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Tendência temporal dos homicídios de mulheres nos estados da região Sudeste do Brasil, de 2007 a 2019

Timeline trend of homicides of women in the states of the Southeast region of Brazil between 2007 and 2019

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a tendência temporal de homicídios de mulheres no período de 2007 a 2019, na região Sudeste do Brasil. Trata-se de um estudo ecológico misto dos homicídios em mulheres, de 2007 a 2019, considerando-se como unidade de análise os anos do estudo e os estados que compõem a região Sudeste. Os dados foram obtidos via Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e tabulados pelo TABNET. Empregou-se o modelo de regressão de Prais-Winsten para verificação de tendência de homicídios. Foram registrados 18.415 homicídios de mulheres entre 2007 e 2019 na região Sudeste. Cerca de 9.691 (53,64%) eram mulheres pretas, 5.118 (27,80%) com escolaridade de 4 a 7 anos e 10.841 (58,87%) solteiras. As variações percentuais anuais foram: São Paulo -3,73; IC95% [-6,09; -1,32], Espírito Santo -5,67; IC95% [-7,11; -4,21], Rio de Janeiro -3,86; IC95% [-9,54; 2,17] e Minas Gerais -2,11; IC95% [-4,87; 0,73]. São Paulo e Espírito Santo apresentaram taxas de homicídios de mulheres decrescentes, enquanto Minas Gerais e Rio de Janeiro taxas estacionárias. As maiores taxas de homicídio no período ocorreram em mulheres solteiras, pretas e com escolaridade de quatro a sete anos. Faz-se necessária a construção de redes sociais que viabilizem a proteção integral das mulheres.

Palavras-chave:
Homicídio; Mulheres; Brasil; Estudos de séries temporais; Epidemiologia

Abstract

The scope of this article is to analyze the timeline trend of homicides of women between 2007 and 2019, in the Southeast region of Brazil. It is a mixed ecological study of homicides in women, from 2007 to 2019, considering the years of the study and the states that that make up the Southeast region as the unit of analysis. The data were obtained via the Mortality Information System (SIM) and tabulated by TABNET. The Prais-Winten regression model was used to verify the homicide trend. There were 18,415 homicides of women between 2007 and 2019 in the Southeast region. A total of 9,691 (53.64%) were black women, 5,118 (27.8%) had 4 to 7 years of schooling and 10,841 (58.87%) were single. The annual percentage variations were: São Paulo -3.73 ; 95%CI [-6.09; -1.32], Espírito Santo -5.67 ; 95%CI [-7.11;-4.21], Rio de Janeiro -3.86; 95%CI [-9.54; 2.17] and Minas Gerais -2.11 ; 95%CI [-4.87; 0.73]. São Paulo and Espírito Santo presented decreasing homicide rates for women, while Minas Gerais and Rio de Janeiro showed stationary rates. The highest homicide rates in the period were single women, black women and women with 4 to 7 years of schooling. It is necessary to build social networks that ensure the full protection of women.

Key words:
Homicide; Women; Brazil; Time-series studies; Epidemiology

Introdução

A violência contra as mulheres se caracteriza como um grave problema de saúde pública, por resultar em anos potenciais de vida perdidos, incapacidade, dor e desconforto para as mulheres, e por seu impacto na sociedade, implicando morbidade e mortalidade11 Costa JSD, Victora CG. O que é "um problema de saúde pública"? Rev Bras Epidemiol 2006; 9(1):144-146.. Representa uma grave violação de direitos, que acomete principalmente mulheres jovens, solteiras, pardas, pobres e com baixa escolaridade, vulnerabilizadas por essas condições22 Dias LB, Prates LA, Cremonese L. Perfil, fatores de risco e prevalência da violência contra a mulher. Sanare (Sobral) 2021; 20(1):102-114.. Estudos demonstram que mulheres em situação de violência são mais propensas a serem vítimas de homicídio33 Barros SC, Pimentel DR, Oliveira CM, Bonfim CV. Factors associated with the homicides of women who are victims of violence. Rev Bras Enferm 2021; 74(5):e20200630..

