Vigilância e elevada cobertura vacinal: como Portugal superou o colapso e retomou o controle da pandemia

Resumo

As incertezas sobre a COVID-19 requerem avaliação das respostas nacionais, visando identificar sucessos e fracassos no seu controle. Este artigo analisou a resposta portuguesa, particularmente a contribuição dos seus sistemas de saúde e de vigilância no enfrentamento à pandemia. Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, sendo incluídas consultas a observatórios, documentos e sites institucionais. A resposta portuguesa foi ágil e revelou uma coordenação técnica e política unificada. Contou com estrutura de vigilância e uso de telemedicina. A reabertura foi amparada na alta testagem, baixa positividade e regras rígidas. Contudo, o relaxamento das medidas a partir de novembro/2020 resultou em aumento de casos com colapso do sistema de saúde. A resposta a esta situação envolveu estratégia de vigilância consistente, com instrumentos de monitoramento inovadores, que, aliados à alta adesão da população à vacinação, levaram à superação daquele momento e mantiveram baixos índices de hospitalizações e óbitos em novas ondas. Nesse sentido, o caso português evidenciou os riscos de recrudescimento com a flexibilização, a exaustão da população em relação a medidas restritivas e novas variantes, mas também a importância da articulação entre a coordenação técnica, a esfera política e o comitê científico.

Palavras-chave:
Sistemas de saúde; Vigilância em saúde; Portugal; COVID-19

Abstract

The uncertainties about COVID-19 require evaluating national responses to identify successes and failures in the pandemic control. This article analyzes Portugal´s response, particularly the contribution of its health and surveillance systems in dealing with the pandemic. An integrative literature review was conducted, including consultations of observatories, documents, and institutional websites. Portugal´s response was agile and showed unified technical and political coordination, including surveillance structure using telemedicine. The reopening was supported by high testing and low positivity rates and strict rules. However, the relaxation of measures as of November/2020 resulted in an increase in cases, collapsing the health system. The response involved a consistent surveillance strategy with innovative monitoring tools, which, combined with high population adherence to vaccination, led to overcoming that moment and kept hospitalization and death rates at new disease waves at low levels. Thus, the Portuguese case discloses the risks of disease resurgence with the flexibility of measures and the population´s exhaustion in the face of restrictive measures and new variants, but also the importance of articulation between technical coordination, the political sphere, and the scientific committee.

Key words:
Health systems; Health surveillance; Portugal; COVID-19

Introdução

Em dezembro de 2019, em Wuhan, China, foi detectado um novo coronavírus, o SARS-CoV-2¹, que rapidamente espalhou-se pelo país². Diante do potencial de disseminação da COVID-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou emergência de saúde pública de importância internacional em 30 de janeiro de 2020, e pandemia em 11 de março do mesmo ano³.

Medidas rigorosas e ágeis do governo chinês para controlar a propagação da COVID-19 possibilitaram ganhar tempo e ajustar estratégias de enfrentamento do quadro sanitário. Tais medidas revelaram-se bem-sucedidas e recomendáveis para serem adotadas por outras nações².

Na Europa, os primeiros casos de COVID-19 foram notificados na França em 24 de janeiro de 2020⁴. E, em março, o continente já era o epicentro da pandemia^4,5, com colapso do sistema de saúde de países como Itália e Espanha^6,7.

As polêmicas sobre as melhores estratégias a serem adotadas⁸, ao lado das dificuldades de alguns países para conter e mitigar a pandemia, especialmente no primeiro ano, resultaram em elevada produção científica na busca de evidências que pudessem orientar as ações de saúde com base nas melhores práticas. Além das demandas no âmbito da terapêutica, das vacinas e outros imunobiológicos ou da produção de insumos específicos, a forma de condução das ações estatais também tem sido analisada por especialistas^9,10.

Com o advento da imunização em massa, verificou-se redução na mortalidade e gravidade dos casos¹¹, com o retorno às atividades habituais na maioria dos países. Contudo, a desigualdade na distribuição de vacinas levou ao surgimento de novas variantes, que tem resultado em recrudescimento da pandemia em vários países¹¹.

A síntese da extensa bibliografia sobre as várias respostas à pandemia por diferentes países é necessária não apenas para sistematização das ações a serem priorizadas no seu curso, mas, sobretudo, como aprendizado para futuras pandemias virais. Embora as análises comparadas sejam relevantes e necessárias, estudos de caso exemplares permitem investigação em maior profundidade de algumas dimensões das respostas governamentais.

As investigações sobre os casos de Coreia do Sul, China e Singapura apontam a importância de um sistema de vigilância efetivo, aí incluído o isolamento de casos, adequado rastreamento e quarentena de contatos^6,12,13. Também as lições aprendidas com epidemias anteriores (SARS, MERS) nesses países possibilitaram o aprimoramento do sistema de vigilância^6,12,14. Para detecção oportuna de casos, os países ampliaram a capacidade de testagem e introduziram formas organizacionais emergenciais, a exemplo dos centros de testes drive-thru^6,14. O distanciamento físico também é apontado como medida de impacto, principalmente antes da introdução das vacinas, em países que implementaram respostas de sucesso à pandemia¹⁵.

