, bem como em virtude da morte dos demandantes (observada ao longo da análise dos processos). Esse fato requer estudos mais aprofundados acerca da extinção do processo sem resolução do mérito e pode indicar morosidade do poder Judiciário em decisões que envolvem o campo da saúde3030 Oliveira FL, Cunha LG. The indicators on the Brazilian judiciary: limitations, challenges and the use of technology. Rev Direito GV 2020; 16(1):e1948..

Em grande parte das demandas de saúde no Piauí houve consulta ao NAT-Jus, órgão de assessoramento aos magistrados nas demandas de saúde pública, com acatamento dos pareceres por parte do Judiciário. o NAT-Jus foi criado com a finalidade de assessorar magistrados/as nas decisões relacionadas a demandas de judicialização da saúde pública. Já no TJ do estado da Bahia, evidencia-se baixo número de decisões judiciais embasadas por pareceres do NAT-Jus4343 Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA). Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário - NAT-JUS. 2018. [acessado 2022 mar 3]. Disponível em: http://www5.tjba.jus.br/portal/mais-uma-reuniao-do-nucleo-de-apoio-tecnico-do-judiciario-nat-jusfoi-realizada-na-assessoria-especial-da-presidencia-aep-ii-na-ultima-terca-feira-25-06-18/
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, bem como na pesquisa de caráter nacional realizada pelo CNJ, que também observou poucas demandas utilizando pareceres do NAT-Jus44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf,99 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Judicialização e saúde: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília: CNJ; 2021.. Esse achado pode significar que o Estado cumpre o parecer do CNJ relativo à consulta ao NAT-Jus1010 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2021. Brasília: CNJ; 2021.. Um referencial importante para esse processo de assessoria é fundamentado nas referências da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), criada pela Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011, para assistência terapêutica e incorporação de tecnologias em saúde no âmbito do SUS.

Observou-se que a via judicial se mostrou efetiva para se requerer bens e/ou serviços em saúde no Piauí, particularmente o acesso a medicamentos. A maioria dos medicamentos solicitados estava padronizada no SUS, o que corrobora a hipótese de a judicialização buscar um direito já reconhecido e incorporado em políticas públicas de saúde3737 Vieira FS, Zucchi P. Distorções causadas pelas ações judiciais à política de medicamentos no Brasil. Rev Saude Publica 2007; 41(2):214-222.,4444 Schulze CJ, Gebran Neto JP, organizadores. Direito à saúde: análise à luz da judicialização. Porto Alegre: Verbo; 2013. mas não devidamente implementado.

No presente estudo, apenas hanseníase e leishmaniose visceral tiveram registro, porém apresentando poucas demandas, o que revela o caráter de grande negligência com essas pessoas acometidas e suas famílias. Trata-se de doenças ligadas a condições de vulnerabilidade social, mais detectadas entre as camadas mais pobres da sociedade brasileira e do Piauí.

O presente estudo constatou que grande parte dos medicamentos requeridos já era aprovada pela Anvisa, reflexo de a obrigatoriedade de aprovação pela agência ter base legal e constar da Recomendação nº 31 do CNJ1313 Biehl J, Socal MP, Amon JJ. The judicialization of health and the quest for State accountability: evidence from 1,262 lawsuits for access to medicines in Southern Brazil. Health Hum Rights 2016; 18(1):209-220.,1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014.,2828 Machado MAA, Acurcio FA, Brandão CMR, Faleiros DR, Guerra AA, Cherchiglia ML, Andrade EIG. Judicialização do acesso a medicamentos no estado de Minas Gerais, versil. Rev Saude Publica 2011; 45(3):590-598.,3333 Oliveira YMC, Braga BSF, Farias AD, Vasconcelos CM, Ferreira MAF. Judicialization of access to medicines: analysis of lawsuits in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00174619.. Outro aspecto relevante evidenciado foi que a maioria das prescrições médicas era oriunda do sistema público de saúde, corroborando outros estudos1515 Chieffi AL, Barata RB. "Judicialization" of public health policy for distribution of medicines. Cad Saude Publica 2009; 25(8):1839-1849.,3737 Vieira FS, Zucchi P. Distorções causadas pelas ações judiciais à política de medicamentos no Brasil. Rev Saude Publica 2007; 41(2):214-222. e contrário a investigações realizadas no Estado do Rio Grande do Norte3333 Oliveira YMC, Braga BSF, Farias AD, Vasconcelos CM, Ferreira MAF. Judicialization of access to medicines: analysis of lawsuits in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00174619. e no Ceará1818 Nunes CFO. A judicialização do direito à saúde no estado do Ceará, Brasil: cenários e desafios [dissertação]. Ceará: Universidade Federal do Ceará; 2014., que tiveram maior frequência de prescrições a partir do setor privado.