Mundialmente, em 2017, os homicídios de mulheres corresponderam a uma taxa de 2,3 homicídios por 100 mil habitantes do sexo femininos44 United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Global Study on Homicide-Gender-related killing of women and girls 2019 [Internet]. 2019. [cited 2022 jun 13]. Available from: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/gsh/Booklet_5.pdf
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. Cenário agravado pelo fato de mais da metade (58%) dos homicídios serem perpetrados por parceiros íntimos ou outros membros da família, representando uma taxa global de homicídio feminino por parceiro íntimo/família de 1,3 por 100 mil habitantes femininos55 United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Killings of women and girls by their intimate partner or other family members - global estimates 2020 [Internet]. 2021. [cited 2022 jun 13]. Available from: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/statistics/crime/UN_BriefFem_251121.pdf
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.

No Brasil, estudo realizado com a base de dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2019 demonstrou que 7,60% das mulheres do país (de 18 a 59 anos) já sofreram violência por parceiro íntimo em algum momento da vida66 Vasconcelos NM, Andrade FMD, Gomes CS, Pinto IV, Malta DC. Prevalência e fatores associados a violência por parceiro íntimo contra mulheres adultas no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(Supl. 2):E210020.. Este dado é ainda mais preocupante ao destacar as iniquidades que perpassam o âmbito da saúde, sendo que mulheres jovens, pretas, com menor escolaridade e baixa renda representam a maioria dos casos66 Vasconcelos NM, Andrade FMD, Gomes CS, Pinto IV, Malta DC. Prevalência e fatores associados a violência por parceiro íntimo contra mulheres adultas no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(Supl. 2):E210020..

No Brasil, em 2019, a taxa de homicídio de mulheres variou entre os estados de 12,5 a 1,7 casos por 100 mil habitantes do sexo feminino, sendo que Roraima apresentou a maior taxa de homicídio de mulheres no período, e São Paulo a menor77 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da Violência 2020 [Internet]. 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-daviolencia-2020
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. Entre os anos de 2009 e 2019, houve uma redução de 18,4% das taxas de homicídio feminino; no entanto, em 14 das 27 unidades da federação (UF) as taxas aumentaram77 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da Violência 2020 [Internet]. 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-daviolencia-2020
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. Os estados com as menores taxas de homicídios estavam localizados na região Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. As UF com maiores taxas de homicídios femininos foram Acre, Amazonas e Roraima, situadas na região Norte do país77 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da Violência 2020 [Internet]. 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-daviolencia-2020
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Nesse sentido, o feminicídio, tipificado como homicídio de mulheres que ocorrem em decorrência do gênero, é um grave problema de saúde pública e deve ser discutido e combatido88 Brasil. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm
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. No Brasil, em 2019, foram registrados 1.326 feminicídios, sendo que aproximadamente 90% deles foram perpetrados por parceiro íntimo, companheiro ou ex-companheiro. Além disso, mulheres negras e com idade entre 20 e 39 anos representam a maior parcela das vítimas99 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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. Dados sobre o impacto da pandemia nas taxas de feminicídio ainda são escassos, porém observa-se que nos meses de fevereiro e maio de 2020, compreendido como o período de maior distanciamento social, houve aumento da incidência do crime1010 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência contra mulheres em 2021 [Internet]. 2022. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf
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Tendo em vista o impacto social que o feminicídio causa na sociedade, o governo brasileiro elabora estratégias que visam coibir e punir os homicídios de mulheres no país. Nesse sentido, destaca-se a Lei n° 11.340, de 2006, popularizada como “Lei Maria da Penha”, que tipifica como crime a violência doméstica e familiar contra a mulher, criando mecanismos de prevenção à violência contra as mulheres, entre eles a análise de estatísticas com base em dados oficiais1111 Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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. Outro importante marco para o enfrentamento da violência contra as mulheres foi a sanção da Lei nº 13.104, a “Lei do Feminicídio”, de 9 de março de 2015, que altera o Código Penal para qualificar como feminicídio o assassinato de mulheres por razões de gênero e institui pena de reclusão de 12 a 30 anos88 Brasil. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm
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. Diante desse panorama epidemiológico, da relevância do tema para a saúde coletiva e da escassez de estudos mistos sobre homicídio de mulheres na região Sudeste, o objetivo deste trabalho é analisar a tendência temporal de homicídios de mulheres no período de 2007 a 2019 na região Sudeste do Brasil.

Os estudos ecológicos mistos organizam no tempo uma sequência de dados quantitativos, com o objetivo de observar os comportamentos passados e antecipar possíveis resultados1212 Antunes JL, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576.. Assim, seu uso neste estudo pode contribuir científica e socialmente, uma vez que possibilita o subsídio para pesquisas mais específicas e também para a criação, manutenção e avaliação de políticas públicas que combatam e reduzam as taxas de homicídios de mulheres.