Embora alguns estudos analisem a resposta de Portugal como bem-sucedida, o país tem sido pouco incluído em análises comparadas^10,16,17. Após o registo dos primeiros casos de COVID-19 em 2 de março de 2020 e a primeira morte 15 dias depois, a contenção da primeira onda ocorreu em cerca de 45 dias⁴. Mesmo com a retomada das atividades em maio de 2020, alcançou a marca de nenhum óbito em 3 de agosto do mesmo ano¹⁸. Esse rápido controle inicial evoluiu para o colapso do sistema em um segundo momento, que levou a aprendizado, desenvolveu tecnologias informacionais inovadoras e voltou a obter um controle sobre a pandemia. Destaca-se a importância de sistematizar o conhecimento produzido acerca da resposta em Portugal, ressaltando que o país havia enfrentado um período de austeridade fiscal com impacto em seu sistema de saúde¹⁹.

Este artigo analisa as medidas adotadas no enfrentamento à COVID-19 pelo governo português e as características dos seus sistemas de saúde e vigilância, com o objetivo de identificar as principais razões para o desempenho observado e os erros e acertos que podem conformar recomendações para outras nações.

Métodos

Foi realizada uma revisão integrativa, adaptada da proposta de Whittemore e Knafl (2005)²⁰, da resposta portuguesa à pandemia de COVID-19. Por meio do Portal Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (https://www.periodicos.capes.gov.br/), foi efetuada busca de artigos publicados entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021 nas bases Web of Science, Science Direct, Scopus e PubMed Central. Em todas as bases, utilizou-se a combinação (operador booleano “and”) dos descritores “Portugal” e “COVID-19” com “health system”, “national response”, “surveillance”, aplicando a restrição da busca a título, resumo e palavras-chave. Os 197 artigos (em inglês e português) foram lançados no aplicativo Web Rayyan para seleção em formato “duplo cego”, envolvendo dois pesquisadores. As situações de conflito foram discutidas pelos dois pesquisadores até o estabelecimento de consenso. Após identificação das duplicatas e leitura dos títulos e resumos, foram excluídos 167 artigos, sendo 30 artigos lidos na íntegra. Foram excluídos relatórios, artigos de opinião e aqueles que não tratavam da resposta portuguesa à COVID-19 (Figura 1). Foram selecionados dez artigos que atendiam aos objetivos do estudo (Quadro 1).

Quadro 1
Artigos sobre a resposta portuguesa à pandemia de COVID-19 selecionados a partir da busca bibliográfica (janeiro de 2020 a dezembro de 2021).

Autores	Título	Periódico/Ano
Ares-Blanco S, Astier-Peña M, Gómez-Bravo R, Fernández-García F, Bueno-Ortiz M.	El papel de la atención primaria en la pandemia COVID-19: una mirada hacia Europa.	Atencion Primaria 2021; 53(8):102134.
Aristodemou K, Buchass L, Claringbould D.	The COVID-19 crisis in the EU: the resilience of healthcare systems, government responses and their socio-economic efects.	Eurasian Economic Review 2021; 11:251-281.
Correia PMAR, Mendes IO, Pereira SPM, Subtil I.	The combat against COVID-19 in Portugal: how state measures and data availability reinforce some organizational values and contribute to the sustainability of the National Health System.	Sustainability 2020; 12:7513.
Kuhlmann E, Brînzac MG, Burau V, Correia T, Ungureanu MI.	Health workforce protection and preparedness during the COVID-19 pandemic: a tool for the rapid assessment of EU health systems.	European Journal of Public Health 2021; 31(Suppl. 4):iv14-iv20.
Odone A, Gianfredi V, Sorbello S, Capraro M, Frascella B, Vigezzi GP, Signorelli C.	The use of digital technologies to support vaccination programmes in Europe: state of the art and best practices from experts’ interviews.	Vaccines 2021; 9(10):1126.
Queiroz G, Sá R, Matos J, Carmo S, Ferreira JD, Pinho-Bandeira T, et al.	Cordon sanitaire, a necessary evil? Evaluation of non-pharmacological interventions against COVID-19 in Ovar, Portugal.	Acta Biomed. 2021; 92(Suppl. 6):e2021459.
Raposo VL, Violante T.	Access to health care by migrants with precarious status during a health crisis: some insights from Portugal.	Human Rights Review 2021; 22:459-482.
Ricoca Peixoto V, Vieira A, Aguiar P, Carvalho C, Rhys Thomas D, Abrantes A.	Initial assessment of the impact of the emergency state lockdown measures on the 1st wave of the COVID-19 epidemic in Portugal.	Acta Med Port 2020; 33(11):733-741.
Simões J, Magalhães JPM, Biscaia A, da Luz Pereira A, Augusto GF, Fronteira I.	Organisation of the State, model of health system and COVID‐19 health outcomes in six European countries, during the first months of the COVID‐19 epidemic in 2020.	Int J Health Plann Mgmt. 2021; 36(5):1874-1886.
Waitzberg R, Hernández-Quevedo C, Bernal-Delgado E, Estupiñán-Romero F, Angulo-Pueyo E, Theodorou M, et al.	Early health system responses to the COVID-19 pandemic in Mediterranean countries: A tale of successes and challenges.	Health Policy 2022; 126(5):465-475.

• Fonte: Autores.