A concentração de requerimentos medicamentosos para tratar doenças crônico-degenerativas, particularmente neoplasias, condiz com o processo de transição epidemiológica e demográfica ainda em consolidação no país e no estado, que traz consigo desafios críticos para a efetivação da atenção integral em linhas de cuidado no SUS.

A existência de grande número de prescrições alternativas não contempladas no protocolo-padrão para o tratamento das doenças demandadas remete à existência de listas oficiais de medicamentos desatualizadas, de forma que pode haver falhas nas escolhas vigentes. Contudo, não se descarta a hipótese de que a judicialização da saúde possa favorecer as indústrias farmacêuticas na busca por novos mercados para produtos44 Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e proposta de solução. Brasília: Conselho Nacional de Justiça/Insper; 2019. [acessado 2022 abr 7]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/03/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf,1515 Chieffi AL, Barata RB. "Judicialization" of public health policy for distribution of medicines. Cad Saude Publica 2009; 25(8):1839-1849..

Conclusões

O estudo foi inédito por trazer achados de processos de judicialização do direito à saúde em DTNs, ressaltando a importância de desenvolvimento em pesquisas nas regiões Norte e Nordeste do país, áreas com maior desigualdade social e de grande endemicidade para a hanseníase, evidenciando a importância da elaboração de propostas que promovam um alinhamento aos objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, especificadamente seu tópico nº 3, em prol da saúde e bem estar da população4545 Organização das Nações Unidas (ONU). Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília: ONU; 2015.. A judicialização do direito à saúde pública é expressiva e crescente no Piauí. O perfil das demandas de saúde traduz um fenômeno não uniforme, que se refere a itens regulamentados e previstos no SUS, demandando rediscutir os caminhos para efetivar as políticas públicas de saúde como elemento central para a garantia de direitos. É preciso que a gestão executiva revise as falhas prestacionais, sobretudo o desabastecimento de medicamentos constantes nas listas do SUS.

Ressalta-se que a inexpressiva demanda relacionada a DTNs pode traduzir limitação de acesso não apenas à saúde, mas ao poder Judiciário, o que pode ratificar a existência de vulnerabilidade social ampliada.

O estudo contribui para o reconhecimento crítico-reflexivo dos desafios associados à judicialização no Piauí. Busca desenvolver soluções integradas e intersetoriais para o problema, capazes de fomentar o fortalecimento de políticas públicas inclusivas e pautadas na justiça social, o que inclui a melhoria de acesso a um serviço rápido, justo e preciso para população em geral, com ênfase na equidade.

O amplo escopo desse estudo e o minucioso processo de reconhecimento, revisão e análise de processos proporcionaram, pela primeira no estado do Piauí, uma perspectiva fundamentada do processo de judicialização em saúde, bem como sua relação com os casos de DTNs.

Finaliza-se apontando oportunidades de estudos futuros que aprofundem os aspectos da interface entre a saúde coletiva, os direito fundamentais, a economia do direito e a governança pública, por exemplo: a possível relação entre a judicialização da saúde e o desabastecimento, as repercussões do fenômeno no planejamento estratégico do Executivo, possíveis soluções para ganho de efetividade das políticas públicas de saúde, a maior participação de mulheres como demandantes, a baixa frequência de DTNs e os motivos das reformas das sentenças pelos tribunais.

Referências

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  • Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) pelo Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP). NRN Andrade foi bolsista de mestrado da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Ceará (FUNCAP-CE). AF Ferreira é bolsista de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). FJ Araújo Filho é bolsista de mestrado da CAPES. NA Ramos Jr é bolsista de produtividade em pesquisa nível 2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jan 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2022
  • Aceito
    25 Jul 2022
  • Publicado
    27 Jul 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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