Metodologia

Trata-se de um estudo ecológico misto, tendo como unidade de análise os estados que compõem a região Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) e os anos de 2007 a 2019. Foram utilizados dados de notificação dos homicídios de mulheres de 15 anos ou mais registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no período de 2007 a 2019.

Os dados dos homicídios em mulheres foram obtidos via Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e tabulados pelo TABNET, um tabulador de domínio público do Ministério da Saúde, que permite a tabulação de dados e o cruzamento de informações de forma rápida e segura. Os dados foram extraídos no sítio eletrônico e foi aplicado um filtro para o sexo feminino e para o grande grupo da Classificação Internacional das Doenças na sua versão 10 de Agressões de X85-Y09. Os dados foram exportados do DATASUS, via TABNET, em maio de 2022.

Para o presente estudo, o sexo feminino foi associado à identidade de gênero “mulher”, em função de ser esta identidade a mais representativa do sexo e de modo a possibilitar a discussão com demais estudos e políticas públicas. Contudo, salienta-se que a estratificação por sexo feminino pode envolver o homicídio de homens trans, pessoas não binárias e outras identidades de gênero não autodeclaradas no DATASUS.

A escolha da faixa etária se justifica por que, embora a idade fértil seja definida pelo Ministério da Saúde entre 10 e 49 anos, estudos demonstram que tanto a violência quanto os homicídios de mulheres aumentam significativamente após os 15 anos de idade, sendo que mulheres jovens apresentam os maiores indicadores, enquanto em idades inferiores a essa os valores são mínimos1313 Gomes VR, Lima VLA, Silva AF, Silva AV, Paixão VAP. Homicídio de mulheres vítimas de violência doméstica: revisão integrativa. R Enferm Cent O Min 2016; 6(3):2439-244.,1414 Amaral NA, Amaral CA, Amaral TLM. Mortalidade feminina e anos de vida perdidos por homicídio/agressão em capital brasileira após promulgação da Lei Maria da Penha. Texto Contexto Enferm 2013; 22(4):980-988.. Além disso, a transição demográfica que perpassa o cenário brasileiro torna relevante observar a ocorrência de homicídio em mulheres com idade superior aos 49 anos, uma população crescente no país1515 Greene WH. Econometric analysis. New Jersey: Prentice-Hall; 2001.. A escolha da região Sudeste se justifica pela necessidade de observar como se comportam os homicídios de mulheres na região mais “bem-sucedida” em prevenir esses crimes, embora seja importante ressaltar que os dados prévios seguem altos e que qualquer taxa de homicídio é considerado um problema a ser combatido.

Os dados foram classificados segundo cor, escolaridade e estado civil. Foram utilizadas as categorias preta, branca, amarela, indígena e ignorado para definir a cor das mulheres, sendo que a primeira é composta por pardas e pretas. Já a variável escolaridade foi categorizada como: nenhuma, 1 a 3 anos, 4 a 7 anos, 8 a 11 anos, 12 anos ou mais e ignorada. Por fim, o estado civil foi categorizado como: solteira, casada, viúva, separada, outra e ignorada.

Para o cálculo da taxa de homicídio em mulheres, utilizou-se o número de casos de homicídios de mulheres por estado e por faixa etária, no ano de análise, segundo a Classificação Internacional das Doenças na sua versão 10 de Agressões de X85-Y09, dividido pelo número total de mulheres no estado e segundo faixa etária, multiplicado por 100 mil.

Todos os cálculos foram efetuados segundo faixa etária e para cada um dos quatro estados da região Sudeste no ano correspondente. Para a análise dos dados, utilizou-se o pacote Statistical Software for Professional (Stata), versão 16.0. As notificações dos óbitos em mulheres foram apresentadas por meio das frequências absoluta e relativa (percentuais).

Verificou-se, por meio da análise das tendências, o comportamento das taxas de óbitos em mulheres por estados e por idade. Empregou-se o modelo de regressão de Prais-Winsten, em que as variáveis dependentes foram as taxas de óbitos em mulheres por estado (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) e por idade (15 a 19 anos; 20 a 29 anos; 30 a 39 anos; 40 a 49 anos; 50 a 59 anos; 60 a 69 anos; 70 a 79 anos; 80 anos ou mais); e como variáveis independentes, os anos do estudo (2007 a 2019).