Figura 1
Número de artigos sobre a resposta portuguesa à COVID-19 identificados e selecionados a partir das estratégias de busca nas bases selecionadas.

Para caracterização do país, seus sistemas de saúde e vigilância, foram consultados observatórios de sistemas de saúde e documentos governamentais. Dados relativos à evolução da pandemia foram extraídos do Our World in Data⁴ e do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) (https://www.ecdc.europa.eu/), e utilizadas informações do Observatório Português de Sistemas de Saúde (https://opss.pt/), dos boletins e documentos da Direção-Geral de Saúde (https://covid19.min-saude.pt/), do Instituto Nacional de Estatística (https://www.ine.pt/) e do site PORDATA (https://www.pordata.pt/).

Foi feita uma síntese das informações em três dimensões: características do país; características do sistema de saúde (Quadro 2); evolução da pandemia e medidas adotadas (Figura 2 e Quadro 3), buscando reunir elementos que permitissem compreender as condições relacionadas ao sistema de saúde e ao modelo de vigilância para o desempenho do país no enfrentamento à pandemia de COVID-19.

Quadro 2
Infraestrutura de assistência à saúde pré-existente à pandemia de COVID-19, Portugal, 2019.

Descrição	Infraestrutura preexistente
Cuidados de saúde primários (CSP)
Unidades Assistenciais da Rede	1.173 (564 USF; 345 UCSP; 264 UCC)30
Cobertura APS	UCC = 95,9% da população, USF = 62,3% dos inscritos nos CSP30
Atenção hospitalar
Hospitais	238 hospitais: 111 hospitais públicos ou parceria público-privada que integravam o SNS e 127 privados31
Leitos gerais hospitalares	3,5/1.000 hab. (36.064 leitos em 2019), sendo 67,9% em hospitais públicos ou parcerias público-privadas do SNS31
Força de trabalho
Médicos	5,4/1.000 hab.31
Enfermeiros	7,4/1.000 hab.31
Serviços de apoio a diagnóstico
Laboratórios	A Rede Portuguesa de Laboratórios para Diagnóstico da Gripe foi constituída em 2009, após a emergência do vírus influenza A(H1)pdm09. Em 2019, era constituída por 18 laboratórios, sob coordenação do Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe do Departamento de Doenças Infeciosas do INSA33.
Sistema de vigilância
Rede Médicos-Sentinela (RMS)	Coordenada pelo Departamento de Epidemiologia do INSA, é composta por médicos de medicina geral e de família lotados nos centros de saúde e recrutados voluntariamente para realizarem as notificações dos eventos de saúde - 159 médicos foram registrados na rede em 201734.
Serviços de Urgência à Saúde (SUS)	Serviços que participam de forma complementar a RMS, especialmente onde não tem serviço da rede. Funciona durante o período da Vigilância Integrada e depende da participação voluntária dos profissionais de saúde que notificam e enviam produtos biológicos (Centro Nacional de Vigilância)35.
Laboratório	O Centro Nacional de Controle da Vigilância de um determinado evento envia aos participantes na vigilância integrada o material necessário para as coletas de amostras e operacionaliza o reenvio dos produtos ao laboratório. Os resultados das análises são enviados à OMS e ao Sistema Europeu de Vigilância do Evento35.
Divulgação da informação	Boletins de vigilância epidemiológica elaborados com base na informação clínica e laboratorial e divulgados no site do Observatório Nacional de Saúde, (www.onsa.pt) bem como no site da DGS (www.dgsaude.pt)35.

• Legenda: Unidades de Saúde Familiar - USF; Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados - UCSP; Unidades de Cuidados na Comunidade - UCC; APS - Atenção Primária à Saúde, CSP - Cuidados de Saúde Primários; RMS - Rede Médicos-Sentinela; Serviços de Urgência à Saúde (SUS).
• Fonte: Autores.

Quadro 3
Linha do tempo com síntese de medidas e marcos temporais.