Empregou-se o modelo de regressão de Prais-Winsten para corrigir a autocorrelação serial proveniente de séries temporais1212 Antunes JL, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576.,1515 Greene WH. Econometric analysis. New Jersey: Prentice-Hall; 2001., tendo como a variável dependente a taxa de homicídios de mulheres, e a variável independente, os anos do estudo (2007 a 2019). Nesse modelo, as taxas de óbitos foram transformadas para a escala logarítmica. Esse processo é realizado para reduzir a heterogeneidade da variância dos resíduos provenientes da análise de regressão de séries temporais.

Calculou-se também a variação percentual média anual (annual percent change, APC) para cada variável dependente analisada. Para o cálculo, utilizou-se a seguinte fórmula: APC = (-1+10[b1]*100%), em que o b1 refere-se ao coeficiente angular (beta) do modelo de regressão de Prais-Winsten.

Foram estimados os intervalos de confiança de 95% (IC95%) das medidas de APC utilizando-se a seguinte fórmula: IC95% mínimo (-1+10 [b1-t*e]*100%) e IC95% máximo (-1+10 [b1+t*e ]*100%). Os valores dos coeficientes angulares (b1) do modelo de regressão de Prais-Winsten e erros-padrão foram gerados pelo programa de análise estatística Stata, versão 16.0. Nessas expressões, a quantidade t se refere ao percentil de uma curva t de Student padrão com 13 graus de liberdade, tal que o intervalo de -t a t equivale a uma área de 95% sob a curva. Portanto, temos t = 2,160 para um nível de confiança de 95%, considerando o período de 14 anos.

Os resultados da regressão foram interpretados da seguinte forma: tendência crescente se p < 0,05 e coeficiente de regressão positivo; tendência decrescente se p < 0,05 e coeficiente de regressão negativo; ou tendência estacionária se p > 0,05.

Este estudo atendeu às diretrizes “Sex and Gender Equity in Research” (SAGER), que recomenda o uso cuidadoso de sexo e gênero em publicações científicas, padronizando definições a serem utilizadas sempre que forem viáveis ao estudo1616 Heidari S, Babor TF, Castro P, Tort S, Curno M. Equidade de sexo e gênero na pesquisa: fundamentação das diretrizes SAGER e uso recomendado. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(3):665-675..

A presente investigação foi realizada com dados de domínio público, que não possibilitam a identificação individual, por isso dispensam a aprovação de um comitê de ética e pesquisa.

Resultados

Foram registrados 18.415 homicídios de mulheres na região Sudeste entre os anos de 2007 e 2019, sendo 4.917 (26,70%) em Minas Gerais, 1.911 (10,38%) no Espírito Santo, 4.386 (23,82%) no Rio de Janeiro e 7.066 (38,37%) em São Paulo. A Tabela 1 demonstra que 9.691 (53,64%) do total de homicídios em mulheres ocorreram em mulheres pardas, 8.029 (43,60%) em brancas, 55 (0,30%) em amarelas, 18 (0,98%) em indígenas e em 622 (3,38%) a raça/cor foi ignorada. Com relação à escolaridade, 442 (2,40%) não estudaram, 1.841 (9,99%) tinham de 1 a 3 anos de estudo, 5.118 (27,80%) tinham de 4 a 7 anos de estudo, 4.116 (22,35%) estudaram de 8 a 11 anos, 1.105 (6,00%) tinham mais de 12 anos de estudo e 5.793 (31,46%) tiveram a escolaridade ignorada. Mulheres solteiras representaram 10.841 (58,87%) da amostra, 2.921 (15,86%) eram casadas, 913 (4,96%) eram viúvas e 1.235 (6,71%) eram separadas, além disso, 497 (2,70%) se enquadravam em outro estado civil e 2.008 (10,90%) tiveram o estado civil ignorado.

Tabela 1
Distribuição dos homicídios em mulheres segundo características sociodemográficas, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, Brasil, 2007-2019.

Conforme pode ser observado na Tabela 2 e no Gráfico 1, o Espírito Santo iniciou a série histórica com taxa de 12,27 e findou com 6,61, sendo que em 2009 houve o maior registro da taxa de homicídios de mulheres (14,73) (Gráfico 1A). Minas Gerais iniciou a série histórica com taxa de 4,90 homicídios por 100.000 mulheres e terminou com 3,63 homicídio por 100 mil mulheres, sendo que as maiores taxas foram registradas nos anos de 2009, 2014 e 2015 (4,93 por 100 mil mulheres) (Gráfico 1B). No primeiro ano de análise, o Rio de Janeiro apresentava taxa de 5,37, e no último 2,86, sendo que o ano de 2014 corresponde ao ano com a maior taxa registrada (6,03) (Gráfico 1C). Por fim, em 2007, São Paulo tinha taxa de 3,29, e em 2019 caiu para 2,18, sendo que a maior taxa foi observada em 2010 (3,66) (Gráfico 1D).

Gráfico 1
Taxa de homicídio de mulheres por 100 mil. Região Sudeste, 2007-2019.

Tabela 2
Taxa de homicídios de mulheres segundo faixa etária (por 100 mil mulheres) - Região Sudeste, 2007-2019.

Na Tabela 3, observa-se a análise da variação percentual anual (APC). O estado de São Paulo apresentou APC = -3,73; IC95% [-6,09; -1,32], Espírito Santo APC = -5,67; IC95% [-7,11; -4,21], Minas Gerais APC = -2,11; IC95% [-4,87; 0,73] e Rio de Janeiro APC = -3,86; IC95% [-9,54; 2,17]. No estado de Minas Gerais, observou-se, na faixa etária de 20 a 29 anos, APC = -4,70; IC95% [-8,54; -1,51]. O estado do Rio de Janeiro apresentou APC = -2,79; IC95% [-4,77; -1,17] na faixa etária de 20 a 29 anos e, na de 60 a 69 anos, APC = 5,79; IC95% [2,06; 8,88]. São Paulo apresentou APC = -7,35; IC95% [-9,33; -5,33], APC = -5,64; IC95% [-7,66; -3,98], APC = -1,12; IC95% [-4,71; 0,43], nas faixas etárias de 15 a 19 anos, 20 a 29 anos e 40 a 49 anos, respectivamente. Por fim, no estado do Espírito Santo, na faixa etária de 20 a 29 anos, observou-se APC = -8,85; IC95% [-12,31; -5,97], 30 a 39 anos APC= -4,62; IC95% [-7,58; -2,19] e 40 a 49 anos APC = -4,36; IC95% [-7,00; -1,65].

Tabela 3
Tendência e variação percentual média anual da taxa de homicídios de mulheres segundo faixa etária (por 100.000) - Região Sudeste, 2007-2019.

Discussão

Neste estudo, mulheres pretas tiveram as maiores frequências relativas de homicídio feminino, esse achado corrobora a literatura, que demonstra o maior risco de morte em mulheres de raça/cor parda e preta, pois elas acumulam vulnerabilidades - que se tornam barreiras para o rompimento do ato violento, cronificando a violência66 Vasconcelos NM, Andrade FMD, Gomes CS, Pinto IV, Malta DC. Prevalência e fatores associados a violência por parceiro íntimo contra mulheres adultas no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(Supl. 2):E210020..

Além disso, a distribuição dos homicídios de mulheres se diferencia quanto à escolaridade, sendo que mulheres com 4 a 7 e com 8 a 11 anos de estudo, correspondentes aos anos de educação básica, tiveram as maiores proporções de homicídios no período de observação. Tais achados corroboram outros estudos que demonstram que a escolaridade, em especial o ensino superior, pode ser um fator protetivo para a violência contra as mulheres1717 Pinto IV, Bernal RTI, Souza MDFMD, Malta DC. Fatores associados ao óbito de mulheres com notificação de violência por parceiro íntimo no Brasil. Cien Saude Colet 2021; 26(3):975-985., visto que essas mulheres passam a ter maiores habilidades para identificar atos de violência e buscar serviços de atenção e proteção à mulher. A escolaridade também favorece a autonomia financeira, que por seguinte facilita o rompimento de relacionamentos abusivos1717 Pinto IV, Bernal RTI, Souza MDFMD, Malta DC. Fatores associados ao óbito de mulheres com notificação de violência por parceiro íntimo no Brasil. Cien Saude Colet 2021; 26(3):975-985.. No entanto, deve-se salientar que essa variável não pode ser considerada de forma isolada, tendo em vista que pode estar relacionada aos demais determinantes de saúde, como nível socioeconômico, que podem estar relacionados com uma maior exposição à violência1818 Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Jorge MHM, Silva CM, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the ef-fect, progress made, and challenges ahead. Lancet 2011; 377(9781):1962-75.. Destaca-se ainda que, neste estudo, 5.793 (31,46%) mulheres tiveram a escolaridade ignorada, dificultando a análise dos resultados.