Data	Fatos
22/01/2020	DGS colocou três hospitais (São João no Porto e Curry Cabral e Estefânia em Lisboa), em estado de alerta
Fevereiro/ 2020	Ampliação de 20% no estoque de medicamentos de todo SNS e divulgação das orientações e regras de contingenciamento de casos suspeitos para empresas, portos e viajantes de via marítima.
26/02/2020	DGS passou a publicar diariamente boletins informativos com o monitoramento dos casos suspeitos, ação prevista pelo sistema de vigilância português
02/03/2020	Dois primeiros casos confirmados no país
09/03/2020	Divulgação do Plano Nacional de Contingência, tendo como referência as orientações da OMS e do ECDC, e as experiências do enfrentamento às pandemias anteriores
01 a 15/03/2020	Criação de hospitais de campanha, instituição de medidas de distanciamento físico, como teletrabalho, elaboração de planos de contingência locais para casos suspeitos, fechamento de universidades, museus, teatros, atividades desportivas e demais tipos de eventos
11/03/2020	Declaração da pandemia pela OMS
13/03/2020	Declaração de situação de alerta (até 09/04)
16/03/2020	Fechamento de fronteiras e restrição de tráfego aéreo
17/03/2020	Primeiro óbito por COVID-19
18/03/2020	Declaração de estado de emergência (até 03/05)
04/05/2020	Declaração de situação de calamidade, contingência e alerta
04/05/2020	Início do Plano de Desconfinamento em 3 fases (04/05, 18/05 e 01/06)
03/08/2020	Zero óbitos por COVID-19
01/09/2020	Disponibilização do aplicativo Stay Away COVID
21/09/2020	Divulgação do Plano de Saúde Outono-Inverno 2020-2021
09/11/2020	Declaração de estado de emergência (até 30 de abril de 2021)
03/12/2020	Plano Nacional de Vacinação
05/01/2021	Início da vacinação no país
08/01/2021	70 mil doses de vacina administradas
12/01/2021	Aumento de número de novos casos em todos os grupos etários
18/01/2021	Anúncio de medidas de confinamento mais restritivas
21/01/2021	Suspensão das atividades letivas durante 15 dias a partir de 22/01
25/01/2021	Mais de 160 mil pessoas vacinadas, em um total de 255.700 doses
28/01/2021	Atualização do Plano de Vacinação
13/03/2021	Divulgação da estratégia de vigilância Linhas Vermelhas, aprovada pelo governo em 11/03/2021
13/03/2021	Resolução do Conselho de Ministros nº 19/2021, de 13 de março, estabelece uma estratégia de levantamento de medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia da doença COVID-19
03/04/2021	Publicação do 1° relatório de monitorização das Linhas Vermelhas pela DGS e INSA
05/04/2021	2a Fase do plano de desconfinamento
19/04/2021	Plano de Promoção da Operacionalização da Estratégia de Testagem em Portugal - SARS-CoV-2, pautado em três eixos de intervenção: testagem dirigida, programada e generalizada.
22/04/2021	Plano de recuperação e resiliência (PRR): programa nacional, execução até 2026, que pretende implementar um conjunto de reformas e investimentos para a retomada do crescimento econômico sustentado, pautado em três dimensões: resiliência, transição climática e transição digital. O PRR prevê investimentos no SNS da ordem de 1.383 milhão de euros
26/04/2021	Zero óbitos por COVID-19
29/04/2021	Zero óbitos por COVID-19
01/05/2021	Declaração do estado de calamidade
23/06/2021	Divulgação do Manual de a Literacia em Saúde e Comunicação para promover a adesão da população à vacinação
01/07/2021	Testes rápidos coparticipados a 100%
23/08/2021	Declaração de situação de contingência (até 30/09/2021)
13/09/2021	Nova orientação sobre a utilização de máscaras, mais adaptada à atual fase de cobertura vacinal e a uma situação epidemiológica
09/10/2020	85% da população com vacinação completa
22/10/2021	Divulgação do Referencial Outono-Inverno 2021-2022
01/10/2021	Declaração de estado de alerta (até 31/10/2021)
01/12/2021	Declaração de estado de calamidade (até 20/03/2022, inicialmente)
15/12/2021	Regime transitório desobrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos
22/12/2021	Parlamento aprova uma resolução que recomenda ao governo o reforço da estrutura de saúde pública no país
19/02/2022	Declaração de estado de alerta (até 07/03/2022)

• Fonte: Autores.

Figura 2
Evolução da média de sete dias de novos casos e óbitos por milhão de habitantes, internamentos em unidades de cuidados intensivos por milhão de habitantes, e principais medidas e variantes de preocupação, Portugal, março/2020 a fevereiro/2021 (A) e março/2021 a fevereiro/2022 (B).

Resultados

Caracterização do país e sua população

Portugal é um estado unitário com duas regiões autônomas (Açores e Madeira)²¹; tem uma área de 92.212 Km² e 10,3 milhões de habitantes, sendo o quarto país com maior população idosa na União Europeia (UE). Com sistema de governo semipresidencialista a partir de 1974, vem consolidando sua democracia com base em um forte sistema de proteção social²², ainda que ameaçado pela crise econômica e pela política de austeridade fiscal nas duas primeiras décadas dos anos 2000¹⁹.

Depois da crise econômica entre 2010 e 2014 e a retomada do crescimento econômico a partir de 2015, o PIB per capita variou de €17.350,1 (2015) para €20.840,9 (2019)²³. Entre 2015 e 2019, apresentou redução na taxa de desemprego, variando de 12,9% para 6,6%, respectivamente²³. Contudo, o país passou a ser mais desigual em 2020, com reflexos no aumento no coeficiente de Gini e na taxa de risco de pobreza, que corresponde à proporção da população com rendimento abaixo do limiar de pobreza estabelecido²⁴. A taxa de risco de pobreza, após transferências sociais, que havia atingido 17,2% em 2018, menor percentual desde 2003, chegou a 18,4% em 2020²⁴. O coeficiente de Gini foi de 0,33 em 2020 revelando crescimento de desigualdades em todas as regiões do país, exceto na Região Autônoma de Açores²⁴.

Sistema de saúde

O sistema de saúde, do tipo beveridgiano, é financiado primordialmente pelos impostos dos cidadãos e de acesso para todos os residentes no país. O Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado pela Lei nº 56, de 15 de setembro de 1979, garante o acesso universal, abrangente e gratuito, embora admita a cobrança de valores aos usuários para utilização de alguns serviços (taxas moderadoras)²⁵.