O Espírito Santo foi o estado com maior taxa de homicídios de mulheres em todo o período do estudo e apresentou maior redução da taxa em termos de porcentagem (55,29%). Em seguida, os estados com maiores taxas foram: Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Observa-se que as taxas decrescentes de homicídios entre mulheres na região Sudeste não são homogêneas, visto que apenas dois estados da região, São Paulo e Espírito Santo, conseguiram diminuir a incidência desse crime, enquanto Minas Gerais e Rio de Janeiro permanecem com taxas estacionárias.

A implementação de políticas de segurança pública é apontada como a principal causa da redução das taxas de homicídio geral no Espírito Santo1919 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Uma avaliação de impacto de política de segurança pública: o Programa Estado Presente do Espírito Santo [Internet]. 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/4954-td2543.pdf
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/a...
. Entre 2010 e 2014, estruturou-se o programa “Estado Presente em Defesa da Vida”, que foi retomado em 2019, com foco em três ações prioritárias: infraestrutura, proteção policial e proteção social, sendo que, para a última, foi incluído investimentos no Centro de Referência da Mulher1919 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Uma avaliação de impacto de política de segurança pública: o Programa Estado Presente do Espírito Santo [Internet]. 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/4954-td2543.pdf
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/a...
. Entre os projetos do eixo social do Programa Estado Presente, cita-se o “Homem que é Homem” e a “Patrulha Maria da Penha”, criados em 2015 e 2016, respectivamente, cujos objetivos são a prevenção, redução e colaboração para o enfrentamento da violência intrafamiliar e de gênero2020 Espírito Santo. Projetos do Eixo Social do Programa Estado Presente [Internet]. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.es.gov.br/Noticia/projetos-do-eixo-social-do-programa-estado-presente
https://www.es.gov.br/Noticia/projetos-d...
. Como consequência, têm-se uma melhor assistência às mulheres vítimas de violência e, como consequência, a redução de casos de agressões fatais no Espírito Santo.

Além disso, percebe-se aumento do número de denúncias de violência contra as mulheres em algumas cidades do ES no período de 2016 a 2018, sendo esta uma possível explicação para a redução das taxas de homicídio no estado2121 Rizo SA, Teodoro TST, Sgheidegger EF, Salarolli LL, Silva TM. Uma análise do aumento das denúncias de violência contra a mulher em 3 cidades do sul do estado do Espírito Santo: ineficácia ou conscientização? Cad Camilliani 2021; 15(3-4):889-909.. Contudo, fatores como a diminuição da população jovem e uma nova configuração dos mercados ilegais também podem ter relação com a redução desse indicador2222 Oliveira DCN, Violência homicida no Espírito Santo: relações de causalidade e políticas públicas. Anais do Seminário de Ciências Sociais PGCS-UFES 2019. 2019. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/scs/article/view/28719
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Embora sucessivamente modificado e recentemente ameaçado por tentativas de revogação, o Estatuto do Desarmamento de 2003 é apontado como fator relevante na redução da mortalidade no país até o ano de 2017, com forte influência em São Paulo77 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da Violência 2020 [Internet]. 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-daviolencia-2020
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. Além disso, em 2017 o estado tinha 14 dos 20 municípios com mais de 100.000 habitantes menos violentos do Brasil2323 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da Violência: retrato dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: Ipea; 2019..