O SNS foi criado sob os princípios de controle centralizado e gestão descentralizada²¹, e organiza-se a partir da estrutura, do funcionamento e da gestão do Ministério da Saúde (MS), que define, conduz e financia a política nacional de saúde, regulamenta e inspeciona as atividades do SNS e do setor privado. A administração direta no âmbito do MS é composta por quatro instituições: Secretaria-Geral; Inspeção-Geral das Atividades em Saúde; Direção-Geral da Saúde (DGS); e Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. Conta ainda com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão consultivo em relação à política nacional de saúde²⁶.

A DGS, serviço central do MS, é dotada de autonomia administrativa, acompanha a situação epidemiológica nacional e, entre outras atribuições, é responsável por declarar os sistemas de alerta e coordenar a resposta nas situações de emergência de saúde pública²⁷. O país tem um dispositivo de saúde pública para situações de emergência, um mecanismo de gestão coordenado pela DGS que institui um Centro de Emergências em Saúde Pública, com representações de outras instituições estatais, incluindo aquelas ligadas ao MS, demais ministérios e autarquias, para a elaboração da estratégia de preparação e resposta²⁸. Esse dispositivo foi acionado para o enfrentamento à COVID-19, sendo criada uma força tarefa com três eixos de trabalho: avaliação (epidemiologia e estatística), gestão e comunicação de risco²⁹.

O SNS tem investido na atenção primária à saúde (APS) como ponto de acesso prioritário ao sistema³⁰. Em 2019, as 264 Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) abrangiam 95,9% da população residente no continente, e as 564 Unidades de Saúde Familiar (USF) garantiam a cobertura de 63,2% dos inscritos nos Cuidados de Saúde Primários (CSP)³⁰. Existiam 238 hospitais, deles, 111 integravam o SNS. O país contava com 36.064 leitos hospitalares, dos quais 67,9% em hospitais públicos ou em parceria público-privada. Para internamento nas unidades de cuidados intensivos (UCI), existiam 1.235 leitos, entre cuidados neonatais, pediátricos e internamento de adultos³¹. Antes da pandemia, o número de leitos em UCI era de 3,5/1.000 habitantes, baixo se comparado à média da UE, de 5,3³². O número de médicos vinha aumentando, enquanto o de enfermeiros estava abaixo da média da UE³². A rede de laboratórios contava com 18 unidades³³. O sistema de vigilância tem rede de médicos sentinela, serviços de urgência à saúde, laboratórios e instrumentos de divulgação da informação^34,35 (Quadro 2).

Evolução da epidemia e respostas do Estado português

Apesar dos dois primeiros casos terem sido confirmados em 2 de março de 2020⁴, o governo adotou medidas de preparação para o enfrentamento da crise sanitária desde janeiro desse ano^28,36 e, no final de fevereiro, passou a publicar diariamente boletins informativos com monitoramento de casos suspeitos.

Planos de preparação para o enfrentamento de pandemias anteriores foram adaptados para orientar a resposta inicial e a adoção de medidas de contingência³⁷. O Plano Nacional de Contingência seguiu as orientações da OMS e do ECDC e definiu níveis de alerta e resposta determinados pela evolução epidemiológica da infecção, pela avaliação de risco e pelo impacto para o país²⁸.

Portugal teve uma resposta firme e rápida. Logo após os primeiros casos, suspendeu eventos, fechou escolas, impôs restrições de viagens, fechou fronteiras e limitou atividades não essenciais³⁸. Houve coordenação política nessa atuação, sendo as decisões tomadas pelo presidente da república, em conjunto com o primeiro-ministro, respaldados pelo conselho de ministros, parlamento e instâncias técnicas da DGS.

Houve interdição do tráfego aéreo entre Portugal e países não integrantes da UE³⁹, e do desembarque de passageiros e tripulações de navios de cruzeiro nos portos⁴⁰. Passageiros de países que não integravam a UE eram autorizados exclusivamente para viagens essenciais, com teste laboratorial negativo³⁹. Houve limitação do trânsito interno no país, incluindo, por exemplo, um cordão sanitário por dois meses no município de Ovar devido ao surto logo nas primeiras semanas de março de 2020⁴¹.

O estado de emergência, declarado em 18 de março de 2020⁴², assegurou o controle do isolamento físico e a transgressão às novas regras foi considerada crime de desobediência civil.

Forças de segurança contribuíram para que as regras fossem cumpridas durante o bloqueio e a mídia difundiu informações para a comunidade, que também teve papel importante nessa adesão³⁸. Forças militares atuaram na criação dos hospitais de campanha e na colaboração do laboratório militar³⁸.

Durante o bloqueio, o país manteve creches e escolas abertas para acolher filhos de profissionais de serviços essenciais, inclusive do setor de saúde^21,43, uma medida de preparação e proteção da força de trabalho em saúde⁴³.

Esse conjunto de medidas relacionadas com o distanciamento físico resultaram em um elevado stringency index (SI), indicador proposto pela Universidade de Oxford para mensurar o rigor das políticas de restrição/lockdown adotadas pelos governos⁴⁴, que variou entre 82,41 e 87,96 no período de 19 de março a 3 de maio de 2020, um dos mais elevados dos países europeus⁴.

Buscando superar as dificuldades iniciais de obtenção dos equipamentos de proteção individual (EPI) e suprimentos médicos necessários, Portugal recorreu à aquisição centralizada de testes e EPI, e em seguida organizou-se para produzir EPI internamente³⁷. Também recebeu doações e empréstimos de ventiladores para ampliar a capacidade de leitos de UCI³⁷.

Na primeira onda da pandemia (primeiros meses de 2020), houve o crescimento de casos, mas sem “um pico de maior destaque”³⁸, e as medidas de contenção e mitigação implementadas de forma precoce e articulada contribuíram para a redução de morbidade grave e mortalidade nessa fase inicial^38,45 (Figura 2).

Ressalta-se a sintonia entre chefe de Estado, Parlamento e direção da DGS na condução de uma governança centralizada para coordenar a resposta nacional, em constante diálogo com um comitê científico de aconselhamento³⁷ e a nomeação de cinco secretários de Estado para executar o estado de emergência^21,38.

A pandemia exigiu adaptação dos profissionais de saúde e mudanças no processo de trabalho⁴³. Na fase inicial, a APS reduziu consultas presenciais de casos não COVID-19 e priorizou a vacinação infantil⁴⁶. Embora a APS não tenha assumido a realização do diagnóstico naquele momento, os médicos de família efetuavam o acompanhamento dos casos por aplicativo ou contato telefônico⁴⁶.

Em relação à força de trabalho, foi proibida a emigração de trabalhadores do SNS, estabelecido subsídio para a remuneração de médicos formados no exterior e em licenciamento e recebido apoio internacional para disponibilização de trabalhadores de saúde na fase mais crítica⁴³. A contratação de profissionais também foi simplificada, criou-se banco de estudantes²¹ e foi viabilizada a contratação de profissionais aposentados e inativos, pagamento de horas extras e cancelamento de licenças³⁷.

Foi criado um regime excepcional de autorização de despesas, permitindo gastos necessários em equipamentos, bens e serviços^21,47.

Imigrantes sem documentação foram credenciados temporariamente para atendimento pelo SNS. O governo concedeu direitos de residência temporária a todos os imigrantes e requerentes de asilo que haviam feito solicitação até 18 de março de 2020^37,48. O processo de regularização possibilitou tratamento igualitário aos estrangeiros e foi estabelecida a isenção dos custos dos serviços relacionados à COVID-19^37,48.

O primeiro desconfinamento foi iniciado em 4 de maio de 2020, mediante redução sustentada de internações e ocupação de leitos de UCI e ampliação da capacidade de testagem⁴⁹. A redução das medidas de confinamento, com manutenção de monitoramento e acompanhamento de dados epidemiológicos, seguiu um calendário com intervalo de 15 dias entre cada fase⁴⁹. Assim, gradualmente, medidas restritivas relacionadas a transporte público, trabalho, comércio, serviços públicos e atividades esportivas e culturais foram sendo flexibilizadas⁴⁹.

No início da pandemia, a testagem era restrita⁴, mas o rastreamento de contatos já era previsto²⁸. O esforço, com envolvimento da academia e também de laboratórios privados, possibilitou a ampliação da capacidade de testagem, uma das prioridades do país⁵⁰. Com capacidade inicial de realizar 10 mil testes/dia, a expectativa era chegar aos 21 mil testes diários⁵⁰. Em 23 de novembro de 2020, atingiu 4,3 milhões de testes PCR, com proporção de positividade de 15,9%⁵¹. Nesse mesmo mês, a taxa de letalidade global estava em 1,6%, e a taxa de letalidade acima dos 70 anos correspondia a 9,7%⁵¹.

Com cerca de 23,4% da população idosa, segundo resultados provisórios dos Censos 2021, grupo identificado como de risco logo de início, visitas às residências para idosos foram suspensas e retomadas em 18 de maio de 2020⁵².

Para além de uma população idosa proporcionalmente alta, a baixa capacidade de testagem no início e a disponibilidade de médicos, enfermeiros e leitos inferior à de outros países da UE configuravam fatores que comprometiam a capacidade de preparação de Portugal⁵³. Assim, o país acabou adotando medidas restritivas mais rigorosas, combinação também observada em outros países com sistemas de saúde considerados menos preparados⁵³.

Com a reabertura⁴⁹, o número de casos voltou a aumentar em junho de 2020, mas retomou a tendência decrescente, alcançando já na primeira semana de agosto o menor número de infecções desde março⁵⁴.

O aplicativo Stay Away Covid, para monitoramento de contatos, foi disponibilizado em setembro, com adesão voluntária³². Neste mesmo mês, considerando o possível aumento de casos de COVID-19, a sazonalidade da gripe e as necessidades de saúde da população, o MS publicou o plano de ação outono-inverno 2020-2021⁵⁵.

Na direção do desenvolvimento da e-Health, estratégias como Portal Web, aplicativos para smartphone, vídeos para promover campanhas de imunização, sistemas de lembrete por e-mail (sobre prazo de vacinação e consultas) e sistema de registros eletrônicos de imunização foram adotadas⁵⁶.

A telemedicina foi expandida e muito utilizada durante a pandemia³². A linha telefônica gratuita SNS 24 foi ampliada para incorporar ações de rastreio, acompanhamento, ações relativas à testagem e para criação da linha de apoio psicológico³².