São Paulo se destaca também por ter sido o primeiro estado a instalar a Delegacia da Mulher, cujo objetivo era acolher mulheres vítimas de violência, e a primeira Casa-Abrigo do país para mulheres em situação de risco de morte2424 Diniz SG, Silveira LP, Miriin LA. Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra as mulheres no Brasil (1980-2005) - alcances e limites. São Paulo: Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde; 2006.. Os equipamentos de prevenção ao feminicídio (delegacias de defesa à mulher e as casas-abrigo) têm relação com as taxas de homicídio registrados. Nesse sentido, estudo demonstra que apenas duas capitais estão de acordo com a Norma Técnica de Padronização das Delegacias da Mulher de 2010, sendo São Paulo uma delas2525 Simon CR, Guimarães RB. Mulheres assassinadas no Brasil: o que revela e esconde os mapas? XIV encontro nacional de pós-graduação e pesquisa em geografia. 2021. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://editorarealize.com.br/editora/anais/enanpege/2021/TRABALHO_COMPLETO_EV154_MD1_SA162_ID287717112021111158.pdf
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, contribuindo portanto para manter baixas taxas de feminicídio no estado. A redução também pode ser explicada pela criação da “Coordenação de Políticas para a Mulher do Estado de São Paulo” em 2012, cujo objetivo é fomentar a implementação de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero e eliminem atos de violência contra as mulheres2626 São Paulo. Coordenação de Políticas para a Mulher [Internet]. 2021. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/mulheres/
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A diminuição nas taxas de homicídios nesses estados deve ser analisada com cautela, uma vez que, de maneira concomitante à queda desse indicador, foi observado aumento do número de mortes violentas por causa indeterminada99 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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. Em 2013, estimou-se que 73,9% dessas mortes correspondiam a homicídios que não foram tipificados como tal2727 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mapa dos homicídios ocultos no Brasil [Internet]. 2013. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1848.pdf
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. Assim, a piora no registro de dados de mortalidade pode mascarar a real situação de homicídios, e São Paulo merece destaque nesse sentido, visto que em 2018 a taxa de mortes violentas com causa indeterminada superou a taxa de homicídios no estado99 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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Apesar das políticas públicas implementadas, a tendência das taxas de homicídio de Minas Gerais e Rio de Janeiro são estacionárias. Os mineiros contam com a “Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher em Minas Gerais”, criada em 2006, que desenvolve ações para efetivar as políticas públicas de proteção à mulher2828 Minas Gerais. Integração da Gestão em Segurança Pública [Internet]. 2021. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.seguranca.mg.gov.br/ajuda/page/360-integra
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. Outro aspecto importante para o controle da violência contra as mulheres no estado é a “Coordenadoria de Políticas para Mulheres”, que visa, além de implementar um fluxo de atendimento à mulher vítima de violência, estabelecer relações igualitárias de gênero e a saúde integral2929 Minas Gerais. Rede de enfrentamento à violência [Internet]. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: http://conselhos.social.mg.gov.br/cem/index.php/servicos-a-populacao/rede-de-enfrentamento-a-violencia
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. O Rio de Janeiro, por sua vez, tem o “Conselho Estadual dos Direitos da Mulher”, que atua no desenvolvimento de políticas públicas de proteção e redução da discriminação de gênero3030 Rio de Janeiro. Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres [Internet]. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.cedim.rj.gov.br/historico_cedim.asp
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Essas iniciativas foram fundamentais para reduzir ou conter os homicídios contra as mulheres, porém este estudo evidencia a necessidade de fortalecimento das políticas implementadas e o desenvolvimento de novas políticas que extrapolam as instituições de segurança e justiça - alcançando a saúde e a educação, por exemplo - e viabilizem a prevenção e a redução mais expressivas das taxas de homicídios cometidos contra as mulheres.

Ao estratificar por idade, as taxas de homicídio de mulheres jovens (de 20 a 29 anos) diminuíram nos quatro estados da região. A redução de homicídios de mulheres jovens é extremamente positiva para o desenvolvimento do país e parece refletir o impacto do crescente movimento social de mulheres na América Latina. Em 2015, mulheres em sua maioria jovens, protagonizaram o movimento conhecido como “Nenhuma a menos” expondo nas ruas a luta contra o feminicídio3131 Lima AG. "Nenhuma a menos" 1: o movimento feminista e o enfrentamento ao feminicídio na américa latina. In: 13º Congresso Mundos de Mulheres & Seminário Internacional Fazendo Gênero XI. Florianópolis; 2017. p. 1-13.. Também são essas jovens que têm construído estratégias coletivas de enfrentamento à violência com base no cotidiano de mulheres, com dimensões associadas ao suporte e à constituição de um empoderamento solidário, sendo também singular3030 Rio de Janeiro. Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres [Internet]. [acessado 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.cedim.rj.gov.br/historico_cedim.asp
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As mulheres com idade superior a 59 anos apresentaram valores crescentes ou estacionários de homicídio em todos os estados analisados. Entre as causas de homicídio contra a mulher idosa, destacam-se a dificuldade para denunciar a violência, o que é causa e consequência da compreensão de que a violência contra as mulheres é um problema das mulheres mais jovens3333 Macpherson M, Reif K, Titterness A, Macquarrie B. Older women and domestic homicide. In: Jaffe P, Scott K, Straatman A-L, editors. Preventing Domestic Homicides. Academic Press; 2020. p. 15-37.. Autores expõem que a ocorrência de homicídios em mulheres mais velhas está associada a vulnerabilidades entrecruzadas, como as de classe social, de escolaridade e de deficiência, sendo o seu enfrentamento associado ao reconhecimento dessas vulnerabilidades por pessoas mais próximas e pela sociedade3333 Macpherson M, Reif K, Titterness A, Macquarrie B. Older women and domestic homicide. In: Jaffe P, Scott K, Straatman A-L, editors. Preventing Domestic Homicides. Academic Press; 2020. p. 15-37..