Para o retorno das aulas, foram publicadas orientações para gestão de casos e surtos de COVID-19 e estabelecido que a autoridade de saúde local seria responsável por realizar inquéritos epidemiológicos em situações de surtos e determinar o fechamento das classes envolvidas ou da escola nas situações de risco elevado⁵⁷.

O crescimento rápido de casos e óbitos a partir de outubro de 2020 levou o país a declarar novo estado de emergência em novembro, quando foi registrado o maior número de casos daquele ano (média móvel de sete dias de 632,21 casos/milhão de hab.)⁴ (Figura 2). A entrada da variante alfa, mais transmissível, que em 22 de fevereiro de 2021 correspondia a 55% dos testes, ao lado da exaustão às medidas restritivas e da flexibilização, podem estar relacionados ao descontrole verificado a partir de 28 de janeiro de 2021, quando a média móvel de sete dias dobrou, atingindo 1.267,77 casos/milhão de hab. (Figura 2). Sem um controle efetivo, a segunda onda da pandemia resultou no colapso do sistema de saúde português³². A taxa de ocupação em UCI superava os 90% em hospitais da região Norte⁵⁶. Cabe ressaltar que, no início da pandemia, Portugal tinha uma capacidade hospitalar limitada, sendo o país europeu com menor número de leitos de UCI por 100.000 hab.⁵⁸, e mesmo duplicando os leitos de UCI entre março de 2020 e março de 2021, hospitais de algumas regiões ficaram sobrecarregados³².

A redução significativa de casos (média móvel de sete dias em torno de 50 casos/milhão de hab.) durante vários meses de 2021 relacionou-se com ao aumento nas restrições à mobilidade e às medidas de distanciamento físico entre janeiro-junho de 2021 (SI médio de 70,68, chegando a alcançar 87,93 no mês de março), à adesão da população a essas orientações, à adoção de critérios epidemiológicos para a reabertura e à estratégia das “Linhas Vermelhas”.

Essa estratégia de monitoramento e controle foi elaborada em março de 2021, considerando o êxito no enfrentamento da primeira onda e o colapso experimentado na segunda onda⁵⁹. Foram estabelecidos limites críticos de um conjunto de indicadores que, devidamente monitorados, pudessem orientar medidas a serem adotadas para cada momento da epidemia⁵⁹. Foram definidos três indicadores principais: incidência cumulativa em 14 dias por 100.000 habitantes; número de reprodução efetivo da infecção em tempo real-Rt; número de leitos de UCI ocupados por doentes de COVID-19. Além de quatro indicadores secundários: percentagem de positivos entre as amostras testadas (positividade); percentagem de casos e contatos isolados e rastreados nas primeiras 24 horas após a notificação; percentagem de casos confirmados notificados com atraso; aparecimento e propagação de variantes de preocupação (VDP)⁵⁹.

É importante registrar que a DGS e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) divulgavam sistematicamente em seus sites relatórios de monitoramento da situação epidemiológica, com detalhamento dos valores observados para os indicadores das “Linhas Vermelhas”. A vigilância genômica, desenvolvida pelo INSA com apoio de laboratórios públicos, privados e instituições acadêmicas, também representou uma importante ferramenta no enfrentamento da pandemia⁶⁰.

Em meio à segunda onda, Portugal deu início à vacinação em 5 de janeiro de 2021⁶¹. O Plano de Imunização estabelecia prioridades segundo grupos de doenças, risco de exposição, idade e atuação em serviços essenciais⁶².

As dificuldades globais quanto à disponibilidade de vacinas determinaram um processo inicialmente mais lento, levando o país a acionar a força tarefa para acelerar o processo de imunização³². A aceitação dos portugueses à vacina, atrelada aos esforços da gestão com vistas a aumentar taxas de imunização, contribuiu para que a marca de 70% da população vacinada com duas doses, percentual bem superior aos 48% da Europa, fosse ultrapassada já no final de agosto de 2021^4,32, chegando a 85% início de outubro (Quando 3).

A redução das medidas restritivas e a circulação da variante delta levaram ao aumento de casos entre maio-junho de 2021, podendo ser considerada uma terceira onda (Figura 2). Nesse caso, os percentuais significativos de vacinação podem explicar a proporção de óbitos em relação ao número de casos inferior ao observado nas ondas anteriores (Figura 2).

No final de 2021 houve recrudescimento da pandemia, levando o país a declarar estado de calamidade em 1º de dezembro⁶³. A quarta onda pandêmica, com a introdução da variante ômicron em novembro de 2021, resultou na ocorrência muito elevada de casos (média móvel de sete dias alcançou 6.105,81casos/milhão de hab. em 31 de janeiro de 2022), que, como na terceira onda, também não correspondeu a um aumento de mesma magnitude em hospitalizações e óbitos (Figura 2).

Discussão

Pode-se afirmar que Portugal teve quatro momentos de destaque no controle à pandemia: a) o rápido controle durante a primeira onda, achatando a curva e poupando o sistema nacional de saúde; b) o momento do descontrole, com elevada mortalidade e colapso do sistema de saúde; c) o estabelecimento de uma estratégia de vigilância robusta para o monitoramento e controle da COVID-19 no território nacional; e d) a adequada e tempestiva ampliação da cobertura vacinal.