Embora a maioria dos homicídios do conjunto de estados da região Sudeste seja de mulheres brancas e amarelas, possivelmente refletindo a realidade de São Paulo, este estudo revelou que em três dos quatro estados do Sudeste as mulheres pardas foram as principais vítimas fatais da violência. As taxas de violência letal contra mulheres pardas e pretas no Brasil seguem altas se comparadas às das mulheres brancas e reforçam a histórica desigualdade que vivem essas mulheres nas esferas do trabalho, da saúde e da família3434 Monteiro MFG, Romio JAF, Drezett J. Is there race/color differential on femicide in Brazil? The inequality of mortal-ity rates for violent causes among white and black women. J Human Growth Develop 2021; 31(2):358-366.. Essas taxas acompanham as maiores taxas de outras formas de violência doméstica que essas mulheres vivenciam3434 Monteiro MFG, Romio JAF, Drezett J. Is there race/color differential on femicide in Brazil? The inequality of mortal-ity rates for violent causes among white and black women. J Human Growth Develop 2021; 31(2):358-366..

Por fim, estudos demonstram que o distanciamento social imposto como forma de controle do vírus Sars-CoV-2 tem relação com o aumento da incidência de violência contra grupos vulneráveis, como as mulheres3535 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. Violence against women, children, and adolescents during the COVID-19 pandemic: overview, contributing factors, and mitigating measures. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420.,3636 Okabayashi NYT, Tassara IG, Casaca MCG, Falcão AA, Bellini MZ. Violência contra a mulher e feminicídio no Brasil-impacto do isolamento social pela COVID-19. Braz J Health Rev 2020; 3(3):4511-4531.. Dessa forma, ressalta-se a importância de novos estudos que analisem o comportamento dos homicídios de mulheres nos anos pandêmicos.

O estudo apresenta limitações inerentes à origem dos dados (secundários), uma vez que são atualizados periodicamente, o que pode alterar os resultados, a depender das datas de acesso. O uso de unidades como UF para análise pode mascarar as desigualdades que são observadas em unidades de análises menores. Além disso, há incerteza sobre o aumento do número de registros de homicídios femininos retratar um real crescimento dos casos ou a diminuição da subnotificação, visto que a instituição da Lei do Feminicídio é recente e foi acompanhada por um maior incentivo à visibilidade pública dos assassinatos violentos de mulheres. Como outra limitação, o estudo não analisa os eventos de intenção indeterminada.

Conclusão

O Espírito Santo apresentou as maiores taxas de homicídio de mulheres, seguido de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Apenas Espírito Santo e São Paulo apresentaram taxas decrescentes de homicídio de mulheres entre 2007 e 2019.

Ao analisar as faixas etárias, em São Paulo as taxas foram decrescentes nas idades de 15 a 59 anos e estacionárias nas demais. Minas Gerais apresentou taxas decrescentes nas idades de 15 a 29 anos e se manteve estacionária nas demais. No Espírito Santo as mulheres de 20 a 49 tiveram taxas decrescentes, sendo estacionárias nas demais idades. O Rio de Janeiro foi o único estado que apresentou taxas crescentes, na faixa etária de 60 a 69 anos, além disso, apresentou taxas decrescentes nas idades de 20 a 29 anos e estacionária nas demais.

A análise da tendência temporal de homicídios em mulheres no período avaliado na região Sudeste do Brasil demonstrou dados preocupantes. Torna-se urgente, portanto, a construção de redes sociais, de forma a viabilizar a proteção integral das mulheres, mediante a responsabilidade coletiva e a constituição de uma metodologia interdisciplinar e interinstitucional de trabalho social. É importante também um trabalho que identifique estratégias de proteção e defesa dos direitos da mulher compatíveis com os recursos disponíveis. Este é um convite para a compreensão do outro, uma relação que se dá no cotidiano do cuidado.

Agradecimentos

Ao Nupesv - Núcleo de Estudos e Pesquisa em Vacinação - CNPq -, pelo apoio na realização deste estudo.

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Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2022
  • Aceito
    14 Nov 2022
  • Publicado
    16 Nov 2022
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