O desempenho observado durante a primeira onda tem sido avaliado como positivo^21,37,38,45 e resultou em um número de óbitos^38,45, casos novos, internação em UCI e ocupação dos leitos hospitalares inferiores às projeções fundamentadas em dados iniciais⁴⁵. A análise do excesso de mortalidade por ondas, em comparação com países europeus vizinhos, confirma essa avaliação. Na primeira onda, Portugal teve o menor percentual de excesso de mortalidade (18%), em comparação com Espanha (156%), Itália (68%) e França (61%). Contudo, na segunda onda, a situação se inverteu e Portugal liderou entre os quatro países vizinhos, com 72%, seguido pela Espanha com 22%, Itália e França com 11%⁴. Como explicações para o êxito no controle da primeira onda e posteriormente ao período de colapso e sua recuperação, têm sido apontados os seguintes aspectos: coordenação da gestão viabilizada por meio da articulação entre Executivo e Parlamento, com colaboração das diferentes entidades envolvidas na gestão de crise (governos locais, hospitais, forças militares, mídia e pesquisadores)³⁸; existência de um sistema de saúde centralizado³⁷; e adesão da população ao cumprimento das diretrizes de isolamento social^38,45,64. A gestão da crise tem sido ainda qualificada como firme^38,53 e rápida^38,45.

O fato de a pandemia ter chegado em Portugal mais de um mês após o primeiro caso europeu pode ter influenciado na percepção de risco pela população, contribuindo para a adoção de comportamentos preventivos^37,64. Contudo, isso pode ter implicado complicações nos cuidados de rotina e na situação financeira⁶⁴.

A participação da APS na resposta à pandemia diferiu entre os países⁴⁶ e, no caso de Portugal, considerando a boa cobertura de cuidados de saúde primários, havia possibilidades de conferir a este nível de atenção um papel mais central. Por outro lado, a vigilância epidemiológica, especialmente após a segunda onda, campanhas de conscientização e prevenção e uma comunicação transparente foram alguns dos aspectos priorizados^38,46, ilustrando a relevância da conveniência da integração entre APS, vigilância e comunicação social em saúde. Portugal é um exemplo de boas práticas na gestão de crises pandêmicas com destaque para valores organizacionais como legalidade, transparência governamental, valorização da cidadania, eficiência, eficácia e sustentabilidade³⁸.

Entre as consequências mundiais da COVID-19, o elevado crescimento do desemprego é destacado pela Organização Internacional do Trabalho. Estima-se declínio do PIB para 2020 na ordem de 6,9% em Portugal, um impacto econômico entre os mais elevados. Em abril de 2020, o número de desempregados em 74 municípios era mais do que o dobro do registrado em abril de 2019⁶⁵.

Medidas como quarentena e distanciamento físico, fechamento das fronteiras e/ou a limitação da entrada de estrangeiros, embora efetivas para a mitigação da pandemia, geram implicações econômicas, em especial pela contribuição do turismo para a economia portuguesa⁶⁵, e portanto deverão ser acompanhadas.

O presente estudo contribui para a compreensão da resposta portuguesa à pandemia e aponta sucessos e fracassos a serem considerados por outras nações em futuras crises sanitárias. No entanto, por basear-se em uma revisão, apresenta limites. Desse modo, é recomendável a realização de outras investigações que possam estabelecer estratégias metodológicas comparativas capazes de explicar o como e o porquê das diferenças nas respostas à pandemia entre países, incluindo Portugal.

A resposta portuguesa à COVID-19 mostrou que a estabilidade política contribuiu para a criação de consenso na implementação de medidas de controle aprovadas pela população. Por outro lado, a existência de um Sistema Nacional de Saúde com caráter público correspondeu não apenas a uma infraestrutura preexistente, mas a uma capacidade de planejar e executar a vigilância epidemiológica requerida, bem como o cuidado hospitalar aos casos graves. Outro aspecto diz respeito à agilidade na adoção das medidas para o combate à pandemia. A preparação foi iniciada dois meses antes do primeiro caso, sempre com transparência em relação à vigilância e ao monitoramento de casos e suspeitos. A adesão à estratégia test-track-trace levou o SNS a realizar muitos testes, de forma direcionada a identificar os contatos.

Por outro lado, o recrudescimento da pandemia que configurou a segunda onda mostra que a situação sanitária requer constante vigilância. A despeito de ter havido preparação para uma possível segunda onda, verificou-se demora na adoção de medidas relacionadas ao distanciamento físico, possivelmente devido ao impacto econômico delas decorrente. Os acertos durante a primeira onda não impediram que o país vivenciasse o colapso do seu sistema de saúde na segunda onda, mas resultaram em aprendizado com a adoção das “Linhas Vermelhas” e dos esforços na implementação da vacinação. Embora a situação epidemiológica deva ser monitorada de perto, tendo em vista as incertezas em relação aos desdobramentos dessa crise sanitária, Portugal demonstrou a importância da adoção de medidas político-administrativas articuladas e tecnicamente bem fundamentadas.

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• Financiamento

  Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo nº 401.744/2020-5.

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Maio 2023
• Data do Fascículo
  Maio 2023

Histórico

• Recebido
  03 Jul 2022
• Aceito
  09 Jan 2023
• Publicado
  11 Jan 2023